Nova Antologia de Poetas Londrinenses

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Nova Antologia de Poetas Londrinenses

Nova

Antologia de Poetas Londrinenses

Copyright @2022

ISBN: 978-65-86198-10-2

Londrina- 2022

1ª edição

Concurso Nova Antologia de Poetas Londrinenses promovido pelo Festival Literário de Londrina – Londrix

Organização e Coordenação Editorial Chris Vianna

Editora Assistente Beatriz Vianna Boselli

Projeto gráfico e editoração

Marco Tavares

Comissão avaliadora

Claudia Freitas, Frederico Fernandes, Marcos Losnak

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Nova Antologia de Poetas Londrinenses / Organização Chris Vianna. – Londrina : Atrito Arte, 2022

Concurso Nova Antologia de Poetas Londrinenses promovido pelo Festival Literário de Londrina – Londrix ISBN: 978-65-86198-10-2

1. Literatura Brasileira Poesia. 2. Poesia brasileira.

I. Vianna, Chris. II. Título

Rua Isaías Canete, 685 - Londrina-PR - CEP 86067-020 atritoart@gmail.com - londrixfestival.com.br - (43) 9 9941-7414

Índice

Apresentação 07

Poeta Homenageado

Maurício Arruda Mendonça 09

Poetas Convidados

Célia Musilli 15

Edra Moraes 19 Felipe Pauluk 23 Samantha Abreu 27

Poetas Selecionados

Amanda Midori 33

Ana Cristina Pereira 37 Cesar Augusto Carvalho 41 Danillo Villa 45 Danilo Neiva 49 Erica Lacerda 53 Fernanda de Abreu 57 Fernando Antonio Prado Gimenez 61

Gilberto Julia 65 Henrique Furtado 69

Jackie Rodrigues 73 Jéssica Iancoski 79

Júlia M Bahls 83

Marcelo Felipe Garcia 87 Maurício Pitta 91 Nicolas Moraes 95 Rodrigo Domit 99 Tamiris Anunciação 103 Vanessa Yida 107 Wilson Moreira 111

A cidade como semente

Quando um escritor desponta em uma cidade fora do mainstream literário, leia-se Rio de Janeiro e São Paulo, fes teja-se o talento individual e, não raramente, um percur so de formação autodidata Mas quando o plural entra em cena e um grupo de autores longe do grande eixo chama atenção pelo artesanato literário, significa que toda uma engrenagem foi acionada previamente: antes da fama, criou-se um circuito de leitura competente (dentro ou fora da escola), eventos literários foram exitosos em aproximar jovens criadores e escritores renomados, houve oportunidades para que pessoas com interesses artísticos afins trocas sem ideias e, em especial, concursos impulsionaram a pro dução original e inédita de novos talentos Ou seja, muitos instrumentos precisam funcionar uníssono para a criação de um ecossistema cultural fecundo E não falamos aqui de iniciativas rápidas e pontuais, às vezes, é necessário um in vestimento sério de anos, décadas, para emergir um resul tado consistente

A “Nova Antologia de Poetas Londrinenses” segue essa toada, o concurso se insere em um ciclo de formação de leitores e autores em Londrina, no norte do Paraná, que englo ba atividades escolares e universitárias, eventos literários, concursos e publicações, com o objetivo de que a cidade per maneça como um celeiro de artistas da palavra, inspirando jovens (ou nem tão jovens assim) a enveredar pela seara dos versos Da primeira edição da Antologia, no ano 2000, até o momento, dezenas de participantes já registraram seus nomes e poemas no hall de escritores da terra, alguns con solidando carreira, outros não Todos fazendo parte de um mesmo movimento coletivo de valorização das artes, respeito à produção local e partilha de conhecimentos

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Nessa edição da Antologia, vinte novos poetas nasci dos ou radicados em Londrina foram selecionados e revelam ao público textos sobre o amor e a desilusão, o medo e a fúria, o descaso e a morte Eles dividem a obra com quatro escritores já célebres no âmbito paranaense, Célia Musilli, Edra Moraes, Felipe Pauluk e Samantha Abreu, nomes que garantem um charme a mais ao volume, que tem como ho menageado o dramaturgo, tradutor, poeta e músico Maurí cio Arruda Mendonça Referências indispensáveis quando se juntam na mesma sentença “literatura” e “Londrina” Juntos, os novos e os consagrados autores oferecem nas pá ginas seguintes um vislumbre da produção local contem porânea, andarilha e pertinaz, teimosa como sempre foi, resiliente às crises como decidiu ser

Claudia Freitas Professora Doutora em Estudos Literários Curadora do Londrix

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Poeta Homenageado MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA

