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Abidoral jamacaru

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João do crato

João do crato

fomos nós mesmos quem nos auto produzimos com os contatos que tínhamos. Era tudo muito difícil, você não tinha acesso aos meios de comunicação, era tudo muito elitizado.

Esse movimento foi mais intenso em Crato?

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João do Crato - Claro! Depois que ele se estabeleceu aqui na Festa de Santo Antônio, na exposição do Crato e depois na Lagoinha, pra depois ir pro bar mesmo propriamente dito, ele passou por vários estágios. Quando ele chegou no bar já estava com uma cara, Blandino já tinha uma série de pessoas que trabalhavam com ele, não era mais como no começo com a cachaça que era eu e ele e quando íamos para Fortaleza o Giovani, que também tem profundo conhecimento daqui da região e sobre ervas, e ajudava, assim como o Batista Sena. Foi um movimento tão importante a maneira como ele foi gestado, porque ele conseguiu unir o sertão com o litoral, a gente saiu daqui do sertão, quando chegou no litoral, e o que tinha de bom no litoral foi incorporado lá, os muricis que é do litoral, as coisas que eram do litoral entraram nesse movimento do xá de flor, nessa pluralidade das frutas, das ervas, das sementes, o movimento foi muito amplo. Foi surgindo uma coisa muito unificada, simultânea, é tanto que não temos tanta referência de datas.

O que o Xá de Flor representou para os artistas da época?

Abidoral Jamacaru - O Xá de Flor foi um movimento que ocorreu naquela sucessão de eventos que aconteceram aqui no Crato, que foram os festivais de música, em torno de oito festivais. Funcionou como um divisor de águas na música, porque até então nós, artistas, não compúnhamos, só cantávamos os artistas de fora. E, com esse tipo de movimento e festivais, ganhamos espaço e todo mundo começou a compor.

Quais festivais? Eles aconteceram concomitantemente ao Xá de Flor?

Os festivais foram antes do Xá de Flor, ainda na Ditatura Militar. Existiu o “Salão de Outubro” que foi um movimento artístico que aconteceu aqui no Crato em que passávamos uma semana acampados em uma praça praticando arte de todas as variedades possíveis. Esse universo veio a inspirar o Xá de Flor que, enquanto bar, foi um diferencial do que se convencionou por bar, na época.

Por que diferencial?

Porque ali haviam pessoas que tinham a concepção de vida e expectativa de vida diferenciada do que se estava estabelecido há muito tempo. Ou seja, pessoas que comungavam na praça com o que se chamava de contracultura. A contracultura não é nada mais nada menos do que a questão da contestação de uma cultu- ra já estabelecida para a implantação de uma cultura nova. Queríamos implantar uma nova cultura, onde o jovem pensasse, onde o jovem dividisse as suas coisas. Então o Xá de Flor apareceu nessa época. Foi depois dos anos 70. Blandino sempre participava conosco desses movimentos, ele foi captando essa coisa do diferencial e resolveu colocar um bar com essa diferença toda. Ele resolveu fabricar um tipo de bebida diferente, já que tinha um conhecimento das ervas da floresta, da Chapada do Araripe, e que ele incrementava essas coisas numa cachaça e dava um sabor diferenciado chamando isso de Xá de Flor.

O diferencial do Xá de Flor foi o ar de liberdade estabelecido? As pessoas iam ao bar especialmente para tomar a cachaça?

Com certeza. A bebida principal do bar era essa. Toda a moçada que queria esse diferencial ia pra lá, tinha uma música diferente, nós artistas tínhamos um espaço lá que não tínhamos em outro canto. As pessoas se vestiam diferente, dançavam diferentes, conversavam coisas diferentes. Esse é o grande lance do Xá de Flor que está inserido nesse contexto do Salão de Outubro, dos festivais, dos jornais que nós criamos. Jornais?!...

Chegamos a fazer jornais, livros, cinema, tudo isso nós fizemos nesse período. Começando no final dos anos 70 adentrando até os anos 80. E, até hoje, nós continuamos a fazer alguma coisa. Eu na música, outro no teatro, outros com artesanato... Tem uma coisa interessante que nesses movimentos, como o Salão de Outubro e Xá de Flor, que é o fato de nós não termos ficado restritos aos artistas daqui, chamávamos os artistas de Juazeiro do Norte, Barbalha, às vezes até Fortaleza e eles vinham - era ótimo porque acentuava ainda mais as diferenças que existiam.

O senhor frequentou o bar?

Estive algumas vezes lá, mas é uma questão minha, nunca fui boêmio. Participei mais tocando e cantando. Lembro-me de estar sempre lotado. Por outro lado, porque tem sempre o outro lado da coisa, né? O povo mais antigo dizia que lá era um ambiente promíscuo. Sempre tem essa taxação quando se faz uma coisa diferenciada que extrapola em algumas áreas, a pessoa já olha diferente para tudo que foge aos padrões.

O senhor acha que os bares de hoje no Cariri carregam um pouco de influência do que foi o Xá de Flor?

Hoje o Cangaço (o bar) é uma forma de repetir essa dose, fazer esse diferencial. A juventude tende a fazer isso com ou sem precursores. E o que é juventude, né?

Aquele que aceita o novo, aquele que se atualiza com o tempo. Juventude vai além da questão da faixa etária, ela é composta de todos aqueles que compreende o novo e se conecta a ele. Como dizia Belchior “o novo sempre vem”.

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