17 minute read

Dona Dôra Dona dôra A voz dos orixás

Next Article
JOÃO HILÁRIO

JOÃO HILÁRIO

Texto

Nascida médium, Dona Dôra, 69 anos, encontrou seu lugar, sua missão, sua paz e sua saúde na umbanda. Quando o dom começou a se manifestar na vida adulta, sob a forma de fortes dores de cabeça, era uma época em que as casas de saúde mental – manicômios ou “hospital de doido” como a fala coletiva se habituou a chamar – eram o espaço de destino para qualquer mal neurológico que a medicina não via como tratar. O sofrimento ensinou que é sempre melhor cuidar a se entregar a ignorância. É um aprendizado simples, mas que só faz sentido a quem se entregou a viver. Ela saiu da experiência traumática recuperada e, acima de tudo, fortalecida e com uma identidade de vida que leva adiante ajudando quem a procura sob a forma de sua religião que é sua maneira de ler o mundo e contar sua história.

Advertisement

Qual seu nome completo, dona Dôra? É Maria Avelina de Sousa, só que todo mundo só me conhece por Dôra. Esse é um apelido de infância?

Não, sei não, nunca me disseram. Só sei que botaram o nome Maria Avelina de Sousa e apelido Dôra. Até muita gente pensa, pensava que era Maria das Dores, não é.

Como foi a sua infância?

Não, eu só lembro que era muito inteligente, só que hoje eu num sei mais de nada. Se eu visse uma pessoa fazendo crochê, quando eu chegava em casa pegava um pedaço de arame e ia fazer crochê. Aprendi a fazer crochê. Do mesmo jeito, foi com bordado em máquina. A gente morava em Assaré. Eu me lembro de muita coisa de quando eu era pequena, mas, hoje em dia, num lembro de nada. Se eu visse uma pessoa costurando, eu aprendia. Um dia fui deixar umas costuras na casa de uma senhora que já é finada.

Cheguei lá vi a mulher costurando, prestei atenção em como ela costurava. Aí ficava sentada, pequeninha, mais mamãe, olhando. Quando eu chegava em casa, eu pegava uma tesoura e um pedaço de pano de uma roupa de boneca pra costurar na mão. Assim, eu aprendi a costurar, bordar, aprendi fazer crochê. Só que hoje em dia eu num sei pra onde vai mais nada. Até a máquina eu vendi porque não tenho mais paciência de fazer nada. Muita coisa da minha infância, naquela época, era muito difícil. Algumas coisas, né. No meu tempo era tudo diferente de agora. E eu me criei foi nos mato, no sertão, trabalhando de roça. Mas, graças a Deus, estou aqui satisfeita, apesar de ter um bocado de doença, de problema, diabetes, pressão alta. Ontem minha pressão baixou que eu quase fui pro hospital. Baixou mesmo. Já faz anos que eu tomo remédio pra pressão. E nesse tempo a pressão baixou duas vezes.

A senhora sempre foi umbandista?

Não. Eu entrei nessa religião por que eu não sabia que era médium. Eu sentia muita dor de cabeça. Eu pensava que ia morrer de derrame. Eu só vivia nos hospitais. Às vezes, o doutor dava alta no sábado e na segunda eu voltava de novo, gritando de dor. Parecia que minha cabeça era toda cheia de sangue. Eu assoava o nariz, saía aquelas toras de sangue coalhado. Me levaram pra Nova Olinda, pra um bocado de canto. Tinha uma mulher de muito saber em Nova Olinda que me desenganou. Disse que só tinha jeito pra mim em Recife ou em Fortaleza. Voltaram comigo e botaram no Santa Tereza (hospital psiquiátrico). Pensaram que eu estava doida. Fui pra lá duas vezes. Tomei tanto remédio lá, que quando eu vim pra casa foi babando. Os remédios eram muito fortes. dia. Mas nesse dia elas pelejaram tanto, disseram que iam me esperar. Mandaram tomar banho e trocar de roupa, vestir uma roupa branca. Ficaram debaixo de um pé de cajarana me esperando. Resolvi ir com elas e achei bom lá, né. O centro da Sagrada Família era bem afamado nesse tempo. Custei a voltar ao normal porque eu sofri muito, né. Mas, graças a Deus, estou aqui contando a história. Eu acho que se não tivesse procurado ajuda eu tinha morrido. Fui duas vezes pro Santa Tereza. Se tivesse ido pela terceira vez não tinha mais resistido, porque o remédio era forte, forte que só quem sabe é quem tomou. Se eu soubesse que era médium não teria passado o que passei. Eu fiz foi sofrer. A pessoa ir pro hospital dos doidos, levar tapa na cara que nem eu levei... Como meu povo não sabia de nada, ninguém sabia de nada, me botaram no Santa Tereza. Se não tivessem ligado para o meu padrinho, eu teria morrido porque continuaram me internando lá.

Como foi essa época?

Veio uma irmã minha do Piauí, que eu nem sabia que estava lá. Fazia muitos anos que ela tinha ido embora. Ela morreu ano passado, era a mais velha. Ligaram pra ela, que viajou de lá pra cá para não deixarem me internar. Mas quando ela chegou aqui já tinham me internado no Santa Tereza, já estava sem jeito. Passei quase um mês internada. Uma mulher começou a rezar em mim e eu melhorei. Passei um ano bem. Até que voltou tudo de novo, as mesmas coisas. Tornaram a me internar no Santa Tereza. Dessa vez eu passei quase dois meses. Com um mês internada, o médico liberou para meus irmãos irem me buscar nos fins de semana. Passava o sábado e o domingo em casa e nas segundas voltava pro Santa Tereza. Depois desses dois, o doutor ligou para meu padrinho de batismo, padrinho Valtim. O doutor mandou me tirar do hospital e procurar um centro espírita. Passei dois meses lá, tomando os remédios e, cada vez, eu piorava mais. Quando eu tomava os remédios minha cabeça ficava assim “friviando”. Parecia quando a gente pisa num formigueiro. Fulminando no pé da gente. Pois minha cabeça ficava daquele jeito.

Em qual terreiro a senhora começou na Umbanda?

A gente vai pra missa. Os padres não estão ligando mais. Os primeiros padres não gostavam. Mas agora está liberado. Os padres não falam mais contra a Umbanda. De início, falavam

Mas a senhora ainda estava tomando os remédios?

Eu pedi pra não tomar mais. Se tivesse continuado a tomar eu tinha morrido mesmo. Eu não estava me dando com os remédios. Ficava era pior quando tomava. Estava tratando uma coisa que não existia. Mas ainda tinha gente que queria que eu tomasse. É do mesmo jeito quando você come uma comida que lhe ofende. Você não quer comer mais. Era do mesmo jeito com o remédio que estava me fazendo mal. Teve um tempo que trocaram o remédio. Era só um vidrinho por mês. Foi nessa época que a senhora foi pro centro espírita?

Sim. Chegaram umas colegas minhas me incentivando a ir no centro lá na Sagrada Família. Eu nem sabia nem conhecia nada. Ficava dizendo que ia outro nha neta que é filha de uma dessas crianças que me entregaram para criar. Ela é evangélica. Ela não diz nada. Ela até já se batizou, mas não diz nada. Entra, sai, vai para a igreja e não diz nada. Todos eles respeitam, graças a Deus. Nenhum é contra, né. Quem da sua família já veio lhe procurar pedindo ajuda?

Comecei no terreiro do pai de santo que me desenvolveu, Pai Beto. A primeira vez que recebi os orixás foi na exposição (do Crato).

Eu estava com uma barraca lá. A corrente atacou lá e foi Pai Beto que consertou. Ele é o meu pai de santo.

Foi com ele que eu acabei de ficar boa, graças a Deus. Daí por diante eu pratico. As minhas amigas vem de Juazeiro e Barbalha. Não cabe aqui dentro, aí eu trabalho lá fora. Aqui fica pequeno quando vem muita gente. A Umbanda é assim, pra quem entende e sabe das coisas. Umbandista tem que ser tudo unido. Mas um bocado de gente de terreiro por aí não quer essa união. Acha que tem que ser mais sabido que outro.

Faz quanto tempo que a senhora desenvolveu sua mediunidade?

Faz anos, eu não tenho na memória de quantos anos fazem, mas está na faixa de uns trinta anos. Para todo mundo que chega aqui com um problema eu conto minha situação. Eu já passei por muita coisa, muitos momentos difíceis, já sofri demais. Agora a pessoa escolhe se quer se cuidar ou se quer sofrer como eu sofri. A pessoa que é médium de verdade, quando chega o tempo determinado, se a pessoa não se cuidar, a pessoa sofre até morrer. Se a gente não se cuidar, entra coisa negativa e aí pode se jogar em qualquer abismo, se enforcar. Quem é médium de verdade e não se cuida o resultado é esse aí.

Tem um sobrinho meu que frequenta. Ele é oficial de justiça e sofreu muito. A mãe dele veio aqui chorando numa sexta feira. Ela estava vendo a hora do rapaz perder o juízo. Passava o dia todo dentro do sítio estudando dentro duma rede. Eu pedi a ela para mandar o rapaz vir aqui no outro dia de manhã. Eu peguei o nome dele completo e a data de nascimento porque de noite eu ia rezar e ver se os orixás me mostravam alguma coisa. Ele já tinha sido casado duas vezes. Na primeira, ele ficou um mês e se desquitou da mulher. A gente só vê as coisas se rezar e deitar quieto. Quando a gente agarra no sono, a gente vê. Eu me deitei e vi duas mulheres fazendo trabalho para ele. Nesse trabalho tinha era coisa. Eu me acordei doida. Quando a gente conversou, ele me perguntou se tinha como desmanchar um trabalho feito. E tem como desmanchar?

Se for feito na linha de Exu, tem gente que não desmancha não. Aí mandam para outro. Nesse tempo, tinha Dona Celina, uma mãe de santo bem afamada. Também mandavam para Pai Beto lá na Sagrada Família. Só que depois que eu fui lá, eu nunca vi. Mas era a história que eu sabia que o povo dizia, né.

Por que seu sobrinho queria saber isso?

Por que ele tinha ido num rezador que mandou ele procurar uma pessoa que tivesse terreiro pra desmanchar um trabalho que tinham feito nele. Eu contei que tinha visto duas mulheres que eu não conhecia e o trabalho que elas tinham feito. Era uma mesa de Exu, com um pano e as coisas que o povo bota para as ofertas aos exus. Eu vi o trabalho bem direitinho e vi tudo que tinha no trabalho. Ele foi num terreiro em que o povo reza pelos livros. Esse era muito sabido e tudo que ele faz é pelos livros. Ele não recebia orixá não. Uma pessoa boa ele. No outro dia, meu sobrinho veio para a gente ir nesse terreiro. Quando chegamos lá, o orixá descobriu as coisa todas que tinha no trabalho, tudo o que já tinha visto antes. As coisas que tinham no trabalho, ele pediu de volta para poder desmanchar. Aí pronto! O menino ficou bom. Tinha feito um concurso que nem tinha mais esperança de ser chamado nem estava lembrado. Com poucos dias foi chamado para ser oficial de justiça.

A senhora falou que é católica. Como é lidar com as duas religiões? A senhora nunca ouviu nada preconceituoso na igreja?

A gente vai pra missa. Os padres não estão ligando mais. Os primeiros padres não gostavam. Mas agora está liberado. Os padres não falam mais contra a Umbanda. De início, falavam. Tinha padre que dizia era coisa com o povo que trabalha na Umbanda, mas agora... Nunca ouvi nada preconceituoso na igreja, não vou mentir. E não sou apenas eu que vou na igreja. Tem muita gente Umbanda que vai para a missa.

A senhora é devota de algum santo da igreja católica?

Nossa Senhora de Fátima é minha advogada. Eu já contei para todos os filhos de santo e pra muita gente que vem aqui um exemplo da minha vida. Quando eu senti um inchaço no peito. Senti inchado e doendo, só me queixando. Começaram a me fazer medo, que essas coisas no seio são muito perigosas. Mandaram eu ir me receitar. Mas eu já tinha mandado uma mulher rezar. Aí disseram: “Que negócio de reza!”. No horário de meio

Dona Dôra: “Eu nunca fiz um trabalho para fazer mal a ninguém. Deus me defenda!” dia, passei pelo Hospital Manoel de Abreu. Cheguei lá e perguntei se tinha médico. A atendente quis saber qual era o meu problema. Eu mostrei a ela. Quando o médico veio já foi com aquelas doidices dele. Disse que tinha que arrancar o peito. Eu comecei a chorar. Eu pedia pelo amor de Deus pra ele não fazer aquilo. E ele disse que não tinha jeito.

Ele queria operar sem fazer nenhum outro exame?

Ele mandou fazer o teste. Mas ele queria arrancar o peito. Esse dia era uma sexta feira. Ele me mandou pra casa, combinar com minha mãe e minha família, para eu voltar na segunda feira para operar. Voltei do hospital chorando. Cheguei em casa, mandei chamar mamãe, mandei chamar meu irmão e contei a história. E choramos. Na segunda eu fui para o Manoel de Abreu. Passei três dias internada para o doutor tirar esse peito. Sempre acontecia uma coisa para não dar certo. Não dava certo a anestesia, minha filha que queria me levar para Fortaleza, o pessoal que me conhecia não queria deixar o médico operar. E ele só dizendo que eu tinha que tirar o peito, que não ia perder o trabalho dele. Foi quando eu me peguei com Nossa Senhora de Fátima. Pedi a ela que se fosse para correr risco que não acontecesse a cirurgia. É por isso que visto branco no mês de maio, por causa da promessa que fiz com ela. Ela é minha advogada, Nossa Senhora de Fátima. Foi ela que me salvou. muita vitória também que a gente recebe. Tem que ter a fé. Se tiver fé, a gente vence mesmo. Eu venci muita coisa.

E o que aconteceu?

A cirurgia era para ter acontecido na segunda, depois passou para terça, da terça para quarta. Às quatro horas da manhã da quarta, chegou uma mulher toda de branco, com as mãos postas e dois menininhos, um de cada lado. Era Nossa Senhora de Fátima, do mesmo jeito dela nos quadros. Ela não falou nada. Os menininhos disseram que tinham vindo me buscar. “Viemos tirar você daqui porque quando o doutor te cortar, você vai morrer”. Eita! Eu pulei da cama pro chão, corri pro banheiro. Cadê eu dormir mais? Tomei um banho e fiquei chorando, chorando. Não disse nada para as pessoas que estavam comigo, me acompanhando. Às onze horas o povo saiu para almoçar. Eu fiquei sentada pensando: “Ai, meu Deus! Está já chegando a minha hora de morrer”. Então, veio a enfermeira me perguntando pelo meu marido. Ele estava pra lá de Farias Brito. O doutor tinha dito que só faria a operação quando ele chegasse. Me mandaram ir para casa e só voltar com ele. Tinha um termo de responsabilidade para assinar.

Cadê que eu quis almoçar?

A enfermeira queria que eu comesse antes de ir. Mas eu não quis. Só troquei de roupa. Queria era ir embora.

Há quantos anos a senhora é da Umbanda?

Eu não lembro o ano que eu desenvolvi, mas acho que já tem uns trinta anos.

E há quantos anos a senhora é mãe de terreiro?

Já está com uns vinte anos. Depois de uns dez anos que eu desenvolvi foi que eu me tornei mãe de terreiro. Como foi essa mudança?

As pessoas vinham aqui para eu rezar nelas. Uma noite, chegou uma mulher aqui perturbada. Era bem umas sete horas da noite. Antes ela teve que tomar um banho. Quando ela entrou estava irradiada com o orixá dela. Corri para chamar Pai Beto. Foi quando eu pedi a ele para atender o povo e ele liberou. Já desenvolvi um monte de gente. Um bocado de gente trabalha, outros estão desenvolvendo a mediunidade. Alguns até já me ajudam muito, muito mesmo. E eu agradeço a Deus, primeiramente, e segundo aos orixás. Por que se não fosse eles, eu não estaria viva aqui, contando as histórias. Apesar de que o povo não acredita, zomba muito. Cada um usa sua consciência do jeito que quer.

