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João do crato
eu disse: não quero, estava com todos os congeladores cheios e decidi que não queria mais.
O senhor têm planos de acordá-lo?
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Bladino Lobo - Eu não sei como seria hoje o comportamento dessa história, porque também cada tempo no seu tempo. Hoje se viesse a se formar um Xá de Flor seria um Xá de outro momento. Mas nós temos o Raul e o Cangaço (bares de Juazeiro do Norte) que talvez se aproximem da ideia do Xá de Flor. Agora, para o futuro, eu e a Nivea Uchoa (fotógrafa) já fizemos alguns encontros para o planejamento de um documentário sobre o Xá.
Como nasce o Xá de Flor?
João do Crato - Ele surgiu na experiência de Blandino com os raizeiros aqui do Cariri, com os engenhos de cana, com as farinhadas e com o pessoal da cultura popular da Feira do Crato, principalmente. A intenção do Xá de Flor era a pesquisa de ervas, sementes, frutos e cascas, a coisa da medicina popular com um teor curativo. Então, Xá de Flor começou antes dos anos 70, digo isso porque foi muito mais do que um bar, foi um movimento cultural. Antes do bar ele já acontecia nas festas populares daqui do Cariri e em fortaleza, na praça Portugal. Eu não consigo separar a banda da cachaça e do movimento, tudo surgiu de uma necessidade de se mostrar, de se dizer “Eu faço isso!”. Blandino é um raizeiro, um pesquisador, um cara que tem vasto conhecimento da pluralidade da Feira do Crato, conhece todo mundo, conhece Dona Ciça do barro cru, conhece os violeiros, os rabequeiros, os engenhos de cana, as farinhadas. Fortaleza?!
João do Crato - Assim, tinha uma casa muito alternativa em uma praia de Fortaleza onde ia todo mundo para lá, era uma mistura, iam poetas, músicos, cantores, performances, era uma casa muito ativa, muito viva, de entre e sai de gente onde hospedavam-se as pessoas que eram de fora. E esse movimento surgiu basicamente nas conversas dentro dessa casa, o rótulo da cachaça surgiu lá, foi desenhado inclusive pelo Giovani Sampaio, que era o dono da casa e artista plástico. Quando se está em Fortaleza tem todo o movimento da musicalidade que vai surgindo do rock’n roll, que era um rock do ceará, do movimento com Lúcio Ricardo, Mona Gadelha, todo esse pessoal surgiu naquela época.
O movimento começa em Fortaleza?
João do Crato - O movimento começa em Fortaleza e chega ao Cariri, marcando uma época. Então assim, começou tudo junto, tudo foi o movimento e o movimento é amplo, surgiu de uma forma muito unificada, com muita harmonia, foi muito legal. Dentro desse ambiente, e bem antes do bar, já tinha um movimento aliado à música que deu origem a uma banda, a banda Chá de Flor, que surgiu junto desse movimento. Éramos uma comunidade que morava na praia e tudo muito misturado. Começamos a entender o que era o Xá de Flor além de ser a possibilidade de você pegar o fruto, a casca, a raiz, a semente, a folha e sim transformar isso em uma coisa que me cura a alma aliado a uma cachaça boa, natural do engenho sem passar por nenhum processo químico.
Como aconteciam e quais eram as festas?
A gente trabalhava na Exposição do Crato e na festa de Santo Antônio em Barbalha onde começamos com uma mesinha com lamparinas, bem rudimentar mesmo, e depois passou a ser um quiosque de madeira. Nessas festas a gente já vendia e preparava as cachaças. Como se acontecia a preparação da cachaça?
João do Crato - Sempre muito terapêutica. Na verdade a Xá de Flor representava uma mesinha que qualquer sertanejo tinha sua em casa, com uma cachaça com ervas que se toma antes do almoço, uma dose antes de tomar um banho, que é uma prática muito popular da cultura popular daqui, então ele foi criado nesse intuito. A gente ia para os engenhos e temperava as rapaduras e as batidas com canela, cravo, gergelim, amendoim, e tudo isso tinha uma marca que já era Xá de Flor, as rapaduras também já entraram nesse contexto do Xá de Flor que já trazia a arte, o místico... Isso fez algumas pessoas apontarem como alucinógena, mas tudo isso era muito mais folclore.
E o bar?
João do Crato - O bar ele já veio bem depois em uma proposta cultural de ser um espaço de juntar as pessoas, a juventude principalmente e aliar o Xá de Flor com a arte. No Xá de Flor se apresentavam os cantores, as performances de teatro, circo, exposições de artes plásticas. Era um local de convergência entre todos os artistas, não só aqui do Crato mas de todo o Cariri e até de fora, como da Paraíba, porque sabiam que era um movimento interessante e as pessoas vinham para conhecer e trocar ideias.
