E&M_Edição 39_Julho 2021 • O Valor do Lixo

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ENTREVISTA CARLOS SERRA FALA DO IMPACTO DOS PROJECTOS AMBIENTAIS NA MACANETA BANCA LUCRO DOS SEIS MAIORES BANCOS COMERCIAIS CAIU 16,6% EM 2020 INOVAÇÕES DAKI PANDEMIA IMPULSIONA ADOPÇÃO DE SISTEMAS DE IDENTIFICAÇÃO DIGITAL

O VALOR DO LIXO

Ao mesmo tempo que o mundo clama pela mudança de atitude a favor da preservação do meio ambiente, cresce o interesse pela reciclagem. Como é que o mercado se está a estruturar? Edição Julho | Agosto 2021 15/07 a 15/08 • Ano 04 • NO 39 Preço 250 MZN

MOÇAMBIQUE

RENOVÁVEIS TRANSIÇÃO ENERGÉTICA VAI PROVOCAR DESINVESTIMENTO NO PETRÓLEO E GÁS



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OBSERVAÇÃO

Cidades Arquitectos de todo o mundo buscam métodos para conceber cidades sustentáveis no fiuturo

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OPINIÃO

EY Como África se vai adaptar ao “novo normal”

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65 ÓCIO 66 Escape À descoberta do monte “Cabeça do Velho”, em Chimoio 68 Gourmet A arquitecta Dilma Spassova exibe talento na decoração de eventos 69 Adega Conheça o significado dos três termos químicos muito usados na indústria do vinho 71 Arte Violência em Cabo Delgado é retratada em filme “Cabo Desligado” pelo autor Assane Ramadane 72 Ao volante Conheça a versão do BMW X5 movida a hidrogénio que será lançada já no próximo ano

ESPECIAL ENERGIAS RENOVÁVEIS

14 Investimento nas renováveis Africa Oil Week revela que a transição energética poderá levar ao desinvestimento no petróleo e gás 18 Opinião Pier Paolo Raimondi fala dos requisitos necessários para que África transforme o potencial energético 20 Kingman Construtora Um negócio que foi criado a pensar nas oportunidades geradas pelo sector do Oil & Gas 22 Explicador A rápida transição energética global está a impulsionar a queda do preço das renováveis

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OPINIÃO

Banco Big Seis meses atribulados para o metical

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MERCADO E FINANÇAS

Bancos comerciais Consultora Eaglestone revela queda do lucro em 16,6% dos seis maiores bancos em 2020

www.economiaemercado.co.mz | Julho 2020

LÁ FORA

Angola Em um ano, só 23,6% do apoio prometido às empresas angolanas foi desembolsado

NAÇÃO

RECICLAGEM 29 O valor do lixo Ambientalistas destacam o franco crescimento dos investimentos na reciclagem 38 O negócio do lixo A reciclagem vem ganhando cada vez mais espaço como fonte de renda das famílias 44 Entrevista Carlos Serra fala da sua casa de vidro e dos projectos de lixo marinho na Macaneta

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ESPECIAL INOVAÇÕES DAKI

56 Identificação digital Como a pandemia é determinante na aceleração da adopção de sistemas digitais em África 60 Appload A App moçambicana que promete revolucionar o mercado da logística dentro e fora do País 62 Opinião Guidione Machava fala da sofisticação dos meios tecnológicos de comércio electrónico

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EDITORIAL

Reciclar e abrir os horizontes da Economia Circular

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Celso Chambisso • Editor da Economia & Mercado

endencialmente, o mundo dedica bastante tempo a tentar descobrir o ponto de equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento económico. São objectivos que parecem conflituar. Se calhar até se desencontrem, mas estudos e experiências também há a indicarem a possibilidade de investir na preservação do planeta sem precisar de sacrificar o crescimento económico. E ainda melhor: criando bases para um crescimento sustentável. É este o ponto que a E&M traz nesta edição, com foco específico na actividade de reutilização de material descartado. E porquê? O leitor já deve ter observado o súbito aumento, nos centros urbanos, de pessoas a cruzarem avenidas à procura de conteúdos nos contentores de lixo. Esta movimentação denuncia o despontar de uma actividade rentável, já consolidada nos países desenvolvidos, e cujo alcance pode ampliar os ganhos individuais tornando-os em benefícios para todo um país. Infelizmente, não há dados estatísticos que permitam conhecer a real dimensão deste mercado, mas a E&M foi ao terreno buscar o impacto do pouco que se faz na área da reciclagem. A ideia que fica é a de tratar-se de uma actividade que só tem de ser replicada para dar um contributo substancial no crescimento económico e no equilíbrio ambiental, até chegar ao estágio conhecido por Economia Circular, conceito que assenta na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. A Economia Circular é vista como um elemento chave para promover a dissociação entre o crescimento económico e o aumento no consumo de recursos, relação até aqui vista como inquebrável. É também assunto de fundo o impacto da pandemia do novo coronavírus no sistema bancário nacional, mais concretamente os resultados reportados pelos seis maiores bancos comerciais, nomeadamente o Millennium bim, BCI, Absa, banco Moza, Standard Bank e o então Banco Único (actual NedBank). No seu conjunto, estas instituições sofreram quebras de quase 17% nos lucros no ano passado, segundo o relatório da consultora Eaglestone, lembrando que além de terem operado em ambiente de fraca actividade económica, os bancos ainda adoptaram medidas que visavam minorar o impacto da crise nas empresas e particulares. Neste aspecto, o destaque vai para as moratórias na cobrança de juros e o aumento dos custos inerentes à prevenção do contágio, que incluem o aprimoramento dos meios digitais que permitem maior fluidez das transacções virtualmente. Esta edição também inaugura uma nova era, em que são publicados em simultâneo dois cadernos: o “Especial Energias Renováveis” e o “Especial Inovação”, com o intuito de não o deixar de fora do que se passa no País e no mundo, nos domínios da energia e da tecnologia, áreas cada vez mais importantes no panorama do desenvolvimento.

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MÊS ANO • Nº 01 15 JULHO | 15 AGOSTO 2021 • Nº 39 propriedade Executive Mocambique DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Liquatis nienis doluptae velit et Cativelos magnis pedro.cativelos@media4development.com enis necatin nam fuga. Henet exceatem EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant JORNALISTAS Cármen Cristina adis destiosse iusci re in Rodrigo, prae voles Freire, Elmano Madaíl, sant laborendae nihilibJaime usciusÁlvaro, sinusam Ricardo David Lopes, Rogério Macambize, rehentius eos resti dolumqui dolorep Rui Trindade, Yana deea Almeida reprem vendipid que et eumque non PAGINAÇÃO José Mundundo, Gerson Quive nonsent qui officiasi FOTOGRAFIA Silva lorem ipsumMariano Executive Mocambique REVISÃO Manuela Rodrigues Santos Liquatis nienis doluptae velit etdos magnis ÁREA COMERCIAL Nádia Pene enis necatin nam fuga. Henet exceatem nadia.pene@media4development.com seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant CONSELHO adis destiosseCONSULTIVO iusci re in prae voles Alda Salomão, Andreia António sant laborendae nihilibNarigão, uscius sinusam Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, rehentius eos resti dolumqui dolorep Fabríciavendipid de Almeida Frederico reprem queHenriques, ea et eumque non Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, nonsent qui officiasi João Gomes, Narciso nienis Matos,doluptae Rogério Samo lorem ipsum Liquatis Gudo, Cripton Valá, Sérgio velit etSalim magnis enis necatin nam Nicolini fuga. ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO Henet exceatem seque cus, sum nis nam E PUBLICIDADE Media4Development iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in Rua Ângelo Azarias Chichavanihilib nº 311uscius A— prae voles sant laborendae Sommerschield, Maputo – Moçambique; sinusam rehentius eos resti dolumqui marketing@media4development.com dolorep reprem vendipid que ea et IMPRESSÃO E ACABAMENTO eumque non nonsent qui officiasi Minervaipsum Print - Maputo Moçambique lorem Liquatis-nienis doluptae TIRAGEM 4 500 exemplares velit et magnis enis necatin nam fuga. PROPRIEDADE REGISTO Henet exceatem DO seque cus, sum nis nam Executive Moçambique iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL prae voles sant laborendae nihilib uscius EM MOÇAMBIQUE sinusam rehentius eos resti dolumqui Media4Development dolorep reprem vendipid que ea et NÚMEROnon DEnonsent REGISTO eumque qui officiasi 01/GABINFO-DEPC/2018 lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

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OBSERVAÇÃO

RIO DE JANEIRO, 2021

O FUTURO DAS CIDADES Mais de 20 mil arquitectos, urbanistas e líderes comunitários de 195 países do mundo estão à procura de modelos de construção de cidades que sejam melhores para todos, isto é, menos desiguais, com boas infra-estruturas, serviços públicos universalizados, melhor mobilidade, moradias adequadas, salubres… e todas as ideias que transformem o mundo urbano para melhor. O 27º Congresso Mundial de Arquitectura – o maior evento mundial do urbanismo, promovido pela União Internacional de Arquitectos (UIA) desde 1948 – realizado virtualmente entre 18 e 22 de Julho a partir do Rio de Janeiro, concluiu, por exemplo, que a pandemia do novo coronavírus inspira mudanças de abordagem. “Não adianta um arquitecto criar uma cidade a pensar simplesmente no betão, sem vida. Isso não valeria de nada. A arquitectura é para a vida … Agora, com a pandemia, isto ficou mais evidente. Qual foi a primeira frase que gritaram? ‘Fiquem em casa’. Que casa?”, questiona a arquitecta brasileira Carmen Silva. Uma das principais vozes da arquitectura africana, Diébédo Francis Kéré, do Burkina Faso, chamou a atenção para as mudanças climáticas, defendendo que “a questão que temos de resolver é como construir sem destruir o meio ambiente”. As transformações que os arquitectos desenharam para o futuro também levam em conta o impacto dos fluxos migratórios, que crescem cada vez mais.

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RADAR ECONOMIA

HÁ SINAIS DE POTENCIAL PARA NOVAS DESCOBERTAS DE PETRÓLEO E GÁS, GARANTE O MINISTRO MAX TONELA O ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, considera que as novas áreas de prospecção de petróleo e gás em Moçambique estão a dar sinais preliminares de potencial para exploração. “Existem alguns prospectos (sinais) do potencial de recursos, nomeadamente no que diz respeito a dados de “análise e informação sísmica recolhida até ao momento”, disse o governante, acrescentando que as empresas concessionárias das novas áreas de pesquisa deverão abrir os primeiros furos até ao final deste ano e já realizaram investimentos superiores aos impostos pelos contratos assinados com o Governo moçambicano. Tonela referiu ainda que as limitações impostas no quadro da prevenção do covid-19 e consequentes implicações na mobilidade de técnicos “impediram maiores avanços nos trabalhos”. As licenças de prospecção ao largo da costa central e norte de Moçambique estão atribuídas a consórcios que envolvem as petrolíferas ExxonMobil, ENI, Rosneft e Qatar Petroleum, além da estatal Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH). Recorde-se que Moçambique detém reservas de gás natural que estão entre as maiores do mundo, na bacia do Rovuma, norte do país, e dispõe igualmente de jazidas em exploração na província de Inhambane, no sul.

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Banca. Especialistas alertam que a suspensão do Standard Bank do mercado cambial tem o potencial de agravar ainda mais a crise económica em Moçambique, pois esta decisão do Banco Central, apesar de ser correcta, já está a ter impacto negativo, sobretudo ao nível da inflação e taxa de câmbio. “É necessária uma certa prudência relativamente a esta questão, sobretudo agora que temos o comunicado do Banco de Moçambique”, alertou Egna Sidumo, pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE). Por seu turno, o director executivo-adjunto da Confederação das Associações Económicas (CTA) de Moçambique, Eduardo Sengo, diz que o impacto desta suspensão já se faz sentir na economia, já que “a maior parte dos investidores estrangeiros usa o Standard Bank, e sendo este banco líder do mercado cambial, sem dúvida que esta suspensão vai afectar também o investimento estrangeiro no País”. Ainda assim, estes economistas sublinham que a decisão do Banco de Moçambique é correcta. Formação. O Instituto de Bolsas de Estudo (IBE) e a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) assinaram recentemente um memorando de entendimento para a formação de

jovens da região norte do País. À luz do acordo, espera-se que estes jovens contribuam para a maximização do potencial socioeconómico não só da zona norte como também de todo o território nacional. Carla Caomba, directora geral do IBE, disse que o memorando pretende minimizar a desistência escolar ou interrupção por carência financeira por parte dos jovens. Educação. O Governo e parceiros de cooperação assinaram, recentemente, um novo memorando de entendimento que visa melhorar a qualidade da Educação em Moçambique. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), anualmente, os parceiros têm contribuído com cerca de 80 milhões de dólares para a Educação em Moçambique, numa iniciativa criada em 2002. A partir do novo acordo, segundo o Unicef, pretende-se, além de melhorar a qualidade da Educação, implementar e consolidar um sistema de monitorização, avaliação e aprendizagem “alinhado ao plano baseado em resultados”.

Infra-estruturas. O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) anunciou recentemente o financiamento de 1,5 milhões de dólares para a reconstrução de mais de 300 salas de aula destruídas pelo ciclone Idai nas províncias de Sofala e Manica. Recentemente, gestores www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


escolares, técnicos de planeamento e infra-estruturas, dirigentes e parceiros das províncias de Sofala e Manica reuniram-se com o chefe de programa da ONU-Habitat para avaliar o processo de reconstrução de infra-estruturas escolares que, recorde-se, foram destruídas em Março de 2019.

semestre de 2021. Este resultado, considerado positivo, é, segundo a empresa, graças ao “reforço da operação e manutenção dos equipamentos da cadeia de produção e da disponibilidade dos equipamentos dos seus principais clientes, a EDM, a Eskom (da África do Sul) e a ZESA (do Zimbabué)”. De referir que a empresa quer continuar empenhada no alcance da meta anual de produção, situada em cerca de 14 125,53 GWh.

EXTRACTIVAS Emprego. Cerca de 1200 jovens de Cabo Delgado, muitos dos quais deslocados da guerra que assola o norte do País, vão beneficiar do projecto “+Emprego”, anunciou Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal. A iniciativa “tem como objectivo a melhoria do acesso ao trabalho digno e ao rendimento para cerca de 1200 jovens de Cabo Delgado”, disse André, após a assinatura dos protocolos de parceria entre o Camões (Instituto da Cooperação e da Língua, entidade promotora) e entidades públicas e privadas moçambicanas. “Este ano, o projecto deve abranger já 200 jovens instalados em Pemba, na maioria deslocados” e em 2022 o objectivo é “assegurar a criação de auto-emprego e promover a assistência técnica”, garantiu Francisco André. Energia. A Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) registou, no primeiro semestre deste ano, uma produção de energia de 6876,74 GWh. Trata-se de uma produção que corresponde a 99,6% da meta planeada para o primeiro www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

Transparência. A Indústria Extractiva quer propor um modelo de transparência no sector. Segundo a Gem-fields, empresa que opera a Montepuez Ruby Mining em Namanhumbir, em Cabo Delgado, as organizações mineiras nacionais, observadores da indústria e os Governos anfitriões devem adoptar o “Factor G para os Recursos Naturais”, uma nova medida que promove uma maior transparência relativamente ao nível de riqueza dos recursos naturais partilhados com os Governos dos países onde ocorre a extracção de recursos naturais. Gás. Um fundo sul-africano vai financiar a participação de moçambique em gasoduto. O ministro dos Recursos Minerais e Energia revelou que o aumento da participação do Estado moçambicano no gasoduto será reembolsado através de dividendos. “Foi possível obter da parte de um fundo de investimento para a área de energia do Governo sul-africano um financiamento que não acarreta responsabilidades adicionais sobre a ENH (Empresa Nacional de Hidrocarbonetos), empresa do Estado moçambicano”, afirmou Max Tonela.


OPINIÃO

E agora África? Bruno Dias • Business Consulting Partner - EY

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mundo mudou em Março de 2020! De forma muito rápida, a pandemia asfixiou sistemas de saúde levando-os a um ponto de ruptura, causou um hiato na economia mundial e transformou radicalmente as normas de interacção social. Aconteceu um “reset global” em que muitos de nós fomos compelidos a adoptar trabalho remoto, aprendizagem virtual e realizar compras online. O interessante é que esta mudança, em muitas situações, provou ser mais eficiente e sustentável. E, meus caros, é muito provável que prevaleça e se torne sustentável no longo prazo. À medida que a sociedade se adapta a este “novo normal”, vão emergir oportunidades de repensar e alterar o futuro. Para identificar o caminho correcto, as organizações terão de pôr em causa pressupostos sobre a experiência de clientes, as estratégias associadas à sua força de trabalho, quem é e será a concorrência e de onde virá o seu crescimento. Algumas questões pairam agora sobre nós que aqui vivemos: E África? O que se passará em África? Será este contexto uma ameaça ou uma oportunidade? Esta questões foram alvo de reflexão no nosso relatório “EY Megatrends 2020” e trago-vos algumas ideias ali partilhadas e algumas outras que gostaria de acrescentar. Têm sido realizados grandes prognósticos sobre África nos últimos anos, credíveis no geral, enunciando títulos como “Porque é que África pode prosperar como a Ásia” ou “África está a tornar-se a nova China ou Índia”, e fazem o apanágio do enorme potencial que tem este continente. Até agora estes prognósticos têm-se revelado incorrectos, ou muito optimistas, mas acredito que podem estar

a ser criadas agora condições, neste contexto, para um outro desfecho. Mas porque será diferente desta vez? Porque a economia de África está a evoluir numa era de mobilidade acentuada, em que a combinação de tecnologia, globalização e demografia tem o potencial de aumentar substancialmente a sua produtividade e permitir à sua economia saltar degraus na sua trajectória normal de crescimento. Para as empresas, esta trajectória dita muitas oportunidades e também desafios. Existe, sem dúvida, uma oportunidade para tirar partido de sinergias e da capacidade de 1,2. biliões de pessoas para desenvolver soluções inovadoras, não só para este continente, mas para o resto do mundo. As estratégias empresariais de sucesso passam por encontrar modelos de negócio sustentáveis para elevar o tecido empobrecido em África e torná-los em clientes com potencial de médio/longo prazo. Na EY, em Moçambique, temos feito deste desígnio uma máxima e desenvolvemos, em 2020, a génese de uma equipa de entrega de serviços “nearshore” de IT. Prevê-se que esta equipa cresça até a um mínimo de dez elementos até ao final de 2021, e focar-se-á na entrega de serviços de cibersegurança, “data & analytics”, automação de processos e desenvolvimento de aplicações. Numa primeira instância, estará focada nos mercados português, angolano e moçambicano, mas o desígnio é mais alargado. Neste momento, os actuais cinco elementos desta equipa têm feito projectos em recorrência nestas três geografias e em todos os domínios técnicos mencionados, fundamentalmente de forma remota, e, sim, meus caros, com muito bons níveis de qualidade atestados quer pelos clientes,

As estratégias empresarias de sucesso passam por encontrar modelos de negócio sustentáveis para elevar o tecido empobrecido em África e torná-los em clientes com potencial de medio-longo prazo. Na Ernst & Young, em Moçambique, temos feito deste desígnio uma máxima

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Jovens moçambicanos têm a possibilidade de se afirmar noutros mercados, desde que apostem na formação

quer pelas equipas internas. Este é um exemplo claro que os jovens moçambicanos têm potencial de se afirmar além-fronteiras, desde que com as devidas condições estruturais montadas e com um sentido de aposta na sua formação. Estamos a fazer crescer esta pirâmide desde a sua base e estou certo de que, com o trabalho em equipas mistas de várias geografias e com o devido acompanhamento, vão poder dar cartas neste mercado globalizado. Os últimos seis meses têm-no provado e este é um bom exemplo de como, no furacão da pandemia, surge uma oportunidade forte de trabalho de elevado valor acrescentado desde um país africano. Enquanto esta confluência de factores sugere que a ascensão de África está, finalmente, a tornar-se eminente, não nos enganemos – os desafios são enormes. Apenas com governos estáveis, transparência e um ambiente amigável de negócios será possível atrair investimento directo estrangeiro e manter os financiamentos das multilaterais que serão chave para catalisar este desenvolvimento. O continente tem recursos abundantes e uma população jovem e crescentemente educada, que está desejosa www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

de ultrapassar os níveis de pobreza actuais e de tornar África um actor de importância planetária. Até 2050, África terá a maior força de trabalho jovem do mundo, facultando uma oportunidade de crescimento para as empresas com a visão de investir no continente por forma a criar as capacidades necessárias para actuar a nível global. O sucesso requer a compreensão e acção adequada dos governos que são clientes, parceiros e reguladores, simultaneamente. Uma última nota para dizer que, independentemente da evolução, convém não esquecer o papel de África em desígnios colectivos globais, como as alterações climáticas, a biodiversidade e a densidade populacional. África é chave no futuro deste Planeta. Não nos podemos esquecer disto. Há que saber aproveitar este contexto como uma oportunidade para potenciar o crescimento económico e empresarial também de Moçambique. O poeta espanhol António Machado dizia que “o caminho faz-se caminhando”. Há que fazer este caminho com resiliência. Querem juntar-se?

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Especial Energias Renováveis 14

INVESTIMENTO NAS RENOVÁVEIS

Relatório da Africa Oil Week e da Wood Mackenzie avisa que o aumento dos investimentos nas energias renováveis vai levar à queda do investimento no petróleo e no gás na África Subsaariana

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KING MAN OPINIÃO Requisitos para potenciar Um negócio criado de olho as renováveis em África nos projectos de Oil & Gas

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EXPLICADOR

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PANORAMA

Como se está a processar a As notícias sobre energias transição para as renováveis renováveis no País e lá fora


renováveis

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As Renováveis em África: O que Ganham os Investidores? Um novo relatório da Africa Oil Week e da Wood Mackenzie destaca que a transição energética global irá impulsionar o desinvestimento de activos de petróleo e gás em vários países subsaarianos TEXTO Caleb Adebayo • FOTOGRAFIA Istock Photo , D.R

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e acordo com o relatório “a emissão de carbono é cada vez mais fundamental quando se seleccionam os activos para desinvestimento. Os activos de baixo valor e com elevadas emissões terão prioridade para venda”. Ao relatar a forma como o mercado irá responder ao aumento do desinvestimento, o relatório assinala que os riscos acima do solo, os riscos do preço do petróleo e o acesso ao financiamento em condições razoáveis continuariam a reduzir o conjunto de compradores para estes activos de petróleo e gás. Os projectos energéticos sobem e descem com o financiamento. Embora, como o relatório salienta, o acesso ao financiamen-

çados pela rápida redução do custo das tecnologias de ER quando comparados com os projectos de combustíveis fósseis. Um relatório da Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA) revelou que quase dois terços da produção de energia renovável produzida em todo o mundo no ano passado, representando 162 GW de energia, teve custos mais baixos do que as opções mais baratas de combustíveis fósseis. Além disso, Mark Napier, CEO da FSDAi, no seu comentário durante o anúncio do investimento no PAYG, reconheceu o facto como algo tão inadiável quanto inevitável. “A queda do custo destas tecnologias significa que o nosso investimento permitirá o fornecimento de electricida-

O financiamento de activos de combustíveis fósseis continuará a ser um desafio, o financiamento à energia limpa está a aumentar to de activos de combustíveis fósseis continuará a ser um desafio, o financiamento de projectos de energia limpa em África está a aumentar. Ainda no mês passado, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o Ministério da Economia e Finanças da Coreia do Sul e o Banco de Exportação-Importação da Coreia se comprometeram a disponibilizar 600 milhões de dólares em co-financiamento para projectos energéticos em África, com enfoque em soluções de energias renováveis (ER). Além disso, o FSDAI (Financial Sector Deepening Africa) está a investir 4,5 milhões de dólares em energia solar Pay As You Go (PAYG) em três países africanos, incluindo a Nigéria, complementando um total já angariado de 23 milhões de dólares. Estes investimentos são ainda mais reforwww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

de limpa, de uma forma acessível, em todo o continente africano”. De acordo com Anthony Monganeli Mehlwana, responsável dos Assuntos Económicos da Comissão Económica para África (ECA), “o custo nivelado da energia ou das centrais de energia fóssil é mais caro do que o vento e a energia solar. O vento onshore custa 59 dólares por MW, enquanto a energia solar fotovoltaica de utilidade pública custa 79 dólares por MW. Entretanto, o custo do carvão é de 109 dólares por MW e o do gás natural custa 74 dólares por MW”. Com o custo do investimento em projectos de ER a tornar-se mais viável economicamente do que os projectos de combustíveis fósseis, a necessidade de transição torna-se extrema e, por via disso, as instituições financeiras de desenvolvimento,

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renováveis

bancos internacionais, agências governamentais e entidades do sector privado estão a investir mais dinheiro no pool de ER.

Quase 2/3 da produção de energia renovável no mundo, em 2020, teve custos mais baixos do que as opções mais baratas de combustíveis fósseis Torneira do investimento a abrir-se

No início do mês passado, o Banco Mundial anunciou o seu novo fundo de 465 milhões de dólares para melhorar a integração das ER na África Ocidental. Aprovou também um financiamento de 168 milhões de dólares para os esforços do Burkina Faso para aumentar o acesso à electricidade nas zonas rurais e apoiar a transição do país para a energia limpa. Do mesmo modo, a Corporação Financeira Internacional (IFC) e a Fundação Rockefeller (RF) anunciaram, em meados do último mês, uma nova parceria que visa mobilizar até 2 mil milhões de dólares de investimento do sector privado em soluções distribuídas de energia renovável, com uma fase inicial de distribuição de 30 milhões de dólares em financiamento concessional misto e capital de subvenção para alavancar um pipeline activo de

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projectos distribuídos de energia renovável desenvolvidos pela IFC. O financiamento deverá ir para o protótipo do IFC, para além da produção distribuída de energia renovável, armazenamento de energia em bateria e outras tecnologias inovadoras de energia limpa. Por volta da mesma altura, o Fundo Africano de Energias Renováveis II (AREF II) angariou 150 milhões de dólares de sete investidores para financiar energias renováveis na África Subsaariana. Há apenas duas semanas, a TotalEnergies anunciou também um investimento de cerca de 60 mil milhões de dólares em projectos de energias renováveis até 2030. Da Europa, o Banco Europeu de Investimento (BEI) também aprovou 95 milhões de dólares para o financiamento de

projectos de energia geotérmica na África Oriental. Um mecanismo de financiamento da Electricité de France (EDF) visa igualmente mobilizar financiamentos da diáspora para a electrificação rural, com o objectivo de financiar uma capacidade de energia renovável até 100 milhões de GW em África. Além disso, o presidente da AfDB (Banco Africano de Desenvolvimento), Dr. Akinwumi Adesina, anunciou há duas semanas que o banco estava a trabalhar na Iniciativa Desert-to-Power, que levaria ao desenvolvimento de 10 000MW de energia solar no Sahel de África, fornecendo electricidade a 250 milhões de pessoas. A este respeito, salientou que o banco tinha aumentado a parte do financiamento total, dedicada ao clima, de 9% em www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


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2016 e pretendia atingir 40% até ao final de 2021. Também sob a administração Biden, a Corporação Financeira de Desenvolvimento dos EUA afectou novas verbas ao financiamento de energias renováveis na África Subsaariana. Com um relatório recente da ECA (publicado na E&M de Junho) a mostrar que muitos países africanos têm brutais défices energéticos, existe, por um lado, um enorme mercado para o novo abastecimento energético no continente. Por outro, a transição energética está a permitir gigantescos financiamentos para projectos de transição que se concentram em energias renováveis e, em alguns casos, até no gás natural como combustível de transição, como acontece em Moçambique, o que deve levar os investidores a procurar apostar em tecnologias relacionadas com energias limpas, beneficiando do tal novo olhar dos grandes investidores, das subvenções e empréstimos de desenvolvimento com juros baixos desenhados para este fim. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

Em Moçambique o investimento “é bem vindo”

Em Abril deste ano, o ministro dos Recursos Minerais e Energia, Ernesto Max Tonela, salientava, durante a sua intervenção no seminário empresarial Portugal-África “Exportar `Verde` – Internacionalização das empresas na era da sustentabilidade”, organizado pela presidência portuguesa da União Europeia (UE), que decorreu em formato virtual a partir de Lisboa, que, para além da exploração de gás natural, o País está a exportar nas energias renováveis e os investidores estão interessados nestes projectos. “Notamos com grande satisfação um apetite maior das empresas nacionais e internacionais para investirem nos projectos de energias renováveis que estão em desenvolvimento em Moçambique”, dizia, complementando. “Nos próximos quatro anos, esperamos aumentar a capacidade de geração de energia em mais de 600 megawatts, dos quais 30% estão ligados à energia so-

lar e eólica em projectos de média escala”, apontou o governante, salientando que “as energias limpas terão um papel importante na economia de Moçambique através de projectos de uso privado de energia que estimulam o crescimento económico, aumentam o rendimento doméstico e diminuem a pobreza, especialmente nas áreas rurais”. O objectivo, apontou o ministro, é que “1,5 milhões de pessoas estejam ligadas a mini-grelhas e sistemas solares domésticos nos próximos quatro anos”, o que é, acrescentou, “uma boa oportunidade para o sector privado já que beneficiam de financiamento não reembolsável para iniciativas de risco, permitindo um retorno competitivo”. Durante a intervenção, Ernesto Max Tonela salientou, por isso, “um apoio forte de Portugal e da União Europeia no fortalecimento do sector da energia, particularmente nas energias renováveis” e convidou as empresas portuguesas “a trazerem `know-how` e a estabelecer investimentos nesta área em Moçambique.

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opinião

Renováveis em África. O que Falta Para Passar do Potencial ao Real? Pier Paolo Raimondi • Fondazione Enrico Mattei

Á

frica é dotada de abundantes energias renováveis. O continente possui os recursos solares mais ricos do mundo devido à sua elevada exposição solar e também beneficia do potencial eólico crucial - especialmente no Norte e Leste de África - e da energia hidroeléctrica, que actualmente constituem duas das suas principais fontes renováveis devido às suas principais bacias hidrográficas. Além disso, os recursos geotérmicos podem ser encontrados em todo o continente, embora a maior parte do potencial esteja concentrado no Sistema de Elevação da África Oriental. Globalmente, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o potencial de energia renovável de África é substancialmente maior do que o actual, bem como o consumo de energia projectado para todo o continente. Este potencial renovável poderia ajudar maciçamente a superar um dos principais desafios de desenvolvimento socioeconómico de África, nomeadamente a falta de acesso à electricidade e à cozinha limpa. Actualmente, cerca de 600 milhões de pessoas não têm acesso à electricidade, enquanto cerca de 900 milhões de pessoas não têm acesso à cozinha limpa - quase inteiramente na África Subsaariana. Estes dois grandes constrangimentos têm dificultado o desenvolvimento do continente. Nos últimos anos, foram registados alguns progressos em vários países como o Quénia, Etiópia, Gana, Senegal e Ruanda. No entanto, a curto prazo, a pandemia desmantelou o progresso constante que tinha sido alcançado nos últimos anos. E, a longo prazo, o crescimento populacional esperado só irá exacerbar tais desafios. Apesar destes desafios, as fontes de energia renováveis poderiam ajudar a África a fornecer serviços modernos à sua população, tanto em áreas urbanas como rurais, ao mesmo tempo que libertam o seu desenvolvimento socioeconómico de uma forma sustentável.

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África tem a possibilidade de planear a melhor solução para construir novas redes que possam receber e lidar com quotas elevadas de produção de energia renovável variável e descentralizada em comparação com os países desenvolvidos, que tiveram de integrar as energias renováveis nos seus sistemas de energia existentes. Além disso, as energias renováveis podem contribuir para electrificar as zonas rurais e remotas de África, onde vivem actualmente cerca de três quintos da população da África Subsaariana. De facto, a energia renovável oferece a possibilidade de desenvolver soluções de energia de pequena escala e fora da rede para o fornecimento de energia aos habitantes das zonas rurais e às actividades económicas. Até agora, os estados africanos apenas instalaram 5 gigawatts (GW) de energia solar fotovoltaica, o que representa menos de 1% do total mundial de energia solar fotovoltaica, apesar do vasto

África precisa de criar um ambiente mais favorável para atrair investimentos privados e estrangeiros para aproveitar plenamente o seu potencial potencial solar do continente. Outras fontes de energia renováveis têm registado desenvolvimentos lentos semelhantes. As incertezas políticas, infra-estruturas e redes inadequadas, situações financeiras instáveis e acesso limitado ao financiamento privado e estrangeiro são apenas alguns dos principais obstáculos que impedem a plena exploração das energias renováveis em África. Muitos países africanos estabeleceram políticas para a promoção de fontes de energia renováveis durante a última década. Quarenta e cinco países africanos estabeleceram metas – e actividades para apoiar – a expansão das energias renováveis no âmbito das Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND) no quadro do Acordo de Paris. Além disso, muitos países - incluindo Marrocos,

Senegal, Egipto, África do Sul e Quénia - estão a demonstrar tendências encorajadoras em torno de novas capacidades de energias renováveis sustentadas por um maior empenho político e preços em rápida descida para as energias renováveis. Apesar do impulso positivo, os quadros legais e regulamentares permanecem frequentemente inconsistentes... E o compromisso político não é o único pré-requisito para um desenvolvimento pleno de projectos de renováveis. O Quénia é o epítome de como um quadro regulador sólido e bem desenvolvido, combinado com soluções inovadoras fora da rede, pode atrair os investimentos privados nacionais e estrangeiros necessários. Como tal, o financiamento de projectos de energias renováveis é uma prioridade primária e um grande desafio. África precisa de criar um ambiente mais favorável para atrair investimentos privados e estrangeiros para aproveitar plenamente o seu potencial de energias renováveis e fornecer serviços energéticos modernos à sua população. Historicamente, uma combinação de riscos políticos e relacionados com a governação tais como corrupção e agitação social - e riscos comerciais - tais como a capacidade dos consumidores para pagarem as suas contas têm desencorajado os investidores privados e estrangeiros. Vale a pena notar que os riscos de investimento percebidos e reais são mais elevados em África do que nos países desenvolvidos. O continente precisa de aumentar os investimentos no sector da electricidade para a produção e redes, para o qual se encontra actualmente entre os mais baixos do mundo. O continente africano representa, hoje, apenas 4% do investimento global no fornecimento de energia, apesar de ser o lar de 17% da população mundial. O investimento para um sistema de energia mais fiável, especificamente em relação aos activos de transmissão e distribuição, é essencial. Por outras palavras, os países africanos precisam de melhorar as suas práticas de manutenção de infra-estruturas energéticas a fim de reduzir as suas perdas dos actuais 16% para um nível semelhante ao das economias avançadas (estimado em menos de 10%). www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021



empresas

kingman construtora

Quando o Oil & Gas Leva a Coroa ao ‘King’ A empresa Kingman Construções nasceu justamente para prestar serviços aos grandes projectos de gás no País. A ideia até resultou, mas os ataques são uma forte ameaça TEXTO Hermenegildo Langa • FOTOGRAFIA Mariano Silva

O

s projectos de exploração do gás em Cabo Delgado vieram aguçar o sentido de oportunidade de negócio para as empresas locais, um tema que será inesgotável enquanto o País não estiver em altura de “fazer um jogo” que lhe permita vantagens na corrida pela disputa dos petrodólares com as empresas internacionais mais bem preparadas para o “banquete”. Mas nem tudo neste percurso tem de ser definido pelas regras do Estado. É disso exemplo a empresa Kingman Construtora. De acordo com o respectivo gestor, José María Sánchez, a Kingman Construtora surgiu mesmo pelo interesse de fazer parte dos negócios de Oil & Gas em Cabo Delgado apesar de os primeiros contratos celebrados terem sido em Nampula. “Percebemos que o maior investimento da história de África foi projectado para Cabo Delgado e, ao mesmo tempo, tivemos a oportunidade de fazer um trabalho pa­ra uma congregação de Irmãs em Chui­ba (Pemba). Foi daí que decidimos cons­tituir uma construtora em Pemba partindo dessa obra”, explica Sánchez. De facto, a realização do sonho de fazer negócios com os megaprojectos não tardou. Fundada em 2012, com vocação para a construção civil e desenvolvimento de projectos ligados às energias renováveis, quatro anos depois a empresa ganha, finalmente, um contrato com uma gigante petrolífera. “O primeiro projecto que abraçámos foi com a Anadarko, em 2016, em Palma, na construção de lajes em betão armado”, conta o gestor. E os contratos não pararam por aí. Mais portas se abriram e, logo a seguir, “reabilitámos, ao serviço da petrolífera france-

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sa Total, o centro de saúde de Maganja e os escritórios do CORE em Pemba. Também fizemos a primeira fase do trabalho de recondicionamento dos escritórios do CAMP da Total em Mahate, Pemba”. Entretanto, até ao dia 24 de Março do presente ano, o negócio da construtora Kingman corria bem até que os ataques de insurgentes vieram manchar o percurso promissor da empresa. Se antes, a construtora logrou celebrar contratos que permiti­ram que 70% da facturação proviesse dos projectos das multinacionais, a insurgên­cia armada que obrigou à suspensão dos trabalhos da petrolífera Total, por moti­vos de “Força Maior”, veio abrir um pre­cedente de incerteza marcada por uma profunda redução de receitas da Kingman Construtora. “Antes tínhamos cinco contratos com a Total em Palma, mas, infelizmente, foram cancelados devido à situação actual. Assim como outros projectos focados nas empresas que prestam serviços àquele empreendimento, fica cancelada a construção de um hotel, de 72 casas em Pemba e outros projectos em carteira”, e que seriam executados pela Kingman, lamenta Sánchez, avançando que: “com a suspensão dos projectos em Cabo Delgado estamos a tentar dar continuidade aos projectos da Oil & Gas noutras zonas do País”. Apesar de ser uma situação que afecta profundamente a estabilidade da empresa, o gestor não se dá por vencido. E para dar a volta ao actual cenário, além da atenção dedicada a outras petrolíferas, a construtora garante estar a identificar oportunidades noutras províncias enquanto aguarda pela retoma das actividades na península de Afungi.

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EMPRESA Kingman Construtora GESTOR José María Sánchez FUNDAÇÃO 2012 CUSTO DOS PROJECTOS 220 milhões USD INÍCIO DO NEGÓCIO COM OS MEGAPROJECTOS 2016 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


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explicador

A (Quase) Imparável Transição Para as Renováveis As fontes de energia renováveis estão no centro da transição para um futuro energético sustentável e da luta contra as alterações climáticas. Historicamente, as renováveis eram caras e careciam do poder dos preços competitivos em relação aos combustíveis fósseis. No entanto, esta situação mudou consideravelmente ao longo da última década. Se as fontes de combustível fóssil ainda representam a maior parte do consumo global de energia, as energias renová-

O que está a provocar a mudança? À medida que a eficiência cresce, os preços das energias renováveis estão a diminuir drasticamente

veis já não estão muito longe. A percentagem de electricidade global proveniente de energias renováveis cresceu de 18% em 2009 para quase 28% em 2020. As fontes de energia renováveis seguem curvas de aprendizagem ou a Lei de Wright - tornam-se mais baratas por uma percentagem constante para cada duplicação da capacidade instalada. Portanto, a adopção crescente de energia limpa fez baixar o custo da electricidade proveniente de novas centrais de energias renováveis.

