DIRETORA Mariana Pereira COORDENADOR CIENTÍFICO Diogo Ferreira COORDENADOR CULTURAL Rita Claro COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO E PATROCÍNIOS Ana Rita Gomes COORDENADOR DE IMAGEM Augusto Henrique COLABORADORES Francisca Silva Inês Roseta Isabela Queimadela Lúcia Heitor Mariana Almeida Marta Soares Melissa Amarante Sara Cruz Sara Gomes DESIGN E PAGINAÇÃO Eric Ferreira
Projeto
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XII EDIÇÃO
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CICS - O QUE SE FAZ POR CÁ
02 ALUNOS INVESTIGADORES 13 NEUROCIRURGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA 15 ALUNOS VOLUNTÁRIOS EM ÉPOCA DE PANDEMIA 18 CULTURA À DISTÂNCIA DE UM CLICK 20 ISTO É UMA PANDEMIA, NÃO UM CONCURSO DE PRODUTIVIDADE
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COVILHÃ - CIDADE DE RECANTOS E ENCANTOS
22 UMA CRÓNICA CONFINADA 24 SAUDADE 28 SEGREDOS DA COVA DA BEIRA 32 DA JANELA DO MEU QUARTO 33 CASOS CLÍNICOS CARTOON
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SER FINALISTA EM TEMPOS DE PANDEMIA
COVID-19 MÉDICOS ESTRANGEIROS
Alunos Investigadores Mariana Oliveira, 27 anos. Com quem falaste ou que metodologia adotaste para 3º Ano.
iniciares o teu projeto de Pode descrever de forma investigação? sucinta qual o seu percurso Mesmo depois de entrar em académico e como acabou a Medicina percebi que queria fazer investigação científica? terminar o Mestrado em NeuComecei por me licenciar em rociências por já ter concluído Terapia da Fala e depois disso o 1º ano do mesmo. Além candidatei-me ao mestrado disso, sabia que a FCS tinha a em Neurociências na Faculenorme vantagem de partilhar dade de Medicina de Lisboa. o mesmo edifício com o CICS, Foi no 1º ano do mestrado que por isso contactei o Professor adquiri o gosto pela investiga- Doutor Miguel Castelo Branco, ção, onde tive a oportunidade falei-lhe um pouco acerca do de conhecer o Instituto de meu percurso e perguntei-lhe Medicina Molecular (IMM) e se na sua opinião seria viável contactar com a componente conciliar um projeto de invesprática através de experiêntigação com medicina. O Procias na área da eletrofisiologia, fessor encorajou-me a avançar neurofisiologia, neurociências com esta ideia e encaminhoucognitivas, entre tantas ou-me para falar com a Profestras. Foi também no 1º ano do sora Doutora Cecília Santos, mestrado que confirmei que por ser a coordenadora de queria dar uma hipótese a um investigação mais próxima sonho antigo e me candidatei da minha área de interesse. a Medicina na UBI. A Professora Doutora Cecília
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Drew Hays Unsplash
Santos aceitou prontamente ajudar-me, fui integrada no grupo de investigação e começámos a “desenhar” o meu projeto. Comecei por aprender com os investigadores, mestrandos e doutorandos as principais técnicas e regras de trabalho em laboratório e a partir daí começou a aventura. Poderias descrever o que fizeste no projeto? O meu projeto intitula-se “The Role of Sexual Steroid Hormones in Glioblastoma”. O objetivo foi estudar o papel das hormonas esteróides sexuais em vários parâmetros como a viabilidade celular e apoptose em linhas celulares de glioblastoma. Como toda a investigação, esta começou pela revisão da literatura, de forma a sustentar a pertinência do tema. Em termos práticos, pude desenvolver várias
técnicas laboratoriais como imunohistoquímica, ensaio de viabilidade celular através de MTT e Western Blot. Além disso, pude trabalhar com culturas celulares, câmara de fluxo laminar, microscopia confocal, fazer extração de proteínas e, realizar outras tarefas do dia-a-dia num laboratório como pipetagem, preparação de soluções ou utilização de centrífugas. Que achaste da experiência? Foi sem dúvida uma experiência fantástica que não só me deu a oportunidade de aprender a desenvolver um projeto de investigação, como me permitiu trabalhar num grupo com diferentes profissionais. Aprendi imenso em termos de competências laboratoriais e acerca de todo o mundo da investigação. Acho que a realização de uma tese de mestrado já tem, em circunstâncias normais, o poder para nos desafiar e fazer crescer academicamente e a nível pessoal. O facto de ter vivido essa experiência em simultâneo com o curso de medicina, deu-me uma capacidade de organização de tempo e gestão de tarefas. Qual a tua opinião sobre a dinâmica do CICS? Achas que qualquer estudante seria bem recebido? O CICS é um ambiente ótimo para aprender e para trabalhar em equipa. Desde o primeiro momento que fui muito bem recebida e sem dúvida que isso fez diferença durante o período de adaptação. Na minha opinião há uma vontade de integrar os estudantes de medicina e há espaço para que todos possamos aprender uns com os outros.