É poeta, dramaturgo, tradutor Iniciou sua carreira artística em 1983 Tem mais de 15 livros publicados entre poesia, conto, teatro, pesquisa e ensaio literário, além de participação com poemas em antologias nacionais Traduziu autores como Sylvia Plath, Rimbaud, Nenpuku Sato, Shakespeare, Beckett, Sam Shepard, Tony Kushner e Tracy Letts Recebeu, os prêmios Shell-RJ de Melhor Autor Teatral em 2008 e 2012, pelas peças  Inveja dos Anjos  e  A marca da Água Por dois anos consecutivos, 2013 e 2014, recebeu o Fringe First Award no Festival de Teatro de Edimburgo pelas peças  A Marca da Água  e  O

Dia em que Sam Morreu, e o prêmio Coup d’co eur 2014, do Club de la Presse, durante o fringe Festival de Avignon, por esta última peça Recebeu ainda o Prêmio Cesgranrio de Teatro 2014 de Melhor Texto Nacional por  O

Dia em que Sam Morreu Em 2021 publicou seu estudo de literatura e filosofia  Kafka e Scho penhauer: zonas de vizinhança e o livro Luzes de Outono – Poesia Reunida 1983-2020

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Treze de agosto

Quem é a figura sem rosto que procede da névoa espírito que evola nas esquinas e passa por nós por ruas trancadas casas roídas pelas heras pelo insólito de existir em segredo degredo ensimesmado de obsessões Então a víamos pelas costas caminhando lentamente além calando cães e carrascos elevando sua oferenda dois pontos de luz na madrugada seguindo sozinha deixando saudades doídas e essa lua ensebada no jardim

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Poetas Convidados

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CÉLIA MUSILLI

Jornalista, cronista e poeta Formada em Comunicação Social pela UEL, é mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp, onde pesquisou a obra de Maura Lopes Cançado Autora de Sensível Desafio (poesia/edi tora Atrito Arte/2006) e Todas as Mulheres em Mim (prosa poética, editora Kan e Atri to Arte/2010), lançado também em versão e-book pela editora e-galaxia, em 2015 Tem conto publicado na coletânea É Duro Ser Ca bra na Etiópia, organizada por Maitê Proen ça (Editora Agir/2013), 101 Poetas do Paraná - Antologia de Escritas do Século XIX e XX, organizada por Ademir Demarchi, publicada pela Biblioteca Pública do Paraná (2014), O Fio de Ariadne (poesia/ Atrito Arte/2014) e Es peciarias (poesia/ Atrito Arte/2015), O tempo visto daqui: 85 cronistas paranaenses, organizada por Luis Bueno, publicada pela Biblioteca Pública do Paraná (2018), Nòmadas (an tologia de poesia feminina/Atrito Arte/2018), além de ter textos e poemas em outras publi cações Editora de Cultura na Folha de Londrina Tem textos e poemas publicados nas revistas literárias Coyote, Germina, Zunái, Mallarmargens, Agulha, Biblioteca Nacional, Celuzlose, Diversos e Afins, Polichinello, In Comunidade (Portugal) Integra a antologia nacional Mulheres Poetas da Literatura Brasileira, Editora Arribaçã/2021

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Biscoito fino

pegar uma palavra como lata bater para que ganhe ritmo cortar para que vire roda por ao sol para que se ilumine por na chuva para que cante dar tempo para que enferruje lixar para que se renove narrar para que seja livro quebrar para mudar a forma mastigar para que machuque fazer dela um carro uma arma mortal uma panela de cozinhar miolos um utensílio de culturas primitivas um verbo inquieto a cada dia

* isso é apenas palavra tambor de deuses malucos xamanismo poético passagem para mundos e fundos de latas de biscoito fino

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EDRA MORAES

Profissional de marketing, produtora cultural, idealizadora e curadora da Mos tra LONDRIX – Videopoema Idealizadora do Movimento Londrina Criativa Escritora, atriz amadora e autodidata no universo das artes Seu livro de estreia foi, Da Divina, Da Humana e Da Profana (Atrito Arte/2010), projeto Tríade Vencedora da Bolsa Criação Literária 2014/2015 – Ministério da Cultura – com o livro de poesia: Para ler enquanto escolhe feijão Integra as antologias “O Fio de Ariadne” (Atrito Arte, 2014) e Nòmadas (Atri to Arte, 2019), “Um Dedo de Prosa” (Atrito Arte, 2016 e 2019)