RENOVÁVEL

Solar e fotovoltaica

Centrais de gás

RENOVÁVEL

RENOVÁVEL

Torres termo-solares

Eólicas onshore RENOVÁVEL

Nuclear

Carvão

Centrais de gás Geo-termal combinadas

As novas ‘farmas’ fotovoltaicas são agora a fonte energética mais barata.

As centrais de gás são agora mais dispendiosas

Estas imagens representam o preço mínimo a que o provedor de energia deve vendê-la energia para recuperar os custos de construção e a operação da fábrica.

FONTE: Lazard Levelized Cost of Energy Analysis Version 14.0, Our World in Data; Visual Capitalist

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panorama

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Renováveis

Bancos nacionais juntam-se a programa europeu para aumentar investimentos em energias renováveis O programa europeu GET.invest e o Cluster da GIZ “Desenvolvimento de Sistemas Financeiros” juntaram-se aos financiadores em Moçambique para aumentar investimentos nos projectos descentralizados de energias renováveis. Esta colaboração faz parte do objectivo do GET.invest de reforçar os mercados de energias renováveis e é financiada, em Moçambique, pela União Europeia e pela Alemanha. O GET.invest é implementado pela

Solar

Mercado global

O produtor diversificado de electricidade de Portugal, a EDP, através do Fundo A2E (Acesso à Energia), apoiará sete projectos de energia solar em cinco países africanos, incluindo Moçambique e Angola, com um financiamento de 500 000 euros, anunciou a empresa na quinta-feira. “As propostas seleccionadas nesta terceira edição do fundo têm agora um financiamento global de meio milhão de euros, com o qual a EDP pretende promover o acesso à energia limpa em regiões mais remotas e carenciadas e assim ajudar a combater a pobreza energética nestas áreas”, disse a empresa de electricidade num comunicado. A energia solar é um elemento comum aos sete projectos que a EDP vai apoiar num dos dois, juntamente com a Nigéria, Ruanda e Malaui, e que abrangem sistemas de refrigeração para peixe e fruta em mercados locais, electrificação de escolas, centros de saúde ou abastecimento de tecnologias que permitem dessalinizar a água.

As energias renováveis (excluindo hídrica) cresceram a nível global 9,7% em 2020, um ritmo abaixo da média dos últimos dez anos (13,4% por ano), com a eólica e a solar a registarem aumento anual recorde, revelou um estudo da BP. De acordo com a 70.ª edição do estudo anual sobre os mercados energéticos globais, em 2020, ano marcado pela pandemia, “as energias renováveis (incluindo os ‘biofuels’, mas excluindo a hídrica) registaram um crescimento absolu-

EDP apoia projectos de energia solar no País

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Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). A ideia visa apoiar as instituições financeiras em Moçambique no desenvolvimento e oferta de produtos financeiros para aumentar a participação das energias renováveis nos seus financiamentos. Numa primeira ronda, o BNI, BIM, BCI e o banco Moza serão dotados de formação sob medida para expandir as suas possibilidades de acção nesta área.

Crescimento das renováveis abranda em 2020. Solar e eólica com aumento recorde to, em termos energéticos (2,9 EJ – exajoles), em comparação com os crescimentos assistidos em 2017, 2018 e 2019”. No ano em análise – em que a BP diz ter sido marcada por um “impacto dramático” nos mercados energéticos – as energias renováveis continuaram a sua trajectória de forte crescimento, com destaque para a energia eólica e a solar que tiveram o seu maior crescimento anual, aumentando, no conjunto, para uns “colossais 238 GW” (gigawatts).

Inovação

Painéis curvos flexíveis vão entrar nomercado mundial Uma empresa de Singapura vai dar início à comercialização de um novo tipo de painéis solares curvos. Estes painéis solares serão mais leves, finos, flexíveis e podem ser fixados nos telhados mais facilmente. A empresa Maxeon Solar Technologies tem vindo a apostar no desenvolvimento de novos painéis solares, que sejam mais baratos, fáceis de manusear e eficientes, tendo agora dado a conhecer o painel solar curvo, conhecido como Maxeon Air.

Segundo a empresa, estes serão mais eficientes, não terão moldura, mais finos, leves e adaptáveis a qualquer tipo de superfície. No fundo, será um painel solar fora dos padrões normais. Têm um modo de funcionamento inovador, sendo que a empresa destaca a sua facilidade de aplicação no telhado, já que não é preciso pontos de ancoragem ou outra ferramenta para os manter fixos. Outra característica interessante é a resistência ao fogo.

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OPINIÃO

Seis meses atribulados para o metical Liria Nhavotso • Directora de Tesouraria e Mercado de Capitais do Banco Big Moçambique

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uando, em Dezembro do ano passado, o Departamento de Estudos Económicos do Banco de Moçambique partilhou o resultado do inquérito mensal das perspectivas dos agentes económicos relativamente à evolução dos principais indicadores macroeconómicos, dificilmente se conseguia antever o movimento cambial do metical durante a primeira metade de 2021. A expectativa dos agentes era de estabilidade da taxa de câmbio, mesmo num cenário em que previam um ligeiro crescimento da inflação para perto de 4,5%. A manutenção da tendência de queda das taxas de curto prazo continuava a ser a expectativa da maioria dos agentes, suportada também com uma previsão de manutenção ou queda da taxa de referência do Banco Central. Era ainda consenso do mercado nesta altura que a economia iria recuperar em 2021 com um crescimento de 2,4% , após um ano fustigado pela pandemia Covid que, mais uma vez, tinha adiado a tão esperada recuperação económica. Mas em poucos meses tudo mudou. Ainda durante o mês de Janeiro, o Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique anunciou uma subida de 300 pontos base da sua taxa de referência para 13,25%. Esta medida arrojada, e contra o consenso de mercado, foi justificada com o intuito de combater a substancial revisão em alta das perspectivas de inflação que acompanhavam a desvalorização cambial e a subida dos preços dos bens, em vários sectores económicos, um pouco por todo o mundo. Esta medida foi suficiente para suster a tendência de desvalorização do metical que iniciou em Janeiro de 2020, e causar uma inversão, com um movimento agressivo de valorização que durou perto de três meses. A alteração da política monetária e o retorno ao MCI por parte do Banco Central, através de vendas de divisas aos bancos comerciais após mais de um ano de ausência, aliados ao arrefecimento das importações em resultado de perspectivas de uma recuperação mais lenta da economia depois da adopção de novas medidas de contenção da segunda vaga da pandemia, e à suspensão dos projectos de gás depois do ataque em Palma, conduziram a uma acumulação de moeda estrangeira no sistema bancá-

rio moçambicano. Este aumento de posições longas nos bancos e o potencial risco de incumprimento dos limites regulamentares motivaram alguns intervenientes a vender as suas posições, valorizando o MZN para perto de 55,5 contra o USD, uma valorização de cerca de 25% desde o início do ano. Esta forte valorização do metical, numa altura de fragilidade económica, motivou uma vigilância reforçada por parte do regulador aos principais bancos comerciais responsáveis pelo mercado cambial. Estas diligências culminaram na instauração de processos contravencionais contra uma das principais instituições de crédito do mercado, por infracções graves de natureza prudencial e cambial. Estas medidas rapidamente suscitaram preocupações junto dos principais agentes económicos do País, temendo que a economia pudesse vir a sofrer da suspensão da actividade cambial do banco responsável por 45% deste mercado. A verdade é que desde que foi conhecida a primeira suspensão há quase um mês, o Metical tem-se mantido estável, uma vez mais contra as expectativas dos agentes económicos do mercado. O elevado nível de reservas de moeda estrangeira, a participação contínua do Banco de Moçambique no mercado interbancário cambial e a actividade dos restantes bancos têm permitido suportar o câmbio, que tem beneficiado também de melhorias das perspectivas de retoma dos projectos de gás, com a chegada de tropas ruandesas e da SADC para combater a insurgência em Cabo Delgado. Se a segunda metade do ano nos proporcionar surpresas com a magnitude do que observámos na primeira metade, será praticamente impossível prever a evolução cambial do metical até ao final do ano. No entanto, o recente agravar da pandemia no País, com uma terceira vaga com proporções superiores às vagas anteriores, as necessidades orçamentais daí decorrentes e a redução da actividade económica com o agravar das medidas de contenção poderão ser superiores aos efeitos positivos do beneficio da suspensão do serviço de dívida por parte do G20 e dos apoios de emergência de entidades multilaterais, podendo levar o metical para perto dos níveis em que fechou o ano de 2020.

Se a segunda metade do ano nos proporcionar surpresas com a magnitude do que observámos na primeira metade, será praticamente impossível prever a evolução cambial do metical

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NÚMEROS EM CONTA qual o poder do seu passaporte? Com os casos Covid-19 a caírem em muitas partes do mundo e os programas de vacinação a aumentarem em velocidade warp, as viagens internacionais já não parecem ser um sonho distante. O Henley Passport Index, que tem vindo a monitorizar regularmente quais os passaportes que garantem maiores facilidades em viajar pelo mundo desde 2006, divulgou as suas últimas classificações e análises. Os dados mais recentes fornecem informações sobre como será a liberdade de viajar num mundo pós-pandémico, à medida que os países começam a abrir selectivamente as suas fronteiras aos visitantes internacionais. As classificações são baseadas na pontuação sem visto de um determinado país. Uma classificação sem visto refere-se ao número de países que um titular de passaporte pode visitar sem visto, com um visto à chegada, ou obtendo uma autorização de viagem electrónica (ETA). Sem considerar as restrições de uma pandemia em constante mudança, o Japão mantém firmemente a sua posição como o país com o passaporte mais forte pelo 4º ano consecutivo. Este posicionamento baseia-se em dados exclusivos da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) - com titulares de passaportes japoneses teoricamente capazes de aceder a um recorde de 193 destinos de todo o mundo sem visto. A última vez que o Japão não ocupou o primeiro lugar foi em 2017, quando partilhou o 5º lugar com países como os Estados Unidos, Nova Zelândia, e Suíça.

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Japão ocupa o primeiro lugar do ranking pelo quarto ano consecutivo com um visa-free score de 193 em 2021.

Japão

Singapura

Alemanha

Coreia do Sul

Finlândia

Itália

Luxemburgo

Espanha

Áustria

Dinamarca

Nos 16 anos de história do Henley Passport Index, a maioria das posições do ‘Top 10’ são ocupadas por países da União Europeia.

Um grande movimento disruptivo nos rankings de mobilidade poderá ser visto nos próximos tempos, algo relacionado com os programas e vacinação dos vários países bem como a sua determinação em abrir fronteiras. Os passaportes mais poderosos do mundo

Afeganistão

Iraque

Síria

Paquistão

Iémen

As últimas estatísticas mostram que o gap entre os que têm mais, e menos liberdade de viajar é agora o maior de sempre.

FONTE Henley Passport Index, Visual Capitalist

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NAÇÃO

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RECICLAGEM

QUANTO VALE O LIXO? Há, nos últimos tempos, um crescimento acentuado de catadores de resíduos a disputarem conteúdos das lixeiras e a arrastarem sacos com quantidades significativas de diversos resíduos sólidos nas cidades. O que pouco se sabe é que esta movimentação reflecte o crescimento de uma actividade com potencial para gerar a chamada economia circular. O mercado nacional é ainda muito pequeno, mas especialistas garantem que, se os poucos projectos existentes forem replicados, haverá um salto visível rumo ao desenvolvimento

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & D.R.

ão é de hoje que os ambientalistas assumem o papel de orientadores da sociedade para o cuidado para com a poluição do meio ambiente. Este movimento tem sido respondido através de importantes iniciativas de reciclagem dos resíduos, área que vem conhecendo imenso crescimento à escala global. Em Moçambique, no entanto, peca-se por não se produzirem dados estatísticos sólidos que permitam aferir os ganhos que esta actividade pode proporcionar. Não se sabe ao certo quanto lixo é produzido, quanto desse lixo é reciclável, quanto é efectivamente reciclado, quantos catadores existem, nem há, sequer, estimativas disponíveis sobre as empresas que se dedicam à reciclagem. Começando por aqui, fica clara a grande dificuldade de perceber o potencial desta actividade em contribuir para o crescimento económico, embora se reconheça que há. Sabe-se, no entanto, que o reaproveitamento do lixo é, grosso modo, de pequena escala, não possibilitando, por isso, criar e alimentar projectos industriais, como a produção de energia eléctrica, por exemplo. A este respeito, o panorama descrito pela Associação Moçambicana de Reciclagem (AMOR), instituição criada em 2010, também elucida dificuldades na área da transformação do lixo. “A gestão dos resíduos sólidos em Moçambique é um desafio cada vez mais importante. Na maioria dos municípios do País, o aumento do custo ligado ao transporte e ao tratamento dos resíduos sólidos desequilibra os orçamentos”, refere a organização, que também reconhece que há “pouca informação sobre as quantidades e as qualidades dos resíduos disponíveis

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em Moçambique”. Mesmo assim, avança estimativas que apontam para uma produção de 2,5 mil milhões de toneladas de resíduos por ano, dos quais 60% são orgânicos. A AMOR revela ainda que a reciclagem é uma realidade que está mais voltada para a exploração da sucata do que para outros tidos de materiais (papel, madeira, plástico, vidro), também com grande potencial de criar emprego e gerar desenvolvimento. É um mercado, de facto, incipiente. Afinal, ao contrário do que acontece nos países em que a actividade de reciclagem já está consolidada, em Moçambique, “até 2006, não existia um sector de reciclagem propriamente dito, com a instalação de uma infra-estrutura para condicionar e compactar o metal, o papel/papelão, o vidro e mais recentemente o plástico e os resíduos orgânicos (usados como adubo natural)”, explica a AMOR. E complementa: “o sector da reciclagem ainda é muito fraco, precisa de investimento e vontade política para tornar-se eficiente à escala de todo o País. Algumas empresas nacionais beneficiam da reciclagem, mas ainda são poucas e a maior parte dos resíduos sólidos são exportados para a África do Sul ou China”. Esta constatação deixa clara a necessidade de desenvolver o sector da reciclagem em Moçambique, de modo a reter o valor agregado em benefício do País. Tudo isso exige investimento em equipamentos de reciclagem, o que ainda não está a acontecer. E não são equipamentos baratos. Por exemplo, uma pesquisa rápida na internet permite descobrir que uma máquina de classificação de resíduos e lixo composto custa cerca de 6000 dólares.

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NAÇÃO As boas experiências e as limitações A E&M ouviu três jovens que trabalham com iniciativas ligadas ao equilíbrio ambiental e com a reciclagem de resíduos na Cooperativa de Educação Ambiental REPENSAR, organização com operações na Macaneta, distrito de Marracuene. Delson Mutemba, educador ambiental, refere que em Moçambique só as grandes empresas têm melhor capacidade de transformar o lixo. “Por exemplo, a Recicla é das poucas empresas com capacidade para comprar o plástico, transformá-lo em maquinarias apropriadas e depois fornecer aos que produzem utensílios diversos”, observou. Por causa da incapacidade em termos de equipamentos, “a quantidade de resíduos que a REPENSAR recebe é muito superior à quantidade que reutiliza. Este indicador mostra o quanto ainda não estamos preparados para tirar vantagens do potencial que existe”, concluiu. Na mesma linha, Celso Mungoi, também educador ambiental ao nível de algumas escolas primárias de Maputo através de um programa denominado “Escola Ecológica”, entende que se projectos similares forem replicados, a ideia da economia circular pode efectivar-se porque “o lixo transforma-se em valor com potencial para alimentar muita gente e também a indústria”. Lamenta, no entanto, o facto de este aproveitamento ser ainda baixo por falta de meios de reciclagem, apesar de a sociedade estar cada vez mais consciente da necessidade de enveredar por este caminho. Mas o bom exemplo de que o negócio do lixo pode trazer desenvolvimento veio de Felismina Malate, uma jovem que coordena o departamento que compra resíduos sólidos junto da comunidade de Macaneta. O vidro custa um metical por quilograma, o plástico cinco meticais e as cadeiras de plástico partidas, bacias quebradas e outros materiais do género custam seis meticais por unidade. “Sendo muito carente, esta comunidade (habituada à pesca de pequena escala), tem na REPENSAR uma grande oportunidade de renda”, conta a jovem, que chega a comprar, por dia, material residual de até 2500 meticais. Por causa desta acção, Macaneta já regista uma transformação assinalável, em apenas seis meses de operações da REPENSAR, no projecto de tratamento do lixo marinho. “A zona de Macaneta está muito limpa, já não é fácil encontrar lixo na rua porque se transformou em valor e passou a escassear. Vemos que aqui vai começar a acontecer o que já acontece na praia da Costa do Sol, em que, quando há muita gente, os catadores ficam atentos a qualquer oportunidade de os utentes atirarem qualquer coisa ao chão e disputam para colocar na sua sacola para nos vender”, observou. Oportunidade para gerar electricidade Entre os vários usos, a produção de electricidade é dos mais importantes e vem ganhando força no mundo. Trata-se de uma solução que permitiria a tão necessária diversificação da matriz energética do País, dado o seu elevado potencial de produção, sem falar na diminuição dos impactos causados pela decomposição do lixo, como a emissão de gases nos aterros sanitários. Só para ter uma ideia da importância de projectos desta natureza, há 15 anos que o governo português está a subsidiar a produção de electricidade a partir do lixo. Em Moçambique, esta oportunidade ainda não está a

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Sem grande capacidade de transformação, os resíduos sólidos em Moçambique não têm servido para muito mais do que alimentar pequenos negócios ser aproveitada, mas a realidade pode mudar a breve trecho. A E&M contactou o porta-voz da empresa Electricidade de Moçambique (EDM), Luís Amado, que falou do lançamento, em Fevereiro do corrente ano, de uma Manifestação de Interesse, por parte EDM, em contratar assistência técnica relativa ao desenvolvimento de grandes e médias infra-estruturas de geração e transmissão de energia e reforço da sustentabilidade em áreas, que incluem a energia produzida a partir do lixo (biomassa e biogás), que prevê produzir quantidades importantes de electricidade em diversos pontos do País, nomeadamente Namaacha (Província de Maputo), Gaza, Inhambane, Tete, Zambézia e Manica. E há muito potencial para lá chegar. De acordo com dados constantes no mapa de energias renováveis de Moçambique, publicado na página do Fundo de Energia (FUNAE), www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


RECICLAGEM

Moçambique tem diferentes recursos de biomassa para produção de electricidade, nomeadamente a biomassa florestal (proveniente dos resíduos lenhosos da exploração convencional da madeira ou plantações para esta finalidade); biomassa de resíduos industriais e agroin-dustriais (resíduos das explorações agro-industriais, materiais residuais das indústrias transformadoras da madeira e matérias vegetais); cogeração na indústria da pasta de papel (materiais residuais do processo de cozedura da madeira designados de “licores negros”); indústria açucareira (utilização do bagaço residual, resultante do processo de moagem da cana-de-açúcar para a produção de energia); o biogás de pequenas e médias explorações pecuárias; a queima de óleos vegetais de coco ou jatrofa em motores apropriados. Sobre a técnica de produção de energia eléctrica em si, artigos científicos avançam que, entre outros métodos, há um processo de combustão bastante desenvolvido em vários países, conhecido como Waste to Energy (resíduos para energia), que utiliza o lixo tal como ele vem, ou seja, misturado (mass burning), que se pode produzir numa www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

lixeira como a de Hulene. Ali pode-se também retirar o biogás – mistura de metano e gás carbónico – da massa dos resíduos e queimado. É possível aproveitar este gás para accionar motores de combustão interna e geradores eléctricos, embora também seja necessário implantar todo um sistema de captação e purificação do biogás, antes de encaminhá-lo para os motores. Importante na arte Sem grande capacidade de transformação, os resíduos sólidos em Moçambique não têm servido para muito mais do que alimentar pequenos negócios, que têm na exploração da sucata a sua expressão máxima (sem considerar, logicamente, os poucos grandes transformadores como a Recicla e a Coca-cola). O renomado artista moçambicano Gonçalo Mabunda será, certamente, um dos exemplos expressivos da utilização de resíduos metálicos no seu projecto anti-guerra, que granjeou a simpatia de todo o mundo, tornando-o num dos mais importantes activistas anti-guerra. Além deste, muitos artesãos moçambicanos são também

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conhecidos por apresentarem obras de ‘encher o olho’ nas feiras de arte, com grande contributo para a exposição do País além-fronteiras, no que o Governo considera ser uma alavanca para a promoção do turismo cultural. Os melhores do mundo Todos os países com elevada taxa de transformação dos resíduos têm realidades socioeconómicas distantes da de Moçambique, mas, em comum, apresentam aspectos inspiradores, que dão a noção do quão impactante é a reciclagem de resíduos na economia. A Alemanha é o melhor exemplo apontado pelas Nações Unidas em matéria de reciclagem. Em 1970, o país tinha cerca de 50 mil lixeiras a céu aberto espalhadas pelo seu território. Actualmente, esse número caiu para menos de 200 porque os alemães têm a política pública de resíduos mais eficiente do mundo, sendo o país em que os aterros recebem menor proporção do lixo produzido. Isto graças ao facto de que os próprios cidadãos têm a tarefa de separar os resíduos e, para evitar o aumento potencial de aterros, as empresas são responsabilizadas pelas embalagens que utilizam. Além da reciclagem, a Alemanha aposta na incineração de resíduos como fonte de energia.

