4 minute read

Cortesia de um conterrâneo para Xico

Next Article
xico sá xico sá

xico sá xico sá

Textos: Breno Árleth

Advertisement

Bem ao seu estilo, tomei algumas garrafas de cerveja em um bar de rua da boemia caririense. Escrever sobre Xico Sá à luz de uma ressaca, só não é melhor que ler uma crônica sua embriagado. Algo que já fiz muitas vezes, porque nelas, entre tantos outros porquês, encontro rascunhos da vida de pouca circulação.

Os textos desse filho do país Crato, naturalizado mundano revelam os desejos mais lúbricos da mente de homens e mulheres, dificilmente ditos da boca para fora. Perdoem-me se for falta de bagagem literária, mas desconheço autor para tratar de modo descarado, tão genuinamente sertanejo, as peripécias sexuais de um raparigueiro.

Em “Modos de Macho e Modinhas de Fêmea”, uma de suas estouradas obras, malandramente ele evoca as vitórias e derrotas da educação sentimental do Xico e do homem com e sem “H”, do homem de todas as letras ou daquele que nenhuma interessa possuir, já que essa categorização de nada serve. De qualquer modo, não se engane por essa chamada, caro amigo ou amiga. Marmanjo nenhum possui sentimentos educados. Toda surra do mundo para nós é merecida e pouca. Tem mesmo é que “baixar o sarrafo”. Avante em Sá!

Nesse livro, não há tema proibido a respeito de atividades que fazemos por trás das paredes, da coberta das matas, da lataria do carro ou da proteção do crânio que esconde pensamentos safados. Não são contos eróticos, longe disso. Acham-se nas páginas, práticas corriqueiras de “cabas” e moças com os hormônios abaixo do umbigo à flor da pele. Só um cronista insano – há algum que não o seja? – para falar tão bem da iniciação sexual de uma geração de meninos do semiárido, que ensaiavam as primeiras posições e acertos de velocidade no caule confortável de uma bananeira, cuja folha no mesmo ato excitava tão bem quanto as mãos de donzelas ou donzelos. Doces fantasias da adolescência.

O pincel artístico de Xico pinta de tudo, melhor dizendo, escreve de tudo. Da masturbação, vulgo punheta, aos desgostos futebolísticos ele representa. Fértil é o imaginário erótico do autor, boas indicações daquele do resto da população. Mas não apenas sobre esse conteúdo sua obra se detém. Existem mais putarias da vida abraçadas em seus escritos.

A maior delas, sempre presente, não em “Modinhas”, mas nas inúmeras crônicas de outros livros, jornais e revistas, costurando os assuntos diversos contados por ele, é a política. Não pense que menosprezo essa matéria ao classificá-la como putaria. Se possível, compreendam essa palavra no mais nobre e necessário emprego que possam lhe dar.

O traço de Francisco Reginaldo de Sá Menezes, nome de batismo do nosso autor, é admirável ao tecer comentários, questionamentos e teses sobre política. Carregado de intenções, com frequência Xico nos apresenta os escassos orgulhos políticos do Planalto de outrora e as incontáveis desgraças do atual, no clássico estilo “de quem não quer nada”.

Digo-lhes como: Ele fala do clássico paulista de futebol e dos erros da arbitragem; fala da conversa que teve com sua mãe por telefone, contando-lhe boas novas desses lados da Chapada do Araripe; fala saudoso da puta que seus tios pagaram para tirar-lhe a virgindade em um cabaré do Crato, quando ainda era garoto; fala do cheiro e do sabor do pequi na comida; e no meio disso tudo bombardeia um governante ou aquele grupo deles, meio batido, o tal partido político.

Assim, sem pressa ele vai organizando e hierarquizando os elementos que tanto enriquecem sua crônica. Usa e abusa das figuras de linguagem, das canções e dos cantores que tanto mexem com o imaginário e o coração brasileiro. Solidarizando-se a maior parte da gente, recorda com nostalgia a vida dos muitos rapazes latino-americanos, sem dinheiro no banco tentando viver pelos Brasis afora e a dentro. Memorável Belchior. A crônica de Xico é íntima do leitor. Traz as situações cotidianas do brasileiro mais lascado e do canarinho do bolso mais bem costurado. Seu texto tem equilíbrio, referência e base real daquilo que passa diante dos olhos dos homens e mulheres desse lado da linha do Equador. Há originalidade, meto a mão no fogo. Duas características de Xico, gosto de apresentar a todos que eu falo sobre ele. A primeira é o seu rico vocabulário “cearensês”. Do Crato, ele partiu ainda rapazote, graduou-se em Jornalismo em Recife, lugar onde começou a construir sua carreira renomada como jornalista e escritor. Tornou-se colunista de grandes jornais e de TV, a fama chegou e fez morada, mas jamais abandou as gírias e palavras, sabiamente faladas no Ceará. Às vezes, penso que ele dorme agarrado com nosso autêntico dicionário.

A segunda característica é um presente aos conterrâneos. Estrategista na arte de escrever, esse caririense é memória viva da sua terra. Se há alguém que defende e valorize a cultura do Cariri, certamente é Xico. Ele eterniza a região ao lembrar regularmente das suas aventuras, amores e eventos daqui, como o Pau da Bandeira da Festa de Santo Antônio, em Barbalha.

Não por acaso é o Cariri cenário do seu mais importante romance “Big Jato”, também levado às telas do cinema com nome homônimo. A obra é, praticamente, uma autobiografia do autor. Narra a sua infância na região, as influências, as paixões e os conflitos com o pai, com quem trabalhava no caminhão limpa fossas que intitulou seu livro.

Autor de muitas outras obras e centenas de crônicas e poesias, Xico Sá escreve sobre a vida, a sua e a dos ou- tros, com a dedicação necessária ao ofício de um cronista. Trabalho por demais sentimental, pois de tanto escrevermos sobre tudo, absorvemos enorme totalidade das coisas, que ora nos fazem bem, ora nos fazem mal.

Uma verdadeira devoção às palavras ele tem, e, quando não a possui, usa a melhor expressão do mundo para responder a qualquer provocação: “Aí dentro!”

E é com essa frase que finalizo minha cortesia a Xico, assim sem eira nem beira, deixando a sensação que algo mais teria. E tem, mas você terá de ler os rascunhos de vida desse cearense arretado.

This article is from: