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Talibã cresce e ameaça a estabilidade na região
ORIENTE MÉDIO
Grupo radical islâmico domina várias áreas do Afeganistão; China e Índia reconhecem a força dos rebeldes e realizam reuniões secretas para garantir a preservação de seus negócios locais
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Por Deisi Gois, Danielle Leite, Luiza Lorenzetti, Rafaela Frigério e Tárik El Zein
Apesar da presença militar norteamericana no Afeganistão e de um governo democraticamente eleito, o grupo radical islâmico Talibã domina várias cidades e vilarejos, impedindo a governabilidade do país e ameaçando negócios chineses e indianos na região. De acordo com dados oficiais das forças armadas americanas, apenas 56% do território afegão está sob o controle do governo, enquanto 30% sofrem com conflitos de insurgência. Em 2015, o governo controlava cerca de 70% dos territórios e os insurgentes mantinham apenas 7%. “O Talibã continua a representar a ameaça mais significativa à estabilidade do Afeganistão”, salienta Harsh V. Pant, professor de Relações Internacionais da universidade britânica King’s College, em entrevista a “Olhares do Mundo”. “A capacidade do Talibã de capturar prédios do governo, controlar e contestar territórios-chave, torna isso um incômodo contínuo para o governo afegão.” O grupo defende a implantação da lei islâmica (sharia) no Afeganistão e controla 14% dos distritos do país, com forte presença militar na fronteira porosa com o Paquistão. “O
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conflito em curso chegou a um impasse com o Talibã no controle de grandes extensões. O governo, que tem procurado se reconciliar com os insurgentes e por fim a guerra, está negociando a partir de um ponto de fraqueza, dada a incapacidade dos EUA e do Afeganistão de derrotar o Talibã”. Nos últimos meses, membros dos governos da China e da Índia reuniram-se secretamente com representantes do Talibã com o intuito de garantir que a facção permita as transações comerciais na região e não prejudique a segurança nos países vizinhos. No entanto, segundo o professor Pant, ao abrir espaço para diálogos não oficiais com membros do grupo, China e Índia acabam legitimando os insurgentes e enfraquecendo ainda mais a posição do governo afegão. No início de 2018, após 16 anos de conflito com o grupo extremista, o presidente afegão Ashraf Ghani propôs reconhecer o Talibã como partido político em troca de um cessar fogo. Os talibãs teriam direito a uma sede política, os prisioneiros seriam libertados e todas as sanções impostas a eles seriam revogadas. Para Pant, a consolidação do Talibã como um partido político traria desgastes para o vizinho Paquistão, onde o grupo fundamentalista também atua. “Soldados, autoridades de segurança e membros do governo, durante décadas, utilizaram seus recursos e treinamentos para combater os Talibãs”, reitera. Segundo ele, a integração do Talibã no processo político-eleitoral seria uma solução temporária porque haveria outras disputas, principalmente porque o grupo defende um Estado religioso. Em agosto de 2018, o Talibã recusou o cessar fogo de três meses que estava sendo negociado com o presidente Ghani – a trégua começaria no feriado muçulmano de Eid al-Adha, uma festa seguida por uma peregrinação à Meca. O líder talibã xeique Haibatullah Akhunzada negou o pedido alegando que o acordo apenas favorecia as tropas inimigas. Os talibãs continuaram promovendo ataques e sequestros em várias regiões. O grupo quadrilateral formado por China, Índia, Paquistão e Estados Unidos busca uma resolução para o impasse. “O Talibã vê a guerra em curso com uma consequência direta à invasão norte-americana ao Afeganistão e, portanto, é improvável que as discussões continuem sem a retirada dos Estados Unidos”, diz Pant.
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Vinay Kaura, professor de relações internacionais da Universidade Sardar Patel Univer, na Índia, concorda com o fracasso das negociações de paz. “Este experimento foi um desastre total. A principal limitação tem sido a firme recusa do Talibã em se envolver diretamente com o governo afegão. As perspectivas divergentes dos EUA e do Paquistão, por um lado, e do Afeganistão e do Paquistão, pelo outro, minaram esse mecanismo”, afirma. Para Kaura, a China tem buscado dialogar separadamente com o Talibã para assegurar seus projetos desenvolvimentistas na região. “A China tem suas próprias razões para cortejar o Talibã. Eles não querem que o caos e a instabilidade no Afeganistão afetem a província
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de Xinjiang, que enfrenta o radicalismo islâmico. Além disso, eles precisam estar do lado do Talibã para garantir seus investimentos no Afeganistão – particularmente o CPEC (Corredor Econômico Chino-Paquistanês), o qual será expandido naquele país.” O Talibã foi criado em 1994 com o objetivo de organizar e instaurar um Estado ditatorial teocrático no Afeganistão, além de estabelecer domínio territorial em regiões adjacentes. O grupo ficou no poder de 1996 a 2001, quando se negou a entregar o líder terrorista Osama Bin Laden aos EUA. Com apoio do Reino Unido, Washington, invadiu o país, depôs o Talibã e implantou um sistema político democrático e laico. Os Estados Unidos treinam as forças armadas de segurança afegãs e soldados em técnicas de combate ao terrorismo desde o início da guerra, mas os talibãs têm influência sobre a etnia pashtun e os fundamentalistas islâmicos. “O grupo continua a contar com o apoio de milícias locais que, frequentemente, são os provedores de segurança nomeados pelo governo em uma região, bem como com o apoio externo de outras nações”, observa Pant. Segundo ele, os talibãs também se beneficiam do narcotráfico. “A incapacidade do governo e das forças lideradas pelos EUA de impedir o tráfico de ópio no Afeganistão permitiu que o Talibã enchesse seus cofres, financiando sua guerra contra o Estado”. De acordo com Kaura, o fracasso das negociações com o Talibã se deve a diversos fatores, como divisões étnicas, rivalidades políticas, egos pessoais, paralisias administrativas, corrupção e, o mais importante, o apoio declarado e encoberto do Paquistão ao Talibã afegão. O especialista acredita que “o Talibã continuará a ser um desafio para a segurança afegã se o grupo não desistir do caminho violento e executar ataques devastadores em todo o Afeganistão, atingindo equipes de segurança e pessoas comuns.”
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