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Educação socioemocional na infância: um relato de experiências com crianças de cinco anos - Gabriela Vitória Seibel

EDUCAÇÃO SOCIOEMOCIONAL NA INFÂNCIA: UM RELATO DE

EXPERIÊNCIAS COM CRIANÇAS DE CINCO ANOS

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Gabriela Vitória Seibel 9

Cuidar de si e do outro faz parte das aprendizagens e do desenvolvimento emocional de todos os indivíduos e está muito presente na Educação Infantil. Estabelecer limites e comportamentos em relação a si e ao outro é fundamental para que possamos nos relacionar em grupo, trabalhar em equipe, ter empatia e protagonismo social.

A Base Nacional Comum Curricular prevê cinco campos de experiências a serem desenvolvidos nesta etapa da escolarização. Um dos campos é intitulado “o eu, o outro e o nós” e destaca:

Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio. Por sua vez, no contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas, que geralmente ocorre na Educação Infantil, é preciso criar oportunidades para as crianças ampliarem o modo de perceberem a si mesmas e ao outro, valorizarem sua identidade, respeitarem os outros e reconhecerem as diferenças que nos constituem como seres humanos. (BNCC, 2016, p. 36).

Percebemos, então, que além de ser um direito das crianças, tratar sobre as relações interpessoais e intrapessoais foi uma demanda deste grupo, que apresentava resistência ao conversar sobre sentimentos e di culdade na resolução de con itos. Por isso, a equipe de psicologia da escola iniciou um projeto sobre os sentimentos e os comportamentos que eles nos levam a ter, intitulado “Zip Sentimentos”.

O projeto possibilitou que conversas mais complexas sobre os sentimentos pudessem acontecer em diferentes momentos da rotina.

A partir disso estendemos estas propostas para o nosso planejamento e, utilizando diferentes linguagens, conhecemos os sentimentos, começando pelas seis emoções básicas: amor, raiva, medo, tristeza, nojo e alegria, e ampliamos nossa re exão para os outros tantos sentimentos existentes.

A partir disso estendemos estas propostas para o nosso planejamento e, utilizando diferentes linguagens, conhecemos os sentimentos, começando pelas seis emoções básicas: amor, raiva, medo, tristeza, nojo e alegria, e ampliamos nossa reflexão para os outros tantos sentimentos existentes.

Identi camos estas emoções através das expressões faciais e corporais: como nosso corpo ca quando estamos com raiva? O que fazemos quando sentimos amor? Percebemos em quais momentos do nosso cotidiano escolar (e fora dele) estes sentimentos acontecem e quais eram os comportamentos que apareciam nestas situações.

Mas como conseguimos fazer isso com crianças pequenas? Uma das formas que encontramos foi a meditação. Meditar é focar a atenção em algo concreto, que pode ser um objeto, uma narrativa, um som, a respiração, o próprio corpo. Meditar é um processo gradual, que exige paciência e perseverança. A meditação no nosso grupo aconteceu quase diariamente, sendo guiada de diferentes formas: acompanhar uma luz azul imaginária que percorria todas as partes do corpo de cada criança, trazendo calma e tranquilidade; imaginar um banho de mar ouvindo o barulho das ondas; perceber o movimento da barriga ao inspirar e expirar; ou apenas permanecer em silêncio escutando uma música com os sons da natureza, dentre tantas outras.

E quais são os benefícios desta prática com as crianças? “Profe, eu acho que estamos precisando meditar. Está dando muita briga aqui na sala e quando a gente medita a gente organiza nossos pensamentos dentro da cabeça, né?”, disse o Gustavo Castro, e ele tinha toda razão.

Meditar permite, dentre tantas outras coisas, que as pessoas se acalmem, se tranquilizem, fazendo com que tenham atitudes menos impulsivas, conectando-se com suas vontades, desejos e sentimentos, e não seria diferente com as crianças.

Outro instrumento que utilizamos com este grupo para desenvolver a educação socioemocional foi o dado dos sentimentos. O dado foi produzido pelo grupo e em cada lado dele estava uma das seis emoções básicas representadas na forma escrita e com fotos das crianças com expressões faciais que remetiam a cada sentimento. Além do dado car disponível ao alcance do grupo, para que eles utilizassem sempre que sentissem necessidade, realizamos várias rodas de conversa para utilizá-lo, elencando as seguintes perguntas: “Você lembra de ter sentido este sentimento no dia de hoje? Se não, em que momento você lembra tê-lo sentido? O que você fez quando o sentiu? Como poderia ter feito diferente?”. Nestes momentos as crianças re etiam sobre suas atitudes, compartilhavam momentos pessoais com o grupo e juntos pensávamos em melhores formas de agir quando estes sentimentos apareciam: "Ontem eu senti medo, quando tava com meu pai na sala e ele foi pra cozinha pegar água e demorou. Mas eu não z nada, só chorei”, disse o Arthur Torres, sobre o sentimento de medo que caiu ao jogar o dado. Os colegas o ajudaram dando as seguintes dicas:

“Tu podia ter ido na cozinha ver onde teu pai tava.” Arthur Giacomet. “Podia car respirando bem fundo até teu pai voltar.” Nina “Também podia colocar um desenho pra te distrair e curtir a vida até teu pai voltar.” Arthur La Porta “E abraçar teu hamster fo nho!” Pedro Korb

Estendemos este momento, dando-lhe signi cado e registrando gra camente estas conversas, o que possibilitou que as crianças tivessem uma nova oportunidade de re exão sobre os sentimentos. Outro elemento que agregava esta proposta com o dado dos sentimentos era o objeto da palavra, que consiste em um objeto escolhido pelas crianças e tem o papel de mediar uma conversa: quem está com o objeto na mão tem o poder da fala e quem não está tem o poder da escuta. Utilizar este objeto permitiu que exercitássemos e conversássemos sobre a importância dos dois poderes: a fala consciente e a escuta empática. Percebemos a potencialidade deste momento que oportunizou que o grupo se aproximasse, criasse identidade e pudesse agregar diferentes maneiras de resolver con itos e expressar momentos de amor e de felicidade.

A educação socioemocional é um caminho in nito, que deve ser percorrido diariamente e, ao realizarmos estes momentos durante todo o ano, pudemos perceber conquistas muito signi cativas em relação aos cuidados de si e do outro. Nos momentos de brincadeiras (como pega-pega, esconde-esconde e jogos esportivos, por exemplo), foi possível perceber o esforço das crianças para o exercício da democracia: nestes momentos elas pausavam os jogos quando alguém se machucava, mediavam os con itos, negociavam decisões, alertavam em relação ao cuidado com o corpo e as vontades dos colegas.

A educação socioemocional é um caminho infinito, que deve ser percorrido diariamente e, ao realizarmos estes momentos durante todo o ano, pudemos perceber conquistas muito significativas em relação aos cuidados de si e do outro.

Garantir que as crianças tenham a liberdade de expressar a sua opinião, que conheçam e identi quem suas emoções e respeitem as dos que nos rodeiam é uma forma de defender as suas demandas e isso também faz parte da democracia. Aprender a ouvir, a acolher e a ser empático com os colegas é tão importante quanto expressar-se neste processo, pois a democracia e o olhar sensível às relações no cotidiano escolar não são sinônimo de maioria, mas é o exercício de pensar que somos indivíduos compartilhando o mesmo espaço, aprendendo através de trocas e de afeto e por isso é preciso pensar no coletivo.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Governo Federal. Base Nacional Curricular Comum: BNCC. A ETAPA DA EDUCAÇÃO INFANTIL. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCCpublicacao.pdf, visualizado em 18.nov.2017

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