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Ameaça de guerra nuclear entre potências não deve ser subestimada, dizem especialistas
AMÉRICA
Com a saída da Rússia e dos EUA do tratado de redução de armas e o desenvolvimento de novas tecnologias bélicas por Irã e Coreia do Norte, aumentam os temores de um conflito atômico
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Por Amanda Adachi, Maryane Sales, Nathália Corominas e Talita Alves
Aguerra comercial entre China e EUA, a retirada dos EUA e da Rússia do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) e a preocupação sobre o fim do Tratado de Redução de Armas Estratégicas têm alarmado a comunidade internacional. Segundo Pavel Luzin, professor universitário sênior na Universidade de Perm, na Rússia, todos os cenários possíveis de confrontos nucleares na atualidade não consideram a guerra nuclear como a Guerra Fria, mas enfatiza que a ameaça da guerra nuclear existe e que não deve ser subestimada. O consenso entre os especialistas ouvidos pelo Olhares do Mundo é de que não haverá guerra sem um motivo claro ou um acontecimento catalisador relacionado aos militares, o que não ocorreu até o momento. Dinshaw Mistry, especialista em proliferação de armas nucleares da Universidade de Cincinnati, ressalva que o evento catalisador sozinho não é suficiente para resultar em conflito.
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“Eventos catalisadores podem escalar em diversas etapas, variando de ações militares de pequena escala até grande escala, e envolvendo decisões políticas de retrair ou se estender, antes que se torne uma guerra nuclear. E mesmo guerras nucleares podem variar de pequenas escalas (envolvendo de uma a cinco armas nucleares) a uma maior escala”, afirma. Estados Unidos e Rússia se retiraram em agosto de 2019, gerando novos rumores de uma guerra nuclear. Sem o principal pacto, ambos países podem voltar a produzir e testar novas armas. Meses antes de encerrar sua participação no INF, Washington havia acusado a Rússia de quebrar tal pacto, com base na suspeita de que o país estaria transportando um sistema de mísseis novator 9M729, com alcance de 4000 km, superior ao permitido (que é de 500 quilômetros), para próximo da fronteira com outros países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em razão disso, os americanos ameaçaram deixar o pacto caso a Rússia não destruísse seu armamento. A Rússia argumenta, em contrapartida, que o míssil só chega a 480 quilômetros, ou seja, está dentro dos padrões permitidos pelo pacto. Por esse motivo, recusam o pedido americano e anunciam que também vão se retirar do tratado. No início de novembro, a Rússia fez um exercício de guerra nuclear utilizando um submarino. O objetivo do submarino é infiltrar-se nos mares do Atlântico Norte sem ser identificado e assim, lançar um ataque nuclear contra a costa leste americana. Exercícios como este eram constantes na Guerra Fria, evidenciando que há chances de um retorno desse embate no mar. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e Rússia viveram um clima de tensão política, ideológica e nuclear. Ao decorrer das décadas, armamentos pesados como mísseis cruzeiros foram criados e modificados, gerando tensões a respeito de um possível alarme de disparo das bombas, que trariam consequências terríveis para as duas nações e o mundo. Contudo, em dezembro de 1987, foi assinado pelo então presidente americano, Ronald Reagan, e pelo russo, Mikhail Gorbachev, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF). Após os dois países se retirarem do INF, em agosto de 2019, um outro acordo, o Tratado de redução de armas estratégicas (START), sancionado em 2010, está com os dias conta-
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dos. O pacto prevê uma diminuição de 30% das ogivas nucleares. No entanto, o START durará somente até 2021, e a principal questão em voga é se americanos e russos darão continuidade a ele. Para o cientista político russo Pavel Luzin, da Universidade de Perm, o fim do START e a falta de um acordo para seu prolongamento representam uma ameaça para o Tratado de Não Proliferação e possivelmente para o Tratado Espacial. Por isso, ele acredita que existam várias possibilidades de resolução, mas o mais provável é que ambos países determinem algum prolongamento formal. Na opinião do especialista, existem diversos cenários para este conflito. Um radical, onde o START não será prolongado, representando um desafio crucial para os tratados de não proliferação. O outro seria uma solicitação do governo russo para que haja mais um desarmamento, visto que o país possui menos armas nucleares do que o permitido pelo START. “A Rússia não é mais um ator confiável, não tenho certeza de que os Estados Unidos estejam prontos para assinar um novo tratado para a substituição do START”, comentou Apesar de possuírem o título de maiores potências nucleares do mundo, a Rússia e os Estados Unidos não são os únicos a possuir o poder de ameaça através de bombas atômicas. Outras nações também estão desenvolvendo seus armamentos nucleares, como forma de demonstrar que também são capazes de defender seus interesses políticos e ideológicos, por intermédio de mísseis atômicos. Entre as nações estão Coreia do Norte, China, Paquistão, Irã, Israel, Índia e Japão.
