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Pano para mangas Margarida Vargues

PANO PARA MANGAS

Margarida Vargues

Há lá coisa melhor que um caderno a estrear, uma esferográfica, ou lapiseira, de pontas macias e uma tarde com todo o tempo do mundo? Haver, até há, mas não cabe no universo da escrita, pelo menos desta que faço sobre o papel.

As minhas folhas, ainda virgens de palavras e, sobretudo, de emoções e sentimentos - não tenho como os separar uns dos outros - estão, ainda, sobre a cama, junto da qual gosto de me sentar. Passo muitas horas de pé ou em cadeiras pouco confortáveis, por isso o prazer do chão frio, da subtileza do tapete ou do acolchoado de um almofadão são o conforto que me acompanha nesses momentos. Hoje escrevo um poema sem nexo. Amanhã uma frase solta que me vem à cabeça - quem sabe não a consigo transformar em seiscentas ou setecentas palavras… E depois uma teoria sobre o absurdo que é ter a mania de que se sabe escrever, como a que me acompanha desde que, no terceiro ano da Primária, a minha professora elogiou um qualquer texto que escrevi na altura.

Desde então nunca mais parei. Escrevinho. Escrevo Apago. Amarroto. Deito fora. Mais tarde, volto a fazer tudo como se nada se tivesse passado anteriormente. Já perdi a conta aos caracteres desenhados. Já perdi o rasto às palavras

o PRAZER da ESCRITA

abandonadas e não consigo contabilizar o que depois de escrever já editei. No fim, apenas há lugar para aquilo que julgo ser perfeito - e ainda assim fico, muitas vezes, na dúvida. Ou será insegurança?

Guardo outras! Que carregam saudade, carinho, tristeza, alegrias sem fim, felicidade e até esquecimento.

Lembro-me de há quase três décadas ter um diário, no qual registava os meus dias, porém alguns havia em que apenas tinha expressão para “O dia de hoje foi tão bom, que nunca o hei de esquecer!”

Que ilusão! Que engano de alma! Que sacrilégio! À distância dos anos, pego nesse mesmo diário e leio o que está antes e depois destes tais “dias inesquecíveis”, mas nem uma pequena chama aviva a minha memória.

Tenho fé que a idade e a senilidade mos tragam de volta, não tanto pela saudade que possam provocar, mas pela curiosidade de querer saber o que hoje me está vedado - não se diz que com o avançar da vida nos lembramos de coisas que julgávamos esquecidas?

Há dias encontrei, também, “recadinhos de liceu”. Não havia telemóveis e a tecnologia mais moderna que nos passava pelas mãos eram pequenos pedaços de papel onde, com lápis ou esferográfica, combinávamos encontros depois das aulas, idas ao Rotunda - o café onde se encontrava meio mundo e mais alguém, onde íamos para ver e sermos vistos - ou à Bijou para uma partida de Tetris, nas muito disputadas máquinas que lá havia, entre trocos de vinte escudos e o fumo do tabaco que nos toldava a vista e se entranhava na roupa.

Era nesses momentos que também planeávamos faltar às aulas - o cerco não era tão apertado como hoje em dia e, até ficarmos tapados com faltas, ninguém se preocupava em comunicar as nossas ausências aos Encarregados de Educação. Era quase até ao limite.

Já na faculdade, era também em papel que escrevia

verdadeiros tratados de cábulas. Minúsculos livrinhos, de páginas com frente e verso, agrafadas

ao meio que ainda guardo, mas que já não consigo ler - pelo menos uma grande parte. Não que se tenham apagado, os meus olhos é que já não são os mesmos! Ficavam quase sempre por usar, mas fazia-as. Eram uma espécie de porto de abrigo que levava escondido na roupa para o caso de ser apanhada por alguma tempestade.

E entre páginas escritas, muitas são as que são lidas. A escrita e a leitura são, para mim, indissociáveis. A minha estante é habitada por nomes de vários continentes, e assuntos sem fim. Preciso, até, de comprar uma nova, pois o espaço já escasseia, e livros e cadernos começam a ficar sobrepostos num caos ordenado por quem conhece as lombadas de cor. O carteiro teima em trazer-me livros de duas em duas semanas e é-me impossível sair de uma livraria sem que um qualquer volume venha colado às minhas mãos.

Com os cadernos acontece exactamente o mesmo…

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