5 minute read

As “ameaças” da acção executiva Fernanda de Almeida Pinheiro

AS “AMEAÇAS” DA AÇÃO EXECUTIVA

As “ameaças” da Ação Executiva

FERNANDA DE ALMEIDA PINHEIRO

Todos sabemos que com a reforma de 2003 a ação executiva criou um novo operador judiciário, o então denominado Solicitador/a de Execução e que mais tarde, em 2009, passou a denominar-se simplesmente por Agente de Execução, sendo este (ou um oficial de justiça) o responsável pela realização das diligências de penhora levadas cabo no âmbito de processo judicial executivo.

A alteração legislativa em causa, gizada pela então pela Senhora Ministra da Justiça, Dra. Celeste Cardona, visava imprimir uma maior celeridade ao processo executivo, de forma a garantir ao credor a rápida recuperação dos seus créditos, salvaguardando a garantia dos direitos processuais dos/as executados/as, quando confrontados/as em juízo sobre as suas obrigações.

Ora, nunca é demais recordar que a maioria dos títulos executivos que se encontram plasmados no artº 703º do Código do Processo Civil (CPC) não são sentenças judiciais, que nos oferecem já uma certeza jurídica compaginável com aquilo que será a execução do património do/a Executado/a, para concretização efetiva do que já foi declarado pela justiça através dos Tribunais.

De facto, e bem ao contrário dessa realidade, a esmagadora maioria das ações executivas que são tramitadas nos nossos tribunais têm por base os títulos executivos referidos na alínea c) e d) do supra mencionado 703º do CPC, ou seja, são os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal e que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, são os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos e são também os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva, ocupando os títulos de crédito a maior parte desses processos judiciais, por via da atividade das instituições financeiras e de crédito ao consumo .

Se até 2013 uma simples oposição à execução por parte dos/as Executados/as fazia cessar, de imediato, a tramitação processual, e bem assim as diligências de penhora sobre os bens do devedor, até que o tribunal declarasse o direito sobre a ação (título) em causa, em 2013, com a alteração imposta pelo NCPC, essas diligências passaram a cessar apenas na presença de algum dos motivos elencados no artº 733 do CPC, sendo um deles (e talvez o mais habitual) o da prestação de caução.

Sucede que, na esmagadora maioria dos casos, essa caução não é prestada por manifesta falta de capacidade financeira dos/ as visados/as, que não conseguem dispor, no imediato, para entregar nos autos, o montante correspondente ao valor da ação e despesas do processo, para poder discutir a demanda sem que seja afetado o seu património.

Significa isto, como consequência prática desta realidade, que na esmagadora maioria dos processo, mesmo que sejam deduzidos embargos, continuam a ser executadas diligências de penhora, até que um tribunal venha declarar se têm, ou não provimento, podendo até suceder, como já vi acontecer, que o processo seja pago antes de ser proferida a decisão, tendo o processo sido extinto, por inutilidade superveniente da lide, com base no pagamento, sem que nunca tenham sido julgados e decididos os embargos...

E é assim que os/as executados/as vão vendo o seu património ser penhorado durante anos a fio, sem que sequer se encontrem representados em juízo por advogado/a, o que sucede quando o valor da ação é inferior ao da alçada do tribunal da primeira instância, ou quando, sendo superior e esse montante, não forem deduzidos embargos, o que significa, na prática, que a esmagadora maioria do/as cidadão/ãs comuns, são parte num processo onde desconhecem as suas possibilidades de reação judicial contra a ação que contra si foi instaurada, como também a idoneidade do título que foi dado pelo credor à execução, a existência (ou não) da obrigação, os limites

legais das penhoras, ou o tipo de bens que podem ser objeto das mesmas.

E é assim possível que pessoas singulares, ou empresas (que em Portugal, na sua esmagadora maioria, são Pequenas e Médias Empresas (PME) ou Micro-Empresas (ME)), podem ser alvo de diligências de penhora que, naturalmente, são realizadas à custa do seu património existente, para saldar as suas alegadas obrigações.

É por isso imperativo que as regras da ação executiva sejam cabalmente cumpridas e os seus intervenientes processuais atuem com o máximo rigor possível, sempre respeitando os direitos legais e pessoais dos visados e as regras deontológicas impostas pelas profissões reguladas.

Em face desta realidade, pese embora não sejam surpreendentes, não deixam de ser chocantes as diversas reportagens jornalísticas que foram exibidas este verão de 2021 (uma delas até acompanhou uma dessas “diligências de penhora de bens móveis”, levada a cabo por uma sociedade que, alegadamente, se dedica a “recuperar créditos”,) não podendo o visionamento das mesmas deixar de nos fazer questionar se, afinal, o processo executivo nacional se transformou numa espécie de faroeste, ou se as regras processuais foram agora substituídas por profissionais que, ao estilo do Xerife de Nottingham, ameaçam e agridem pessoas e os poucos advogados presentes, perante inércia de muitos dos membros de Órgãos de Policia Criminal (OPC) ali presentes, dentro dos seus domicílios pessoais e profissionais, executando penhoras de legalidade muitíssimo duvidosa.

As reportagens em causa que deram origem a dois comunicados, um da Ordem dos Advogados (OA) e o outro da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), evidenciam bem quais as regras legais que são impostas aos operadores judiciários durante este tipo de diligências, os seus limites e a necessidade de constituição de mandatário nestes processos (independentemente do valor da causa), já que um processo judicial não é (nem deve ser nunca), um filme de cinema e nem o Agente de Execução que preside ás diligências, pode receber “ordens” do degradantes do Exequente (como podemos atestar através das imagens e do som transmitidos em mais eu uma das reportagens televisivas), precisamente porque existem direitos pessoais e processuais dos/ as Executados/as que devem ser garantidos, independentemente destes/as serem ou não responsáveis pelo pagamento dos seus créditos perante seus credores.

Talvez a visualização destas reportagens que chocam qualquer um/a habituado a viver há quase 50 anos sobre a égide de um estado de direito democrático, nos faça trazer à luz e ajude a concluir a investigação criminal que se encontra em curso há meses, que terá sido iniciada depois de diversas denuncias das vitimas destas “diligências”, que nos retratam uma realidade tenebrosa e inaceitável, em que alguns (poucos), querem transformar o processo judicial executivo.

This article is from: