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Minorias religiosas denunciam perseguição na Rússia

ÁSIA / EUROPA

Alegações de torturas, falsificação de evidências e prisões sem provas aumentam a cada ano. Especialistas ouvidos pelo “Olhares do Mundo” dizem que Putin quer eliminar a influência de qualquer religião não ligada ao Estado.

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Por Beatriz Penalva, Giovana Ventura e Julia Flores

Em uma madrugada de fevereiro de 2019, às 6h15, Timofey Zhukov acordou ao ouvir batidas assustadoras na porta de casa. Pouco mais de três horas depois, o russo estava algemado em sua própria casa, que fora arrombada por forças não identificadas, sendo interrogado sob tortura. Esse caso não é o único entre membros da denominação cristã Testemunhas de Jeová na Rússia, proibidos, desde 2016, de praticar sua religião. O governo Putin persegue essa e outras minorias religiosas sob a alegação de que representam uma “ameaça terrorista”. Willy Fautré, diretor e cofundador da organização não governamental Direitos Humanos Sem Fronteiras, afirma que Putin e a Igreja Ortodoxa compartilham de uma causa em comum: proteger o povo da influência e de valores estrangeiros. Por isso foi aprovada, em 2016, a lei Yarovaya, com o pressuposto de diminuir as ameaças terroristas de fundamentalistas islâmicos e proibir todas as atividades missionárias de grupos considerados “extremistas”. Mas a Comissão de Liberdade Religiosa Russa diz que a nova lei viola os padrões internacionais de tolerância religiosa, perseguindo, em suma, qualquer religião que não seja a oficial Ortodoxa Russa, principalmente Testemunhas de Jeová. De acordo com Roman Lunkin, pesquisa-

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dor de cultura e religião na Rússia e Eurásia, pela lei, todos podem ser presos se falarem sobre Deus ou qualquer fé. “Cada cidadão estrangeiro que pregar ou ativamente participar no serviço de domingo está sujeito a ser expulso do país, e até a missa privada, dentro das casas, também é proibida”, salienta. A Constituição russa de 1993 declara que a Federação Russa é um estado laico que garante a liberdade de religião e de crença para todos, sem discriminação. “Mas isso é, infelizmente, apenas na teoria”, afirma Fautré. “O Kremlin e a Igreja Ortodoxa Russa trabalham de mãos dadas para limitar e prevenir qualquer presença ou influência de outras religiões”, disse o ativista, em entrevista por e-mail para a “Olhares do Mundo”. Ele se refere aos artigos 28 e 29 da Constituição russa, que garantem liberdade de consciência, religião, pensamento e expressão a todos cidadãos, “incluindo o direito de professar, individualmente ou em conjunto com outras pessoas, qualquer religião, escolher livremente, possuir e difundir crenças religiosas e outras convicções, e agir de acordo com elas”. Lunkin observa que a perseguição religiosa se dá também pelo pensamento ideológico intrínseco no país. “Acredito que a perseguição às minorias na vida real é implementada por pessoas formalmente ortodoxas, mas com uma consciência comunista soviética. Essa é a abordagem de alguns juízes e policiais. Eles não entendem religião ou a temem”, disse o pesquisador em entrevista por e-mail. a A escritora e jornalista Anna Arutunyan diz que há uma fobia religiosa. Várias Testemunhas de Jeová alegam ter sofrido torturas como eletrochoque, asfixia e afogamento ao serem presas, ou terem suas casas e igrejas revistadas por causa de sua crença. O porta-voz da denominação na Rússia, Ivan Belenko, denunciou as arbitrariedades das autoridades russas à agência de notícias internacionais EFE, declarando que os privam de sua liberdade garantida tanto pela Constituição russa quanto pelas leis dos Direitos Humanos. A intolerância atingiu cristãos, muçulmanos, budistas, judeus, hare krishnas e mórmons, que têm sido perseguidos pelas autoridades. Devido à lei, minorias religiosas estão sujeitas à deportação, multas pesadas e até seis anos de prisão. Todas as atividades missionárias foram proibidas e a religião Testemunhas de Jeová se tornou criminalizada no país. Alexander Verkhovsky, diretor do Centro Russo de

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Pesquisas Sociológicas (SOVA), explica que a lei exige que praticantes de certas religiões tenham autorização de autoridades de organizações religiosas registrada. “Essa norma foi criada, acredito, contra pregadores muçulmanos russos ‘não tradicionais’ (que é o eufemismo para radicais islâmicos), por isso a lei anti missionária foi incluída no pacote anti terrorista”, contou ele por e-mail, “mas de fato a lei trabalha contra protestantes, hare krishnas e em alguns casos outras religiões também, e é extremamente excessiva, não necessária para fins constitucionais. De fato ela abusa de minorias religiosas pacíficas”. Verkhovsky duvida que a campanha antiprotestante tenha sido planejada desde a implantação da lei, mas acredita que autoridades locais e regionais usam a lei como uma ferramenta contra minorias religiosas de que não gostam e que antes da lei não tinham instrumentos suficientes para persegui-las. “Qualquer grupo religioso pode praticar sua fé, se

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não cometer crimes. O problema é que os crimes encontrados nas práticas não seriam considerados como tais por observadores neutros. As Testemunhas de Jeová estão banidas por causa da sua declaração de superioridade religiosa, de acordo com seus textos bíblicos que dizem que sua religião é a melhor, o que é natural de qualquer religião”. Emily Baran, professora na área de religião da Rússia na Universidade do Estado do Tennessee (EUA), salienta que as Testemunhas de Jeová têm apelado repetidamente à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ganhado, mas a situação deles continua terrível e Putin não é sensível a pressão externa sobre o assunto. Segundo Rachel Denber, vice-diretora de Direitos Humanos da Europa e da Ásia Central nas Nações Unidas, é essencial o apoio da ONU para que a medida não chegue a outros países. Em entrevista por e-mail ela conta que oficiais da Igreja Russa tem chamado as Testemunhas de Jeová de seita totalitária e perigosa. “As instituições internacionais, nomeadamente no âmbito da ONU, devem condenar a perseguição religiosa que está acontecendo na Rússia e incitar o governo a acabar com isso”, diz Denber. Já Baran não acredita que as Nações Unidas ou qualquer outra instituição externa possa, de fato, influenciar o governo russo a repensar o uso de leis anti-extremistas como arma contra minorias religiosas. “A CEDH tem ajudado muito nesses apelos, mas foram ineficazes em persuadir a Rússia a modificar suas leis ou oferecer uma solução permanente para restaurar todos direitos religiosos das minorias”, disse ela a “Olhares do Mundo”. A perseguição religiosa na Russia não é algo novo. O regime soviético, juntamente com suas as táticas, incluía o confisco de propriedades da igreja, ridicularização de religiosos e propagação do ateísmo nas escolas. Foram criadas diversas campanhas antirreligiosas desde 1917 até 1941. E, no final de 1950, a perseguição voltou no governo de Nikita Khrushchov, quando houve uma série de proibições a atividades religiosas. Em 2010, a Corte Europeia dos Direitos Humanos declarou que a proscrição da Comunidade das Testemunhas de Jeová de Moscou é uma violação aos direitos humanos. Já em 2014, das 16 Testemunhas de Jeová julgadas em Taganrog, sete foram condenadas criminalmente por praticar sua religião. Quatro anos depois, um total de 25 Testemunhas foram presas.

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