19

É preciso calar a boca de quem tem fome

É preciso fechar a boca vazia

É preciso tapar os ouvidos

Para estes gritos fétidos

Dos que vêm de estômago vazio

O estado prometeu

Vai investir em caladores de boca

E milhões, muitos milhões

Não para matar a forme dos milhões de flagelados

Mas em tampões de ouvidos

Para que os que têm comida na mesa Possam comer sem ser incomodados

É preciso garantir a ordem pública

A segurança e a beleza das ruas

Com jatos de água fria frustrando os sonhos protegidos em marquises

O estado promete investimentos milionários

Em segurança, muros e prisões

E a população faz a sua parte

Investindo em isolamento acústicos de suas casas

Para que os ecos fétidos de ácidos graxos

Não estraguem a festa, não amarguem o doce

É preciso calar a boca dos famintos

Para que não falem de boca vazia Para que possamos de boca cheia Dizer o quanto nos importamos

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FELIPE PAULUK

Felipe Pauluk é um curitibano pé ver melho, jogou na loteria da vida e numa qui na, tirou o menor prêmio, a literatura lançou seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso em 2011) Hit The Road, Jack, romance em 2012 Em 2015, foi lançado Town, novo romance do autor “Comida di butequim” e “Tórax de São sebastião” foram seu dois livros de poemas publicados em 2016 e 2017 “Manual Prático de Perna Mecânica para Cantores”, lançou pela BAR EDITORA Após um Hiato de quase 4 anos, surgiu o seu livro de prosa/poética, lançado também pela Bar Editora, “Heartbreak Hotel” Felipe também é roterista

23

chinelos

algumas sextas-feiras eu vivi como um mendigo enrolado em um cobertor vagando dentro de casa, com tempestades urbanas dentro de mim sem chinelos sem grandes nomes da literatura me cercando sem um abraço amigo sem um tiro inimigo, sem uma cerveja gelada ou sem um telefonema teu solidão é um esporte para poucos

25

SAMANTHA ABREU

É professora, produtora cultural, mestre em estudos literários pela Universidade Estadual de Londrina Publicou os livros “Fantasias para quando vier a chuva” (Or pheu, 2011); “Mulheres sob Descontrole” (Atrito Arte, 2015); “A Pequena Mão da Criança Morta” (Penalux, 2018) e “Debaixo das Unhas” (Olaria Cartonera, 2020); e o e-book “O Coração e o Voo” (SEEC-PR, 2021) Integra as antologias “O Fio de Ariadne” (Atrito Arte, 2014); “29 de Abril: o verso da violência” (Patuá, 2015); “Um Dedo de Prosa” (Atrito Arte, 2016 e 2020); “Sob a Pele da Língua” (Cintra, 2018); “As Mulheres Poetas na Literatura Bra sileira” (Arribaçã, 2021), com autores de todo o país Em 2020 recebeu o Prêmio “Outras Palavras”, da Secretaria de Cultura do Paraná

27

Tenho pensado na palavra aleluia, escapando no rosnado das onças entre os dentes [espumados pela dor dos tiros; Aleluia, devem repetir as cadelas quando lambem a placenta dos filhotes e percebem [na cria a perpetuação do instinto

De tal aleluia foi a água viva que queimou meu corpo, [aleluia, gritei com a boca abafada entre os dedos

Imagino que nos saltos do balé as golfinhos fêmeas digam aleluia para as águas que [amortecem a queda; Todas as vezes que uma ursa encontra um cadáver de [foca, todas as vezes que a foca percebe o frio estranhado [da morte: aleluia

Tenho pensado que aleluia, talvez, seja o hino das aves na reta da mira, seja o vento veloz [nascendo de suas asas; Penso nas aleluias que soam em coro da floresta, quando as índias dão de seus peitos o leite da vida e [as raízes da compreensão universal

Eu também uivei aleluias e rezas quando avancei sobre [a exaustão e permaneci em pé sobre o medo

Sempre que vejo de longe uma mulher apressada em [sobreviver, uma mulher assumindo o sangue secular do renascimento, imagino aleluias no canto dos que se entregam puros

29 II

Escritores selecionados

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AMANDA MIDORI

Nascida em Minas Gerais, criada em Londrina Começou a escrever histórias, po emas e músicas aos 6 anos e nunca mais pa rou Autora de “O Conto da Menina-Morte na Terra dos Que Não Sentiam”, em autopublicação Cantora nas horas vagas Apaixonada por livros, gatos e discos de vinil

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Casa na praia

Vê se vai ao mar e traz a concha mais bonita, tão linda que não me dê medo Vê se sai do vento e faz uma calmaria inquietante, tão inquieta que não me faça desconfiar Depois, vê se arranja um acorde daqueles místicos, sóbrios, impuros, medonhos E canta, mas não cala Tampouco fala, lê tua sorte; quem sabe a carta estampa não um rei de copas, mas uma concha, a calma e uma canção medonha Principalmente a calma, que é rara; tão rara que pararam de colecionar Mas eu guardo a coleção de conchinhas, em caixa selada que é pra não pisar Vê se vai ao mar e me traz a tua cara mais lúcida, tão lúcida que me cause escárnio E eu vou rir da tua sobriedade, cobiçando teu mirar etéreo, e ver despontar no teu riso a minha inveja do teu mistério tão óbvio que criança desfaz Tanto faz, acho que já não quero, inexiste mesmo o que olhar Não esquece, vê se me traz já não bastasse tua expressão vazia, disparate que assim também venha tua mão!