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No aterro sanitário de Hulene, o maior do País, vem crescendo a actividade de colecta de resíduos sólidos visando a sua transformação para diversos usos A Coreia do Sul também se orgulha de ter um sistema capaz de reciclar a maior parte do lixo e ter cidadãos que sabem separá-lo antes de descartá-lo. Além disso, os habitantes de Seul também foram legalmente obrigados a descartar resíduos de alimentos em sacos biodegradáveis - pelos quais eles pagam uma pequena taxa. A taxa das sacolas tem o objectivo de desestimular o desperdício de alimentos e as cobranças arrecadadas são utilizadas para custear a gestão e o manuseio dos resíduos da cidade. A taxa de reciclagem de resíduos plásticos na Coreia do Sul era de cerca de 44,8% em 2018, e permaneceu entre 40% e 50% na última década. A Suécia começou o seu famoso sistema de reciclagem de garrafas em 1984, permitindo que o seu povo deixasse os seus vidros vazios ou garrafas de plástico e latas em “máquinas de venda reversa” – que distribuem vouchers em troca. A nação até proibiu a venda de quaisquer garrafas www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


RECICLAGEM DO LIXO AO PRODUTO… QUAIS AS ETAPAS DA RECICLAGEM? Cuidar do destino do lixo é uma das responsabilidades ambientais que devem ser assumidas por todos, e há muito tempo que a reciclagem é vista como uma actividade rentável na vida de milhões de pessoas. Veja a seguir as principais etapas desta actividade

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SEPARAÇÃO

IDENTIFICAÇÃO

A primeira etapa da reciclagem já começa antes de os resíduos serem levados para a colecta selectiva ou postos de entrega voluntária. Além de depositar cada material no seu devido lugar, é preciso prestar atenção nas características dos resíduos, que podem ser diferentes, ainda que pertencendo ao mesmo tipo, como os plásticos.

Na segunda parte da tarefa, os catadores vão separar os resíduos que têm potencial para reciclagem e que pertencem ao mesmo tipo. É uma etapa muito trabalhosa, principalmente no reaproveitamento do plástico, encontrado em diversas formas (PET, PVC, polipropileno etc.), mas depositado, quase sempre, nos mesmos locais.

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4 FORNECIMENTO

DESCONTAMINAÇÃO

A primeira etapa da reciclagem já começa antes de os resíduos serem levados para a colecta selectiva ou postos de entrega voluntária. Além de depositar cada material no seu devido lugar, é preciso prestar atenção nas características dos resíduos, que podem ser diferentes, mesmo pertencendo a um mesmo tipo, como os plásticos.

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DESIGN DO RECICLADO

Para tornar o produto reaproveitado atractivo no mercado, representantes da indústria recicladora buscam diversas aplicações para o material, que vão desde a incorporação de pellets, que formam diversos objectos, até à criação de móveis, itens de decoração, roupas etc., tarefa feita por outros profissionais contratados.

A primeira etapa da reciclagem já começa antes de os resíduos serem levados para a colecta selectiva ou postos de entrega voluntária. Além de depositar cada material no seu devido lugar, é preciso prestar atenção nas características dos resíduos, que podem ser diferentes, mesmo pertencendo a um mesmo tipo, como os plásticos.

FONTE: CicloVivo – site de notícias especializado em temas relacionados com a sustentabilidade

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NAÇÃO OS GANHOS AMBIENTAIS DA RECICLAGEM A importância da reciclagem está ligada ao desenvolvimento sustentável, que engloba não só aspectos sociais e económicos, mas também o meio ambiente. Isto porque, ao descartar os produtos de forma adequada, a sociedade agrega valor ao processo e ao material, já que melhora os índices de reaproveitamento, reduz o custo de produção e estimula o crescimento da reciclagem. As maiores vantagens da reciclagem são a minimização da utilização de fontes naturais, muitas vezes não renováveis, e a minimização da quantidade de resíduos que necessita de tratamento final, como a incineração, contribuindo para a preservação do meio ambiente. A reciclagem também é capaz de reduzir a acumulação progressiva de resíduos, a produção de novos materiais como, por exemplo, o papel que exigiria o corte de mais árvores, as emissões de gases como metano e gás carbónico e as agressões ao solo, ar e água, que são importantes para a vida das espécies.

Uma pesquisa a fundo permite descobrir a utilidade dos materiais que a sociedade descarta, como as garrafas que estão a dar forma a casa na Macaneta ou latas que não façam parte do esquema. A taxa de reciclagem de garrafas e latas é de 84,8%. A Noruega tem um dos melhores esquemas de reciclagem de garrafas plásticas, que foi desenvolvido por uma organização chamada Infinitum. O esquema instituiu uma taxa extra cada vez que um consumidor comprasse uma garrafa de plástico, que poderia ser resgatada se fosse posteriormente reciclada, incentivando o processo e dando um valor à reciclagem. O esquema permitiu à Noruega reciclar 97% de todas as suas garrafas de plástico. No Japão, o desenvolvimento acelerado aumentou consideravelmente o volume de lixo produzido, tornando inviável a opção dos aterros sanitários. Mas há incentivos legais pela colecta selectiva e reciclagem, o que inspirou o país a investir em tecnologias para o reaproveitamento de materiais. Vale a pena saber que o Japão conta até com fábricas especializadas em desmontar e separar os componentes de eletrodomésticos e enviá-los à reciclagem, o que o torna numa das referências mundiais nesta matéria.

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Desafios acrescidos para África Vários estudos apontam o continente como o principal destino do lixo electónico dos países desenvolvidos, o que é há muito considerado como uma potencial ameaça à população. O Gana é tido como a principal vítima. Neste país da África Ocidental, há vastas lixeiras onde são preparadas pequenas fogueiras onde se queimam pilhas de velhos computadores, telas de aparelhos de televisão, laptops, etc., lançando uma negra e espessa fumaça. Ao redor das fogueiras, catadores recolhem placas-mãe, metais valiosos e fios de cobre, queimando pelo caminho as capas de plástico – e, assim, enchendo o ar de substâncias tóxicas. Segundo dados da United Nations Environment Programme (Unep), órgão das Nações Unidas voltado para o meio ambiente, até 90% do lixo electrónico do mundo é despejado de qualquer maneira em África, sem obedecer a nenhum critério ou respeito pelo homem ou pela natureza. Entretanto, com o desenvolvimento tecnológico, alguns países já investem na reciclagem do lixo electrónico e o Ruanda é já considerado um país na vanguarda deste processo, graças aos investimentos feitos pelo Governo numa unidade industrial de processamento, em acompanhamento a uma rigorosa política ambiental. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021



NAÇÃO

NEGÓCIO DO LIXO EM MOÇAMBIQUE… QUEM GANHA? Apesar da fraca capacidade de transformação do lixo em valor, há cada vez mais iniciativas pelo País, a gerarem dinheiro com esta oportunidade. Maior parte da actividade está concentrada na capital Texto Jaime Álvaro & Celso Chambisso • Fotografia Shutterstock

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apelidada, outrora, de a “cidade de lixo”, pela má gestão dos resíduos sólidos urbanos, a capital moçambicana, Maputo, continua a enfrentar sérios desafios nesse aspecto e, por isso, ainda ostenta o epíteto, mas agora pela quantidade de lixo produzida pelos munícipes e por empresas. São 1200 a 1400 toneladas de lixo doméstico gerado diariamente, que custa aos cofres do Município de Maputo pouco mais de 400 milhões de meticais por ano. E para onde vai todo esse lixo? Quem ganha neste negócio? A revista E&M conversou com alguns actores e empreendedores baseados em Maputo, que identificaram, no lugar mais improvável, uma oportunidade de negócio. Há seis anos (2015), o Programa das

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Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) já alertava, através de um estudo, que a produção de lixo ao nível global cresce mais rapidamente do que a população e, para os próximos 30 anos, a estimativa de crescimento do lixo seria de mais de 70%. O estudo apontava que a população mundial produz cerca de 30 biliões de toneladas de lixo por ano, uma produção que cresce a um ritmo descontrolado. Segundo o PNUMA, a produção está directamente ligada ao desperdício, ao crescimento populacional, ao processo de urbanização e ao consequente aumento do consumo, configurando um problema não somente ambiental, mas, também, de saúde pública e de economia. Em Moçambique, existe pouca informação disponível sobre as quantidades e as qualidades dos resíduos sólidos. Con-

tudo, a sua produção pode ser estimada em 2,5 biliões de toneladas, com 60% de resíduos orgânicos, de acordo com a Associação Moçambicana de Reciclagem (AMOR) e a Carbon Africa, através dos Estudos sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos em Moçambique. A maior quantidade de lixo é produzida na capital Maputo. Estima-se que nesta cidade viva mais de um milhão de habitantes (1 127 565, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, 2020). Segundo a Direcção Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos e Salubridade, em média, cada munícipe produz, por dia, cerca de 1 kg de lixo e somente cerca de 700 toneladas são depositadas na Lixeira de Hulene, que dista a sete quilómetros do centro da cidade de Maputo. “A lixeira de Hulene recebe todo o lixo doméstico e resultante do comércio, que é produzido na Cidawww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


RECICLAGEM

“A lixeira de Hulene recebe todo o lixo doméstico e resultante do comércio, que é produzido na Cidade de Maputo. Desde o plástico, o papel, as latas, etc. Somente esses resíduos são aceites para o depósito...” de de Maputo. Desde o plástico, o papel, as latas, etc. Somente esses resíduos são aceites para o depósito, excluindo resíduos perigosos e resíduos industriais. Esse tipo de resíduos tem o seu tratamento específico, geralmente segue para as incineradoras. Em termos de quantidades diárias que são depositadas na lixeira de Hulene são cerca de 1200 a 1400 toneladas”, disse a Directora Adjunta do Ambiente e Salubridade do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, Meriamo Novela. Nos últimos anos, o município passou a preocupar-se mais com o destino final do lixo e também a desenvolver programas de reciclagem, principalmente www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

após a aprovação da Lei de Ambiente – a Lei 20/97 de 1 de Outubro, que possui uma Estratégia de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos em Moçambique: o Regulamento sobre a Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (Decreto n.º 94/2014, de 31 de Dezembro) e o Regulamento sobre a Gestão de Resíduos Perigosos – Decreto n.º 83/2014, de 31 de Dezembro). Entretanto, a gestão dos resíduos continua a ser um desafio da edilidade. “O lixo não é problema do município. O lixo é um problema de todos nós e compete a todos buscar soluções viáveis para mitigar os impactos e os problemas que dele advêm”, defendeu a fonte fazendo alusão à mudança de comportamento.

Engajamento das comunidades é parte da solução Em Maputo, as associações e cooperativas estão a ganhar terreno e protagonismo na área de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos, concretamente no que diz respeito à colecta selectiva e reciclagem. Actualmente, a edilidade de Maputo tem os serviços de gestão de resíduos sólidos terceirizados, que consistem na contratação de um provedor, através de um concurso público, para garantir a recolha primária de resíduos ao nível de cinco distritos municipais, nomeadamente KaMavota, KaMubukwane, KaMaxakeni, Chamanculo e KaTembe, cujo destino final é a lixeira de Hulene, além de um provedor que faz a recolha dos resíduos em toda a cidade. “Neste momento, estamos a trabalhar com 46 microempresas, ao nível dos bairros suburbanos, incluindo o distrito municipal KaTembe, que fazem a recolha primária. Em termos de valores globais gastos na contratação destes serviços, o Município fala de sete a oito milhões de meticais mensais, valor que pode aproximar-se dos 400 milhões de meticais por ano se considerarmos as operações relativas a outros operadores de grande dimensão. E estas empresas (as pequenas associações) fazem a recolha porta-a-porta, depositam no contentor e depois vem a recolha secundária que faz a retirada desse lixo dos depósitos para a lixeira”, explicou a fonte do Município. A Associação Comunitária Dambo da Mafalala, criada em 1997, é uma das provedoras subcontratadas pelo Município da Cidade de Maputo, no âmbito da terciarização dos serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos. Anualmente, a associação recebe da edilidade de Maputo cerca de um milhão de meticais para garantir os serviços. “Temos um apoio do Município de Maputo à luz de um contrato. Mensalmente recebemos um ordenado que serve para pagar os salários dos trabalhadores. Pagamos também despesas nacionais relacionadas com a Segurança Social e fazemos a manutenção dos materiais e equipamentos que são usados para a recolha dos resíduos sólidos. O nosso orçamento anual é aproximado a 1 600 000 meticais”, reconheceu um dos provedores de recolha de lixo primário, baseado no bairro da Mafalala, no distrito urbano KaMaxaquene,

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“As tábuas de corte ‘Pulango’ são feitas de uma mistura de madeiras maciças para evitar o máximo possível de desperdícios. O projecto tem sido uma boa fonte de rendimento para as despesas das famílias” e Presidente da Associação Comunitária Dambo da Mafalala, Gulamo Issufo. A Associação conta, actualmente, com 25 membros que, diariamente, garantem a recolha de quantidades de lixo que variam entre 11 e 14,5 kg, num dos bairros mais populosos da cidade de Maputo, com uma densidade estimada em mais de 20 mil habitantes. A recolha dos resíduos sólidos por parte dos provedores é totalmente gratuita. As comunidades, nos bairros suburbanos e urbanos, abrangidas pelo serviço, não comparticipam com nenhum valor monetário. Lixo para muitos e negócio para poucos Os resíduos depositados diariamente na lixeira de Hulene, já em processo de encerramento, vêm misturados e têm o

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mesmo destino sem nenhum prévio tratamento, segundo a Directora-adjunta do Ambiente e Salubridade do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. “Não temos dados específicos sobre a quantidade do lixo reciclado que chega à lixeira de Hulene. É um dos nossos grandes desafios buscar essa informação para podermos perceber que quantidades globais não vão ao depósito final”. Entretanto, alguns actores sociais identificaram uma oportunidade para fazer negócios lucrativos com aquilo que para a maioria de nós não tem valor. É o caso da empresa “Valor Plástico” que compra resíduos sólidos para posterior reciclagem. A Valor Plástico tem cerca de 1050 catadores de resíduos registados e processa, por dia, cerca de 12 a 14 toneladas de plástico.

Segundo Luís Stramota, um dos gestores da empresa, “muitas famílias têm a sua base de sustento na lixeira de Hulene, onde, por dia, chegam 120 a 160 toneladas de plástico. Nós fazemos a triagem de resíduos sólidos e dos materiais recicláveis que a lixeira recebe”, sublinhou. O lixo plástico extraído da empresa já foi usado em garrafas, sacos, bacias, tigelas, bidões e recipientes cosméticos. Chega embrulhado até em redes mosquiteiras de combate à malária. É pesado e vendido a 10 meticais por quilograma. Da empresa Valor Plástico, o lixo que já virou matéria-prima é encaminhado para a Topack, uma empresa moçambicana que transforma o lixo plástico noutros utensílios para o uso quotidiano. A SHL Metalomecânica é também uma micro-unidade industrial no ramo da serralharia metalomecânica localizada no Bairro Chamanculo “A”, e que identificou uma oportunidade na cadeia de valor do lixo. Estabelecida há três anos, esta empresa aposta na produção de equipamentos para a recolha de resíduos sólidos – os contentores de lixo. Fornece aos municípios das cidades de Maputo, Matola, Tete e a Vila Municipal da Manhiça. Entre os clientes privados, destacam-se a HCB e a Clean Africa, que trabalha na criação de soluções integradas para diferentes tipos de resíduos produzidos em Moçambique. “Temos capacidade de produzir 400 contentores de lixo, mas dependendo da demanda do mercado podemos produzir mais. Temos capacidade e qualidade para trabalhar com qualquer empresa seja nacional ou internacional”, disse, orgulhoso, o Director-geral da empresa, Hortêncio Langa, que emprega 40 funcionários. Desde as grandes até às pequenas iniciativas inovadoras sustentáveis que transformam o lixo em produtos novos, surgiu a marca “Pulango” (que significa madeira, em Changana, uma das línguas faladas no Sul de Moçambique). É uma marca moçambicana de tábuas de corte de cozinha que aproveita resíduos de madeira para produzir artigos de reconhecida qualidade. “As tábuas de corte ‘Pulango’ são feitas de uma mistura de madeiras maciças para evitar o máximo possível de desperdícios. O projecto tem sido uma boa fonte de rendimento. Antes tinha dificuldades de pagar a escola das crianças, atender às despesas diárias de casa, mas agora consigo tudo isso e mais alwww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


RECICLAGEM QUAIS SÃO OS MATERIAIS RECICLÁVEIS? Nem todo o tipo de lixo se pode transformar em utilidade. Uma rápida pesquisa na internet permite resumir os métodos de reaproveitamento dos diferentes resíduos para diversos usos nos seguintes pontos e aspectos particulares:

PAPÉIS

Todos os tipos são recicláveis, inclusive caixas de papelão. Não se deve reciclar papel com material orgânico, como caixas de pizza cheias de gordura, pontas de cigarros, fitas adesivas, fotografias, papéis sanitários e papel-carbono.

PLÁSTICOS

Aproximadamente 90% do lixo produzido no mundo é à base de plástico. Por isso, este material merece uma atenção especial por se tratar de um produto químico. Deve-se reciclar sacos de supermercados, garrafas de refrigerante (pet), tampinhas.

VIDROS

METAIS

ISOPOR

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Quando limpos e secos, todos são recicláveis (a casa de vidro da Macaneta é um bom exemplo) excepto lâmpadas, cristais, espelhos, vidros de automóveis ou temperados, cerâmica e porcelana.

Além de todos os tipos de latas de alumínio (as sucatas estão a ser muito exploradas no mercado), é possível reciclar tampinhas, pregos e parafusos. Mas atenção: clipes, grampos, canos e esponjas de aço devem ficar de fora.

Ao contrário do que muita gente pensa, o isopor é reciclável, mas o processo não é economicamente viável, por isso, é importante evitar ao máximo o seu desperdício. Algumas empresas transformam-no em matériaprima para blocos de construção civil.

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OS NÚMEROS DOS RESÍDUOS Não há informação sistematizada sobre a situação do País em termos de resíduos, mas pode ficar a conhecer o pequeno panorama a seguir:

2500

Milhões ton./ano Produção estimada de lixo em todo o território nacional

1400

Toneladas/dia Lixo produzido em Maputo, depositado na lixeira de Hulene

400

Milhões de meticais/ano Gastos do Conselho Municipal de Maputo com a gestão do lixo

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Micro-empresas Número de operadores que fazem a recolha primária do lixo ao nível da capital do País Fontes Associação Moçambicana de Reciclagem e Conselho Municipal da Cidade de Maputo

guma coisa com a venda dos Pulangos”, disse o experiente marceneiro, Fernando Mahade. O preço das tábuas varia entre 1000 e 2000 meticais. O projecto foi criado há um ano com a ajuda de um amigo, também sócio. Os restaurantes da cidade de Maputo são o principal mercado da marca. Pensando na transformação digital, Anette Federhen criou a Bolsa de Reciclagem (www.anetixmz.com), uma plataforma online que tem como objectivo intermediar negócios no ramo da reciclagem ou o reaproveitamento de resíduos entre agentes da indústria de reciclagem. “Vários intervenientes têm muita vontade de aderir a este projecto. O que nos falta é o melhoramento das condições de trabalho dos mais fracos, os catadores, que podiam ter equipamento de pré-tratamento do plástico para dar mais valor aos seus produtos bem como meios de transporte. As grandes empresas, em conjunto com as empresas de limpeza, deveriam repensar a sua forma de gerir o lixo para tornar os benefícios mais inclusivos”, disse a fundadora e administradora da plataforma, Anette Federhen. A anetixmz tem, neste momento, 20

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“Vários intervenientes têm muita vontade de aderir a este projecto. O que nos falta é o melhoramento das condições de trabalho dos mais fracos, os catadores, que podiam ter equipamento de pré-tratamento do plástico...” membros, dos quais seis empresas dedicadas à reciclagem e recolha de resíduos, cinco catadoras e nove individuais. Fora de Maputo, pouco se faz Não há muito que se diga sobre o que acontece fora da capital, senão iniciativas privadas isoladas de reaproveitamento dos resíduos pelos pequenos artesãos e artistas, que até fazem obras de encher o olho. Mas também não há informação sistematizada do valor gerado por estas iniciativas, embora não seja difícil perceber que não será significativo. Para mudar este quadro, há lugar para algumas iniciativas de consciencialização e sensibilização da população, incluindo campanhas escolares, para a necessidade da reciclagem e preservação do meio ambiente. Parte dessas acções tem sido levada a cabo pela Associação Moçambicana de Reciclagem (AMOR) através do programa “Recicla e Ganha”. Mas, infelizmente, tanto esta

quanto outras poucas iniciativas têm sido descontinuadas. Portanto, insuficientes para gerarem uma transformação visível e sustentável na transformação dos resíduos sólidos. Ainda assim, há alguma movimentação digna de menção. Por exemplo, o único Centro de Compostagem do Niassa, criado há quatro anos pelo Comité e Monitoria de Responsabilização Social do Conselho Municipal de Lichinga, vem incentivando os camponeses a investirem na reciclagem orgânica, o que reduz os custos com adubos químicos e permite aumentar a produtividade dos campos de cultivo. Em Nacala, província de Nampula, a União Europeia (UE) está a financiar, desde 2019, um projecto similar, num montante de até 500 mil euros. Trata-se do Centro de Compostagem Okhalassana, no qual mulheres organizadas em associação dedicam-se à recolha, selecção e transformação do lixo orgânico recolhido na cidade. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


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NAÇÃO CASA DE VIDRO... A NITIDEZ DA RECICLAGEM A comunidade recolhe garrafas e vende-as para a cooperativa REPENSAR. São estas garrafas que dão forma a uma habitação que, com a mesma qualidade, pode custar metade da casa convencional

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva arlos serra júnior é a voz mais sonante quando se trata de defesa do meio ambiente em Moçambique, com um histórico bem conhecido no voluntariado para as campanhas de limpeza dos espaços públicos e várias outras iniciativas amigas do ambiente. A E&M procurou-o para falar da importância do reaproveitamento do lixo para a economia, o que se está ou não a fazer, e até onde seria possível avançarmos, como País, se tivéssemos condições de aproveitar melhor o potencial que há. Uma vez na praia da Macaneta, no distrito de Marracuene, onde o ambientalista instalou a Cooperativa de Educação Ambiental REPENSAR, a E&M deparou-se com uma infra-estrutura inusitada: uma casa de vidro. Ou seja, uma casa feita de garrafas de todo o tipo, descartadas pelos utentes da praia e que poluíam muito o local. Afinal, terá sido exactamente este o motivo que levou Carlos Serra a escolher Macaneta para a implantar. “Percebi que Macaneta tinha tudo para dar certo, uma área ecológica sensível, uma comunidade de cerca de 550 pessoas, uma urbanização rápida e grosso modo mal feita, elevada dependência de biomassa e muito lixo”, frisou. Até princípios de Julho, a habitação estava em quase 40% de execução e nela já tinham sido utilizadas 72 mil garrafas, das 150 mil que se prevê utilizar no total. A casa feita de garrafas acabou por ser o destaque, mas há várias outras iniciativas que a REPENSAR está ali a desenvolver.

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Uma habitação feita só com garrafas… Como é que a ideia foi concebida? É fruto de uma pesquisa sobre como reaproveitar os resíduos, e que se baseia no que já está a ser feito fora do País. A casa de vidro ou de garrafa não utiliza areia. Na preparação da argamassa, faz-se a mistura de cimento com o vidro em pó, cujo processamento (trituração) é feito através de equipamento fornecido pela empresa Cervejas de Moçambique (CDM). Metade dos blocos da obra é, igualmente, feito de cimento e vidro em pó. O betão da fundação também leva uma grande quantidade de garrafas partidas (em caco). O vidro entra em tudo. O assoalho, os pilares e até o tecto serão preparados através desta matéria-prima descartável. Nesta obra, todo o tipo de garrafas tem utilidade, o que torna este modelo de casa num verdadeiro museu do vidro. No fim, as garrafas ficarão mesmo à vista, já que a casa não vai levar reboco, contribuindo para o baixo custo da sua construção. Optar por uma casa de garrafa pode garantir uma habitabilidade segura, e com qualidade equiparável à de uma casa convencional? A casa vai ficar muito bonita, segura e a um custo muito inferior ao que seria se a construção fosse a tradicional. O custo desta construção será de aproximadamente 750 mil meticais incluindo a mão-de-obra. Convertam este valor em dólares e digam-me qual é a casa assim que algum dia se construiria por este valor. É impensável! A combinação das cores e todos os efeitos faz com que ao fim da tar-

de fique deslumbrante o conceito da transparência, luminosidade e de brilho deste projecto. Nunca antes foi construída uma casa assim em Moçambique. Isso implica experimentar uma coisa nova que pode resultar ou não… Esta obra é uma escola para todos. É uma escola para mim e para toda a gente que participa, desde os mestres de obras até aos educadores ambientais, uma equipa de cerca de dez pessoas. A cooperativa REPENSAR, da qual eu sou Director-geral, é que tem a liderança do processo de reutilização do vidro e do plástico (há, no local, uma grande colecção de lixo marinho diverso, que além das garrafas inclui o plástico, redes de pesca, borracha, latas, microplástico, etc.). A nossa preocupação é combinar a sustentabilidade com uma abordagem de lixo marinho em que procuramos utilidade para esse lixo, com vista a encontrarmos soluções locais. Este é um laborawww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


O vidro entra em tudo. O assoalho, os pilares e até o tecto serão preparados através desta matéria-prima descartável. Nesta obra, todo o tipo de garrafas tem utilidade, o que torna este modelo de casa num museu do vidro tório permanente, em que, ao mesmo tempo que limpamos, damos utilidade, apoiamos a cadeia de valor e ajudamos a comunidade. Também estamos a trabalhar em soluções para replicar estas iniciativas. Qual seria a dimensão do impacto ambiental e económico se as pessoas aderissem a este padrão de construção das habitações? Quando iniciámos o projecto do lixo marinho com a CDM, tirámos 10 toneladas de vidro (em garrafas) da praia em poucos dias. Mandávamos o vidro para a Cidade de Maputo onde era entregue (não vendido) a um empresário. Não faço ideia do que era feito desse vidro. Não conseguíamos gerar uma economia circular, isto é, de ciclo perfeito, em que o que se produz reentra na economia. Assim, dewww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

cidimos fazer alguma coisa com o vidro das milhares de garrafas que havia. Portanto, só esta casa limpou as garrafas da ilha de Benguelene, de toda a península de Macaneta e de toda a praia que estava cheia de lixo. E como disse antes, pelo seu preço, configura uma oportunidade de facilitar a resolução de um dos grandes problemas da actualidade – a aquisição de casa própria. Não param de chegar pessoas arrastando sacos de resíduos para cá. Crianças, jovens e adultos. É desta relação que sai o pão para a maior parte destas famílias? Para esta construção estamos a comprar os materiais ajudando a adicionar fonte de renda às comunidades. O quilograma de garrafa custa 1 metical, mas há garrafas que compramos

por 1 metical só a unidade. Pode parecer pouco, mas enquanto o nosso projecto não for sustentável, não conseguimos comprar por mais. No seu interior, algumas paredes que dividem os cómodos poderão levar paletes de madeira, também resultantes da reutilização de materiais, havendo também paredes feitas de garrafas menores, de bebidas secas, que são muito consumidas na praia da Macaneta. Em relação a estas garrafas, nós até lançámos uma campanha em que pagamos um pouco mais do que pagamos pelas outras. Além disso, o plástico que temos é comprado à comunidade para a posterior revenda a empresas como a Coca-cola, que estabeleceu a meta de chegar a 2030 com 100% do plástico reciclado. E é a Coca-Cola que financia a mega-operação de recolha do plástico, acabando por alimentar o que se assiste na cidade, em que cresce cada vez mais o número de catadores de plástico. Se houvesse mais operadores a fazerem isto, haveria pão para muita gente.

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Decidimos fazer alguma coisa com o vidro das milhares de garrafas que havia. Portanto, só esta casa limpou as garrafas da ilha de Benguelene, de toda a península de Macaneta e de toda a praia que estava cheia de lixo Além da garrafa de vidro, o vosso projecto também envolve a reutilização do plástico, latas, borrachas e outros materiais residuais que estão devidamente separados e organizados no vosso armazém. Que destino é dado àqueles? Cerca de 80% do que está no mar vem das cidades. Um dado muito importante, cientificamente provado, mas que ninguém ainda questionou, é que até 2050 haverá mais plástico do que peixe. O peso maior desse plástico é descartável, ou seja, usa-se apenas uma vez. O problema deste material é o facto de ser derivado do petróleo e por isso não oferece muitas alternativas de reutilização. Mas estamos a

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pensar em alguns componentes que podem dar utilidade ao plástico, como abarrotes. Alguma coisa pode ser feita localmente ao nível do artesanato como a borracha, sendo o Quénia um país com projectos inspiradores nessa área. É uma questão de trabalho, de envolvermos os artistas e fazermos as coisas acontecerem. O projecto lixo marinho ainda está nos seus primeiros meses, o que significa que ainda temos algum tempo para explorar e testar soluções, mas tomando sempre o cuidado de não inventarmos coisas que amanhã vão trazer-nos mais problemas para as gerações que vêm a seguir.

Sabemos que Carlos Serra também está a trabalhar no projecto de combate à erosão e restauração das dunas na praia de Macaneta… Há três anos, os donos do Macaneta Beach Resort contactaram-me porque estavam a enfrentar um problema caótico de erosão e dos utentes da praia que chegavam todos os fins-de-semana e depositavam todo o tipo de lixo. Para o problema da erosão estamos a utilizar pneus gigantes fornecidos pelo Porto de Maputo e outros operadores. Trata-se de um trabalho que não está no âmbito do projecto do lixo marinho, mas que fazemos como voluntariado, que inclui a ajuda que os trabalhadores da REPENSAR prestam a crianças desfavorecidas da região, através de almoços beneficentes de tempos em tempos. Graças a esta intervenção temos estado a conseguir www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


evitar a devastação da terra através da erosão, embora ainda tenhamos muito trabalho por fazer, nomeadamente o preenchimento dos pneus gigantes com betão ou vidro, e o plantio de um tipo de vegetação que ajude a assegurar a estrutura que montámos. Disse que a REPENSAR ainda é insustentável. Como é que consegue sustentar as suas acções? Quais são as entidades que tornam possível a vossa actividade? A CDM alocou-nos as máquinas de moagem do vidro sem custos, uma que utilizamos aqui e outra no projecto da Machava. Também celebrámos um memorando de entendimento com o Macaneta Beach Resort, que nos cedeu dois espaços onde está instalada a maior parte das operações da Cooperativa de Educação Ambiental REPENSAR. Além disso temos um memowww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

rando com a administração do distrito de Marracuene, que nos dá luz verde para fazermos as coisas acontecerem ao nível do projecto do lixo marinho. Finalmente, a Noruega, que gostou tanto do nosso trabalho sobre o plástico, pediu-nos para submetermos outra candidatura para acedermos a fundos e iniciámos o projecto do lixo marinho em Janeiro deste ano. Mas acontece que o que eles alocam é muito inferior ao esforço que fazemos. Estamos a inflacionar os impactos reais porque apresentamos resultados muito superiores ao que nos oferecem como meios. E se tivéssemos mais actores a pensarem e a agirem como a REPENSAR? Se tivéssemos mais actores a pensar em soluções locais para a valorização de resíduos, mas também pa-

ra travar a erosão, dar energia barata, acessível e limpa às comunidades, conseguiríamos dar um salto importante rumo ao desenvolvimento. A pobreza é a falta de energia. Um país que dependa da biomassa em 80% é muito pobre. E este é o nosso caso. O crescimento e o acesso à energia são duas faces da mesma moeda. Países que têm acesso à energia são países desenvolvidos porque a energia catapulta um país. Estamos a precisar de mais iniciativas. Mãos na massa, porque não é apenas falar de mudanças climáticas e sobre estes temas de forma abstracta. Por exemplo, eu não tenho estado a divulgar as medidas para travar a erosão porque utiliza um material polémico como o pneu. Mas sem este material, tudo isto já estaria em baixo. O mar e o rio juntar-se-iam e causariam um desastre gigantesco.

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MERCADO E FINANÇAS BANCA DEVE CONTINUAR A MODERNIZAR-SE PARA FUGIR À CRISE Lucros caíram mais de 16% nos seis maiores bancos e tudo indica que a recuperação da crise que até começou antes da pandemia exigirá muito mais esforços, revela relatório da Eaglestone

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Texto Mário Baptista, da Agência Lusa • Fotografia Mariano Silva pandemia do covid-19 trouxe mudanças significativas nos hábitos dos consumidores moçambicanos, não só pela necessidade de manter o distanciamento social, mas também pela criação ou aprofundamento de necessidades que antes não eram sentidas. A banca, enquanto instrumento financeiro utilizado pelos cidadãos, não é excepção, e o sector terá de ajustar-se a esta mudança no comportamento dos clientes, diz a Eaglestone. O relatório da consultora sobre os resultados de 2020 dos seis maiores bancos a operar em Moçambique, e que representam 90% da quota do mercado, é claro ao afirmar que a digitalização tem de ser acelerada, sob pena de os bancos perderem o comboio da modernização, imprescindível para compensar a perda de 16,6% do lucro que se registou no ano passado. “Os impactos sociais e económicos do covid-19, incluindo as mudanças no comportamento dos consumidores e a procura por serviços bancários resultantes da pandemia, vai trazer desafios maiores para os bancos neste e no próximo ano”, lê-se no relatório desta consultora com escritórios em Maputo, Londres, Lisboa, Luanda, Cidade do Cabo, Amesterdão e Joanesburgo. “Estas alterações vão provavelmente acelerar a necessidade de implementação de programas de transformação digital e, em particular, será importante ajustar os serviços que são fornecidos através de aplicações móveis e banca na internet para os clientes, num contexto operacional cada vez mais competitivo”, dizem os analistas liderados pelo economista-chefe da consultora, Tiago Dionísio. No relatório sobre os bancos em Moçambique, a Eaglestone lembra que a recessão do ano passado impactou negativamente na actividade bancária, mas sublinha que esta tendência de queda dos resultados não é apenas consequência do Covid-19, já que no ano anterior se tinha registado redução dos lucros. A consultora também recorda que, além da queda no Produto Interno Bruto (PIB), as métricas orçamentais deterioraram-se no ano passado, com o rácio da dívida face ao PIB a ultrapassar os 100% e o défice orçamental a crescer de 2,1% em 2019 para 4,7% em 2020. A recuperação económica, ainda tímida no País, também não servirá de

“O crescimento económico também deverá continuar baixo, entre os 2% e os 3%, o que torna mais desafiante a criação de receitas para os bancos

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alicerce para catapultar o crescimento da banca, que enfrenta um processo gradual de recuperação, muito exposta ao andamento da economia moçambicana. “O crescimento económico de Moçambique também deverá continuar baixo, entre os 2% e os 3%, o que torna mais desafiante a criação de receitas para os bancos e aumenta a necessidade de implementar medidas de contenção de custos para assegurar níveis de lucro adequados”, aponta o relatório, que calcula que o resultado líquido destes seis bancos caiu 16,6% no ano passado, para 13 487 milhões de meticais, equivalentes a cerca de 180 milhões de dólares. Apesar disso, o total de activos detidos por estas instituições financeiras aumentou 16,3% no ano passado, chegando a 647,7 mil milhões de meticais, o correspondente a cerca de 8,6 mil milhões de dólares, um ritmo de crescimento mais rápido do que a expansão verificada em 2019. “Este aumento dos activos foi devido, principalmente, ao crescimento dos depósitos nas instituições de crédito, investimentos em instrumentos do tesouro, carteira de empréstimos e depósitos mais volumosos em numerário no banco central”, aponta o documento, que dá conta, ainda assim, de uma expansão da actividade bancária no País, nomeadamente no número de contas, que passou de 2,1 milhões em 2011 para cerca de 5 milhões no ano passado e no número de balcões, que aumentou de 457 para 684 no mesmo período, mesmo que fortemente concentrado nas áreas urbanas. A queda dos lucros Referindo-se à redução dos lucros dos bancos em 16,6% no ano passado, devido à pandemia, o economista Tiago Dionísio avançou que “os resultados da banca foram afectados pelo ambiente macroeconómico mais desafiante dos últimos dois anos em que a actividade económica vem abrandando”. Lembra que em 2019 o crescimento económico foi de 2,3%, o que compara com a média de 5% nos últimos cinco anos e no ano passado houve uma contracção da atividade económica de 1,3%. O economista acrescentou também que o Banco Central teve de tomar medidas, como a redução das reservas obrigatórias que os bancos têm de ter em moeda estrangeira e em moeda local. Além disso, o Banco de Moçambique cortou as taxas de juro no ano passado em 250 pontos base (2,5%) e introduziu uma isenção para o aprovisionamento de crédito reestruturado e associado à covid-19 e, por fim, reduziu e isentou as comissões bancárias para os clientes, isto é, as famílias e as empresas. Os resultados, também por isso, foram “bastante www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


COMO ESTÃO OS SEIS MAIORES BANCOS? Todos os bancos foram prejudicados pela crise, mas a pesquisa da Eaglestone evidencia o facto de os bancos relativamente menores terem sofrido muito mais, chegando, inclusive, a registar prejuízos

Lucro líquido

Lucro líquido

36 milhões USD

3 milhões USD

Activos

Activos

2554 milhões USD

641 milhões USD

Empréstimos

Empréstimos

896 milhões USD

306 milhões USD

Depósitos

Depósitos

2027 milhões USD

486 milhões USD

Filiais

Filiais

211

50

Funcionários

Funcionários

2770

Lucro líquido

705

Lucro líquido

-16,6%

72 milhões USD

Activos

2475 milhões USD Empréstimos

594 milhões USD Depósitos

2 milhões USD Activos

635 milhões USD Empréstimos

326 milhões USD Depósitos

É a redução média do lucro dos bancos em 2020, ano em que tiveram de consentir perdas de rendimento face à suspensão da cobrança de algumas comissões. Mas, de um modo geral, os activos permanecem estáveis.

