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Mulheres africanas lutam pelo direito à terra
ÁFRICA
Apesar dos avanços na lei obtidos pelos movimentos feministas em todo o continente, a tradição no campo ainda impede que elas herdem uma propriedade.
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Por Bruno Roque, Clara Valdiviezo, Julia Alves e Leticia Moura
No Nordeste da Tanzânia, na região de Mara, uma tradição tribal leva mulheres mais velhas a viverem com mais novas em arranjo semelhante a um casamento para poder herdar as terras da família. Em várias tribos, as mulheres não têm direito à terra, e as mais velhas, sem marido ou filhos, “se casam” com uma mulher mais nova – e geralmente, divorciada – na esperança de que ela engravide de algum membro da tribo e gere um herdeiro. O direito da mulher à terra é garantido por lei na Tanzânia, mas a prática ilegal mantémse até hoje porque as tradições as discriminam, diz o advogado Geofrey Massay, da ONG Landesa, organização internacional de defesa dos direitos femininos à terra que atua no país. Segundo ele, a pressão familiar, as ameaças e a falta de conhecimento e de habilidade para lutar pelos direitos através do sistema legal impedem o acesso da mulher a um pedaço de chão. Massay destaca que às restrições à terra geram outros graves danos à mulher. “Elas
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perdem os meios de subsistência, sofrem efeitos psicológicos, não conseguem cuidar da educação e das necessidades nutricionais das crianças, se tornam vítimas de abuso doméstico, perdem a autoconfiança e a habilidade de participar de decisões em relação à terra, além de não poderem participar do gerenciamento de recursos naturais na comunidade.” Mami Estrela, educadora e ativista caboverdiana, ressalta que, sem o controle da terra, as mulheres se tornam cidadãs de segunda classe. A tradição patriarcal na África perpetua um ciclo de desvantagens e preconceitos. O direito à propriedade é uma questão econômica, por não permitir às mulheres que tenham uma fonte de renda baseada na agricultura, sem a dependência masculina. Entretanto, a questão também é social por implicar cidadania e direitos. Para a ativista, parte dos problemas enfrentados pelas mulheres africanas está ligada à brutalidade da colonização europeia. “Há provas de várias sociedade matrilineares que viram as suas organizações transformadas pela imposição do patriarcado levado pelos europeus”, ressalta. Segundo ONGs que lutam pelos direitos da mulher na África, o continente ocupa o mais baixo lugar no índice global da igualdade de género, tem os índices mais elevados de violência doméstica e de circuncisões e mutilações femininas, além de outras tradições prejudiciais. Quase 40% das economias mundiais têm pelo menos uma restrição legal ao direitos das mulheres à terra, segundo o Banco Mundial. A instituição diz, ainda, que 39 países do mundo permitem que filhos herdem uma proporção maior de bens do que filhas. O direito internacional exige que os governos adotem todas as medidas necessárias para pôr fim à discriminação e garantir o respeito aos direitos humanos das mulheres. No entanto, 28 estados ainda não ratificaram a Carta Africana de Direitos Humanos e das Pessoas. De acordo com dados da ONU, 66,2% da população da Tanzânia é rural, este número implica na falta de moradia e de ferramentas para subsistência feminina. O mais importante, segundo Massay, é que essas práticas não são estáticas e vem mudando aos poucos. “Em algumas áreas as pessoas já as abandonaram”, salienta o advogado.
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As recentes conquistas da mulher na África são o resultado da luta feminista e do trabalho de ONGs locais e internacionais na defesa da mulher. O movimento feminista africano começou no início do século XX, com as mulheres lutando contra o colonialismo e o patriarcado na guerra pela libertação das colônias.
“Os movimentos de mulheres, tanto na área rural como urbana, organizaram a causa por anos e pressionou por reformas políticas que garantiram os direitos da mulher à terra”, diz Massay. “Elas usaram a mídia e processos administrativos e judiciais para obter mudanças nas leis e nas Constituições.” Um exemplo de sucesso, segundo ele, foi a Iniciativa Kilimanjaro, um movimento panafricano de mulheres rurais por direito à terra com 15 reivindicações posteriormente adotadas pela União Africana. “Em nível global, organizações feministas apresentaram propostas à Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), da ONU, e exigiram que o governo da Tanzânia reconhecesse e protegesse o direito da mulher a herança de propriedade.”
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