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algo tão distante que transcenda o familiar E quando eu me sentir em casa, em família, talvez te diga um par de palavras bonitas, pra combinar com as conchinhas que pendem do meu colar Mas se a noite cair sem tua sombra entediada, que se queda na janela reclamando atenção, ó donzela barata

Ai, eu rasgo o colar com os dentes, ponho meus pés, descalços, no chão!

E faço das tuas conchas pó de calcário e ciúme

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ANA CRISTINA PEREIRA

É natural de Londrina Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadu al de Londrina, desenvolve pesquisa sobre sarau e performance Também atua como professora da rede pública de ensino Participou da coletânea Marco Zero: prosa e poesia londrinense (2020) com o poema Escuridão.

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Soneto de Amor I

O amor é um sentimento Que invade meu peito Arranca meu coração Sem pedir licença nem dar satisfação

Ele sangra e pulsa

Fora do peito, o sangue escorre pela vulva

Se transforma em fogo Que me mata pouco a pouco

Arde, queima, se vê e se sente Ferida aberta que se alivia Com um contentamento descontente

Sentimento que rasga meu pudor Invade a minha mente

Me faz morrer de amor

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CESAR AUGUSTO CARVALHO

Poeta, publicou seu terceiro livro, Curto-circuito (Patuá, 2019) Como contista, lan çou Histórias de Quem (Desconcertos, 2020) Em 2022, lançou a novela RAUL & EU: uma viagem ao avesso, pela Cintra

41
O demiurgo do vírus nova ordem virá o humano demasiado humano continuará
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DANILLO VILLA

Artista, professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina e, para tanto, se doutorou em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e fez mestrado em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas De senho e escrita lhe são procedimentos recor rentes, cotidianos, materialidade vizinhas, extensões das mãos e dos olhos, formas de sentir os objetos, a cidade, o mundo e não ser prisioneiro das racionalidades

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Madrugada

uma noite fria, o vazio da rua, os pequenos sons sem objetos feitos de neblina e distância

qualquer gota de chuva, que molha tudo como superfície única, é um princípio de nada desde sempre sirenes e engrenagens de motocicletas em movimento tentam assinar essa noite anônima nada é próximo o suficiente para ser fora da finitude que a tudo cava todos dormem o mesmo sono, o mesmo sonho estranho do pouco uso das almas como roupas perdidas por corpos que crescem apagaram-se todas as palavras, o mundo, a noite, a chuva, procuram uma nova cartilha

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DANILO NEIVA

É ator, palhaço e diretor Tem investido no trabalho com a escrita, já tendo feito peças, poemas e um primeiro romance a ca minho É formado em artes cênicas pela UEL e atualmente é membro do grupo de teatro com pesquisa em comédia física Ítalo Banda

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O interruptor é ao lado da porta

Já que vai embora, Apague a luz quando sair, Pra eu não precisar levantar

Tire o sapato, Quando passar pelo corredor, Não quero ter que escutar você partindo

Não tranque a porta, Deixa que depois eu tranco como sempre faço [por segurança, Não preciso conceber agora que é a última vez [que você passa por essa porta

Não quero pensar em nada disso agora, Estou cansado e um pouco embriagado Quando acordar Eu penso nisso tudo E em você Toda

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ERICA LACERDA

Cada dia que acorda reconhece alguém diferente, mas geralmente acorda uma mãe, professora e mais intensamente: alguém que ama a arte da palavra

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Espinhela Caída

“Ô Nega, vem mora mais eu Cê sabe que eu te amo tanto Tô montando um barraco jeitoso Você faz amor tão gostoso”

“Você diz que me ama tanto Que eu sou tudo pra você nessa vida Me amaria, toda torta, atrofiada no canto Se eu tivesse espinhela caída?”