1856 milhões USD Filiais

199

Funcionários

469 milhões USD Filiais

70

Funcionários

2439

927

Lucro líquido

73 milhões USD

Activos

1914 milhões USD

Empréstimos

506 milhões USD Depósitos

1491 milhões USD Filiais

40

Funcionários

1196

Lucro líquido

-5 milhões USD Activos

429 milhões USD Empréstimos

131 milhões USD Depósitos

357 milhões USD Filiais

23

Funcionários

615

FONTE Eaglestone

www.economiaemercado.co.mz | Junho 2021

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MERCADO E FINANÇAS CUSTOS CRESCERAM… O fenómeno fica a dever-se, em parte, às despesas relacionadas com as medidas que os bancos tomaram para mitigar a potencial propagação do Covid-19 entre os colaboradores e clientes Em milhões de meticais

6684 6872

7519 7856 6168

6614

3440

4116 2662 2819 1500

Bim

BCI

Standard Bank

ABSA

Moza

* Banco Único

*Os resultados do Banco Único (agora Nedbank) de 2020 ainda não foram divulgados

… E OS LUCROS CAÍRAM No fundo, o covid-19 só veio acentuar uma instabilidade que já se fazia sentir em resultado do abrandamento da actividade económica nos últimos anos, com efeitos também ao nível dos bancos Em milhões de meticais

6708 5125

4946

5439

“Os bancos vão necessitar de implementar medidas ao nível de provisões para acautelar possíveis riscos”, o que implica uma subida do crédito malparado...

3454 2672 1048 259 Bim

BCI

Cenário moderado

Standard Bank

146

ABSA

Cenário pessimista

-776 Moza

506

-398 Banco Único

modestos”, com os custos a crescerem mais do que a inflação, impulsionados pelos “investimentos que os bancos têm feito na digitalização do sector e despesas de investimentos extraordinários associados ao combate à pandemia”. Os seis principais bancos em Moçambique, que têm uma quota de mercado de 90%, viram o resultado líquido cair 16,6% no ano passado em comparação com os resultados de 2019, mas Tiago Dionísio salienta que “o resultado poderia ter sido pior”, já que esta queda também já se tinha verificado em 2019, quando os resultados caíram 7,5%, “por isso a queda de 16,6% no ano passado não é de estranhar tendo em conta o ambiente macroeconómico mais desafiante”, concluiu.

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Crédito malparado pode duplicar este ano Pelo menos durante boa parte deste ano os resultados continuarão a ser afectados pela pandemia e pelo crescimento económico em Moçambique, que vai permanecer algo modesto se tivermos em conta o passado recente do país. Moçambique, diz Tiago Dionísio, “não podendo crescer muito mais que 2 ou 3% ao ano, pode ficar abaixo do crescimento da população e, neste contexto, gerar mais receitas será desafiante para os bancos, e haverá uma necessidade de medidas de contenção de custos para garantir que os níveis de rentabilidade se mantenham estáveis”. Questionado sobre quais poderão ser essas medidas, o economista aponta que “provavelmente os bancos vão necessitar de implementar medidas ao nível de provisões para acautelar possíveis riscos futuros”, o que implica uma subida do crédito malparado, ou seja, do crédito que os bancos não conseguem cobrar devido a dificuldades económicas dos clientes. “Poderemos ver um aumento do crédito malparado este ano, tal como aconteceu no ano passado, em que o volume www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


de crédito que os bancos não conseguem cobrar passou de 6% para 9% em 2020, e é possível que o rácio chegue aos dois dígitos este ano, subindo para 10% ou 12%”, apontou, vincando que, tal como no desemprego, os efeitos da crise económica não são reflectidos de forma imediata, demoram algum tempo. É, por isso, possível que a taxa de crédito malparado suba para mais de 10% durante os próximos trimestres. Ainda assim, a banca em Moçambique “apresenta rácios de rentabilidade relativamente atractivos, com o retorno sobre os capitais próprios, que caiu nos últimos dois anos, embora se espere que a partir do próximo ano, volte aos níveis de um passado recente, em torno dos 16% ou 18%. Mas será sempre um processo gradual e ligado à evolução económica do País”, concluiu Tiago Dionísio. Não voltaremos a crescimentos de 5% tão cedo Moçambique registou, no ano passado, a primeira recessão económica em mais de 20 anos, e as perspectivas para os próximos anos também não são animadoras, não se prevendo o regresso aos crescimentos de 5% tão cedo. No relatório, a Eaglestone escreve que “a recessão económica também reflectiu o declínio da procura externa, as perturbações nas cadeias de fornecimento e a redução da procura interna causada pelas medidas de confinamento, para além do atraso nos investimentos que foram projectados para o sector do gás”. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

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OPINIÃO

O Programa Sustenta: Como o Sector Bancário Poderá Dinamizá-lo Marcelino Botão • Head of Agricultural Banking, Absa Moçambique

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agricultura é considerada a base do desenvolvimento de Moçambique. Isto é, a sua economia está assente no sector agrário, por contribuir com 21%-24% do PIB nos últimos 10-12 anos e ser o maior empregador (cerca de 80% da massa laboral activa). Desde 2005, o País tem formulado várias iniciativas com o objectivo de tirar o maior proveito possível do potencial do sector agrário, destacando a Estratégia da Revolução Verde, o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA), o Plano Nacional de Investimento do Sector Agrário (PNISA), o Plano de Apoio à Intensificação e Diversificação da Agricultura e Pecuária (IDAP), a Estratégia de Comercialização Agrícola e o Plano Director de Desenvolvimento do Agro-negócio (PDDA). A maior parte destas iniciativas focava-se na criação de capacidades a nível institucional para o apoio directo à agricultura familiar.Porém, pecaram pela ausência de acções coordenadas na sua implementação. Apesar dos esforços acima destacados, o sector agrário foi, e continua, com limitado acesso ao financiamento, sendo de 2%-6%, mesmo com a prática de crédito aos fornecedores pelo sector privado, criação de linhas de crédito e fundos de garantias pelas instituições do Estado, em parceria com parceiros de desenvolvimento, banca e ONG, e ainda outras abordagens lançadas pelo Estado para financiar o sector (Estratégia de Desenvolvimento Rural, Estratégia de Finanças Rurais, Fundo Distrital de Desenvolvimento, etc.). A busca contínua de soluções para explorar o potencial do sector agrário culminou com a criação do Programa Sustenta, em 2017 (fase piloto), a luz do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável (PNDS) com expansão para todo o País, em 2020. Com o objectivo de melhorar a qualidade de vida dos agregados familiares rurais, promovendo uma agricultura sustentável, o Sustenta foi gerado alicerçado nas experiências e bases criadas pelos programas anterio-

res, e aborda o desenvolvimento agrário de forma holística e integração vertical das componentes principais da cadeia produtiva, mantendo foco no sector familiar por constituir cerca de 98% das explorações agrícolas no País. O Sustenta integra sete componentes de apoio ao sector familiar, sendo (i) Transferência de tecnologia, (ii) Financiamento, (iii) Mercados, (iv) Planeamento e Ordenamento produtivo, (v) Infra-estruturação, (vi) Salvaguardas ambientais e sociais, e (vii) Subsídio ao Produtor como factores de crescimento e desenvolvimento sustentável do agricultor. Este modelo promove relações contratuais sinergéticas entre os diferentes actores da cadeia de valor (Produtor Familiar-Produtor, Comercial Emergente-Empresa, Processadora-Consumidor) garantindo assistência técnica, acesso ao mercado e fluxo de valores monetários. Estimativas indicam que, durante a sua vigência de cinco anos, o Sustenta irá, entre vários aspectos: • Impactar cerca de 200 000 a 300 000 famílias rurais, promovendo o aumento da renda média anual familiar de cerca de 36 000 Mts para 73 000 Mts; • Criar mais de 1 600 000 novos empregos no meio rural; • Gerar demanda em investimento privado à produção na ordem de 120 mil milhões de meticais; • Gerar uma demanda por equipamentos e insumos agrícolas próxima de 34 mil milhões de meticais; e • Fazer circular uma massa monetária na comercialização agrícola de cerca de 202 mil milhões de meticais por ano. As projecções indicam inúmeros impactos económicos e sociais resultantes da implementação do Sustenta, destacando o aumento da massa monetária que circulará pela injecção financeira para os investimentos em meios e factores de produção, o aumento das transacções de comercialização da produção, aumento dos postos de emprego e da renda familiar. As mesmas, representam

As projecções indicam inúmeros impactos económicos e sociais resultantes da implementação do Sustenta, destacando o aumento da massa monetária que circulará pela injecção financeira...

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O Programa Sustenta também requer que o sector financeiro melhore o seu conhecimento sobre como o sector agrícola funciona

oportunidades para o sector bancário captar liquidez e conceder créditos, contribuindo para o alcance sustentável dos objectivos do programa, incidindo sobre:

a) Oferta de produtos e serviços financeiros ajustados as condições locais • Criação e disponibilização de soluções “Business-to-Person” (B2P), de operações remotas seguras e rápidas, em parceria com “Fin-Techs”, capitalizando a existência da rede de cobertura crescente de operadoras de telefonia e de dinheiro móvel (“e-money”); • Estabelecimento de uma rede de agentes bancários aproximando o banco dos produtores e comunidades rurais; • Criação de linhas de crédito e mecanismos de partilha de risco (incluindo seguro agrícola), envolvendo parceiros estratégicos, com foco no leasing de equipamento agrícola e de agro-processamento, financiamento a insumos e comercialização agrícola . b) Inclusão financeira e aumento da base de clientes bancáveis • Contratar e treinar extensionistas agrários como agentes bancários para disponibilizar produtos e serviços bancários às comunidades, para além da sua actividade normal ligada à produção agrária e nutrição. O extensionista seria responsável também pela literacia financeira das comunidades, reforçando a abordagem do Sustenta em transformar parte dos extensionistas em agentes de extensão privada; • Desenvolver e tornar acessível canais digitais de fácil uso (incluindo cartões e telemóvel) integrados nas soluções B2P e treinar os clientes na sua utilização. Os canais devem ter funcionalidades

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que permitam a realização de operações de débito, crédito, consulta de saldos/movimentos e gestão de clientes/fornecedores, e sirvam de veículo de disseminação de informação de mercados e preços de produtos agrícolas, informação meteorológica, etc. c) Aumento do financiamento ao sector • Conceder crédito aos fornecedores de insumos e equipamento agrícola para a sua importação e/ou produção, e revenda aos beneficiários do Sustenta; • Facilitar acesso ao crédito à produção (financiamento a insumos) aos produtores, a preços competitivos, através de soluções criadas para o efeito; • Facilitar acesso ao leasing de equipamento agrícola, agro-processamento e à comercialização aos produtores, processadores e “traders”, a preços competitivos, através soluções criadas para o efeito. Para que as soluções acima apresentadas acrescentem valor e contribuam para o alcance de resultados positivos e sustentáveis do Sustenta, exige-se que o bancário invista no estabelecimento de sistemas e procedimentos simples de tomada de decisão, e no melhoramento do conhecimento sobre o sector para que as soluções de produtos e serviços oferecidos estejam ajustadas às especificidades do sector, ao modelo de negócios dos intervenientes e ao contexto. Além disso, tendo em conta a sazonalidade da agricultura, a banca deve pautar-se por processos decisórios rápidos e flexíveis, mesmo que rigorosos, garantindo assistência aos clientes em tempo útil para que a intervenção ocorra no momento certo.

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EM UM ANO, SÓ 23,6% DO APOIO ÀS EMPRESAS ANGOLANAS FOI DESEMBOLSADO Apenas 23,6% dos 760 milhões de dólares norte-americanos, valor do pacote de apoio financeiro às empresas do sector primário, no âmbito das medidas de alívio aos efeitos da Covid-19, foi disponibilizado Texto Ladislau Francisco • Fotografia D.R

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covid-19 levou a que os Estados em todo o mundo adoptassem medidas para aliviar os seus efeitos na economia, em geral, e nas empresas, em particular. Em Angola, o Executivo aprovou, por meio do Decreto Presidencial n.º 98/20, de 9 de Abril, o pacote de 488 mil milhões de kwanzas, cerca de 760 milhões de dólares norte-americanos, distribuídos entre o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (FADA), Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) e Fundo Activo de Capital de Risco (FACRA), a fim de assegurar o apoio financeiro para a manutenção mínima dos níveis de actividade das micro, pequenas e médias empresas. Entretanto, até Novembro de 2020, quase seis meses depois de se ter tornado público o plano de alívio económico, tinham sido desembolsados somente

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cerca de 115,61 mil milhões Akz (kwanzas) do total aprovado, cerca de 23,6% do valor. Na região da SADC, a África do Sul, conforme publicou o jornal português “Observador”, definiu um pacote parecido, com cerca de 50 mil milhões de rands, equivalentes a mais de três mil milhões de dólares norte-americanos, cerca de quatro vezes superior ao de Angola, e vai ser usado não apenas para ajudar as empresas, mas também para fazer algum investimento na saúde. O Governo sul-africano vai contratar quadros em falta, pelo menos dois mil funcionários, e criar também um fundo de investimentos em infra-estruturas no valor de 400 mil milhões de rands (cerca de 28 mil milhões de dólares). Para Nuno Fernandes, presidente da Associação Angolana das Empresas de Publicidade e Marketing, essa medida do Governo sul-africano justifica-

-se, pois “ainda que em recessão, tem uma robustez diferente da nossa”. Essa opinião é, de resto, partilhada por José Severino, presidente da Associação Industrial de Angola, que justificou que os valores são proporcionais ao mercado dos dois países. “Só que o nosso ainda vivia e vive consequências gravosas de uma crise que já vem de trás”, reforçou. Em Angola, além das medidas puramente económicas, o Decreto apontou para medidas de alívio fiscal, como o alargamento do período de declaração de impostos por cerca de três meses e crédito fiscal de 12 meses para as empresas, sobre o valor do IVA a pagar na importação de bens de capital e de matéria-prima que sejam utilizados para a produção de bens da cesta básica. Mas não se ficou por aí. Adoptaram-se, igualmente, medidas de alívio no imposto acoplado aos salários, IRT, perwww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


ANGOLA Falta fiscalização Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 20-G/2020, que tem o mesmo ou muito parecido fundamento que o Decreto Presidencial n.º 98/20, de 9 de Abril, define a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I. P., e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional, Competitividade e Internacionalização como instituições responsáveis por controlar e garantir que os recursos sejam utilizados de acordo com os seus objectivos. O Decreto angolano, por sua vez, não indica nenhuma instituição para controlar e garantir que os recursos sejam gastos de acordo com os objectivos, uma lacuna que pode ser fatal numa realidade como a nossa, segundo fontes contactadas pela E&M. É que as empresas deixaram de pagar, por cerca de três meses, os 3% do ordenado que normalmente são transferidos para a Segurança Social, para que fossem devolvidos aos trabalhadores. Entretanto, afirmaram fontes, a probabilidade de ter havido incumprimento nesse domínio é elevada. Na Europa, a estratégia foi diferente, além dos pacotes de crédito, abriu-se a porta do lay-off, que consiste na redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho efectuada por iniciativa das empresas, durante determinado tempo, devido a motivos de mercado, motivos estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afec-

O Decreto angolano não indica nenhuma instituição para controlar e garantir que os recursos sejam gastos de acordo com os objectivos, uma lacuna que pode ser fatal mitindo a alteração temporária do pagamento por parte das empresas da contribuição para a Segurança Social (8% do total da folha salarial), que devia ser paga logo no segundo trimestre de 2020 para pagamento em seis parcelas mensais, durante os meses de Julho a Dezembro de 2020, sem formação de juros. Com o olhar nas famílias, o Estado permitiu que os 3% do ordenado que normalmente são transferidos pelas empresas para a Segurança Social fossem devolvidos aos trabalhadores, aumentando assim, por pelo menos três meses, a renda dos trabalhadores. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

tado gravemente a actividade normal da empresa. Para fontes da Economia & Mercado, a não-adopção do lay-off em Angola foi um erro. Questionados sobre se tais medidas ajudariam, Nuno Fernandes e José Severino foram ambos unânimes nas respostas. “Claro que ajudaria as empresas. Os empresários no nosso país ficaram entregues a si próprios e ao cumprimento de obrigações que apenas tornaram menos viáveis os seus negócios. Há pouco para distribuir e a situação piora quando o pouco é deficientemente usado”, disse Nuno Fernandes. Já José Severino defendeu ser estranho não se ter usado tal ferramenta,

ainda que num modelo mais soft que o europeu ou sul-africano, e que o facto de não ter sido usado um lay-off, “ainda que mais soft, abriu espaço para a descapitalização impiedosa das empresas e que, por esse mesmo motivo, muitas delas hoje padecem sem fundos para trabalhar e nem mesmo fundo de maneio. Uma verdadeira tragédia”, finalizou o responsável. Medidas pouco claras para as pequenas empresas Apesar de ser um pacote essencialmente dirigido às empresas, Barnabé Manuel, membro da organização da conferência sobre “Evolução das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME)”, afirmou, em entrevista à Lusa, que as medidas de alívio económico não são muito claras para as pequenas empresas. Na mesma toada, Nuno Fernandes e José Severino, mais que acharem pouco claras as medidas, consideraram a ajuda em si insuficiente para verdadeiramente salvar as empresas. “Essa ajuda está muito longe das necessidades e assim as insolvências são diárias!”, comentou José Severino, presidente da AIA. O responsável reforçou que o Executivo tem agora despesas emergenciais, sobretudo com a Saúde, e precisa de alargar a base tributária com impostos ou taxas, por exemplo, no álcool e açúcar. Mas lembrou que não pode, o Executivo, estar constantemente a insistir na taxação do álcool, o que, para si, é inaceitável, uma vez que existem mais sectores como o ambiental, em que se deve, por exemplo, taxar a utilização de plástico. Nuno Fernandes segue a mesma linha de pensamento e defende que o número crescente de empresas que fecham e suspendem a sua actividade mostra a insuficiência da ajuda. E chama a atenção para os erros que ainda vão sendo cometidos, embora já haja melhores referências de gestão. Nuno Fernandes explica que a Associação Angolana das Empresas de Publicidade e Marketing, instituição que dirige, tem pelo menos 50 associados e enfrenta agora uma situação de extrema dificuldade, sendo que facturou cerca de 15 biliões de kwanzas. “Parece bom, mas, se recuarmos para 2014, essa facturação correspondia a menos de um terço das empresas associadas. O investimento médio em publicidade em 2014 rondava os 450 milhões de dólares. Já em 2020 caiu consideravelmente para menos de 50 milhões”.

