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Nova Constituição cubana aceita a desigualdade social, dizem especialistas

AMÉRICA

Carta magna substitui o termo “comunismo” por “socialismo” e formaliza a propriedade privada. Cubanos mais velhos temem extinção dos valores revolucionários na nova economia dual.

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Por Amanda Oliveira, Bruno de Castro, Raquel Pryzant e Rodrigo Loturco

Anova Constituição cubana, aprovada pela Assembléia Nacional em julho deste ano, retirou da carta magna o termo “comunismo”, causando surpresa dentro e fora do país. Especialistas ouvidos por Olhares do Mundo observam que, embora a substituição do termo por “socialismo” não traga alterações políticas profundas, ela gera um conflito para as gerações mais velhas. Os cubanos que cresceram acreditando na construção uma sociedade comunista, sem classes e igualitária, estão decepcionados com o fim do ideal. O professor Albert Manke, do Centro de Estudos Interamericano da Universidade Bielefeld, na Alemanha, observa que, para as gerações cubanas dos anos 1960 a 1990 educadas para o comunismo, a nova Constituição, que será submetida a referendo em fevereiro, representa uma perda de valores. “Mesmo que Cuba continue sendo um Estado onde sua única força política é o Parti-

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do Comunista, o objetivo de alcançar o comunismo ideal no futuro foi eliminado. Apesar de irrelevante para a geração jovem, que quase não tem acesso à grandes poderes na política, para os idosos cubanos, isso mostra que a geração mais jovem, interessada no consumismo e nas mídias sociais, perdeu seus valores”, analisa Make. “Esta e outras mudanças propostas no texto constitucional trazem para a superfície um conflito geracional que permeia a sociedade cubana. O conflito envolve: para onde querem ir; o que querem para o futuro e como podem mudar a sociedade sem perder as conquistas sociais da revolução.” Apesar de não ter mais o comunismo como meta, Cuba continua sendo controlada pelo Partido Comunista. Mesmo assim, com a introdução gradual da propriedade privada, há dúvidas sobre o futuro das conquistas sociais da revolução. Desde a crise econômica gerada pelo fim dos subsídios soviéticos na década de 1990, Cuba permite investimentos privados diretos no setor de turismo, mineração e petróleo. Também foram liberados pequenos negócios internos na área turística, como restaurantes, pousadas, serviços de transporte e beleza. “A permissão de pequenas empresas privadas não é novidade, mas a reforma proposta [na Constituição] codifica pela primeira vez a propriedade privada desse setor em crescimento. Esperamos que isso signifique maior segurança jurídica para os trabalhadores autônomos e empresários estrangeiros”, diz Manke. O professor reconhece, no entanto, que a Constituição aceita silenciosamente as crescentes desigualdades que surgem nesta economia dual. O professor emérito de Harvard Jorge Dominguez, especialista em América Latina, observa que o governo de Raúl Castro expandiu significativamente o setor privado a partir de 2010, com a predominância de pequenos empreendimentos. Há, atualmente, dois segmentos no setor privado: o de firmas estrangeiras que atuam em parceria com o Estado e o de cubanos autônomos, cujo maior empreendimento são os restaurantes. “A principal diferença nas últimas semanas é a seguinte: na época do último Congresso do Partido Comunista, em 2016, havia preocupação com o setor privado, que poderia crescer muito rápido e ser muito lucrativo. A abertura para microempresas e pequenas

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empresas não foi revertida, mas novas licenças não foram emitidas e houve uma parada no crescimento”, afirma Dominguez. Com a aprovação do texto constitucional, o governo anuncia a volta da distribuição de licenças de trabalho autônomo, explica o professor. Contudo, cada cidadão poderá ter somente uma empresa, e restaurantes não poderão ultrapassar a marca de mais de 50 clientes. Segundo Dominguez, o único setor da economia cubana que cresceu significativamente nos últimos anos foi o setor privado, que também é a principal fonte de receita para o regime cubano. “O governo tem um incentivo econômico para permitir o crescimento do setor privado e um incentivo político para evitá-lo. Essa é a razão para o vai-e-vem”, observa o professor emérito de Harvard.

Poder

Entre as novidades da organização estatal cubana proposta pela nova Constituição estão: a presença de um primeiro ministro, o limite de cinco anos para o mandato presidencial e a possibilidade de reeleição. Além disso, o presidente deverá ter entre 35 e 60 anos. Para Manke, será interessante ver como o sistema de partido único será afetado pela separação e interação de poderes entre dois líderes. Por enquanto, segundo ele, DíazCanel tem de seguir a linha determinada por Raúl Castro.“Mas o que acontecerá depois que Raúl Castro morrer? Outros líderes e grupos de pressão podem querer reivindicar legitimidade e acesso ao poder, como já pode ser visto nas opiniões públicas compartilhadas pelos líderes das igrejas católicas e evangélicas, dois grupos que usufruem de proteção constitucional desde 1992 e que dependem de financiamento do exterior”, observa. Manke acredita no processo gradual de abertura política e econômica na ilha caribenha. “Cuba continuará seu processo de modernização ou atualização, termo mais usado, de seu sistema socialista e continuará chegando a outros governos e investidores para expandir a cooperação econômica”, prevê o professor.

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