Para Xangô já é feito um prato de rabada de gado. As oferendas dos pretos velhos são muitos tipos de coisas: é mungunzá, é feijão preto, é canjica, é pamonha. A festa de Iemanjá é feita com bolo e refrigerante. As pombas giras, às vezes, a gente oferta a carne torrada

A senhora mandou chamar seu marido?

Quando eu cheguei em casa, contei tudo para minha mãe. Depois, desabei lá para Pai Beto (pai de santo). E ele achou foi graça do que eu contei. Ele disse que tinha rezado pra mim e que sabia que a cirurgia não ia acontecer. Contei a história da mulher de branco que chegou no hospital com os dois menininhos. Fiz a promessa, me peguei com ela. Passei um horror de perigo e ela me tirou dele. Até morrer eu vou me vestir de branco no mês de maio todinho. Tem muita coisa pela qual a gente passa, né, tem esses problemas. Mas tem

Então, ainda tem muito preconceito? Ainda tem quem chame de macumba?

Só chama de macumbeiro. Mas a pessoa que trabalha para fazer o bem, trabalha só com essa linha branca, não faz macumba. Macumba quem faz são aqueles que vão para as encruzilhadas, com vela de todo jeito. Nem com vela de cor eu trabalho. Só com vela vermelha porque é para São Jorge, amarela que é para Xangô, a verde para Oxóssi, azul para Iemanjá e Cosme e Damião. Mas vela preta, Deus me livre! Quem tiver suas velinhas pretas para eu acender, não traga, não. Não trabalho com vela preta. Mas, por aí, a maioria trabalha. Aí o povo chama todo mundo de macumbeiro, mas nem todo mundo é macumbeiro. Quem trabalha certo na Umbanda não é macumbeiro. É umbandista. É da Umbanda. O povo não entende e leva de todo jeito por aí.

E a senhora, como praticante da Umbanda, já sofreu algum preconceito?

Não, até agora não. Quando eu comecei, fiquei sabendo de uma história, mas eu não sei se é verdade. O

Quais as obrigações da senhora como dirigente?

Aceitar e ajudar. Tratar o povo bem, que é isso o que todo dono de terreiro tem que fazer. Receber todo mundo, menos drogado, bêbado, e armado. Essas pessoas não podem entrar no terreiro. E quando chega alguém assim, a gente tem que falar bem direitinho. Pedir desculpa por ele não poder entrar, explicar o motivo. Não pode espantar o povo com ignorância, né. Onde tem bebida, sempre atrai o que não presta. Tem muito bêbado que, além disso é drogado. Só atrai coisa ruim. Aquilo ali para entrar dentro de um terreiro, com um monte de gente, a qualquer momento pode encostar uma coisa ruim, aí dá trabalho. É um caso sério uma pessoa assim para quem é médium mesmo.

Tem alguma limpeza que se faz no terreiro antes de começar um trabalho?

Tem. A gente começa lá da porta. Faz uma ronda lá. Leva o esfumador daqui até lá fora, para limpar a casa, o terreiro e o que estiver pesado. Para a limpeza, mistura o fumo com alfazema, alecrim, com erva doce. Os banhos são de sete ervas. Também tem de nove, catorze, até vinte e uma ervas. Cada erva serve para uma coisa, até para preparar para os médiuns. A gente bota pra secar as sete ervas. É ainda melhor. Bota para secar e pisa bem pisadinho e esfuma antes de começar o trabalho.

A senhora reza com que planta?

Com folha de pinhão roxo. Mas não tem um pé de pinhão aqui porque, quando eu planto e começam a nascer as folhas, vou tirando, vou tirando. Quando vem uma pessoa para rezar, eu tenho que ir procurar pinhão em outro canto, por aí, pelas casas aí pra cima. Eu corto logo um galho. Tem dia que não vem uma pessoa só não. Coloco dentro d’água. Se chegar duas, três pessoas para rezar, já tem um galho dentro da água. eu boto água numa vasilha e boto aí em cima pra ir rezando. Já chegou alguém pedindo para trazer amor de volta?

Muita gente que chega aqui atrás. Só que os orixás só ajudam aqueles que são casados, que não querem nem a mulher nem o marido alheio. Podem pedir o tanto que quiserem, que os orixás não ajudam não. É um crime também a pessoa querer o que não é seu. Eu acho que a gente só tem que querer o que é da gente, o que for para a gente. Querer separar um casal é errado também. E quem fizer esses tipos de trabalho é muito errado também. dium, a gente reza e pronto. Se for médium a gente tem obrigação de explicar bem direitinho o que isso significa e os cuidados que tem que ter.

Quais oferendas são feitas aos orixás e os santos?

Oxóssi, que é São Sebastiao, são frutas. São ofertadas frutas doces. Iansã, também frutas. Para Xangô já é feito um prato de rabada de gado. As oferendas dos pretos velhos são muitos tipos de coisas: é mungunzá, é feijão preto, é canjica, é pamonha. A festa de Iemanjá é feita com bolo e refrigerante. As pombas giras, às vezes, a gente oferta a carne torrada. Muita gente por aí, muito terreiro, corta bode, corta galinha. Eu mesma nunca fiz assim. Faço uma carne torrada no azeite de dendê, tem a farofa da carne com azeite de oliva, tem a outra farofa que é com vinho, com cerveja, com mel. As minhas ofertas são assim. Mas por aí, a maioria do povo, é cortando bicho. Eu não corto não.

Como a senhora mantem as velas? Alguém doa?

A maioria eu que compro. Às vezes, chega gente que traz. Um dia desses mesmo veio uma mulher para eu rezar e trouxe uma caixa de vela de sete dias. Ainda tem ali. Ela perguntou quais as cores que eu usava. A de São Sebastião é vermelha. A de Ogum também, mais a branca. Iemanjá e Cosme e Damião é rosa. Aí ela trouxe sortida. Branca, rosa, azul, verde e vermelho. É bom quando uma pessoa tem consciência de perguntar. Décio, meu sobrinho, gosta de trazer também. Ele compra a caixa e traz. Traz da caixa de vela número oito. Não pode faltar vela para os orixás. Eles não podem ficar no escuro. As outras podem apagar e ficar apagada. Agora as velas deles tem que ficar direto. Não é só pra mim não. É para mim, é para os filhos de santo e pra todo mundo que vier pedir ajuda. Por isso não pode faltar.

Qual o orixá da senhora?

A senhora acha que precisa de uma religião para crer em algo?

Eu acho que tem que crer em Deus. Se a gente crê que existe Deus é o suficiente para gente enfrentar o que for. Por que sem Deus, nós não somos ninguém. E é tão provado que Deus existe, que quando os orixás vem, eles só vem louvando a Deus. Então, os orixás também não fazem o mal.

O que é fé para a senhora?

Fé é a pessoa acreditar numa coisa. É ter aquela fé pura de que vai vencer aquela coisa e vencer. Para mim é isso. A gente tem aquela fé e pedir a um santo e pedir de coração. Do mesmo jeito que eu pedi a Nossa Senhora de Fátima que, se fosse um perigo, ela me tirasse e me ela me tirou. Eu acho assim no meu pensamento.

Muita gente que chega aqui atrás. Só que os orixás só ajudam aqueles que são casados, que não querem nem a mulher nem o marido alheio. Podem pedir o tanto que quiserem, que os orixás não ajudam não

Qual o seu maior aprendizado na vida?

Eu acho que é cuidar dos meus orixás bem direitinho. Cada dia em que estou cuidando deles, eu aprendo mais coisas. Eu vejo mais resultado para mim quando vou ajudar os outros. Eu penso assim.

Xangô, o dono da justiça. Xangô representa São Pedro. Cada orixá é representado por um santo.

O que é a Umbanda representa para a senhora?

A Umbanda verdadeira, que eu conheço, é essa da união. Cada terreiro tem que ser unido com os outros terreiros. Sem união ninguém faz nada. A Umbanda significa isso. Se a pessoa passa por muito problema e procura a Umbanda é para se encontrar. Qualquer um que precisar de um pai ou mãe de santo e procurar vai saber o que está acontecendo. A gente vai ver o que tem na corrente daquela pessoa. Se a pessoa não for mé-

This article is from: