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bladino lobo
Bladino Lobo - A história nasce de Crato à Fortaleza. Porque, na realidade, Chá de Flor foi também uma banda de rock composta por João do Crato, Batista Sena (in memoriam), o Mocó, o Bebeto Porto que é um grande flautista transversa, tinha o Ronald Carvalho, enfim... nesta época eu já estava nos bastidores, ajudando o pessoal... Aí começamos a fazer uma pesquisa em cima das ervas medicinais aqui no Cariri, o Crato sempre teve nas bodegas uma cachaça temperada, ai além da pesquisa das ervas comecei a fazer um trabalho de experiência com ervas em cachaça, além das que eu sabia que colocavam nas bodegas da região. Fiz vários experimentos com as ervas.
Por exemplo...
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Bladino Lobo - Por exemplo: um anis estrelado não era uma erva que comumente a gente pegava em uma bodega, se tomava mais uma catuaba, mais essas coisas típicas daqui, mas essas ervas de fora: canela, cravo, anis estrelado, isso já foi mesmo uma criação para a Xá de Flor. A gente começou a dosar, botar em maceração essa questão.
Foi assim até se chegar a uma fórmula exata?
Bladino Lobo - Sabe que as pessoas até costumam querer a fórmula da cachaça, mas nunca se teve uma fórmula porque a fórmula era o acreditar. Cada produção era feita de uma maneira, a receita nem eu mesmo sei, ainda hoje eu sei fazer o Xá de Flor. A Xá tinha vários sabores: anis, cravo, canela, catuaba...
Qual era a mais vendida?
Bladino Lobo - Era uma mistura de frutas com as ervas, composta de vários sucos de fruta, concentrados com essências, aguardente e mel de abelha, era uma caipirinha, uma batida...
E por que o acreditar?
Bladino Lobo - Porque os ritos para preparar as receitas era uma coisa muito espiritualizada. Não saía um Xá de Flor sem eu estar pronto para fazer. Para começar você tem que lavar todas as garrafas, depois passar aguardente em todas para elas ficarem batizadas. Os utensílios todos são muito bem lavados e depois todos lavados com cachaça, feito uma assepsia, para poder entrar no ritual de mexer com as essências. As essências de ervas com menos de um ano não servem, o fruto não, eu posso fazer uma caipirinha de limão rapidinho, mas a Xá de Flor que leva erva tem que tá maturada. Deixava um ano na ceração, tinha um trabalho de amadurecimento. Não dá pra fazer com a cachaça ypioca, tem que ser cachaça de cabeça, aguardente mesmo, braba, do engenho, essas cachaças industrializadas todas têm um teor de água para ficar mais mansa. O senhor quem fazia a cachaça?
Fazíamos juntos e tinham vários degustadores - para dizer se ainda não estava boa, para sugerir botar isso ou aquilo - mas no momento final sempre era eu quem batia o martelo, quem percebia se estava faltando alguma coisa na receita.
E voltando ao nascimento da Xá de Flor... Bladino Lobo - Essa coisa toda começou desde a época da Massafeira, já se levava essas bebidas pra lá e depois teve a época da central de artesanato da Luiza Tavora, onde tinha um palácio na Santos Dumont (Fortaleza), posteriormente demolido e lá a gente montou um box onde várias pessoas colocavam produtos, além da cachaça tinham roupas, figurinos, adereços, peças de artesanato. O Batista Sena além de músico era artesão. Depois dessa central eu vim embora para o Crato, tanto eu como o João, a gente voltou, a gente estudava em Fortaleza, trabalhamos e depois voltamos pra cá. Quando se tornou um bar, Xá de Flor acontecia em uma casa onde rolava uma boa música, uma boa bebida e uma boa comida, e um encontro de pessoas para conversar, para dançar. Era toma lá da cá: você chegava, comprava sua ficha, pedia sua Xá de Flor, pedia seus petiscos e dançava. Tinham pouquíssimas mesas, tinham meia dúzia de mesas, só uns apoios, mas eram uns balcões, uma coisa bem eclética mesmo.
O senhor montou o bar depois que voltou de Fortaleza?
Bladino Lobo - O bar teve várias fases. O primeiro foi no Lagoinha, ali para o lado da Ponta da Serra onde tem um lixão em cima, aquele terreno do lixão era pra ser uma universidade que vinha do Canadá, ai meu pai vai e monta um negócio lá pra gente. Lagoinha foi o primeiro bar, mas a Xá de Flor já existia como cachaça. Mas na lagoinha acabamos por incomodar papai, aqueles problemas de bar com bebedeira... e ele resolveu que estava na hora de fechar.
E o bar Xá de Flor vai se inaugurar onde?
Bladino Lobo - O laboratório da Xá de Flor funcionava à Rua Ana Triste, foi transferido para a casa onde se firmou o bar. Atualmente onde fica localizada a Xoperia do Crato, era um casarão, minha mãe construiu 6 casas e uma delas quando esvaziou fui foi morar lá e passei um ano limpando os fundos da casa para depois montar uma horta para plantar as ervas.
O bar era montado em qual cômodo desta casa?
Bladino Lobo - Nas duas primeiras salas dessa casa acontecia o bar, onde aconteceu os grandes eventos do Xá de Flor, como os 10 anos de lá.
Como a década foi comemorada?
Bladino Lobo - Nos 10 anos do Xá de Flor foram 3 dias de festa com um dia das artes cênicas, outro dia só com o pessoal da música popular brasileira.
E como eram articuladas as programações em datas não festivas?
Bladino Lobo - Na programação do Xá de Flor nós tínhamos um forró por ano, buscávamos o pessoal lá do pé da Serra, um forro pé de serra mesmo, zabumba, triângulo, pandeiro. Na época tinha muito axé, axé Bahia e rolava uma Daniela Mercury, porque era uma epidemia da época. Rolava da opera ao Rock’n’ Roll, rolava de tudo. O pessoal tinha uma musicalidade boa na cara, no ouvido, hoje para se ter um espaço com música boa é mais difícil, porque se gosta hoje de músicas com letras vazias.
Vamos voltar para o Xá de Flor enquanto movimento cultural, antes do bar e depois que vocês chegaram ao Cariri... Como se deu esse movimento na região?
Bladino Lobo - Antes do bar o movimento com o Xá se dava nas festas populares, íamos pra Barbalha, começava com Santo Antônio, ai depois vinhamos para as festas juninas, Exposição do Crato, Nossa Senhora da Penha, Carnaval... Levávamos os quiosques, começamos numa mesa e depois montamos uns quiosques de madeira. Na Expocrato, uns vendiam comida e outros bebida e começamos a trabalhar. Um dia cismaram e fecharam nosso quiosque e eu fui na administração da festa e contei o acontecido. Eles fecharam só porque a gente estava rindo e cismaram, mas foi literalmente porque estávamos rindo.
Como assim?
Bladino Lobo - Eu lembro que tinha uma amiga que estava lendo uma carta sobre umas coisas bem engraçadas e todo mundo ria. Nosso movimento incomodava porque eles só viam drogas, com os estereótipos da juventude da época. Os pais chegavam a ir para ver se o que diziam era verdade e começavam era a frequentar.
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Várias pessoas da sociedade que tinham os filhos que já iam, que ficavam em volta das nossas barracas na exposição e depois no próprio espaço físico, chegavam e viam que não tinha nada, e viam que o lugar era maravilhoso, cheio de festa, e viam que tinha uma seriedade.
Existia uma logística para o Xá?
Bladino Lobo - Tinha caixa, era tudo na ficha, tinha toda uma organização e a cachaça era que segurava o movimento cultural, porque na época, como ainda hoje é difícil patrocínio, ainda era pior. Era contado no dedo as pessoas que davam patrocínio, então era a cachaça que bancava. Nós fazíamos as coisas como diz o linguajar popular: “nas coxas” mesmo, pagávamos para ver a coisa acontecer. As pessoas se juntavam com a sede de fazer, era pagando pra ver. Nunca ninguém se apresentou lá sem ter um cachê. Nos 10 anos do Xá de Flor tinha uma criança, que era sobrinha de João do Crato, ela era uma das bailarinas e ela também teve cachê, assim como o pessoal da produção, todos os artistas tinham cachê, não se fazia uma festa para não ter o cachê das pessoas. Sempre tinha uma programação para acontecer qualquer coisa, tinha uma preparação, tinha um preparo dos discos para montar uma trilha sonora, além da programação visual da estética do lugar, sempre tinha um esqueleto, ninguém fazia as coisas no improviso. No Xá de Flor, se conversava, se reunia, tinham uma logística, o Xá de Flor tinha um caderno onde anotava-se as entradas e saídas. A entrada não era sempre paga, só em eventos específicos como, por exemplo, nos 10 da Xá de Flor. A Xá de Flor nunca foi registrada nem a marca, razão social não tinha, eu não era muito ligado nessas questões, era mais em querer fazer as coisas acontecerem, minha ligação sempre foi muito atrás, eu gosto de arrumar o artista e jogar ele em cena, sou contrarregra, sou produtor. Por quê?
Bladino Lobo - Porque eu enjoei da noite, a noite é meio pesada, né? Principalmente nos tempos de hoje. João até hoje faz um trabalho mais cultural popular, ele faz um trabalho maravilhoso em cima da cultura popular e eu fiquei mais em stand-by, fiquei mais atrás, eu gosto mesmo é de estar cedo em casa para dormir.
Toda essa questão ritualística até na hora de produzir o Xá de Flor influenciou o surgimento de boatos por parte da sociedade mais conservadora cratense de que aquilo era uma substancia alucinógena?
Bladino Lobo - Ah, com certeza. E tinham momentos - quando o bar estava lotado de gente - que estava aquela energia louca, ai eu fazia uns incensos e saia incensando a moçada, ai acalmava todo mundo, e as pessoas adoravam isso. Tinha umas coisas místicas da gente que a gente carrega desde criança. Por exemplo, no tempo que nasci sempre tinha um cheiro de alfazema na casa de um recém-nascido. Além de dar um banho do recém-nascido com um chá de alfazema, tinha os banhos de erva também. Então, no Xá de Flor tinham essas coisas que são da sabedoria popular que hoje em dia as pessoas não dão mais muita importância a isso.
Como se deu o fim do Xá de Flor?
Bladino Lobo - Xá de flor teve um fim de bar, do espaço físico, mas ainda hoje Xá de Flor culturalmente é uma entidade que existe. Ela tá adormecida, mas ela existe. O bar foi uma coisa de um momento mesmo que