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Cantinho do João João Correia
A PSICANÁLISE EM TRÊS ACTOS
I ACTO
A psicoterapia poderia ser um mistério para muitos, mas não certamente para o Dr. Gerald. O mesmo partilhava o seu consultório com sua esposa, também profissional da área. A área da psique humana ou, como eles carinhosamente a apelidavam, a “psi”.
Lewis, por sua vez, nunca se deitou no divã pois, ciente das complexidades que o conduziam semanalmente às consultas com Gerald, assumia que as mesmas eram menos complicadas no conforto relativo da poltrona. Esta encontrava-se estrategicamente colocada no canto lateral direito oposto àquele onde Gerald se sentava também, numa poltrona, em tudo, igual. Graças à sua localização, em momento algum ficavam sentados de frente um para o outro porém, a visão periférica de ambos permitia, desde que sentados direitos com as mãos colocadas nos braços das respectivas poltronas, percepcionar a presença de cada um e, por sua vez, tudo se compunha num gabinete espaçoso, mas não amplo, organizado como se assumisse que a descoberta dos egos exigia um espaço físico confortável, mas não demasiado grande não fossem os egos transformar-se repentinamente, e de forma indesejada, em alter ego ou super ego, ou em qualquer outra coisa do género apenas devido a um erro na gestão do espaço em que ambos se encontravam, semana após semana.
O estratagema da visão periférica funcionava bastante bem, de tal forma que Gerald quase se desabituou de comunicar olhando para as pessoas de frente, como se tal não fosse necessário e, como se o seu outro sistema comunicacional evitasse constrangimentos. Quem falava e escutava, de acordo com

CANTINHO DO JOÃO
João Correia
MAS CONFISSÃO NÃO É PSICANÁLISE
este seu método, sentia a presença do outro, vendo-o com a sua visão periférica e não se sentia forçado a mais. Nem a expressar-se corporalmente transmitindo involuntariamente sinais ao outro, nem tendo os reflexos mímicos de quem fala, frente a frente, com o outro. Na realidade, sabia Gerald que a tentação de imitar os gestos, a entoação, as expressões faciais de um interlocutor é um instinto humano indispensável à sua sobrevivência, mas Gerald queria contrariar essa tendência. Comunicaria com os seus pacientes, cada qual na sua poltrona, colocada cada uma no seu canto, cada canto ao lado um do outro de forma a que, caso fosse possível traçar uma linha recta saindo dos olhos de Gerald e do seu paciente, cada uma delas em direcção ao canto oposto, ambas se cruzariam a dado ponto e seguiriam formando um X no centro da sala onde se sentavam. Na realidade, os padres faziam algo semelhante no confessionário, mas aí, evitavam mesmo qualquer contacto visual ou, quando o havia, o mesmo era apenas fugaz, como se por acidente se tratasse. Mas confissão não é psicanálise.
Por sua vez, neste registo, Lewis desabafava sobre o principio do fim dos seus problemas ou, pelo menos, do que ele achava que seria o principio, do que seria o fim e por fim, do que seriam os seus problemas pois, como Gerald lhe disse uma vez, o fim dos seus problemas não seria mais do que um problema de principio. Ou seja, Gerald era confuso e era isso que o tornava encantador.
Cumprimentavam-se, sentavam-se e, nesse momento, iniciava-se a sessão.
(continua)