Em quais momentos você esteve presente dentro de todo esse processo?
João do Crato - Todo o processo de começar a se estabelecer o Xá de Flor como um grande movimento cultural eu acompanhei desde o começo. Levamos a cachaça às feiras de São Paulo, Rio de Janeiro, que Blandino ia levando toda a questão da raiz do Cariri, dos raizeiros - iam tecelões que levavam a rede, o pessoal do artesanato indígena - Então, nesse período eu estava muito presente depois que o bar surgiu e já foi um negócio muito mais específico, eu ficava mais na questão de direcionar a parte artística e lá dentro mesmo na produção da cachaça já tinham muitas outras pessoas aju- dando. Enfim, a minha parte mais presente foram nos festejos de Santo Antônio de Barbalha. Quando chegou no bar mesmo eu participava mais como artista, ia lá para cantar mas trabalhando mesmo com a equipe eu já não estava mais porque eu já estava mais envolvido em outras coisas, principalmente na questão musical. Por que movimento cultural?
João do Crato - A juventude estava buscando alguma coisa de mais forte, como interferir no sistema, estávamos saindo de um ditadura militar, era tudo muito difícil. As pessoas eram muito reprimidas, não tinha como se expressar e tudo era muito repressor na época. Então, o Xá de Flor estava nesse processo de talvez libertação de um tempo de ditadura militar e da própria sociedade tradicionalista, coronelista aqui do Cariri, formada por oligarquia das famílias tradicionais que reprimiam muito, A minha visão do Xá de Flor é muito como um movimento cultural mesmo, que marcou época, marcou uma década ou mais, 70, 80, até 90... Foi muito expressivo. As pessoas tiveram um processo formativo muito bom junto com o Xá de Flor porque as pessoas que nos acompanharam, os artistas, intelectuais, eram pessoas de boa índole, o que permitiu a troca com a juventude de uma ideia muito saudável. Diferente do que hoje a indústria cultural faz com a juventude que coloca tudo de pior qualidade para confundir a cabeça. Xá de Flor fazia o contrário em um processo de qualidade, de conversa, de intercâmbio, de amorosidade, de cumplicidade. Era um movimento muito legal, vindo do pós “paz e amor”, do movimento hippie, do Woodstock e isso foi muito revolucionário e plantou essa semente de você querer que o mundo fosse maravilhoso, que todo mundo fosse feliz, liberto, de usar o que quiser, dos cabelos crescerem, a liberdade da sexualidade. Foi quando começou a surgir o movimento gay, foi quando surgiu a AIDS… E depois que passou tudo isso o mundo criou uma nova cara, as pessoas começaram a entender, a juventude principalmente a possibilidade de liberdade. Basicamente nos anos 70 para 80, Xá de Flor se estabelecia como esse movimento sem uma definição, sem padrão, sem um rótulo mas com a ideia de que a partir dessa fusão das ervas com frutas e essa manipulação de Blandino - que tem um conhecimento incrível de formação ancestral - que isso ia dar em alguma coisa. E aí foi surgindo a banda de Rock Roll ‘Chá de Flor’, e a música que se chama ‘Xá de Flor’ que fala justamente dessa magia de unir plantas e ervas.
Quem compôs a música?
João do Crato - A música foi composta em grupo, com músicos que faziam parte da banda, eu, Batista Sena, Ronald de Carvalho... Foi um poema que foi feito a muitas mãos em um momento em que estávamos todos juntos, depois que foi feito o poema foi pego o violão e começamos a colocar a melodia. A banda se desfez e o Xá de Flor continuou como esse movimento de agregar a juventude.
O nome da banda é uma homenagem a cachaça ou ao movimento?
João do Crato - Simultaneamente iniciou-se tudo, ela surgiu dentro do movimento Xá de Flor quando as pessoas se reuniam ao redor de uma mesa para tomar a cachaça e para compor. A banda era de Fortaleza, na verdade, mas a essência era daqui do Crato, as flores eram do Crato. E durou muito pouco tempo, em 79, 80, acho que chegou a 81, passou mais ou menos três anos. Fizemos shows aqui na Exposição do Crato junto com Luiz Gonzaga, fizemos um show lá onde hoje é a reitoria da URCA. Em Fortaleza, participamos de festivais, participamos do lançamento do disco da Massafeira, que estava chegando, que era outro movimento cultural que aconteceu em Fortaleza.... Nós fizemos vários shows, mas “sonho dos cupidos” foi o mais produzido, nós fazíamos uma coisa bem marginal, periférica, então
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