“Torta, atrofiada no canto? Você é tão faceira, minha Nega Na peleja trabalha tanto Deixa de besteira e aconchega

Januário te quer, Os rapazes do Afrânio

Até mesmo o Coroné Nega, cê tem que ser minha este ano”

“Esse ano tem congada Tem feira, romaria Tenho que montar passeata Tenho que ir visitar minha tia”

“Vem Nega, larga de ser malcriada Eu te compro uma saia de fita Você larga de trabalhar na enseada Pago até o seu fiado na Loja Clarita”

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“Vejo o morro na claridade Vó Nana, ensinou muito sobre a vida Mulher de verdade batalha, não se compra com saia de fita”

“Ô Nega, vem mora mais eu Cê sabe que eu te amo tanto Tô montando um barraco jeitoso Você faz amor tão gostoso”

“Você diz que me ama tanto Que eu sou tudo pra você nessa vida Me amaria só se eu deixasse De dançar, de sambar na avenida”

“Ô Nega, eu sei que ando nervoso É ciúme, quando casar sara Larga esse capricho custoso Vem Nega, vem cuidar do seu homi”

“Uma mulher que satisfaça Os desejos do corpo e do ego Uma forma de amar a si mesmo É só o que quer, não se faça de cego”

“Credo Nega, que falta de poesia!”

“Ô Nego, cê sabe que eu sou mais eu Não quero muito dessa vida Mas já tenho barraco jeitoso Lá não cabe caboclo orgulhoso ”

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FERNANDA DE ABREU

Nasceu em Apucarana, a cidade alta em que o vento canta Foram os ventos de Oyá que lhe trouxeram à Londrina, onde se apaixonou pelas pessoas e pelas ruas da cidade É filha de ventania, de natureza quente e solar Gosta da artesania de encantar pala vras e tem fome de mundo

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pequena odisseia em dó maior em duas cores as ondas caem por detrás das costas do seu mundo eu procuro a borda infinita, mas nenhuma rota é óbvia avistei um oceano de muito longe andei em círculos, me perdi também ouvi um canto bonito demais é que o oceano tinha nome e a voz da água era frenesi enfeitiçada, olhava com vontade de mergulho fundo até me afogar eu gosto da vida, ela chama a morte mas é com ela que eu perco o ar

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FERNANDO ANTONIO PRADO GIMENEZ

É londrinense, professor universitá rio e escritor Atualmente reside em Curiti ba Seus contos e crônicas podem ser lidos em  brevetextos blogspot com e as poesias em umhaikaiaodia blogspot com

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Lados

Um lado obscuro

Do qual não me curo Mas não me sinto impuro

Um lado opaco

Do qual não escapo Mas não me sinto fraco

Um lado translúcido

Do qual não me furto Mas ainda sigo lúcido

Um lado sombrio Do qual não sorrio Mas mantenho o brio

Um lado assombrado Do qual não brado Mas sigo pelo alambrado

Um lado tangente

Que me dá dor pungente Quando vejo essa gente

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GILBERTO JULIA

É autor dos livros, Celeiro em Seca e Retalhos Literários

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A Labuta

Rasga-se o véu da madrugada, desvirginando a manhã cabocla do sertão Rasga-se a escuridão enluarada, parindo o dia entre prosa e canção

Sereno que encharca nossas almas, brisa que acalenta nosso ser, fumaça do fogão a lenha, já tem café quente pro caboclo bebe

Calou-se o grilo estridente, o coaxar do sapo se foi, anunciou a manhã cabocla o galo preto e o boi

Lima nova no afiar da enxada, cabo de peroba do bão, ceifar a terra de Deus, semente amante do chão Calos que esculpem a mão, palheiro arrochado e o binga queimando o fumo peão

Engole seco a poeira, limpa o suor da testa com a mão Momento já é meio dia, marmita, ovo, serraia e feijão

O sol esquenta a moleira, a formiga cutuca o dedão

É hora da Ave Maria, joelho dobrado no chão

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HENRIQUE FURTADO

Filho de mineiros, professor, autista, londrinense Escreve há uns bons anos, como quem faz diário Sem pontos finais, porque essas coisas nunca acabam

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como haviam posto-nos pedras no estômago, pendíamos para o chão a primavera passou Pisadeira sobre os corpos todas as noites, abríamos os olhos no sono e víamos grande e pesado nada [a caminhar sobre nós, mas nossos braços e pernas e dedos [e nossa alma pesavam para o chão, e nossa voz parava na [garganta, atrás da pedra, atrás do nó; o verão trouxe nada além do sol emudecido [a nos manter no chão, adormecidos, abríamos o peito para inspirar, mas os pés cobriam [nossos corpos e marcavam o contorno de nós na areia das [coisas, – e o calor o calor nos enchia o estômago, [e quanto [mais cheio, quando as coisas começaram a amarelar e cair, [nossos dedos puderam se mover um pouco e a cada emortecida que engolia os verdes e o [que restara de nós espremidos pelo chão, um dedo a mais [podia se levantar, ainda que nossos restos [permanecessem alastrados inertes; de corpos frios pudemos nos mover, embora talvez [não houvesse mais o que mover com o que sobrou das mãos abrimos os restos de [peito ao meio e viemos ao mundo chocando por [dentro as pedras como ovos e desde que aprendemos a morrer sempre, [quando o nada vem pisar em nós, tem de pisar em ovos

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JACKIE RODRIGUES

É escritora de romances, contos e poesias publicados em livro e e-book Mora em Londrina desde 2010 e participa ativamente em manifestações culturais e literárias como saraus, clubes de leitura, o evento ManiFesta e Evento Manifesta e Londrix Recentemente, teve um conto selecionado para o livro coletânea de escritores londrinenses “Marco

Zero” da editora Madrepérola Sente-se ex tremamente bem acolhida como escritora na terra do pé vermelho

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Quase insana

Não

De forma alguma Sou lúcida Nada me afeta Minha razão É uma reta Se não a temo, A domo Brinco com ela Beijo-lhe a boca Corro paralela Sobre as linhas Limites

Equilibro-me: Um pé fincado, Outro sem calço Sou esperta Camuflo-me Nas terras desertas Cactus, Iguana, Pele grossa, Curtida, Lisa, Sangue frio Quem lê, Vê Que sou doente Eu leio, E rio: Puta demente,

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Pretensiosa, Arrogante

Tá afundando Em desvario E diz que não Perdestes o senso Há muito tempo Eu te conheço Conheço não Conheço avesso, Frente e verso, Garganta e vagina Cada membrana Mentirosa cretina Quem c pensa Que engana, Pregando lucidez? Sou tua metade, Sou seu quase, Sou seu triz Sou a linha Que te equilibra Aquela Que vc disse Paralela

Da sua razão reta

A metade torta

A que perfura, Entra e devora

A pele grossa

Da iguana

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Eu, metade, Sou louca

Eu, outra parte

Que te completo, Para sermos uma Eu sou insana, Tu és o quase Isto faz de mim

Uma mulher

Quase santa, Ou faz de nós

A íntegra de mim

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JÉSSICA IANCOSKI

É pessoa não-binária, escritora, poeta e artista plástica Publicou em várias anto logias e revistas, nacionais e internacionais Teve o poema “Rotina Decadente” reconhe cido pela Academia Paranaense de Letras, aos 16 anos de idade É idealizadora do Toma Aí Um Poema, podcast de leitura de poemas e revista literária interativa

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Ervilha vermelha para Belise Campos

Ontem me perguntaram se eu era uma menina E eu não soube responder Esse inferno de pergunta

Não que eu não seja mulher — Mais que isso — É que eu sou tantas coisas:

Uma garota, Uma amante Uma gota, Um semblante, Um inverno Um menino, Um pingo E um girino, Um giro de roda No vento leste que sopra No ponto final em cada esquina

Uma menina é pouca coisa Quando eu sou tantas outras Entre cada ervilha vermelha Do interno do punho em meu ventre

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JULIA BAHLS

É poeta, artista gráfica visual e profes sora Coleciona versos em cadernos espalha dos por aí e fotografias em rolos de filme

A mais nova integrante da equipe do Grafatório, busca, em suas experimentações com tintas e máquinas, explodir cores à procura do desconhecido

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Quase insana

Não se matem e fiquem bem encarem a nação como se hoje fosse o último comprem as queimadas enlatadas vindas da Califórnia: um brinde à pele amada e aos assustadores [múrmuros do umbigo esse umbigo que te trouxe ao mundo e que te [soprou arrepios escritos no frio da barriga profecias de amor nos nós das gorduras [sob abdomens contraídos contos de mistério e encantação, definidos [pelo desdobramento de pausas respiratórias entre dois corpos dourados entre troncos de árvores - ao vento do respirar do planeta - do farfalhar de asas; crianças empáticasnão se matem: fiquem bem segurem nos seus sonhos como se hoje fosse o último sigam procissões pagãs até shows de trip-punk [no submundo dos bares alternativos esqueçam seus telefones unicelulares unicolores [calados em criados super mudos só para prestar atenção, como se hoje fosse o último, [cantem e dancem aquecidos pela luz quando ela caí aliviada nas [cavidades do rosto agasalhados pelos abraços dos seus ancestrais que lutaram para o seu dia ser melhor, mais cheio de flora mais cheio de um amem Não “amém” amem – de novo e de novo vulneráveis como borboletas

