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Flores na Abíssinia Carla Coelho

FLORES NA ABISSÍNIA

Carla Coelho

RECEBO A NOTÍCIA COM ALEGRIA. PAULINE CHIZIANE GANHOU O PRÉMIO CAMÕES ESTE ANO.

Descobri-a no ano passado em pleno confinamento pandémico. Senti alguma vergonha por ter demorado tanto tempo a chegar a ela. Afinal tem muitos livros publicados em Portugal e eu sou uma leitora que luta contra o cânone. Mas enfim, as coisas são como são e o que posso dizer é que, uma vez descoberta a escrita desta autora moçambicana, ela passou a fazer parte dos meus escritores de cabeceira. Aqueles que nunca me abandonam e que fazem parte do meu dia–a-dia de tal modo que se a encontrasse na rua creio que me dirigiria a ela com uma familiaridade que, em termos puramente sociais, é inexistente.

O primeiro livro que li dela foi O Sétimo Juramento, tendo-se tonado uma das minhas obras favoritas. A acção decorre em Moçambique e tem na família constituída por David e Vera o ponto de partida. Ele é director de uma fábrica e ela dona de casa, procurando ambos reproduzir o modelo vivencial europeu, afastando-se das suas raízes africanas. Vivem de modo confortável, Vera subjugada às vontades e apetites do seu marido e senhor, que se esforça por antecipar.

Neste ponto, a realidade descrita por Chiziane encontra eco na escrita de outras autoras como Oyinkan Braithwaite no seu livro de estreia A minha irmã é uma serialkiller. Para além do amarfanhamento de Vera o problema mais evidente da família é a estranha doença do filho Clemente, com crises que são entendidas

como ataques de loucura. O frágil equilíbrio da família desvanece-se logo nas primeiras páginas do livro. A contestação dos trabalhadores na fábrica leva David, já numa espiral descendente no início do livro, a perder-se cada vez mais, numa descida aos infernos que vamos acompanhando quase como se estivéssemos com ele nos vários episódios. Em busca de soluções David acaba por se envolver com magia negra. E mais não digo, para não estragar futuras leituras!

A este livro seguiu-se a leitura de Balada de Amor ao Vento e O Alegre Canto da Perdiz. Ambos confirmaram as minhas impressões iniciais que, aliás, conduziram a que presenteasse vários amigos com obras desta autora nos respectivos aniversários.

Chiziane é uma contadora de histórias por excelência, termo que prefere à designação de escritora.

CHIZIANE CHIZIANE

Sem nunca perder a ligação a Moçambique e às suas tradições (a magia negra e a poligamia são temas frequentes), a sua imaginação servida por uma linguagem rica e fluída puxa-nos para as suas histórias que evocam experiências e emoções que são comuns a todos os povos. A luta entre o Bem e o Mal, a paixão, as desilusões, a exploração do ser humano pelo seu semelhante, bem como a riqueza e a plenitude da natureza atravessam as suas obras de cuja leitura saímos mais ricos no modo como vemos o mundo.

Paulina Chiziane nasceu em 1955 em Moçambique e tem uma vasta obra publicada em Portugal.

Para quem não conhece, deixo a sugestão, agora reforçada pela atribuição do mais elevado galardão de letras lusófonas.

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