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O Até que o património se separe | Fernanda de Almeida Pinheiro

FERNANDA DE ALMEIDA PINHEIRO

Até que o património se separe...

Podemos ler na imprensa deste mês de fevereiro que o acesso ao crédito à habitação vai ser mais difícil para quem tiver entre os 30 e os 35 anos de idade, já que o Banco de Portugal (BdP) propõe que limites de prazo de crédito passem a ser de 37 e de 35 anos, respetivamente.

Estas novas regras surgem num momento em também podemos constatar através da imprensa as casas no país, ficaram quase 50% mais caras nos últimos cinco anos.

Num país em que a média de salários é baixíssima (ronda os 1.000,00€ mensais) e o mercado de arrendamento (especialmente o habitacional), não oferece qualquer alternativa, por via dos elevadíssimos preços das rendas e as exigências garantia dos senhorios/as, torna-se cada vez mais complicado encontrar soluções de habitação para as famílias.

Continuamos a empurrar os/as cidadãos/ ãs para a aquisição de habitação própria

permanente, com todos os seus encargos inerentes (IMI, despesas de condomínio, seguros de vida e seguros multirriscos), que consomem uma grande parte dos seus orçamentos familiares.

Naturalmente, que continuam a maioria das habitações a ser adquiridas em regime de compropriedade ou como património comum de um casal, que depressa de transforma num dos seus maiores e mais complicados problemas, quando existe uma separação.

É cada vez mais difícil manter relacionamentos com uma duração de 30 ou 35 anos, do mesmo modo que se torna praticamente impossível

conseguir suportar, com o rendimento apenas de um dos membros do casal todas as despesas da habitação e de vida, quanto

mais conseguir adquirir para si, oferecendo tornas ao outro, a sua parte desse património comum.

Quer isto dizer que sempre que existe uma rutura familiar, para além da separação emocional, da complicadíssima partilha dos tempos das crianças nascidas desses relacionamentos, os membros dessa família desfeita vão ainda ter de endereçar a separação do seu património, que quase sempre se resume à “casa de morada de família” e que vai acarretar mais uma alteração drástica do modo de vida existente até ali, principalmente para as crianças, as suas escolas e os seus amigos.

A esta realidade acresce o facto de estarem muitas vezes envolvidos neste processo de aquisição de habitação os familiares diretos dos cônjuges (os pais de cada um

“Num país em que a média de salários é baixíssima (ronda os 1.000,00€ mensais) e o mercado de arrendamento (especialmente o habitacional), não oferece qualquer alternativa, por via dos elevadíssimos preços das rendas e as exigências garantia dos senhorios/as, torna-se cada vez mais complicado encontrar soluções de habitação para as famílias.”

dos cônjuges, senão ambos), levando a que esta separação de património possa também representar uma preocupação e um risco para toda a família alargada que se desfaz, principalmente se existe já algum incumprimento do crédito. Uma outra questão que surge prende-se com a postura das instituições de crédito que raramente aceitam desonerar o mutuário do seu empréstimo, ainda que o outro passe a assumir sozinho o encargo com o mesmo.

Naturalmente que também estas questões acabam por dificultar a vida ao mutuário que cede a sua parta de casa, já que ficará com esta responsabilidade reportada no BdP, o que significa que o seu acesso ao crédito será também, por via desta situação, ainda mais restrito.

Por via de tudo isto, aquele que foi um sonho comum, de um espaço seguro de crescimento da família, depressa se transforma num dos seus piores pesadelos, que poderá levar anos a resolver e ultrapassar.

Ora, se por um lado o artº 65º da Constituição da República Portuguesa (CRP), refere no seu número 1 que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. E esclarece que (…) incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação (…) b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. E que “O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”, em

que medida estão a ser cumpridos estes preceitos da Constituição?

É, por isso, urgente focar esta realidade e apresentar soluções concretas e soluções para melhorar o direito de acesso à habitação das famílias, assegurando que o mesmo não possa ser colocado em risco por via de uma separação de vida em comum e de um património.

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