DA CORAGEM Sem ela, de pouco valem a vontade e as outras virtudes. Sendo necessária em todos os tempos, nesta era, de senso comum e falta de apego à procura e afirmação da verdade, a precisão dela é ingente. Constitui a alavanca para quebrar as amarras do conformismo e oportunismo, o acicate para correr o risco de ser personagem atípico nestes dias de demissão e entrega. Somente com o seu arrimo podemos estar verdadeiramente vivos, cultivar obrigações, memórias e sonhos, despejar chuva benfazeja na aridez axiológica, reacender a chama da espiritualidade e da sagração transcendente. É ela que permite avançar, ao colo da dor e nos braços da esperança, pelas plagas da inquietude cruciante, onde a vida respira em noites e dias de pasmo e em alvoradas de espanto. É dela que tem pavor a besta neoliberal, arrasadora do sentido da existência.
CARTAS À UNIVERSIDADE “Todas as cartas de amor são / Ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas./ Também escrevi em meu tempo cartas de amor,/ Como as outras, / Ridículas. / As cartas de amor, se há amor, / Têm de ser/ Ridículas. / Mas, afinal, / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor/ É que são / Ridículas. / Quem me dera no tempo em que escrevia / Sem dar por isso/ Cartas de amor / Ridículas.” Álvaro de Campos CARTA PRIMEIRA: POR CAUSA DO AMOR Estou ciente de que não gostas de cartas. Desaprendeste de as escrever e ler. Aprecias mais os ‘papers’; estes não são exigentes no tocante à observância de regras gramaticais e de padrões estéticos, nem é preciso um vocabulário extenso para os redigir. Também sei que não aprecias os velhos. São uns chatos; citam nomes e livros antigos, e falam uma linguagem que te custa a entender. O pior é que fazem isto de propósito, pelo menos assim parece, para te chatear e causar fastio. Têm a mania de invocar coisas arcaicas e carcomidas pela poeira do tempo; nomeiam princípios, sentimentos e valores gastos e ultrapassados, sem préstimo para orientar o presente. O que é isso de ‘amizade’ e ‘fraternidade’, de ‘comunidade’ e ‘convivialidade’, de ‘partilha’, de ‘compromissos’ e ‘projetos comuns’?! Essa joça passou à história. Mas não desisto de ti. Por muito que te sintas incomodada, vou enviar-te uma série de cartas de amor. Não te rias! Nós, os idosos, podemos perder a capacidade de realizar a função, mas amamos cada vez mais com os olhos e o coração. Devias até estar orgulhosa da nossa conduta, porquanto te honramos e não deixamos ficar mal. Sim, não negamos a ciência e a formação intelectual e racional, nem fazemos a apologia da ignorância. Por exemplo, nunca publiquei no Facebook textos a afirmar que o Covid-19 é invenção de interesses obscuros, e outras atoardas. Olha que isto não é de somenos importância. Devias encarar a hipótese de tirar o diploma e o lugar a gente ‘tua’ (mestres, doutores, professores e editores de revistas) que procede assim. Ela é fontela inquinada de descrédito, de desonra e vergonha para ti. Tu não te importas?! Não te abespinhes, pois, com as missivas que vou enviar. São uma prova do quanto te quero. Lê, com atenção, as palavras; não censures e deturpes a intenção que as inspira e determina. CARTA SEGUNDA: AINDA EXISTE A UNIVERSIDADE? Para início de conversa poderia invocar o famoso pregão de Ortega y Gasset (1883-1955): “Eu sou eu e as minhas circunstâncias; se as não salvo a elas, não me salvo a mim.” O ilustre pensador é autor de um livro que continua atualíssimo e te convinha ler: ‘Missão da Universidade’. Todavia, vou proceder a outra proclamação, aparentemente dissonante na forma, mas idêntica na substância: a universidade não tem que