Enquanto estudante de desta realidade. Temos tammedicina quais os maiores bém o Congresso BeInMed desafios que encontraste? que premeia os alunos que Sem dúvida que o maior desa- realizam investigação no seu percurso científico, em que fio que encontrei foi a gestão de tempo entre todas as aulas eu própria participei este ano e foi sem dúvida uma maise avaliações em medicina -valia. Ainda assim, julgo que e, o trabalho presencial em poderão existir mais iniciativas laboratório. Contudo, aqui que não só incentivem como mais uma vez a compreensão também desmistifiquem o e auxílio de todos os colegas mundo da investigação. Algo que encontrei no CICS foram que poderia ser interessante preponderantes para que seria a criação de um dia da conseguisse gerir as diferentes responsabilidades e tornar investigação para os estudantes de medicina ou um contudo possível. curso para os alunos comporem propostas de projetos de Qual a importância da invesinvestigação tendo prémios tigação científica na educação médica? para os mais inovadores, isto poderia fortalecer a ponte Penso que para um estuentre as duas áreas e facilidante de medicina é muito tar a entrada para quem tiver importante contactar desde interesse. cedo com produção científica, aprender a analisar artigos e estudos de forma crítica e Recomendas a outros estucontactar com aquilo que é dantes de medicina iniciarem evidência atual. Acho que é o seu percurso na investigatambém nosso dever, mesmo ção científica? Quais as maisno futuro quando estivermos -valias? a exercer, continuar a estudar A resposta a esta questão só e a estar atentos ao progresso pode ser sim! Para os alunos científico para melhor servirque já têm alguma curiosidamos a comunidade. Considero de, é a oportunidade de perque devemos olhar para a ceberem se de facto a invesinvestigação não necessariatigação é um caminho que mente como uma alternativa querem seguir. Para os alunos à clínica, mas também como que preferem a clínica, os 6 um complemento. anos de curso são o momento ideal para adquirir este tipo Achas que nesta faculdade de competências que um dia os alunos são incentivados mais tarde vão ser necessáa explorar este ramo? Qual a rias (por exemplo, durante o abordagem que a faculdade internato) e de conhecer uma deveria adotar? nova perspetiva. A meu ver a medicina e a investigação Cada vez mais sinto que há vivem de mãos dadas, uma um interesse crescente por parte dos alunos neste ramo e complementa a outra e vicepor experiência própria posso -versa. Penso que um médico ganha uma visão muito mais dizer que há sem dúvida o completa e enriquecida. apoio da faculdade para o fazer. Além disso, temos Comunicação em Biomedicina no 1º Diogo Ferreira e Lúcia Heitor ano que nos mostra um pouco
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CICS - O que se faz por cá O Centro de Investigação em Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (CICS-UBI), é uma unidade de investigação financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, cuja criação remonta à implementação da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS). No entanto, o funcionamento em pleno aconteceu a partir de 2007, com a disponibilização de infraestruturas especificas para uso do CICS-UBI no novo edifício da FCS, o que permitiu aumentar consideravelmente a massa critica de investigadores e as diferentes valências de investigação. Nos laboratórios do CICS-UBI é possível realizar estudos nos diferentes níveis de abordagem do espectro da investigação biomédica e biotecnológica. Temos ao dispor dos nossos investigadores, biotério, laboratórios de cultura de células, e de genómica, proteómica, citometria, electrofisiologia, microbiologia, cromotografia, síntese orgânica e tecnologia farmacêutica, assim como, as infraestruturas de ressonância magnética e nuclear e bioimagem que fazem parte do roteiro nacional de infraestruturas de investigação. Numa interface biomedicina – biotecnologia, o CICS-UBI tem organizada a sua atividade em torno de quatro grupos de investigação, os quais representam as grandes áreas de actividade do centro: 1) Biofármacos e Biomateriais; 2) Doenças Neurológicas e Neurovasculares; 3) Hormonas e Metabolismo e 4) Química Biomedicinal e Investigação do Medicamento. 4
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Os objetivos de investigação de cada um dos grupos respondem aos desafios societais delineados pelas agências nacionais e europeias, e estão em linha com os objetivos para o desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Nos últimos 5 anos, foram diversas as contribuições do CICS-UBI para o desenvolvimento científico na área das ciências da saúde. Em resumo, foram identificados novos genes de susceptibilidade, biomarcadores e alterações moleculares e metabólicas em cancros hormono-dependentes e várias desordens endócrinas, o que providenciou informação crucial para a gestão do processo clinico e desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas. Na área das doenças neurológicas e neurovasculares, foram caracterizados diversos mecanismos associados aos processos de neuroinflamação, neurotoxicidade e neuroprotecção, o que permitiu a identificação de várias moléculas endógenas e exógenas com
possível aplicação terapêutica, por exemplo, na doença de Parkinson e acidente vascular cerebral. Numa perspetiva do desenvolvimento de fármacos tem sido feita a caracterização e o perfil farmacológico de novos fármacos para o tratamento da Doença de Parkinson e epilepsia, o desenvolvimento de novas formulações de aplicação tópica para o tratamento da candidíase vaginal, assim como a síntese de novas moléculas e a caracterização de produtos naturais com propriedades biológicas diversas (neuroativas, antibacterianos, antioxidantes, antiproliferativos, antidiabéticos, etc.). Foram também desenvolvidos novos métodos analíticos para a determinação de drogas de abuso em amostras biológicas, constituindo um suporte essencial à clínica e análise forense, e caraterizados mecanismos de resistência aos antibióticos. Na vertente mais biotecnológica, de referir as diversas contribuições, na grande maioria em colaboração internacional e com empresas, para o desenvolvimento de processos de síntese, purificação e entrega de biofármacos. Esta área de investigação tem possibilitado otimizar a utilização de várias biomoléculas em aplicações pré-clínicas, por exemplo, para o tratamento do cancro ou doença de Alzheimer. Os esforços e dedicação dos nossos investigadores têm também contribuído, grandemente, para a valorização dos recursos e especificidades da região. Temos como exemplo os projetos de investigação relacionados com as propriedades bioactivas das águas termais ou de produtos da região, como a cereja e diversos tipos de plantas endógenas, o caso da esteva, e as potenciais aplicações destas no tratamento de diversas doenças (pele, respiratórias, diabetes, ou cancro).
Atualmente, o CICS-UBI assume-se como uma unidade de investigação consolidada em termos de recursos humanos e qualidade da investigação desenvolvida. Com uma equipa atual de 60 investigadores doutorados, o CICS-UBI tem vindo a apresentar ao longo dos anos um crescimento continuo da quantidade e qualidade dos outputs científicos. Em 2019, o número total de artigos publicados em revistas científicas indexadas na ISI Web of Knowledge ultrapassou a barreira dos 150 por ano, valor máximo até então, o que foi acompanhado também pelo valor mais alto de sempre do fator de impacto médio das publicações (3.8) e do ratio do número de artigos por investigador doutorado por ano (2,6). A experiência, motivação e dinamismo dos nossos investigadores, tem consubstanciado o reconhecimento nacional e internacional da investigação desenvolvida. Dados de 2019, mostram que 49,7 % das nossas publicações resultam de colaborações a nível nacional, e 23,4 % de parcerias no âmbito de protocolos de colaboração com universidades, institutos de investigação ou empresas internacionais. É objetivo e missão do CICS-UBI continuar a desenvolver investigação com os mais elevados padrões de qualidade, promovendo a internacionalização, e incrementando continuamente a multidisciplinaridade e translação, em articulação com a clínica. Para isto, é crucial a ligação do CICS-UBI ao Centro Académico Clínico das Beiras, o maior consórcio nacional envolvendo universidades, instituições de saúde e unidades de investigação.
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O CICS-UBI e os seus investigadores colaboram nas atividades formativas da FCS e também da Faculdade de Ciências, acolhendo a larga maioria dos projetos de investigação dos alunos dos 2ºs e 3ºs ciclos destas faculdades. O centro recebe também regularmente alunos de outras instituições para estágios de curta duração, nomeadamente, alunos no âmbito do programa Ciência Viva e alunos de intercâmbios nacionais e internacionais em colaboração com o MedUBI e UBIPharma. Numa perspetiva de articulação com a sociedade, o CICS-UBI leva a cabo ao longo de ano um conjunto de iniciativas educacionais dirigidas a diferentes públicos, onde se inclui, o Dia Mundial do Cancro, a Semana Internacional do Cérebro, o Dia Internacional do Microorganismo, o MICRODia, a Noite Europeia dos Investigadores, a Semana da Biotecnologia, e a Semana da Ciência e a Tecnologia. Estas ações são cruciais para fomentar o interesse do público pela ciência, para divulgar as atividades do centro, e acima de tudo para aumentar a literacia científica e conhecimento geral sobre temas importantes para a saúde e qualidade de vida das populações. Num âmbito de resposta às necessidades da sociedade, temos o exemplo recente, em que todos estamos envolvidos, que é o combate à disseminação do SARS-CoV-2 e o controlo da pandemia da COVID-19. Num cenário de necessidade de resposta urgente e qualificada, os investigadores do CICS-UBI conseguiram adaptar a sua investigação e aplicar os seus conhecimentos, dando resposta aos desafios que foram impostos em diversas e inúmeras frentes. Foi implementada a produção de álcool gel, a qual atinge neste momento um total perto dos 300 L, e que serve para suprir as necessidades da UBI, tendo também sido doada a algumas instituições da região. A criação do laboratório de testes do CICS-UBI/FCS para deteção do SARS-CoV-2 constitui uma valência acrescida à capacidade de testagem da região, permitindo um maior controlo da propagação e disseminação da COVID-19. A robustez, flexibilidade e capacidade de adaptação dos nossos investigadores ficou igualmente patente na resposta que deram com a proposta de novos proje6
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tos de investigação no âmbito da COVID-19. Num curto espaço de tempo, e de uma forma verdadeiramente exemplar, os investigadores do CICS-UBI, adaptaram a sua investigação à nova realidade e estão a trabalhar no desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico para a COVID-19, na aplicação de testes de imunidade às populações, e na implementação de diversas abordagens inovadoras para o combate à pandemia. De ressaltar as diversas candidaturas que têm sido submetidas a financiamento, entre as quais as do projeto CheckImmune liderado por Miguel Castelo Branco e o projeto Track and Trace, da responsabilidade de Carla Cruz. Este último que pretende desenvolver um novo método de deteção do SARS-Cov-2, mais rápido e menos dispendioso que o clássico método de PCR, foi o projeto melhor classificado de entre todos a concurso para apoio no âmbito da iniciativa Research4COVID da FCT e da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica. E, felizmente, a contribuição do CICS-UBI para a sociedade neste momento de crise pandémica não se esgota por aqui. Foi da pro-atividade de investigadores do centro, nomeadamente da Assunção Vaz Patto que foi a dinamizadora da iniciativa, e Ana Paula Duarte que deu o mote com a primeira sessão, que surgiram as “As conversas da quarentena”, um programa de palestras em videoconferência dirigidas aos utentes dos lares de idosos da região, que procurou minimizar os efeitos do isolamento e apoiar esta população particularmente vulnerável. Fica assim traçado, a pedido do MedUBI, um resumo das atividades do CICS-UBI e o seu enquadramento regional, nacional e internacional. Todos, “ligados”, alunos, técnicos, investigadores e professores temos vindo a construir o caminho do CICS-UBI. Sílvia Socorro Coordenadora do CICS-UBI
MÉDICOS ESTRANGEIROS Sou Renato Bandeira de Mello, 40 anos, de Porto Alegre, capital do Estado mais ao sul do Brasil. Sou médico geriatra, professor da UFRGS, preceptor das residências de clínica médica e geriatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Além da contínua ação assistencial junto às equipes médicas em linha de frente, como diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, trabalho continuamente para garantir visibilidade, qualidade de cuidado e prevenção ao etarismo para a população mais afetada pela pandemia: os idosos. Atuei junto a sociedades médicas e prestei consultoria voluntários a organismos governamentais durante desenvolvimento de protocolos e programação de ações de prevenção e combate ao coronavírus, sobretudo aquelas direcionadas ao público idoso. O que acha da abordagem socio-política políticas, uma crise entre poderes não vista do Brazil perante esta pandemia? desde o golpe militar de 1964. Não bastasse A abordagem sócio-política no país tem tudo isso, surgem notícias sobre corrupção sido muito heterogênea e motivo de atritos ativa de governadores estaduais na compra políticos em momento tão complexo para a de ventiladores mecânicos para o tratamento sociedade. Houve mobilizações maciças dos da COVID-19. governos estaduais e prefeituras para garantir Apesar disso tudo, a mensagem que quero distanciamento social, prevenção e tratamenpassar é positiva, pois vê-se como nunca a deto através de árduo preparo. Inicialmente o dicação do povo aos seus semelhantes, a sogoverno federal, na figura do então ministro lidariedade e, sobretudo, a esperança de dias da saúde, desenvolveu e promoveu ações sómelhores. lidas e transparentes para guiar as secretarias Quais as maiores diferenças de combate estaduais de saúde; o ministério da fazendo ao COVID-19 que encontrou entre o Brasil e desenvolveu ações de apoio financeiro aos o resto do mundo? mais pobres, sobretudo aqueles que depenEm um país continental, com tantas distindiam de trabalhos informais para sustentar tas culturas e desigualdade social, financeira suas famílias (cerca de 40% dos brasileiro não e educacional, fica difícil apontar diferenças tem trabalho com vínculo empregatício). Enno combate à COVID-19 em relação a outros tretanto, lamentavelmente, aquele que fora países, pois internamente há distintas resposeleito para ser o maior líder do país, presidentas ao desafio. Contudo, alguns excelentes te Jair Bolsonaro, em um dos momentos mais exemplos surgiram: em meu Estado natal, difíceis da história sanitária do Brasil, baseado o governo, apoiado por médicos, cientistas, em suas crenças, seus instintos paranóides economistas e tantos outros profissionais téce ignorando a comunidade científica nacionicos, montou plano de ação baseada na innal e internacional, constantemente advoga cidência da doença e no equilíbrio entre núcontra a gravidade da situação - inclusive tamero de casos e estrutura de suporte crítico xou a condição de “gripezinha”, minimizou a (leitos de CTI disponíveis). Com tais parâmeperda de vidas. Demitiu o ministro da saúde, tros estabelecidos, as cores verde, amarelo que ofuscava seu “brilho”; De forma dura ao e vermelho sinalizam o nível de medidas de povo brasileiro, criou cenário de desavenças