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amem como se este fosse o último, mesmo se de passagem não se deixem passar como essas pessoas no trem, que deixaram de divagar pelas janelas, olhem para mim, olhem pra cada rua e fiquem aqui, nessa nossa festa como se fosse o fim: não se es vá zie fi que be m

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MARCELO FELIPE GARCIA

Escreve há nove anos, e em suas produções tenta capturar o estranho, o absur do, misturando elementos corriqueiros com o insólito Ao fazer essa sobreposição, tem a intenção de revelar a fragilidade de conceitos fixos e revelar a possibilidade de um reencantamento do mundo, olhado por uma nova ótica

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Metade do infinito

Se você sempre dividir o tempo pela metade Ele se torna infinito Passe metade da sua vida aprendendo Metade da metade trabalhando Metade de um quarto planejando a liberdade Metade de um oitavo curtindo Metade de um dezesseis avos lembrando Metade de um trinta e dois avos lamentando E assim por diante Para sempre

Pronto, agora você tem tempo ilimitado Pode fazer o que quiser Mas sempre pela metade Só se você se permitir Ser incompleto em tudo Ser metade do que poderia Ter milhões de meias possibilidades Meias narrativas Sempre novos enredos Que nunca florescem até o fim Mas, se você quer saber como acaba Por curiosidade ou interesse à história Precisará ser inteiro

Ou se quiser que seja inteiro Precisará de um fim Mesmo que o fim não agrade Ainda que acabar signifique Perder a euforia Que estar no meio do caminho traz

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Talvez algum dia alguém faça algo infinito

Se determos essa possibilidade

Talvez chegue o dia em que um poema Poderá ser lido por tempo indefinido

Um poema eternamente cativante

Que você espera até o final

A grande conclusão

O seu desfecho

Mas você ainda nem chegou na metade

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MAURÍCIO PITTA

Nascido em Londrina, Maurício Pit ta se cultivou na zona leste, amando seus ipês brancos, seus pássaros multicor, sua gente acolhedora e mesmo suas contradições insolúveis Doutor em Filosofia pela Universi dade Federal do Paraná e Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina, redigiu uma tese sobre o pensamento indígena como abertura para outros tipos de poética

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teme nunca, ‘tino meu nego o velo do meu tempo: se lá tinge o tino brio, tinto tinge a cor do velo temo o não e viro rosto, nego o novo e lá de novo nela some, névoa, negro somos laço feito fio; frio me lança, a dança traz toldo opaco do desejo treme vago na beirada, tensa corda que balouça na distância de dois postes, n’um ali, n’outro cá, traço fino que, d’agudo, gravidade não refaz torço o nó e saio torto, densa queda d’uno tom, nessa neve de Netuno corpo oculto dentre as trevas, te procuro, pr’onde vais? tempo torna vulto, nada do que, alvo d’outro traço era, tempo meu, o teu, tempo n’outro, como um conto,

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mito, canto, cancioneiro, rosto doce que tendesse a notas novas n’um terceto, tênue, verso do horizonte resta n’algo de não dito o que tendia no dizer? teme nunca, ‘tino meu, ‘que fios tesos se entrelaçam, tempo e outro, no porvir

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NICOLAS MORAES

Pegou gosto pela leitura e escrita no início de 2020 Escrevia em um caderno de bolso, alguns poemas e pequenas histórias, gostava muito, pois era um lugar onde podia expor seus pensamentos e se expressar Du rante a pandemia da Covid-19, se debruçou sobre a poesia, lendo poemas e escrevendo quase todos os dias

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Criatividade regrada

Crie um poema

Tema: Livre Escreva ele conforme as regras

1º seja livre para fazer tudo que quiser, desde que  atenda todas regras abaixo

2º necessário título  de até 20 letras, com a palavra “DE” no meio das 2 palavras de livre escolha

3º seu poema deve possuir no máximo 10 linhas e no mínimo 8, possuir apenas duas estrofes

4º deve estar inseridas duas rimas agudas,  duas rimas alternadas e uma mista

5º tema livre  envolvendo um homem, uma mulher, um vizinho e duas famílias

97

6º se houver contexto histórico este deve estar entre, os séculos XIX ou XX

7º todas as regras foram dadas, será deixado apenas os espaços que consideramos importantes e julgamos necessários (Título) DE (Título)

1º estrofe deve falar do homem e da mulher.