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Especial Inovações Daki 56

BIOMETRICS

A pandemia do covid-19 está a estimular a adopção de sistemas de identificação digital com ampla aplicabilidade no processo produtivo, mas também reaviva o debate sobre os desafios de segurança, que está cada vez mais ameaçada

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APPLOAD

Conheça a App que promete revolucionar o sector da logística

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OPINIÃO

Um olhar sobre os progressos na área do comércio electrónico

63 PANORAMA

As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo


BIOMETRIC

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Pandemia Impulsiona Adopção de Sistemas de Identificação Digital Se a transição para o mundo digital já constituía a tendência mais marcante das últimas décadas, a pandemia veio acelerar, de modo exponencial, essa migração. Não apenas em termos quantitativos mas sobretudo qualitativos TEXTO Rui Trindade • FOTOGRAFIA ISTOCK PHOTO

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om efeito, o confinamento não só obrigou, por exemplo, sectores, como os da educação ou da saúde, que não tinham acompanhado o ritmo de digitalização de outras áreas, a adaptar-se rapidamente ao novo contexto, como implicou a adopção massiva, para a maior parte das empresas e organizações, de modelos de teletrabalho. De um momento para o outro, biliões de pessoas não tiveram outra opção senão transitar para o universo online, ajustando os seus modos de vida a esta nova realidade, o que trouxe consigo, por tabela, a necessidade de adquirir competências básicas para poder navegar no meio digital.

Num relatório publicado pela Research and Markets, no final de 2020 (The Identity Verification Market – Global Forecast to 2025), o mercado dos sistemas de “verificação de identidade” deverá passar dos actuais 7,6 biliões de dólares para os 15,8 biliões em 2025. O relatório sublinha também que, neste período, será no segmento das soluções biométricas que haverá maior crescimento, referindo ainda que este dado reflecte, em parte, a entrada massiva dos sectores da saúde e da educação na “economia digital”. Esta expectativa foi também confirmada e reforçada por um estudo recentemente publicado pela Harward Business Review no qual se revela, entre outros dados, que só no

No Togo... foi preciso desenvolver protocolos de validação da identidade para que os cidadãos obtivessem os apoios financeiros do Estado E esta mudança de paradigma, que implicou uma “curva de aprendizagem” rápida e intensa por parte de todos os actores envolvidos (das instituições a utilizadores e consumidores) trouxe consigo também uma aceleração na inovação de vários processos e tecnologias. Um dos sectores a conhecer um surto espectacular neste período foi, em particular, o dos sistemas de “identificação digital” e, especificamente, das soluções biométricas (impressão digital, reconhecimento facial, leitura da íris, etc.). Estes sistemas, essenciais para verificar e autenticar a “identidade” individual no mundo online, adquiriram uma nova centralidade face à situação criada pela pandemia. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

primeiro semestre de 2020 as empresas, a nível global, fornecedoras de soluções de identificação e verificação digital para o sector educativo conseguiram mobilizar 4,5 biliões de dólares de investimento para desenvolver novas soluções pois, sobretudo no que toca ao ensino superior, tornou-se indispensável as instituições terem mecanismos fiáveis para confirmar a identidade dos estudantes e validar a emissão de “diplomas digitais”.

União Africana aposta na Identificação Digital

Também no continente africano a pandemia induziu uma aceleração na adopção de sistemas de identificação digital,

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BIOMETRICS

nomeadamente biométricos. Tanto instituições públicas como privadas e múltiplas empresas tecnológicas empenharam-se em mobilizar recursos para agilizar formas rápidas de apoiar as populações. Por exemplo, no Togo, o Governo, ao querer transferir dinheiro directamente para os cidadãos e famílias dependentes da economia informal viu-se confrontado com o facto de a maior parte desse segmento populacional não estar registado em nenhuma base de dados abrangente. Apesar de ter recorrido ao Registo Eleitoral, que já é biométrico, para chegar de forma expedita a uma parte da população, foi preciso, apesar de tudo, desenvolver protocolos de validação da identidade para que os cidadãos pudessem, através do seu telemóvel, obter os apoios financeiros disponibilizados pelo Executivo. Este e outros exemplos semelhantes evidenciaram a capacidade existente no continente para avançar no desenvolvimento de soluções inovadoras no que toca aos sistemas de identificação digital. Daí que o relatório “Biometrics – Global Market Trajectory & Analytics 2020”, publicado no final do ano passado, pela Global Industry Analysts, estime que o crescimento do mercado das tecnologias biométricas em África deverá atingir, em média, 21% anualmente até 2027. Esta expectativa não pode também ser dissociada da entrada em vigor, no início deste ano, da Área de Comércio Livre Continental Africana sendo oportuno sublinhar que a União Africana, mesmo antes da implementação da “área de comércio livre continental”, sempre considerou a criação de sistemas de identificação digital como uma infra-estrutura essencial e indispensável ao desenvolvimento económico e social do continente no quadro da “sociedade digital” em construção. Reconhecendo a complexidade inerente ao desenvolvimento dos sistemas de identificação digital - os quais envolvem múltiplos desafios e opções “morais, económicas, políticas e tecnológicas” – a União Africana estabeleceu, nos últimos anos, uma série de princípios e orientações no sentido de ajudar os governos quer em áreas tão sensíveis como é o caso da legislação relativa à protecção de dados (African Union Data Protection Guidelines), quer no que toca à definição de padrões de equidade e transparência no que diz repeito às várias dimensões da “cidadania digital” (Principles on Identification for Sustainable Development). Apoiada por instituições como o Banco

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Mundial, a União Africana produziu já um conjunto de documentos orientadores que devem regular questões como a interoperabilidade entre países dos sistemas de identificação digital e as garantias de inclusividade, segurança e privacidade dos dados, na perspectiva de assegurar a confiança dos cidadãos no modo como as instuições públicas e as empresas vão gerir a informação. Moçambique está também na rota da adopção destas tecnologias. O índice Findex, do Banco Mundial – que retrata o estado da inclusão financeira no mundo – estimou, em 2017, que 40% dos moçambicanos não tinham Bilhete de Identidade (BI). Por isso, iniciativas junto ao sector privado devem iniciar processos mas-

sivos de identificação digital dos cidadãos para diversos fins. A par disso, as empresas de telecomunicações passarão a usar um sistema de identificação biométrica para cadastrar os subscritores dos cartões de telefonia móvel celular.

Desafios e controvérsias

No entanto, sendo a “confiança” um dado central para a implementação destes sistemas, ela é também um dos maiores desafios para a sua viabilidade. Vários relatórios recentes, nomeadamente os produzidos por organizações como a ID4Africa, a Smart Africa ou a Africa Digital Rights Hub, indicam que nos últimos anos se acentuaram, pelo contrário, os factores de desconfiança dos cidadãos face aos sistemas de www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


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O relatório “Biometrics – Global Market Trajectory & Analytics 2020”, publicado no final de 2020, estima que o crescimento do mercado das tecnologias biométricas em África deverá crescer, em média, 21% anualmente até 2027 identificação digital. Embora um estudo publicado, em Maio de 2021, pela Mastercard (Mastercard New Payment Index), revele um alto nível de aceitação no que se refere aos sistemas de pagamento usando vários tipos de identificação digital, entre os quais os biométricos, essa aceitação tem sido refreada pelos inúmeros cawww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

sos ocorridos em países como a Nigéria ou o Quénia (para citar apenas dois entre inúmeros exemplos). Como sublinhava um editorial publicado na revista nigeriana “TechPoint Africa”, a directiva do Presidente Muhammadu Buhari, que exige aos operadores de telecomunicações móveis a partilha com as

autoridades governamentais da “identidade digital” associada aos cartões SIM por forma a interligá-la com a base de dados central biométrica do Governo (National Identification Number), levantou a suspeita imediata de que o objectivo, não-declarado, é garantir uma maior capacidade de vigilância e controlo sobre os cidadãos. A directiva, que está a ser contestada em tribunal, desencadeou já também várias manifestações públicas de repúdio por cidadãos e organizações da sociedade civil. Também no Quénia, o projecto do Governo de criar um sistema de identificação digital biométrico centralizado, combinando todo o tipo de informação sobre cada cidadão, levantou forte controvérsia levando mesmo o Tribunal Constitucional a suspender provisoriamente a sua implentação enquanto não fossem dadas garantias da protecção e privacidade dos dados recolhidos. Para várias organizções de direitos humanos no Quénia, o projecto denominado National Integrated Identity Management System, que começou a ser implementado em 2005, e que pretende criar um cartão de identidade biométrico, tem comprovadamente levado à marginalização de minorias étnicas no país. Num artigo recentemente publicado, a investigadora e ensaísta queniana Nanjala Nyabola, formada na Harward Law School, professora na Universidade de Oxford, colaboradora regular de publicações como o Financial Times e autora do livro “Digital Democracy, Analogue Politics: How the Internet Era is Transforming Politics in Kenya”, sublinha que a exigência de respeito pelos “direitos dos cidadãos”, de “transparência” e “equidade” no actual processo de atribuição dos cartões de identidade biométricos no seu país pressupõe que esses são os valores que regem a sociedade: “um sistema de identificação digital não “cria” valores que não existem na sociedade em que esse sistema é concebido e implementado. O digital apenas irá intensificar e amplificar aquilo já existe no mundo analógico”. A ensaísta queniana, que esteve em 2019 em Moçambique para participar na conferência internacional organizada pelo festival Maputo Fast Forward, refere ainda: “Os sistemas de identificação digital apenas irão tornar os governos mais eficientes naquilo que já é o seu modo de operar. Se um governo já usa os actuais sistemas de identificação para, por exemplo, discriminar minorias e excluí-las do poder, então os sistemas digitais irão apenas torná-los mais eficientes”.

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ranking


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Appload

Um ‘Appload’ que vai Revolucionar o Mercado da Logística Nasceu há precisamente um ano depois de identificar uma oportunidade num sector-chave para o desenvolvimento socioeconómico do País. Hoje já se estabelece como ponte que liga os mercados dentro e fora TEXTO Cármen Rodrigo • FOTOGRAFIA Mariano Silva

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ransportar carga diversa dentro de Moçambique chega a custar o dobro do que levar a mesma carga para fora. Produtos perecíveis da agricultura e da saúde acabam por expirar os prazos em armazéns ou campos de cultivo por falta de soluções de transporte atempadas e o excesso de intermediários no processo de transporte de carga é determinante no agravamento do preço da logística, chegando até aos 40% do valor total. Estes são apenas três dos inúmeros problemas do ramo da logística em Moçambique (que vem assumindo um papel relevante no contexto da exploração de recursos que se perspectiva e da necessidade de diversificação da economia) e que serviu de inspiração para a criação do aplicativo designado por “Appload”. A ideia deste dispositivo é criar soluções por meio da dinamização da informação e uma melhor eficiência no transporte, de um modo geral, o que, consequentemente, vai implicar uma redução de custos para o cliente. Fundada em Agosto de 2020, a Appload é um marketplace online que faz a ponte entre clientes e transportadores de uma forma eficiente. Com um histórico de mais de 80 mil quilómetros em transporte e entrega de mais de 4 mil toneladas de carga, a empresa ambiciona expandir a solução além-fronteiras ao nível de África. Em entrevista à E&M, Frederico Peres da Silva, co-fundador da plataforma, conta que o âmbito da criação da Appload resulta de estudos feitos, em que foi possível identificar vários aspectos que justificassem a criação do aplicativo. “Moçambique é um mercado que está po-

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sicionado geograficamente de forma estratégica perante mercados que não têm zona costeira litoral e fazem fronteira com o nosso país. Essas são áreas em que o país faz conexão com os mercados globais. Então, há aqui um potencial muito grande e um mercado muito atractivo para explorar. No entanto, o mercado apresenta algumas lacunas no que diz respeito ao acesso à informação, o que traz vários constrangimentos em termos de logística”, disse. Para ser mais concreto, Frederico Silva referiu que muitas vezes o cliente acaba por pagar a ida e a volta de um transporte porque o transportador não tem garantia de carga de retorno, entre outros constrangimentos. Mas se toda esta informação for dinamizada a partir de uma plataforma o processo será mais eficaz. A Appload apoia também o cliente a fazer uma monitoria da sua carga. Através de um aplicativo do condutor, o cliente sabe onde a sua carga está em tempo real, quando é feito o carregamento e descarregamento do camião. O cliente faz, de igual modo, o pagamento com segurança, dentro da plataforma, e, uma vez efectuado à Appload, a aplicação gera o pagamento com o transportador e este, por sua vez, também recebe o seu pagamento atempadamente, o que contraria uma grande tendência actual do mercado nacional. “Nós vamos agregar dados ao prestar este serviço, e estes dados, numa determinada altura, serão úteis para entender melhor o mercado logístico moçambicano, para poder ter influência ao nível das rotas e do armazenamento de cargas, para conseguirmos ter o impacto ao nível macro e dinamizar o mercado de logística em Moçambique”, sublinhou Frederico Silva.

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EMPRESA Appload ÁREA DE ACTIVIDADE Logística CRIAÇÃO Agosto de 2020 CO-FUNDADOR Frederico Silva

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OPINIÃO

O Botão de 300 Milhões de Dólares Guidione Machava • Engenheiro de Software & Entrepreneur

A web é hoje para os espaços físicos o mesmo que a moeda foi para a economia de troca directa, tornou o processo de troca de bens e serviços eficiente, através das páginas de comércio electrónico...

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história das transacções económicas pré-data o período neolítico (há cerca de 10 mil anos), época caracterizada pela economia onde era feita a troca de bens e serviços sem o uso da moeda. Isto é, alguém que precisasse de gado, mas tinha madeira em excesso, poderia fazer uma troca com um segundo comerciante que precisasse de madeira e com gado disponível para trocar. Esta prática funcionou durante milhares de anos, mas foi substituída com o tempo por conta da ineficiência inerente porque era uma troca baseada na reciprocidade, que exige uma dupla coincidência de vontades entre os comerciantes. Houve muitas práticas substitutas até à chegada da moeda como elemento de troca – o metalismo foi uma delas –, mas mas esse assunto fica para outro dia. Hoje gostava de falar do local onde essas transacções eram ou são efectuadas. O mercado, tal como o elemento de troca, a moeda, assumiu várias características. Hoje a forma mais comum de mercado que ganha mais espaço acontece na web através do comércio electrónico. A web é, hoje, para os espaços físicos, o mesmo que a moeda foi para a economia de troca directa, tornou o processo de troca de bens e serviços eficiente, através das páginas de comércio eletrónico, em que as estruturas físicas como os shopping centers e grandes cadeias de retalho deram lugar a menus digitais e links clicáveis; os carros de mão e as máquinas de POS deram espaço aos modais de checkout e carrinhos digitais. Contudo, esta sofisticação toda carrega também os seus problemas, como a faci-

lidade de uso ou, por outras palavras, a usabilidade. Aqui, o design entra em campo para tornar o processo eficiente, porque design deve ser sinónimo de eficiência. Neste contexto, a eficiência pode e deve ser condição para atingir elevados níveis de produtividade e, em contrapartida, lucratividade. Sobre a melhoria de processos de aquisição de bens e serviços em páginas electrónicas, temos o exemplo do designer americano Jared Pool que, num caso de estudo, escreve como um dos seus clientes fez uma melhoria na sua página de comércio que resultou em mais de 300 milhões de dólares americanos em vendas. Tudo isso por causa de um botão. “Mas como é que um botão pode gerar 300 milhões de dólares?”, deve estar a perguntar-se. É difícil imaginar que algo tão simples possa causar tal impacto, mas é verdade. Numa página de comércio electrónico, depois de adicionar os itens de compra ao seu carrinho digital, os utilizadores eram forçados a criar uma conta no web-site, um processo que, de certa forma, exigia mais tempo ao consumidor e que, no fundo, impedia que os clientes determinassem as suas compras de forma fluida. Parece um problema simples de detectar, mas foi preciso um estudo de mercado junto dos utilizadores do website para que a equipa de designers chegasse a essa conclusão. A reacção mais comum por parte dos utilizadores entrevistados como parte da pesquisa foi: “eu não estou aqui para começar uma relação, só quero poder comprar os produtos que eu preciso, e de forma rápida”. www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


panorama

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Inovação

Jovem Moçambicano Desenvolve Tecnologia 3D Para Impressão de Peças de Veículos A crescente necessidade de importação de viaturas, muitas vezes não acompanhada pela indústria de manufactura no País, foi a fonte de inspiração para Isac Miguel, de 22 anos, optar pela impressão e montagem com recursos à tecnologia 3D de peças para veículos. É que esta tecnologia permite conceber por via de um computador e imprimir objectos físicos em miniaturas que mais tarde são executadas em projectos de grande

dimensão. Explicou, como exemplo motivador, o facto de muitas empresas, sobretudo as do ramo de transporte público, estarem a registar avarias que culminam com a paralisação dos meios circulantes por falta de peças sobressalentes. Sobre a aplicação desta tecnologia noutros ramos do saber, Miguel dá o exemplo da arquitectura, onde com uma impressora 3D é possível fazer uma casa em miniatura, comummente conhecida por maquete.

Inovação

Pesquisador Moçambicano Desenvolve Nova Técnica de Desinfecção de Água Através da Luz Solar Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unicef mostra que 2,2 mil milhões de pessoas, ou um terço da população mundial, não têm acesso a água potável. Essa preocupação motivou o pesquisador moçambicano Beni Chaúque, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Brasil, a procurar uma forma barata de facilitar o con-

sumo, principalmente entre as populações mais pobres. A técnica desenvolvida por Chaúque consiste no tratamento da água com luz solar em fluxo contínuo. O método mais usual limpa 1 litro de água a cada seis horas, mas na estrutura criada pelo moçambicano o tempo cai para um minuto e meio, ou seja, 240 vezes mais rápido.

Healthtechs

Nova Tecnologia Diagnostica Doenças Infecciosas em Minutos Ir ao médico e sair do consultório com um diagnóstico cientificamente confirmado está muito mais próximo da realidade devido à nova tecnologia desenvolvida pelos investigadores da Universidade McMaster. Os cientistas, especialistas em engenharia, bioquímica e medicina, criaram um teste rápido para a detecção de infecções bacterianas que pode produzir resultados precisos e fiáveis em menos de uma www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

hora, eliminando a necessidade de enviar amostras para um laboratório. A investigação, publicada no dia 24 de Junho na revista Nature Chemistry, descreve a eficácia do teste no diagnóstico de infecções do tracto urinário a partir de amostras clínicas reais, mas a equipa está a adaptar o teste para detectar a presença de outras bactérias e para o diagnóstico rápido de vírus, incluindo o SARS-CoV-2, responsável pela covid-19.

Healthtechs

Startup Sul-Africana Cria App Para Melhorar Serviços de Saúde Fundada em 2020 pelos médicos Chad Marthinussen e Wade Palmer, e pelo contabilista Abdul Malick Salie, a iNNOHEALTH centra-se no fornecimento de soluções para cuidados de saúde de qualidade, acessíveis e equitativos a todos no continente africano. O primeiro produto da startup é a aplicação MyPocketHealth, uma plataforma integrada de cuidados de saúde do paciente que irá fornecer soluções de saúde digitais abrangentes para todos os sul-africanos, assim que for lançada no final deste ano. A plataforma pretende reduzir a necessidade de consultas médicas presenciais, permitindo aos pacientes aceder aos melhores e mais acessíveis conselhos e cuidados médicos a partir dos seus telemóveis. Nos últimos tempos, África tem registado importantes progressos tecnológicos na área da saúde, graças, em parte, aos desafios do covid-19.

