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Ameaça de intervenção militar na Venezuela é descabida, dizem analistas

AMÉRICA

Ameaça de intervenção militar na Venezuela é descabida, dizem analistas

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Especialistas ouvidos por “Olhares do Mundo” salientam que, no cenário político atual, a invasão teria altos custos em termos de vida humana e provocaria caos político e econômico.

Por Larissa Iole

Apesar das ameaças dos Estados Unidos ao governo de Nicolas Maduro e das declarações pró-guerra do presidente Jair Bolsonaro ao país vizinho, a hipótese de intervenção militar estrangeira na Venezuela é insustentável, dizem analistas ouvidos por Olhares do Mundo. Segundo eles, a intervenção ate poderia pacificar as relações venezuelanas com os países vizinhos, mas traria o caos. “Ela não deve acontecer, não pode acontecer e não é viável acontecer”, afirma o professor e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP, Alberto Pfeifer Filho. “Dizer que essa possibilidade está sob a mesa é apenas para pressionar o outro lado.” O cientista politico Pedro Feliú Ribeiro, pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais da USP, concorda: “O elevado custo e a baixa clareza no apoio do Grupo de Lima, que já se posicionou contra a intervenção militar, é um dos principais fatores para essa baixa probabilidade”. A ONU autoriza o uso da força para de-

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fesa própria, no caso de agressão ou grave ameaça, e em intervenções humanitárias, na ocorrência de violações amplas e sistemáticas de direitos humanos, o que, segundo os especialistas, ainda não ocorreu. Para Pfeifer Filho, operacionalizar uma intervenção militar fora do marco da ONU é praticamente inviável. “Evidentemente, se Nicolás Maduro cometer atos que justifiquem uma intervenção externa, ela pode vir a acontecer”, comenta. Mas só em casos de grande violência, como “o índice de mortalidade estar muito grande, as chapas [pro-governo] partirem contra a população, o fechamento do congresso, o assassinato ou prisão dos opositores, qualquer coisa que fira os direitos humanos”. Ribeiro também considera outros possíveis motivos para uma intervenção: instabilidade nas fronteiras, imigração massiva, envolvimento do governo venezuelano com narcotráfico ou um forte aumento do preço internacional do petróleo. Segundo os especialistas, o apoio russo e eventual apoio chinês no fornecimento de empréstimos e armas, além da atual capacidade militar venezuelana, com destaque ao sistema de defesa antiaérea, tornam qualquer ação militar incerta. Ribeiro observa que Trump tem claramente como estilo negociador o blefe. “Vide guerra comercial com a China, renegociação do NAFTA, e política migratória nos EUA”. Ele não vê vantagens em uma intervenção militar. “Quais vantagens para os EUA? Petróleo? Eles teriam que quebrar o monopólio a PDVSA, que é estatal, para abrir caminho para as empresas americanas que operavam antes de 1975 no país caribenho. Esse elemento não encontrará respaldo no âmbito doméstico venezuelano, o que demandaria uma invasão semelhante `a do Iraque. Além de ser muito custosa para um país com elevado déficit fiscal como os EUA, a garantia de resultados positivos, como a exploração do petróleo venezuelano, é muito baixa”, salienta o cientista politico. O jornalista venezuelano Cesar Barrios, ex-professor da Universidade Bolivariana da Venezuela e coordenador da Associação Nacional de Imigrantes Venezuelanos (ANIV) em São Paulo, também considera as ameaças de Trump e Bolsonaro esforços de pressão: “Pelos elementos atuais afirmo que é uma tenta-

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tiva midiática, parte da psicologia do terror, da guerra psicológica. Os EUA teriam de enfrentar a Rússia, e uma possível intervenção acarretaria em um conflito com a Rússia e a China e afetaria diretamente ao convênio, que existe há mais de 17 anos, chamado de convênio China-Venezuela”. Na opinião dos especialistas, o Brasil deveria intermediar o conflito, ser uma alternativa aos EUA e seus aliados tradicionais, como a Colômbia. O Brasil, segundo Ribeiro, só teria desvantagens na intervenção, podendo perder aliados importantes no continente e mundo, além de vidas humanas. O professor da USP alerta para o perigo de o Brasil virar mera massa de manobra americana em uma guerra terceirizada por Washington.

Alcântara

Outro fator importante de ser analisado no contexto de uma possível intervenção militar, em que o Brasil tome partido a favor, é o do uso da base de Alcântara para lançar mísseis contra a Venezuela. Para o professore Alberto Pfeifer o uso da base é improvável. “Se alguém fosse fazer uso dos mísseis seriam os Estados Unidos a partir das unidades navais e áreas de combate no Caribe, mais bem posicionadas. A base de Alcântara é destinada a fins pacíficos, civis e militares. Servindo muito mais como um instrumento nosso de persuasão do que propriamente para utilização contra os países vizinhos”. Ribeiro salienta que, pelo acordo assinado em março deste ano, não há a possibilidade de os EUA lançarem mísseis militares da base, a não ser que a Força Aérea Brasileira conceda permissão. “O princípio da soberania, segundo o próprio ministro de ciência e tecnologia afirmou em audiência no Senado federal, permanece intacto no acordo. O Brasil, entretanto, pode decidir usar.” Barrios destaca, por sua vez, a grande força de reação venezuelana. “A base representa de fato uma ameaça ao norte e nordeste do país sendo a Venezuela sua divisa. Mas é um elemento importante destacar que o expresidente Chavéz fez um alto investimento em mísseis aéreos. Levaria muito tempo para um míssil disparado do Maranhão chegar ao palácio em Caracas, ele seria interceptado pe-

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los mísseis aéreos da Venezuela”, explica. Para o jornalista César Barrios a pacificação só pode vir pela diplomacia. “As balas não possuem valor político. Os exércitos não conhecem os militantes defensores de uma outra bandeira política. As marinhas norte americanas e soldados da OTAN estão muito longe de serem ajudas humanitárias, são mercenários pagos para prestar esse serviço. Seriam muitas mortes inocentes, porque é muito complexo entender a cultura política venezuelana, e como operam. O número de mortes seria muito alto, seria uma catástrofe pior ainda que a atual”.

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