QUASE (rima aguda) (rima aguda) NIGUEM SE (rima aguda) (rima aguda) IMPORTA

2º estrofe deve falar do vizinho (rima COM alternada) (rima alternada O QUE) ( ESTÁ rima alternada) (rima alternada) ESCRITO

3º estrofe deve falar das famílias

ELES (rima SÓ mista) LIGAM PARA (rima AS mista) REGRAS

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RODRIGO DOMIT

É um idealista quixotesco e nutre rela ção ambígua com Londrina Criou-se como gente, cidadão e escritor nesta cidade; e carrega dela as amizades, as referências, o pé vermelho, o sotaque e outros vícios e virtu des dos quais se orgulha Apesar de estar dis tante, não pertence a outra terra Mas carrega também a sensação de estranhamento: é daqueles que pode dizer: “quando eu che guei aqui, isso tudo era mato, do lago até o shopping, que era só um!”

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Triunfo

Não tenho a voz embargada por emoções não grito não resisto estou certo da derrota tanto quanto da impermanência - tenho em mim a serenidade dos prostrados E contento-me com pouco cultivo revoltas em fogo brando e rumino ideias fixas certezas impassíveis como nuvens de tormenta eles passarão e nós ainda estaremos aqui sobre as ruínas - triunfantes

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TAMIRIS ANUNCIAÇÃO

O fracasso assusta e a liberdade en canta - foi nas palavras que encontrou a li berdade E foi na liberdade que conheceu as palavras, que se apaixonou por descobrir e escrever histórias Além das palavras, é apaixonada pelo conforto que comer e cozinhar trazem, um bom prato, pra ela, melhora qualquer dia triste e eterniza todos os feli zes A verdade é que ainda não sabe quem é, mas descobre um pouco mais de si todos os dias, acha que é isso que significa crescer

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Espelho

Eu fiquei pensando a semana toda

Em como colocar num poema Tudo o que fiquei sentindo a semana toda queria que quando recitasse Meus versos Cada palavra

Se reorganizasse e se ressignificasse Num novo poema

Em outra poeta

Não tive sucesso Minha intensidade Não quis sair de mim

E virar palavra

O papel insistiu em permanecer em branco

Me olhei no espelho e vi que Minha poesia estava pronta Não num papel Mas na minha pele preta

Os versos corriam em mim Como rios na natureza

A mulher preta

É poesia

Muitas vezes Nem é lida Outras Quando lida

É incompreendida

A mulher preta

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Nasce poesia

E se torna poeta Pela necessidade De escrever o próprio destino Quando sai da frente do espelho Me dei conta Corpos negros Não cabem em espaços em branco

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VANESSA YIDA

Da ascendência do sol nascente à mis cigenação em nação do sol poente; do velho oeste paulista à terra dos pés vermelhos – foi sendo concebida no curso e semeada a cada percurso; neta, filha, docente, escrevente eventual de vivências e efemeridades – a cada epifania se traz à luz assim como um dia foi trazida

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Sobre as benquereranças

Aquele cordão de sangue-alimento-ao-feto, Trazia a porção de vida compartilhada, Do materno amor-dor umbilical Era somente o início

Da matéria que abriga a anti-matéria, posta que não palpável, Mas fabricada da mais tenra imagem à sua imagem; Do carinho-afeto entre os seus-nossos

Reverberava passageiro eterno, Avós-pais-filhos-netos, Antepassados passados-presentes-futuros

Aquele fio de carne-veia, Mesmo após dilacerado a corte, Recolhe em si toda a vida-origem e posteridade

Aquele outro novelo invisível-divisível, Une ger(ações) desde o nascituro;

Em uma corda pa-ma(terna) para guardar-filhos;

Em um cordão de cautela filhos-aos-pais Nessa sucessão nascimento-árvore(ser)-fim-sem-fim,

O que é benquererança permanece

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WILSON MOREIRA

É poeta e cientista social, mora em Londrina, no Paraná e possui oito livros  de poemas publicados pela editora Vermelho Marinho Usina de Letras (RJ)

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De manhã

Um jornal amargo No café

Faturas sobre a mesa

Minhas grades, Isolamento Nada protege

Sem proteção

Do frio, Da tristeza E do medo

As notícias boas Esquecidas, Não lidas

Observo de novo, Vendo um gato Aos pés da mesa Saio da prisão

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Sobre a Atrito

A Atrito Arte Editora foi fundada em 1988 por Chris Vianna em parceria com Aline Abovsky Publica autores que divergem de uma literatura massificada Sua proposta é desenvolver um mer cado editorial mais justo para os autores A editora busca apoio através de leis de incentivo e marketing cultural para suas edições Publicou 160 títulos, a maioria de autores londrinenses

aarpavilalondrix@gmail com facebook com/AtritoArte londrixfestival com br/livros-editora-atrito/

PATROCÍNIO DO LONDRIX:

APOIO:

Nova Antologia de Poetas Londrinenses foi composto em Swift light e impresso em Papel Pólen 80g (miolo) e cartão supremo 240g (capa) em 2022

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