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ócio

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

66 Nesta edição viajamos até Chimoio para conhecermos o monte “Cabeça do Velho”, a maior atracção da província de Manicas

g

e 68 A arte de bem decorar cenários para eventos é o menu apresentado pela arquitecta Dilma Spassova

69 Saiba o que significam os termos Sulfiroso, Sulfitos e Sulfetos na vinha e na degustação


Chimoio, Manica

MAIS PERTO DO CÉU CABEÇA DO VELHO A maior atracção turística da cidade capital de Manica

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quando chegámos à cidade de Chimoio, a época era ainda de chuvas. Mas o sol impunha-se, o verde também; depois perceberíamos que, em épocas como essas, apesar de o sol parecer omnipresente, a chuva está quase sempre à espreita, a dar espasmos, como se nos lembrasse que lá no céu manda ela. Chimanimani – a Reserva promovida a Parque – estava ainda fechada. Seria uma grande chaga se a nossa viagem fosse de roteiros traçados. Mas se viagem é sinónimo directo de viver, como diria o escritor português José Luís Peixoto, e a vida não obedece a roteiros, descobrir, experimentar e explorar é a tríade verbal de quem se permite aventuras. Depois de deixadas as mochilas no Hotel Castelo Branco, começámos o que em linguagem militar se chama de “reconhecimento”, este momento em que podemos pisar em terrenos movediços sem a vergonha ou culpa da nossa desatenção. A profusão de moto-táxis, subindo e descendo pelas ruas asfaltadas, de terra batida ou esbura-

cadas, coloca a cidade em permanente movimento e o forasteiro – como nós o éramos – em permanente alerta. Dizer que Chimoio é uma cidade limpa é repetir o que já se sabe. O que não se sabe – e que testemunharíamos já noite alta – é das grandes vassouras de homens e mulheres que operam o milagre de deixar tudo limpo para cada manhã. A memória da cidade está associada à Cabeça do Velho. Seguimos ao bairro Tambara 2 para encontrar o lugar em que se possa fixar esta escultura do tempo sobre a rocha. O verdadeiro nome do Monte é Bengo, mas quase ninguém se lembra de assim o chamar, é como se fosse uma daquelas alcunhas que nos colocam e que de tanto embirrarmos acaba ganhando força. Ficamos ali a tentar encontrar o queixo, o nariz, a cavidade dos olhos, as lágrimas que lhe incrustam tristeza, a testa, a cabeça de um velho permanentemente virada para o céu (que conversas terá com Deus?) cujo corpo parece estender-se por toda a cidade de Chimoio.

Conseguir distinguir as feições do rosto é animador, mas os montes são como o mar, a experiência só é completa quando nos deixamos absorver. Este, que é naturalmente personificado, pede mais aproximação. Mas não seria logo naquele dia, havia outras coisas por descobrir: as praças e os jardins com artesanato; a cabeça do velho feita de pau preto; alguns amigos em conversas para enganar o tempo, outros enamorados, uma cultura que já quase não se vê em grandes cidades. Regressados ao hotel, com medo de que não consigamos ver tudo o que há para ver, pela fugacidade do tempo, perguntámos à recepcionista o que não nos pode faltar. “Cabeça do Velho”, diz-nos a senhora cujo nome é mesmo Recepcionista. A princípio parece gozo, como se ela, cansada de ver os hóspedes a sobreporem a função ao nome, já preferisse se apresentar assim. Mas, ante a nossa incredulidade, ela repete várias vezes e até torna o nome mais formal, Recepcionista Mateus. Não fosse a

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coisa dos bilhetes de identidade estamparem também o ano de nascimento – e ser uma indelicadeza saber da idade de uma mulher que não se tenha proposto a dizê-la – cometeríamos a indiscrição de pedir para vê-lo. Conformamo-nos, acreditando que é daqueles casos em que o nome já faz adivinhar o futuro de quem o carrega. O dia seguinte amanhece chuvoso, mas logo o sol afastaria as nuvens negras. Já tarde feita, depois do almoço terminado com pudim, pelo açúcar gerador da energia que seria necessária para a escalada, já ali estávamos prontos. Há relatos de que a Cabeça do Velho é um monte que acolhe orações, cerimónias religiosas de pedidos de bênção, mas, ao que pudemos apurar (e para sorte de quem se propõe a escalar), não é um monte coberto pelo manto do sagrado a exigir rituais para subida; talvez um ritual individual invocador de resistência e de fôlego para a quase uma hora que leva até chegar ao cimo do “nariz” ou da “testa”, que são os pontos mais altos. Ao longo da rocha há cursos de água que escorrem sem pressa de se fazer poças, talvez daí tenha surgido a ideia de que o “velho” chora. A passada da subida é lenta, como se tivéssemos a ilusão de que afagávamos a cabeça do velho com os pés. Chegamos ao cimo, o céu mais perto, os edifícios longe, talvez a visão de Deus sobre a cidade.Afinal, o belo das viagens são as histórias que ficam. Histórias criadas por nós em cada escolha que fazemos: “vou por aqui ou vou por ali?”. Aqui nestas páginas cruzam-se duas dessas histórias – uma em palavras, outra em imagens – de dois viajantes que, em momentos distintos, se entregaram a uma das cidades mais cativantes do mundo. TEXTO ELTON PILA FOTOGRAFIA D.R www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

O VERDADEIRO NOME DO MONTE É BENGO, MAS QUASE NINGUÉM SE LEMBRA DE ASSIM O CHAMAR. É COMO SE FOSSE DAQUELAS ALCUNHAS QUE NOS COLOCAM E QUE ACABAM GANHANDO FORÇA ROTEIRO COMO IR Voe a partir de Maputo, o aeroporto de Chimoio fica a poucos quilómetros do centro da cidade. ONDE FICAR Chimoio é uma cidade pequena, mas, entre hotéis e guesthouses, há uma infinidade de estâncias. Um dos mais solicitados é o Hotel Castelo Branco, a poucos minutos do centro da cidade. ONDE COMER O restaurante do Hotel Castelo Branco serve uma infinidade de pratos. Mas pode sempre ir ao centro da cidade onde há várias casas de restauração, como o Restaurante Mawa, que tem no menu também comidas caseiras; experimente a galinha cafreal ao molho de amendoim. O QUE FAZER A Cabeça do Velho é a maior referência da cidade. Para ver, a entrada do bairro Tambara 2 é um local estratégico. Escalar é uma experiência que talha o corpo e a memória. Caminhar pelas ruas é também uma

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ANTES MESMO DO EVENTO, O CLIENTE TEM A NOÇÃO EXACTA DO CENÁRIO EM QUE TERÁ LUGAR, O QUE LHE DÁ A POSSIBILIDADE DE CORRIGIR O QUE NÃO ESTIVER DE ACORDO COM O SEU GOSTO

DECORAÇÃO

Curiosidades sobre um mercado pouco explorado

g festas de aniversário, baptizados, convívios de confraternização, casamentos… em todo o tipo de celebração, os perfeccionistas não sossegam enquanto não puderem criar o cenário dos sonhos, que fique gravado na memória das pessoas. A ambição de proporcionar aos convidados um ambiente acolhedor e diferenciado transita para os profissionais da área, que têm a tarefa de dar vida à imaginação dos organizadores por meio de elementos que incluem a cor, a luz e a disposição dos elementos decorativos. Afinal, como funciona esta actividade da qual tão pouco se ouve falar, e cujo sucesso exige talento de quem a pratica? Do assunto quem bem entende é Dilma Spassova, 28 anos, arquitecta e planeadora de eventos. À E&M, Dilma falou do seu percurso bem-sucedido na área da decoração, desde a fundação da sua empresa – a Imagine Arte – em 2013 até aos dias de hoje, em que já se posiciona como uma das mais destacadas do mercado. Só para ter a ideia do brilhante percurso, a Imagine Arte co-

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‘IMAGINE A ARTE’ DE DECORAR meçou o serviço de decoração em festas e casamentos, mas em 2017 entrou para o sector empresarial prestando serviços para empresas renomadas, entre as quais a Vodacom, 2M, BCI, Focus 21, ExxonMobil entre outras. Mas qual é o caminho do sucesso? “A nossa tarefa como decoradores de eventos é, primeiro, garantir a concepção do evento, onde idealizamos, em coordenação com o cliente, o que se pode produzir. A primeira coisa que faço é compreender qual é o perfil do cliente, as suas necessidades e que tipo de mensagem querem passar com a decoração”, fica a dica da Dilma Spassova. A decoração de eventos, prossegue, é sempre feita e direccionada para um cliente específico. Ou seja, não pode ser um trabalho repetitivo. Busca a materialização dos traços da personalidade do cliente através da decoração. “Procuro elaborar um formulário para compreender como é a vida do cliente, como ele se comporta no dia-a-dia, como

se relaciona com os seus pares, que tipo de princípios ele preza, quais os países para onde gosta de viajar… Portanto, todos estes aspectos têm de estar traduzidos na decoração”, explica a decoradora. Mas nada de surpresas. Antes mesmo do evento, o cliente tem a noção exacta do cenário em que terá lugar, o que lhe dá a possibilidade de corrigir o que não estiver de acordo com os seus gostos. Como? É que a técnica aplica um sistema em 3D associado ao espaço, através do qual o cliente tem a oportunidade de ver, em projecção, o trabalho final. A decoração é parte importante da vida que, à semelhança de todos os sectores de actividade, procura refazer-se da queda imposta pela pandemia do novo coronavírus. Neste contexto, Dilma Spassova introduziu o serviço de prendas para datas comemorativas ao nível nacional. “Procurámos agregar soluções aos nossos serviços que fossem funcionais tanto no período que actualmente

EVENTOS... atravessamos, como no pós-pandemia, onde o cliente pode requisitar uma prenda específica que deseja oferecer a uma determinada pessoa. Nós preparamos a prenda e fazemos a entrega ao domicílio. As prendas variam desde flores, tábuas de queijo, jantares, embrulhos entre outros “mimos”, disse. Com planos de internacionalizar a sua carreira no ramo dos eventos, Dilma Spassova passou de eventos de grande escala a eventos de pequena dimensão, por causa das restrições impostas pela pandemia. Nada que tenha abalado o seu espírito criativo e inovador. Pelo contrário, pronta para novos desafios, a jovem segue realizando o seu trabalho apostando, acima de tudo, na qualidade, com a certeza de um amanhã risonho. TEXTO CÁRMEN RODRIGO FOTOGRAFIA D.R www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021


TRÊS TERMOS QUÍMICOS QUE, APARENTEMENTE, DESIGNAM UMA MESMA COISA, MAS QUE, NA PRÁTICA, GERAM MUITA CONFUSÃO

SULFUROSO, SULFITOS E SULFETOS NO VINHO: O QUE SÃO? quem esteja a ouvir alguém a conversar sobre vinhos não demorará muito para que o termo sulfuroso venha à baila. É ampla e incorrectamente usado em muitos contextos de forma abrangente para designar três entidades químicas distintas e é, seguramente, um tópico que provoca muita confusão. Os termos químicos são sulfuroso, sulfitos e sulfetos, todos diferentes e desempenhando várias funções na vinha e na adega. Também conhecido como enxofre, trata-se de um dos elementos químicos da tabela periódica, com o número 16, o quinto mais comum na Terra e de cor amarela. É usado na viticultura em spray para tratar o míldio, um grande problema nas vinhas em todo o mundo. O enxofre pode ser aplicado em pó ou numa versão húmida, solúvel e depois pulverizado na forma líquida. Este é um dos poucos fungicidas permitidos na viticultura em modo biológico, por ser tradicional. Ainda é amplamente utilizado. É um fungicida de contacto que actua preventivamente, mas não é curativo. Ou seja, impede que o fungo se estabeleça na videira, mas, se já estiver estabelecido, o enxofre não vai corrigir o problema.

versas em algumas dessas pessoas, ou pode ser apenas que o problema seja vinho a mais. Assim, os sulfitos, que têm um papel importante como guardiões moleculares da qualidade do vinho, costumam ter má reputação, imerecida, simplesmente porque são mencionados no rótulo. Alguns produtores fazem questão de não adicionar nada ao vinho, nem mesmo sulfitos. Esta abordagem ‘natural’ levou a um grande aumento do número de vinhos feitos sem a adição de sulfitos, sendo que os mais competentes produtores de vinhos naturais elaboram vinhos realmente atractivos. Algumas grandes empresas começaram a fazer vinhos sem adição de sulfito para atrair os mais preocupados com a saúde, e existem alguns protocolos de produção de vinho interessantes envolvendo bactérias cultivadas e leveduras, que permitem que vinhos “naturais” (‘clean wines’) sejam feitos em grandes quantidades sem adições de sulfitos. A isso chama-se bioprotecção. Mas mesmo onde nenhum sulfito é adicionado, as leveduras produzem um pouco (e por vezes mais do que um pouco) de dióxido de enxofre durante o processo de fermentação. Muitas vezes, isso é suficiente para que o vinho ainda tenha que ser rotulado como “contém sulfitos”.

Sulfitos

Sulfetos

Sulfuroso ou enxofre

Os sulfitos são um grande tópico no vinho. Quase todos os vinhos têm adição de dióxido de enxofre (SO2, o que referimos por “sulfitos”), a fim de evitar o crescimento indesejado de micróbios e também para combater os efeitos da oxidação. É muito eficiente em ambos, por isso é tão amplamente utilizado. Existem limites legais rigorosos sobre a quantidade que pode ser adicionada, pelo que os vinhos que contêm mais do que 10 mg./litro devem ter no rótulo a menção “contém sulfitos”. Talvez seja por causa desse rótulo, que aparece em praticamente todos os vinhos, que as pessoas culpam os sulfitos quando têm uma reacção adversa. Mas é algo injusto: sim, alguns asmáticos são sensíveis aos sulfitos, mas os níveis no vinho são bastante baixos. As aminas biogénicas, como a histamina, que estão presentes em muitos vinhos em níveis baixos, podem com maior probabilidade causar reacções adwww.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

Enquanto os sulfitos são compostos contendo enxofre oxidado, os sulfetos são compostos de enxofre reduzido. São um dos grupos de compostos classificados como compostos de enxofre voláteis que causam o defeito no vinho amplamente conhecido como redução. O sulfeto mais conhecido é o sulfureto de hidrogénio - H2S - que tem cheiro de ovo cozido e podre. Mas outros podem surgir e incluem dissulfetos, mercaptanos (também chamados de tióis) e tioésteres. São produzidos pelas leveduras durante a fermentação, quando estão stressadas ou quando há escassez de nutrientes. O fascinante sobre esses compostos voláteis de enxofre é que, em alguns contextos, contribuem positivamente para o aroma do vinho, enquanto em outros são considerados defeitos. Algumas pessoas usam “sulfetos” para descrever todos os compostos de enxofre voláteis no vinho, embora isso seja incorrecto.

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CINEMA

“Cabo Desligado” é um retrato da situação vivenciada em Cabo Delgado, repudiando os ataques terroristas

EM BUSCA DE NORTE PARA os versos e estrofes do “rugir dos leões” ecoavam nas mentes dos que se deixavam embalar pelo poema. As palavras queriam ir além da melodia poética e suplicavam por um rugido mais audível, um grito de Cabo Delgado, que não se desconectasse do mundo. E foi assim que o jovem poeta e realizador Assane Ramadane começou a “imponderar” as palavras transformando-as em actos e cenas que dão vida ao filme intitulado “Cabo Desligado”. Impactado com a campanha lançada pelo Conselho Executivo da Província da Zambézia, denominada “Zambézia de mãos dadas por Cabo Delgado”, o jovem de 27 anos de idade quis dar o seu contributo para a angariação de fundos aos deslocados de Cabo Delgado. Com a ajuda de outros artistas locais, transformou o seu poema (o Rugir dos Leões) num

O “CABO DESLIGADO” verdadeiro filme. A curta-metragem retrata a longa aflição da população daquele ponto do País, mostrando, para além da dor, o sentimento de exaltação da pátria, reforçando a ideia entoada no Hino Nacional “nenhum tirano nos irá escravizar”. “Escrevi olhando a angústia da população. Procuro expressar o sentimento de quem vive ou viveu de perto a situação. A ideia não é procurar culpados, mas apelar à sensibilidade de todos”, disse Ramadane. Difícil não se emocionar com a narrativa envolvente que consegue, em 15 minutos, mostrar o grito de socorro que há anos deixa o País “sem norte”. O trabalho reúne uma equipa de 16 voluntários, entre artistas locais e amantes da

ESTE É O SEGUNDO FILME DO POETA E REALIZADOR. O PRIMEIRO É INTITULADO WINHOKA E ESTÁ DISPONÍVEL NO YOUTUBE www.economiaemercado.co.mz | Julho 2021

arte, que sentiram uma intimação para a causa. As filmagens foram feitas no bairro de Sampene, arredores da cidade de Quelimane. Lançado oficialmente na Casa de Cultura de Quelimane, com o filme nasce a esperança de arrecadação de fundos para favorecer a população daquela parte do país. A ideia consiste em obter bens não perecíveis como condição de entrada nos locais de exibição da curta metragem. Com a introdução de medidas para a contenção da pandemia, novas formas de colecta desses bens vão sendo estudadas. “Penso que cada um de nós como população pode ajudar a minimizar o sofrimento dessas famílias dando o pouco que tem, pois se não unirmos esforços teremos um “Cabo Desligado” de Moçambique”, concluiu Ramadane. TEXTO YANA DE ALMEIDA FOTOGRAFIA D.R

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BMW

Assim como os carros 100% eléctricos lançados pela BMW, o i Hydrogen NEXT utiliza a tecnologia eDrive powertrain de quinta geração

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BMW X5 GANHARÁ VERSÃO depois do anúncio feito na segunda metade de 2019, a BMW dá mais um passo na intenção de lançar um veículo movido a pilha de combustível (FCEV), com o início da fase de testes em estrada de um protótipo BMW X5 a hidrogénio. O anúncio da entrada do projecto, inicialmente designado de BMW i Hydrogen NEXT, nesta nova fase de desenvolvimento, foi feito pela própria BMW, assim como a divulgação das imagens do protótipo, vestido com alguma camuflagem. De acordo com a marca bávara, será, não apenas um, mas toda uma frota de veículos numa fase de pré-produção, que passará a circular por várias estradas na Europa, em condições de utilização intensiva, com o objectivo de recolher dados so-

MOVIDA A HIDROGÉNIO EM 2022 bre o desempenho do sistema de propulsão fuel-cell, da tecnologia de chassis, assim como dos sistemas electrónicos presentes no veículo. A BMW acredita que esta fase de testes em estrada aberta deverá preparar o i Hydrogen NEXT para a passagem à produção em pequenos lotes, já a partir do final de 2022. “A tecnologia de célula de combustível a hidrogénio pode ser uma opção atraente, em termos de sistemas de propulsão ecologicamente sustentáveis – especialmente quando aplicados a veículos maiores”, comenta Frank Weber, membro do Conselho de Administração da BMW. Ainda de acordo com a marca alemã, o sistema de pro-

pulsão do i Hydrogen NEXT será baseado na solução instalada no iX3, com o modelo a hidrogénio a acrescentar, ao motor eléctrico, a potência gerada na sequência da reacção química entre o hidrogénio e o oxigénio do ar. A grande vantagem do veículo a hidrogénio está no tempo de reabastecimento. Os movidos exclusivamente a bateria demandam elevados tempos de recarga, enquanto aqueles que geram corrente eléctrica por meio do sistema de célula de combustível são abastecidos com hidrogénio armazenado em alta pressão, o que faria o tempo de reabastecimento dos tanques ser similar ao de um carro movido a combustível líquido.

NOS CARROS MOVIDOS PELO SISTEMA DE CÉLULA DE COMBUSTÍVEL POR HIDROGÉNIO, O GÁS ENTRA EM REACÇÃO QUÍMICA COM O OXIGÉNIO ATMOSFÉRICO, O QUE GERA ELECTRICIDADE PARA O MOTOR...

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