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contingenciamento e distanciamento social. Assim, conseguiu-se controlar a propagação da doença com maior segurança sanitária e econômica. O modelo agora ganhou visibilidade e está sendo adotado por outros estados da federação nacional e, inclusive, por outros países (Inglaterra estuda sua implementação). Porém, nos estados com menos recursos concentram-se as maiores barreira; lá se percebe descontrole da doença e número significativo de perdas. O Norte e Nordeste do país, principalmente a região amazônica, detém as maiores taxas de morte para cada 100 mil habitantes. A carente estrutura de saúde rapidamente entrou em colapso e o cenário foi devastador. Por outro lado, em São Paulo, estado mais rico, mesmo diante do suporte estatal, a alta concentração demográfica e desigualdade social alçaram números alarmantes da doença. No estado do Rio de Janeiro, em que as mazelas sociais são incontáveis, a COVID-19 “atropelou” o sistema de saúde, colocando seu povo em situação de relevante vulnerabilidade. A cidade do Rio de Janeiro, outrora valorizada por suas belezas naturais, ganha manchetes tristes e impactantes mundo a fora. Como a pandemia chegou aqui muito depois do que na Europa, tivemos tempo para nos prepararmos com equipamentos de proteção individual e aparelhagem dos hospitais, tanto que o colapso do sistema é restrito a dois ou três pontos do Brasil. As condições de trabalho, em linhas gerais, apesar de árduas pela própria característica da doença, tem sido favoráveis no que tange a proteção dos trabalhadores.
Qual será, na sua opinião, o maior desafio que o Brasil vai enfrentar para a estabilização da pandemia? O maior desafio para estabilização da pandemia por aqui é, sem dúvidas, a desigualdade. Enquanto cidades e Estados e seus nichos mais ricos têm acesso aos EPIs, às informações e ao sistema de saúde, uma grande população pobre pena para, além de se proteger da doença, conseguir sustentar suas famílias e colocar comida na mesa. A desaceleração econômica e a necessidade de distanciamento social atingiram em cheio os que menos resiliência tinham. Não bastasse o desafio de frear a pandemia, a maior dificuldade talvez será enfrentar a onda de fragilização sócio-econômica advinda da crise peri-coronavirus. Que impacto é que esta pandemia terá para o futuro da Humanidade? Não sou dos mais preparados filósofos para responder a essa pergunta! Mas minha percepção como indivíduo é que o mundo e a humanidade se transformarão. Em perspectiva positiva, vejo a valorização das relações interpessoais como maior legado da pandemia. A aproximação afetiva será uma “sequela” do distanciamento agora imposto. Haverá também maior valorização das produções locais; maior conscientização para suporte das economias locais. Talvez o globalismo seja posto em xeque e tenha que se reinventar. E certamente a conexão digital, as reuniões à distância, o home office vieram para ficar e se desenvolver. Vejo nisso uma grande oportunidade para o desenvolvimento sustentável da humanidade. Entrevista a Dr Chunming Yan, médico de Medicina Tradicional chinesa, e diretor do Centro de Europeu de Cultura de Medicina Tradicional Chinesa, que tentou sensibilizar os portugueses usando todos os meios ao seu alcance, assim que regressou das suas férias na China, onde teve contacto com a realidade do Covid-19, antes mesmo de este atingir Portugal. Atuei junto a sociedades médicas e prestei consultoria voluntários a organismos governamentais durante desenvolvimento de protocolos e programação de ações de prevenção e combate ao coronavírus, sobretudo aquelas direcionadas ao público idoso.
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Como o Dr. Yan diz nas suas recentes entrevistas, as pessoas ao início estavam um pouco indiferentes e despreocupadas em relação ao COVID-19. Porque é que acha que isto aconteceu? Estará, de certa forma, relacionado com alguma falha a nível de literacia em saúde? Penso que o primeiro é a falta de conhecimento do sistema saude público da China, pensavam que o sistema saúde da China é muito fraco e, por engano, e achavam que o sistema saúde público da UE é muito bom. Mas, na verdade, não é, o sistema saude da China já é relativamente forte e o na Europa não é tão bom. O segundo ponto é o engano de especialistas médicos ou especialistas em vírus. As pessoas comuns não têm um bom entendimento desta doença epidêmica, mas alguns especialistas fizeram conclusões aleatórias sobre esse novo vírus na ausência de conhecimento suficiente, esses comentários inadequados podem engananar muitas pessoas. tal como um médico e professor catedrático em Saúde Pública na Universidade Nova, falou ao JN sobre o novo coronavírus. “Covid-19 “é menos perigoso do que vírus da gripe”;e outra pneumologista referiu ainda que “não faz nenhum sentido que a população use máscara”. Agora a realidade confirmou que eles eram errados. Quão importante é a sensibilização por parte dos médicos para a população em geral? Como mencionei acima, as declarações erradas de médicos ou especialistas enganaram muitas pessoas comuns. Posso dizer que muitas vidas inocentes morreram, e esses médicos e especialistas têm certas responsabilidades. É um novo vírus: até hoje, os cientistas de todo o mundo ainda estão cheios de dúvidas sobre esste. Em Fevereiro, esses supostos especialistas não tiveram contato direto com o vírus. Como eles poderiam facilmente chegar a uma conclusão? A resposta de Portugal à epidemia foi muito lento no início: por exemplo, sobre o uso de máscaras, foi dito repetidamente que não era necessário, e que era necessário, e as pessoas estavam perdidas. A equipa dos médicos e enfermeiros trabalham muito pela crise, como habitante português, temos de agradecer aos profissionais da saúde.
