4 minute read

Quem tem medo das mulheres na política libanesa?

ÁFRICA

Mulheres ainda se deparam com muitas barreiras para conquistar espaço e avançar politicamente em uma sociedade patriarcal.

Advertisement

Por Beatriz Mazur, Marco Wolf, Rafaela Damasceno, Renata Cerdeiras

Nas eleições parlamentares libanesas de 2018, cinco mulheres da rural e conservadora região de Akkar, no norte do país, resolveram desafiar a hegemonia masculina na política. Seguidoras de diferentes correntes religiosas, elas lançaram o primeiro partido feminino do país, defendendo igualdade de direitos, combate ao desemprego e investimentos na saúde e educação. Não demorou muito para as “Mulheres de Akkar” receberem ameaças. Assim que as candidaturas foram lançadas, elas e os maridos começaram a receber ligações telefônicas com pedidos de desistência, chantagens e até mesmo tentativas de suborno. Mas por que tanto medo das mulheres na política? Marguerite Helou, professora de direito e ciências políticas na Universidade do Líbano, explica que “qualquer tentativa de aumentar os direitos e o ‘status’ da mulher no Líbano é altamente difundida como uma invasão cultural que pretende mudar os ensinamentos religiosos e as tradições culturais, acabando com a família e com a estrutura social - ameaçando a identidade da seita (política)”. Esses argumentos são suficientes para que os

49

líderes religiosos consigam apoio de grande parte da população e dificultem a candidatura de muitas mulheres. Ghida Anani, fundadora e diretora do ABAAD - Centro de Recursos para Gênero, destaca o impacto direto que isso tem na sociedade: alguns partidos baseados em religião estão colocando obstáculos no caminho de reformar leis discriminatórias contra mulheres e crianças. Além disso, segundo Ghida, a situação das mulheres é influenciada pelo sistema confessional libanês. “Esse sistema promove a ideia de que as mulheres não são feitas para ter esse tipo de papel”, ela explica. Ghida também conta que apesar de dizerem ser a favor dos direitos das mulheres, os outros parlamentaristas e o presidente do Parlamento não encorajam a candidatura feminina. “Durante eleições, a maior parte dos partidos políticos não fornecem espaço para mulheres se candidatarem em suas listas”, Anani reflete. Helou explica que nenhum dos estados árabes têm um sistema livre multi partidário - com cada um representando uma seita - como o Líbano tem. Existe, no país, o medo da possível formação de uma massa crítica das mulheres no parlamento que conseguiria realizar as mudanças desejadas por elas. “Nisso, os interesses de líderes religiosos e parlamentares homens (que não querem perder seus lugares) coincidem”, Helou afirma. A heterogeneidade da política libanesa, ou seja, a alta discordância entre as partes envolvidas, somada com a cultura patriarcal que ainda é resistente, faz com que muitas mulheres só consigam entrar na política se forem membros de famílias tradicionais do parlamento ou se aceitarem serem colocadas por partidos da seita para disputar cargos de pequena importância e baixa concorrência. Mulheres não são vistas como capazes de defender os interesses da seita. As próprias famílias só colocam as mulheres como candidatas quando não há um herdeiro homem ou até que seu herdeiro tenha idade suficiente para ser nomeado.

50

A questão das cotas

Segundo Ghida, as cotas garantiriam que mais mulheres tivessem chance de ser eleitas e de estarem presentes no parlamento. A adoção desse recurso também pode proporcionar mais oportunidades para que sejam apresentadas legislações a favor da abolição

de leis discriminatórias contra as mulheres libanesas e da proteção delas. “Quando eu comecei a estudar a participação feminina na política, eu era fortemente contra as cotas”, diz Marguerite. “Mas, depois de conduzir uma pesquisa de campo desde 1996, eu estou convencida de que cotas são extremamente necessárias para aumentar a participação feminina no Líbano”, conta. Além dos impactos na política, a adoção das cotas pode levar a uma mudança na percepção do papel social das mulheres no Líbano, uma vez que elas também estariam em posição de tomada de decisão. Isso gera grande preocupação nas “seitas políticas” atuais porque as parlamentares poderiam aprovar leis que possibilitariam a transmissão da cidadania dessas mulheres para seus maridos estrangeiros, que podem alterar o cenário político-social atual do Líbano.

Financiamento de campanha

A falta de oportunidade e encorajamento para que mulheres se candidatem é refletida na quantidade monetária disponível a essas mulheres para seguirem com suas campanhas. Elas são introduzidas a um cenário na maior parte controlado por homens há muito tempo. A professora Marguerite afirma que muitos dos políticos que lançam candidaturas são, por exemplo, donos de redes ou canais de televisão - o que permite que tenham acesso à mídia muito mais facilmente. Ela ainda comenta que a “lei de proporção” - que garante um número de assentos proporcional ao número de votos que o distrito recebeu -, adotada em 2018, não pareceu ajudar as mulheres tão claramente. De acordo com Ghida, a crise sócioeconômica na qual o Líbano se encontra, além de ser a maior preocupação do governo nesse momento, também é utilizada por vários parlamentaristas como desculpa para não priorizar os problemas das mulheres, ao menos por enquanto. Mas Marguerite considera o progresso feito até agora como um sinal de que se está indo pelo caminho certo. “Em relação ao futuro, não sou tão pessimista”, diz. “É um processo lento, mas nós chegaremos lá”, completa a professora.

51

This article is from: