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Retirada da autonomia da Caxemira pelo governo indiano aumenta a tensão na região

ÁSIA

Para conter o separatismo no território de Jammu e Caxemira, a Índia retirou o status especial da região e anexou integralmente o território à nação hindu; cinco mil pessoas foram presas e 20 morreram desde agosto em confrontos entre manifestantes e forças de segurança

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Por Marlana Zanatta, Thaís Mariano, Tiago Durães, Vitória Berçot, Viviane França

Desde a anulação do status especial de Jammu e Caxemira pelo governo indiano, que retirou a autonomia administrativa da região em agosto de 2019, a população muçulmana vive em constante tensão. Protestos nas ruas têm levado a confrontos entre manifestantes e as forças de segurança, com a prisão de cerca de cinco mil pessoas e a morte de 20, três delas soldados. Essa região do Himalaia possui maioria muçulmana, mas é administrada pela Índia, de maioria hindu. A região é reivindicada pelo Paquistão, e grande parte da população caxemire quer a independência ou a anexação ao país vizinho, muçulmano. Até agosto de 2019, a Caxemira possuía independência sobre todos os assuntos internos, garantidos pelo artigo 370 da constituição indiana. A região tinha uma carta magna e uma bandeira própria. O artigo garantia à Jammu e Caxemira direitos

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administrativos amplos, com exceção das políticas de segurança, relações internacionais e telecomunicações. Em outubro, em mais um ato para reduzir o poder local e conter o separatismo, a região de Jammu e Caxemira foi separada e transformada em dois “territórios da União”, em uma condição inferior à que tinha antes, de estado federado. A mudança confere maior poder ao governo central na gestão dos assuntos locais. Para o jornalista caxemire Yunus Dar, a revogação do status especial da Caxemira intensificou o conflito pelo território entre Índia e Paquistão, gerando uma nova onda de pânico na população. O governo indiano impôs toque de recolher temporário em todo o estado, suspendeu os serviços de internet e telefonia móvel para evitar mobilizações e proibiu reuniões públicas em algumas cidades. “Agora é o terceiro mês, e a Internet ainda permanece desligada, algumas conexões móveis foram restauradas há uma semana, mas a Internet ainda não está lá. Os telefones fixos também foram desligados”, contou o jornalista em entrevista por e-mail. “As crianças não frequentam a escola desde os últimos três meses. Não há acesso a serviços de saúde de emergência, também é difícil conseguir um veículo no toque de recolher para levar um paciente ao hospital. Há relatos de escassez generalizada de medicamentos importantes em todos os hospitais do vale. Como nenhum veículo estava sendo autorizado a sair, o suprimento de medicamentos foi drasticamente reduzido”, relatou. Dar trabalha há oito anos na capital Nova Délhi como correspondente da revista “Force Magazine”, mas viaja regularmente para Pulwama, cidade da Caxemira onde nasceu e sua família reside. Na opinião dele, a população da Caxemira foi pega no meio da rivalidade entre Índia e Paquistão. “Enquanto os dois países reivindicam os direitos sobre o território, ninguém está preocupado em saber o que os próprios caxemires tem a dizer”, lamenta. “Caxemires não são permitidos na tomada de decisões. Nunca houve voz à liberdade na Caxemira.” A divisão religiosa no território acirra ainda mais o conflito local, a população é majoritariamente muçulmana (67%); apenas em Jammu a maioria é hindu. Segundo Dar, os caxemires estão do lado do Paquistão, uma das razões é justamente a religião. A professora e historiadora paquistanesa

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da Universidade de Yale, Zaib un Nisa Aziz, estuda a região e acompanha com preocupação os novos desdobramentos e a violência utilizada pelas forças de segurança contra ativistas e manifestantes. “A Índia aplica uma repressão muito forte sobre a Caxemira. É complicado falar sobre o assunto porque ambos os países censuram muito o que acontece”, relatou Aziz. O corte nos serviços de comunicação dificulta mais ainda a obtenção de informações sobre a real situação na região. “Como sou paquistanesa, sou proibida de entrar na Caxemira, por isso nunca fui ao território. O próprio Paquistão deixa todos os acontecimentos no sigilo, revela pouquíssima coisa”, salientou a historiadora, que passa por dificuldades para encontrar informações para suas pesquisas. O historiador inglês Andrew Whitehead, autor do livro “A Mission in Kashmir” (Uma missão na Caxemira) e professor na Asian College of Journalism, na Índia, observa que as novas medidas visam evitar o crescimento do separatismo na região. “Existe uma insurgência armada no vale da Caxemira mas é relativamente em pequena escala. Além disso, houve grandes protestos – manifestações contra o domínio indiano e sup-

32 ostos abusos dos direitos humanos pelo exército indiano”, disse. “É difícil ter certeza de que lado está a opinião pública, mas é provável que a maioria das pessoas no Vale da Caxemira queira fazer parte de uma Caxemira independente.” Para Whitehead, a independência da Caxemira parece improvável, porque “uma Caxemira independente só poderia prosperar com a boa vontade da Índia e do Paquistão”. Segundo estimativas da ONU, desde o início do conflito na região, em 1947, 45 mil pessoas morreram em ataques terroristas. O total de mortes é estimado em 70 mil pessoas.

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