Rússia x Japão
Entre o Japão e a Rússia, o motivo de tensão é resultante de um tratado de paz pendente desde o século XX e a disputa territorial das ilhas Curilas (Iturup, Shikotan, Habomai e Kunashir), reivindicadas por Tóquio e sob controle russo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, no qual, ainda no começo do ano, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, se reuniram para começar negociações. Os preparativos da cúpula foram perturbados quando Tóquio deixou claro que seu objetivo ainda era para recuperar as ilhas Curilas. Por outro lado, para o cientista político Alexandre Ratsuo Uehara, especialista em política japonesa pela Universidade de São Paulo
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e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Japoneses, um dos fatores que pesa sobre essas negociações são os interesses geopolíticos russos, uma vez que a região é importante para garantir o acesso da frota russa ao mar aberto. “É um ponto difícil para que a Rússia abra mão e para que se tenha um acordo com o Japão”, disse a Olhares do Mundo. A Rússia coloca importância nas Ilhas Curilas, pela defesa do Mar de Okhotsk, ao norte do Japão. A área é estratégica para a instalação de forças nucleares contra os Estados Unidos, mas é reivindicada pelo Japão. Tóquio já havia manifestado oposição a um acúmulo militar na região. Isso, segundo os especialistas, poderia fazer com que os EUA se unam ao Japão em uma possível tentativa de enfraquecer a Rússia, visto que Washington já possui armamento militar em ilhas japonesas. Por outro lado, para Alexandre Ratsuo, se a Rússia e o Japão não chegarem a um acordo, o cenário da Ásia deve continuar o mesmo, com as reivindicações japonesas e as resistências russas, o que não significa que haverá uma guerra entre os dois países. “Uma guerra internacional envolvendo países como a Rússia e os EUA seria bastante problemática, para não dizer catastrófica, para as economias do mundo como num todo”, afirma Ratsuo. Além disso, Putin também manifestou preocupação com a possibilidade de expansão militar dos EUA e com o plano de Tóquio de implantar um sistema de defesa antimísseis desenvolvido pelos americanos, afirmando que um tratado de paz é difícil de ser concluído, a menos que o Japão explique sua futura política de segurança.
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Irã
Outro país que tem preocupado as potências é o Irã, que há cerca de quatro anos está em constante confronto com Israel, um dos motivos é a forte presença iraniana no conflito sírio. Neste período as duas nações se confrontam através de mísseis, o que já causou diversas mortes. O Irã é acusado de patrocinar os mísseis disparados da Síria pelo grupo libanês xiita Hezbollah. A preocupação com o Irã é em relação às pressões internas que o país vem sofrendo para sair do acordo de não-proliferação de armas nucleares, tratado do qual o país é um dos signatários. Os EUA e o Reino Unido foram os primeiros a não renovar o acordo alegando
que Considerando que outras potências têm investido em armas nucleares e que o país persa continuava desenvolvendo seu programa nuclear. Em resposta, o país ter anunciou em novembro que retomou as atividades de enriquecimento de urânio – usado na fabricação de armas nucleares – e que estava reduzindo os compromissos assumidos com a comunidade internacional sobre seu programa nuclear. O programa conhecido como Plano de Ação Conjunto Abrangente (JCPoA), assinado em 2015, contava com os EUA, França, Alemanha, Reino Unido, Rússia e China e estabelecia que o Irã não podia manter uma reserva maior de trezentos quilos de urânio enriquecido.
EUA e China
Os conflitos entre EUA e China se intensificaram em 2018, quando ambos países começaram a escalar tarifas alfandegárias. Mesmo após a tentativa de acordo, as tarifas sobre os produtos continuaram, afetando tanto os produtos americanos quanto os produtos “made in China”, resultando na “Guerra Comercial entre China e EUA.” Simultaneamente a esse embate, a China tem investido em poderes nucleares, enquanto os EUA continuou realizando testes de mísseis. Apesar disso, na visão do cientista político Scott Moore, diretor do programa Penn Global China na Universidade da Pensilvânia, uma guerra nuclear é o cenário menos provável de se tornar realidade.“A liderança da China é muito relutante a riscos para contemplar o uso de armas nucleares sob quase qualquer cenário imaginável”, afirma. Já para Michael Klare, Professor de Estudos de Paz e Segurança Mundial do Five College, é provável que aconteça confrontos armados entre os EUA e a China sobre as ilhas contestadas no Mar da China Meridional e no Mar da China Oriental. Klare explica que “esse conflito pode começar muito pequeno: um navio chinês colide com um navio americano quando ambos navegam perto de uma das ilhas. Mas poderia escalar muito rapidamente para algo muito maior, com muitos navios ou aviões envolvidos (e até armas com armas nucleares”. Um fator de possível embate apontado tanto por Klare quanto por Scott é a disputa em torno de Taiwan. Se a China radicalizar o empenho para reunificar Taiwan e o continente chinês, os EUA poderiam intervir a favor
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de Taiwan, o que elevaria o risco de escalada nuclear.
Coreia do Norte
Devido aos constantes testes balísticos, o país é um dos principais focos da questão nuclear. Atualmente, o presidente norte coreano Kim Jong-Un está negociando termos de um acordo de desnuclearização, ou seja, tem o intuito de diminuir o número de armas nucleares. De acordo com o professor de engenharia quântica e nuclear da KAIST (Korea Advanced Institute of Science and Technology), Yim Mang-Sung, com este acordo a Coreia do Norte teria benefícios, como garantia de segurança dos EUA, prosperidade e progresso econômico por meio da relação cooperativa
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normalizada com a Coreia do Sul e a integração na economia global. Os encontros para decidir os termos do tratado, iniciados em fevereiro, não resultaram em avanço e permanecem em um vai e vem. Neste cenário, a Coreia do Norte tem seguido um padrão, no qual anuncia que vai retomar as negociações e realiza um teste nuclear logo em seguida. O professor Mang-Sung acredita que estes testes são uma tentativa de pressionar os EUA a assinar o acordo nos termos norte-coreanos. Com a aproximação do fim do ano, data limite imposta por Kim Jong-Un para a assinatura do acordo, as tensões tendem a aumentar ainda mais. O teste que preocupou a comunidade internacional foi realizado no início de outubro e consistiu no lançamento de um míssel nuclear com capacidade submarina, o que significa que a Coreia do Norte pode lançar mísseis de longo alcance. No fim de outubro, de acordo com as forças armadas sul-coreanas, a Coreia do Norte disparou dois projéteis não identificados no Mar do Leste (também conhecido como Mar do Japão), que, de acordo com Tóquio, aparentam ser balísticos. Os projéteis aterrissaram fora da zona econômica marítima exclusiva do Japão. O Primeiro Ministro Shinzo Abe condenou os testes afirmando que este “é um ato de ameaça a paz e segurança do Japão e região”. Com o disparo dos projéteis norte coreanos efetuados no último dia 31 de outubro, a Coreia do Norte computa 12 testes de mísseis neste ano, número que preocupam os sul coreanos e japoneses. No Japão, um possível acordo entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e diálogos entre Estados Unidos e Coreia do Norte são vistos com ceticismo. Tóquio teme que um conflito entre EUA e Coreia do Norte afete o país, deixando o Japão vulnerável a ataques. O Japão não possui qualquer tipo de armamento nuclear para responder a ataques além de escudos antimísseis balísticos. O ministro da Defesa do Japão, Takeshi Iwaya, considera os foguetes testados pelos norte-coreanos são um novo tipo de mísseis balísticos de curto alcance e uma evidência clara de um programa desenvolvido para superar as defesas japonesas, que foram implementadas no mar e em terra com a ajuda de tecnologias norte americanas.
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