Quais as maiores diferenças que encontrou entre a China e Portugal na maneira de lidar com o Covid-19? Os sistemas da China e de Portugal são completamente diferentes, não precisamos discutir qual sistema é melhor, mas acredito que cada sistema tem seu lado bom e o lado menos bom. Quando a China começou o surto, tomou rapidamente medidas nacionais, como isolamento e estabelecimento de hospitais da campanha para tratar não apenas pacientes confirmados, mas também os suspeitos, e depois controlaram um pouco o movimento das pessoas. Em primeiro lugar, cortou a fonte de infecção e a via de transmissão e protegeu as pessoas susceptíveis; e, em seguida, no tratamento, a China usou a medicina moderna e a medicina tradicional chinesa para tratá-lo ao mesmo tempo.A prática provou que o efeito é melhor. Hoje, olhamos para trás e vemos que o controlo da epidemia pela China é muito bem-sucedido. Um país com uma população de 1,4 bilhão tem apenas mais de 80.000 pacientes; enquanto Portugal tem apenas 10 milhões de pessoas, já teve mais de 30.000 casos; Portugal não é o melhor exemplo do mundo, mas fez um bom trabalho relativa aos outros países europeus. A situação do outros países prova que a resposta da Europa à epidemia falhou em geral no início. Qual será o maior desafio que Portugal enfrentará com a estabilização da pandemia no país em comparação com a China? Pode-se dizer que a China ultrapassou a epidemia, embora existam alguns casos, mas em geral, a está gradualmente retornando à vida e ao trabalho normais. Muitas cidades já não há necessidade de usar uma máscara e não há casos de covid-19. Portugal, acho que é imprevisível, as pessoas não serão mais isoladas de suas casas em nome da liberdade, e o governo começará a reabrir atividades sociais devido à economia, por isso os casos continuarão a aumentar a curto prazo. Não podemos prever quando desaparecerá completamente. Pessoalmente, espero que desapareça em agosto ou setembro. Mas se não for bom, haverá um segundo surto. No início, a crise era só pandemia; mas agora também é economia, Portugal terá uma fase de 2 ou 3 anos muito difícil.
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Entrevista ao Doutor Ciro Lamberti, especialista em Medicina de Emergência em Itália. Em que hospital trabalha e como é a sua rotina diária como médico? Também trabalha em medicina de emergência pré-hospitalar? Sempre trabalhei em medicina pré-hospitalar em Salerno, mas durante a emergência de Covid-19 tive de ir para o hospital “San Giovanni di Dio e Ruggi d’Aragona”, na mesma cidade. Todos os dias enfrento turnos de 12 horas, durante dia ou noite, com muitas visitas a dezenas de pacientes. Já que a Medicina de Emergência é uma especialidade médica que não existe em muitos países, como Portugal, por exemplo, quais considera serem as vantagens de ter médicos desta especialidade num hospital? A importância da especialidade já está presente na sua definição: fornece uma preparação adequada para enfrentar e gerir todas as emergências na medicina, evitando a intervenção dos médicos de reanimação, já ocupados com outras emergências. Quais foram as principais dificuldades que encontrou com a chegada da Covid-19 a Itália? A única dificuldade que encontrei foi o tratamento de pacientes com Covid-19, em isolamento. É muito complicado ter em atenção todos os procedimentos para evitar o contágio. Houve algum caso de paciente ou experiência pessoal durante esta pandemia que foi mais memorável para si, que gostaria de compartilhar conosco? Sim, infelizmente, tive uma experiência negativa: um paciente de 48 anos chegou com febre, mas, após algumas horas, as suas condições de saúde não melhoraram. Teve uma insuficiência respiratória e, após sete dias, morreu em terapia intensiva. Mas também tive uma experiência positiva: um colega infetado, seguindo o protocolo do professor Ascierto, recuperou em cerca de 25 dias. Nota: Um agradecimento especial à Sofia Cerruti por ter feito as traduções necessárias de italiano.
My name is Liz Rascón, I’m 25 yo, living in Veracruz, Mexico; I’m an undergraduate medicine student doing my internship year (6th of 7th) which consists of being in a hospital for a year, from 5 to 6 days a week for 8 to 10 hours per day and having a 24-hours shift every 4 days. The role I have developed during the COVID-19 pandemic is as a doctor who takes care of noncovid patients at the gynecology & obstetrics and pediatrics area. What were the biggest challenges that you felt while battling against Covid-19? Well even if I am not directly battling against COVID-19, I have the necessity to keep giving the best medical service to all the patients even if I am not sure they are COVID-19 patients who are asymptomatic or lying about their symptoms (which is very common), so I guess my biggest challenge is to keep trying to do my best with all the patients while not getting infected. 10
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How did the Mexican people deal with this situation? What was the gratitude from Mexican people toward health professionals? Sadly, the non-health professionals believe that we (doctors, nurses, etc.) are lying about the impact of the pandemic in the health system. They have this idea that “we are stealing them the synovial fluid from their right knees to sell them in the black market to get about 10.000 dollars per knee”, which makes us feel angry and powerless about the whole situation, because they don’t get to see the entire picture; they don’t see the health professionals wearing every day the PPE (Personal Protection Equipment), almost without eating or getting a sip of water in 8 hours, not being able to go to the toilet, with the face full of marks because of the mask and all the safety items and leaving their family to live alone where they can not spread the virus if they get sick. They just believe that we want to kill them, that we want to let them die, that we make money with their sickness, that we are soulless people who don’t care about them so they just start setting hospitals and ambulances on fire, they have already killed doctors who lived in small towns, threaten their families and stealing their goods. It is so unfair that this is the way they think of the people who are trying and helping save their lives every day, during the pandemic or not. Only a part of the civilians (maybe half of them) show their gratitude, bring food to the hospitals, share in their social media that they support us, help the doctors by making their laundry or going to the supermarket because some are afraid to even go out to get food when they are not at the hospital. But I also have to say that those who show their gratitude are a blessing to the health professionals; they are who make them (us) keep fighting and don’t give up even if sometimes feels that COVID-19 is winning the battle. What are the biggest differences of battling the pandemic, that you found between México and the rest of the world? Positive WE DO WHAT WE CAN WITH WHAT WE HAVE: As a third world country I get to notice that even if we have less resources (equipment, medicines, ventilators, etc.) we don’t
give up, our health professionals do their best, sacrifice everything to bring the best to all the patients, merging their knowledge and improvising with what they have in their hands. THE PROFESIONALISM: It also brought the health professionals community together, I never thought I could see gynecologist, surgeons, pediatricians, urogynecologist, intensivists and so on working hand by hand in the same area, developing themselves as together. THE SOLIDARITY: This crisis has taught some of us that we need to be together even if everything is going from bad to worse, that the ones who less have are the ones who will extend their hand to help you; that we need to consume local in order to help our people; that if we fall together we can also rise together, the only hard part of this is to keep together. Negative THE VIOLENCE: As health professionals we notice that civilians believe we need to give our lives in order to save them, basically that our lives matter less than theirs, because if we choose this careers is because our humanity should be that big, that we should even die battling diseases if necessary, and if we decide to put our health first (like not intubating patients if we don’t have the PPE) we are monsters who don’t deserve to be happy, to get paid or even be alive, that is why the violence against us is increasing that much (they have thrown bleach to colleagues, damage their cars, make them left the places where they rent, threaten them and their families, etc.) THE IGNORANCE: I’m also concerned with the problem of the education, even if our first job is to prevent sickness, civilians just don’t care about our indications, they just ignore them; that is why I believe this virus will stay in Mexico much longer that in other countries. BAD PAYMENT: Sadly health professionals are not well paid in Mexico, despite what Mexicans believe that we become rich working in hospitals and clinics; well, nowadays we get paid even worse, the government doesn’t give us PPE (they stole equipment so it never arrived to the hospitals), they want us to work from 8 to 36 hours with 12 to 24 hours rest for around 1.000 dollars a month, some even less (for example, me as a medical student in her internship, I get 100 dollars a month, which
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of course isn’t enough to live by myself, not even to get enough food and take the bus for a month); and this pandemic just showed us that we are going to get even worse paid, because civilians demand medical attention and medicines for free and all of this is wanted quickly, and in the place and at the time they want it and if that doesn’t happen, they attack us; and the government is promoting this. What is the impact of this pandemic on the future of humanity? I strongly believe this is going to change us forever from small things like washing our hands much more to making us understand that when doctors and scientist say to us “hey watch out, this is going to happen, foresight now that you still can” we actually have to hear them and follow their instructions. I also believe that it showed us how fragile humanity and health services actually are.
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NEUROCIRURGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA O Dr. Pedro Santos Silva é médico neurocirurgião no Hospital de São João, nesta entrevista, irá explicar como é que esta especialidade essencialmente cirúrgica e extremamente minuciosa se adaptou à nova realidade pandémica. Quais foram as principais alterações que os serviços cirúrgicos, em particular o de neurocirurgia, sofreram, quer a nível da higienização e preparação do ambiente do bloco operatório, quer a nível do pós operatório e contacto com os pacientes internados, com a nova realidade pandémica do Covid-19? Após os primeiros casos de Covid-19 começarem a ser reportados em Portugal no início de Março, foi implementado um plano de contingência no Hospital de São de João para preparar a recepção destes doentes. Numa fase inicial, o nosso hospital tornou-se um centro de referência para admissão destes casos, notou-se por isso uma celeridade na tomada de várias medidas, como o aumento de camas de cuidados de intensivos. De forma a preparar o sistema para um aumento exponencial dos casos toda a actividade assistencial não urgente foi cancelada. Isto afectou directamente os serviços cirúrgicos, com cancelamento de cirurgias ou consultas que passaram a não presenciais. Devido à natureza grave de muitas patologias do foro neurocirúrgico, o serviço de neurocirurgia teve de manter uma sala de bloco diária a funcionar. As principais alterações no circuito do doente foram o uso obrigatório de máscara por médicos e doentes (algo por vezes difícil em doentes com alterações neurológicas), a realização de teste de Covid para todos os doentes antes da admissão, cuidados especiais de isolamento e protecção para anestesista e enfermeiro na fase de entubação e extubação. A adaptação foi mais difícil nas cirurgias urgentes, uma vez que na ausência de tempo para saber o resultado do teste, cirurgias emergentes tinham de se realizar na presunção
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que o doente era positivo, com todo o equipamento de protecção associado, que complicava muito a realização de procedimentos, para além do aumento de tempo de preparação. No internamento a ausência de visitas obrigou a usar via telefónica para comunicação com familiares, também com horário próprio para recepção de telefonemas. No contexto da organização do serviço, outra novidade foi a utilização por várias vezes de videoconferências, para poder manter activo o contacto entre os profissionais. Com a pandemia, pelo que a comunicação social tem vindo a divulgar, tem havido não só um maior adiamento de cirurgias como uma menor procura e marcação de consultas, não apenas pela parte do hospital, mas também pela parte dos pacientes. Esta tem sido uma realidade em neurocirurgia? Se sim, quais têm sido os critérios para adiamento dos procedimentos cirúrgicos e das consultas? Existe alguma previsão para quando os serviços de cirurgia voltarão a funcionar em 100%? De uma forma geral, a diminuição da procura não se tem verificado por parte dos doentes no contexto da neurocirurgia, mais uma vez por causa da natureza grave dos sintomas associados a estas patologias. No contexto da urgência houve de facto uma diminuição dos casos traumáticos, particularmente em doentes idosos, mas mesmo essa diminuição só se verificou por um curto período; este facto levou a que o nosso serviço sentisse a necessidade de lançar uma campanha para a prevenção de quedas em idosos, que foi divulgada na comunicação social. Doentes com patologia degenerativa da coluna vertebral ficaram muito prejudicados nesta fase, não só pelo adiamento de cirurgias, mas também pelo não realização de meios complementares de diagnóstico o que tem levado ao atraso da orientação destes doentes. A diminuição de consultas ou a diminuição da procura nos centros de saúde também trouxe uma redução dos pedidos de consulta por parte dos médicos de medicina geral e familiar, que na sua maioria eram pedidos para doentes com patologia raquidiana. Neste momento, a nossa atividade está próxima da normalidade; no entanto, a maioria das consultas continuam a ser não presenciais e é difícil prever quando é que vamos poder falar de uma recuperação plena. A nível pessoal, quais são as novas preocupações dos pacientes e como é lidar com estas? Tanto estes como os profissionais de saúde têm aceite bem os novos comportamentos que lhe são propostos? Tanto os profissionais como os doentes perceberam muito bem a potencial gravidade do problema. Como é óbvio, numa situação como esta existe incerteza, ansiedade e constante mudança e adaptação dos planos de actuação. Apesar de alguns atritos compreensíveis, a avaliação global deste processo é francamente positiva, principalmente se compararmos com os cenários alternativos. Esperemos agora que possamos ultrapassar os próximos desafios com a mesma determinação. Pedro Santos Silva Serviço de Neurocirurgia, Centro Hospitalar Universitário de São João
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ALUNOS VOLUNTÁRIOS EM ÉPOCA DE PANDEMIA
Foto por Pedro Rodrigues, 15 ano Julho 2020 1º
No dia 30 de janeiro de 2020 o diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dr Tedros Adhanom, declara o surto de COVID-19 (Coronavirus Disease 2019) uma emergência de saúde pública a nível internacional. Esta doença infeciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome CoronaVirus 2) tem como sintomas mais prevalentes: febre, tosse seca e astenia. Apesar de cerca de 80% dos casos desenvolver apenas sintomas ligeiros, a elevada taxa de infeção do vírus faz com que o número de pessoas que necessitam hospitalização, incluindo cuidados intensivos, seja de tal maneira elevado podendo saturar os sistemas de saúde. No mundo inteiro foram desenvolvidas várias estratégias para combater a propagação deste vírus, que no dia 11 de março de 2020, a OMS classificou como uma pandemia mundial. Em Portugal, em antecipação da situação presente em Itália e Espanha, foi decretado o Estado de Emergência, onde foi pedido a todos os que podiam, para permanecerem em casa e minimizar interações sociais com o intuito de diminuir as cadeias de contágio, uma vez que o vírus se propaga por gotículas respiratórias. Mas uma vez que o vírus já se encontrava em território nacional, havia a necessidade de testar a população para avaliar a progressão da infeção, não só em pessoas com sintomas clínicos, mas também em populações de risco e trabalhadores na primeira linha de combate ao vírus. Num esforço concertado entre o Instituto Ricardo Jorge (INSA), universidades e centros de investigação, foi criada uma rede nacional de testes moleculares de rastreio ao SARS-CoV-2, para auxiliar o sistema nacional de saúde. Na região na Beira Baixa, o Centro de Investigação em Ciências da Saúde (CICS), sediado na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (FCS-UBI), aliado às Camaras Municipais da Covilhã, Fundão e Belmonte, desenvolveu em cooperação com o Centro Hospitalar e Universitário da Cova da Beira (CHUCB) um laboratório para realizar testes de rastreio ao SARS-CoV-2, seguindo as recomendações 16
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da OMS e da Direção Geral da Saúde, com a ajuda de voluntários de todas as instituições envolvidas. O teste molecular de deteção do vírus é feito em várias etapas. Inicialmente pessoas a título individual ou em grupo, recebem uma orientação médica para se dirigir a um ponto de recolha de amostras. Nestes pontos de recolha, trabalhadores da saúde, com o auxílio de zaragatoas, recolhem uma amostra de exsudado nasal e da orofaringe. Estas amostras são transportadas para o laboratório do CICS-UBI no CHUCB, onde são catalogadas e registadas na base de dados do hospital. No laboratório, as amostras passam por três fases de processamento: 1 – inativação viral; 2 – extração do RNA viral; 3 – identificação de genes virais através da metodologia de PCR (polymerase chain reaction). As condições técnicas e metodológicas do laboratório do CICS-UBI estão aprovadas pelo INSA, sendo os resultados duplamente validados pelo laboratório de patologia clínica do CHUCB, que os regista na plataforma SINAVE e transmite às autoridades competentes. Este tipo de iniciativa foi recentemente alvo de atenção pela imprensa britânica (The Telegraph - Covid19 Portugal testing), que elogia a estratégia como um dos fortes motivos de sucesso de Portugal no controle da infeção da COVID-19. Ao identificar novos focos de infeção, é possível mais precocemente tomar medidas de prevenção e isolamento mais apertadas, mesmo em casos sem sintomas clínicos. A nível pessoal, esta tem sido uma experiência muito enriquecedora. Apesar de ser agora finalista em Medicina, a minha participação neste projeto, está relacionada com experiência prévia em Biologia Molecular. Durante a minha formação anterior tive a oportunidade de trabalhar em mecanismos de regulação de tradução de RNAs. Logo, quando a faculdade contactou os alunos na procura de voluntários para participar em diversos projetos para combater a progressão do vírus, este foi onde poderia ser de maior utilidade. Durante o meu voluntariado, consegui o que nunca tinha acontecido em cin-
co anos na FCS-UBI: tive a oportunidade de interagir e falar com elementos de várias equipas do CICS-UBI. Apesar de o trabalho ser técnica e fisicamente muito exigente, pois trabalhamos com amostras potencialmente infeciosas e com todo o material de proteção individual, temos sempre a oportunidade de partilhar experiências académicas e pessoais, discutir sobre os diferentes projetos em que os outros elementos estão a trabalhar, assim como refletir sobre ambições de uma carreira científica em Portugal.
Como é referido no artigo do The Telegraph, é impressionante como um país que em muitos aspetos está na retaguarda da Europa, conseguiu em tempo recorde desenvolver uma estratégia altamente especializada e competente para combater uma pandemia de proporções mundiais, com resultados que estão a surpreender e motivar o mundo inteiro. João Martins 6º Ano
O meu nome é Pedro Rosa Rodrigues, sou estudante de Medicina na UBI, mas também sou enfermeiro num serviço de Urgência. Quando foi anunciada a “Pandemia”, percebi que as próximas semanas, e talvez os próximos meses, seriam tempos de profunda mudança. E não me enganei… Como profissional de saúde, e como um profissional de saúde na linha da frente, não pude viver esta fase da mesma forma que a maioria das pessoas. Tive que sair de casa constantemente, porque tinha uma missão. O receio… o receio não, o medo era emoção constante, mas tinha que continuar – o serviço não podia dispensar nenhum elemento, era necessário seguir em frente, todos éramos cruciais e a comunidade precisava de nós. Houve momentos e situações que me marcaram: O cansaço devido ao excesso de trabalho, devido aos turnos extraordinários, devido ao equipamento de proteção individual que deixou cicatrizes na nossa cara e na nossa alma e que nos sufocava durante horas; O medo de sermos vetores de contagio para os nossos familiares e amigos, provocando em nós a decisão de um isolamento voluntário, transformando o distanciamento no gesto mais bonito de afeto. Contudo, foram os olhares… foram os olhares que me transformaram e emocionaram: Os olhares de medo, mas de profunda gratidão dos doentes; Os olhares de saudade e preocupação da nossa família e amigos; Os olhares dos médicos, técnicos de diagnóstico, assistentes operacionais e técnicos e pessoal de limpeza – éramos (finalmente) uma verdadeira equipa;
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E os olhares dos meus colegas enfermeiros, com quem partilhei “trincheiras”, olhares que refletiam medo, mas sobre tudo, refletiam CORAGEM. Aquela coragem inabalável, quase sobre-humana…
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Cultura à distância de um click Um dos impactos mais notórios decorrentes do período de isolamento social que a pandemia de Covid-19 veio instaurar foi, sem dúvida, a aproximação das pessoas à cultura. Apresentamos neste artigo algumas sugestões de plataformas e opções que podes explorar no conforto da tua casa.
ESPETÁCULOS RTP Palco (https://www.rtp.pt/play/palco) Poderás encontrar os espetáculos que passaram pelas mais diversas salas do país, como o CCB, o Theatro Circo, o Coliseu dos Recreios, entre muitos outros. Sala Online TNDMII (https://vimeo.com/showcase/6879385) O Teatro Nacional D. Maria II foi dos primeiros a mobilizar-se no sentido de apresentar trabalhos que por lá passaram. Todas as sextas feiras é adicionado novo conteúdo. Sala Online TNSJ (https://vimeo.com/showcase/tnsj) Também o Teatro Nacional de São João disponibilizou alguns vídeos, incluindo um documentário sobre o próprio Teatro. CLIVEON (https://www.bol.pt/Projecto/EntidadesAderentes/6904-cliveon) A partir de 1 de julho, esta plataforma transmitirá espetáculos ao preço de dois euros. Podes adquirir o teu bilhete através da Bilheteira Online (BOL). Cultura Acessível (https://www.cultura-acessivel.pt) Neste site é divulgado conteúdo acessível a pessoas com deficiência visual, auditiva, deficiência intelectual, com dificuldades na expressão oral ou sem expressão oral, etc. Para além destes sites, podes encontrar no youtube espetáculos de Stand Up gratuitos para todos os gostos. Ficam aqui algumas sugestões: “O Estúpido”, Daniel Carapeto; “Lendário”, Dário Guerreiro (Môce Dum Cabréste); “Por Falar Noutra Coisa”, Guilherme Duarte; “Fora do Contexto”, Hugo Sousa;
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“Voz da Razão”, Luís Franco Bastos; “Ódio de Estimação”, de Paulo Almeida; “impasse”, Pedro Teixeira da Mota; “Como Todos Fazem”, de Rui Cruz.
LIVROS
MUSEUS
Se o período de quarentena fez despertar o devorador de livros que há em ti, podes procurar os próximos títulos a adicionar à lista nos seguintes sites:
Embora já seja possível visitares os museus nacionais, podes aceder ao seguinte link para explorares museus de todos os cantos do mundo sem teres que viajar (https://artsandculture.google. com/partner?hl=en)
Português http://projectoadamastor.org/ http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/ biblioteca-digital-camoes.html http://bndigital.bnportugal.gov.pt/project/livros/ https://www.luso-livros.net/ https://www.livrarialello.pt/pt-pt/the-collection Internacionais https://openlibrary.org/ https://elivros.love/ http://www.gutenberg.org/
PORTAIS DE INFORMAÇÃO Se não queres perder nenhuma novidade acerca do que se faz um pouco por todo o país, podes subscrever as newsletters do CoffeePaste (https://coffeepaste.com) e do e-cultura (https://www.e-cultura.pt)
Poderás visitar também o enorme museu do Louvre (https://www.louvre.fr/en/ visites-en-ligne)
FILMES Se preferes filmes mas já viste tudo o que há na Netflix, podes optar por plataformas de streaming alternativas, como o MUBI e o Filmin. Podes ainda consultar a Cinemateca Digital (http://www. cinemateca.pt/Cinemateca-Digital.aspx) de forma totalmente gratuita.
Embora o acesso digital à cultura seja uma realidade crescente e de grande valor, não te esqueças de quem tornou isso possível. A cultura foi um dos setores mais afetados nos últimos tempos e é agora, mais do que nunca, nosso dever apoiar os artistas nacionais.
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Isto é uma pandemia, não um concurso de produtividade!
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pandemia que se começou a espalhar no início deste ano veio revolucionar muitos aspetos normais da rotina, desfigurando-os e obrigando à adoção de novos hábitos, aos quais ainda nos estamos a tentar adaptar. Mas o primeiro impacto que ela teve foi obrigar-nos a ficar em casa para evitar espalhar o vírus: o derradeiro isolamento social ou quarentena.
de meter inveja está associado a ter uma boa vida social, passatempos produtivos, boa forma física e férias ainda melhores num lugar que dê para tirar fotos incríveis. Algo importante a relembrar é que não somos todos iguais! Enquanto algumas pessoas se levantam cedíssimo para fazerem a sua corrida matinal antes do trabalho, outros estão a parar de ver as notícias porque isso os deixa demasiado ansiosos. Cada um tem o seu ritmo, e cada dia é diferente: o importante é encontrar o que funciona melhor para cada um. Apesar de “todo o tempo que se ganhou” por não se ter de sair de casa, muitos trabalhos não pararam e podem até necessitar de mais horas a concluir que o normal. Ver como os outros gerem o seu tempo pode ser muito instrutivo, e é uma excelente fonte de novas ideias e métodos, no entanto é preciso adaptá-las para o que nós conseguimos fazer.
Toda esta situação gerou muitas emoções negativas, particularmente ansiedade, medo e tristeza. Uma forma clássica de evitar a angústia é encontrar novos desafios e dedicarmo-nos a projetos. Não foi por acaso que começaram a surgir fotos, vídeos e relatos de pessoas a “aproveitarem a pandemia” nas redes sociais. Estava na altura de agarrar os projetos que tinham sido esquecidos por causa do trabalho, aprender todas as línguas do mundo, treinar para ganhar uma estrela Michelin depois da quarentena, remodelar É frequente termos muitos projetos a casa, preparar o corpo de verão… Mas será que queremos fazer e que acabam ignorados que isso funciona para todos? porque há assuntos pendentes mais impor Algo que define a nossa sociedade é a tantes. O facto de termos mais tempo livre ideia que devemos ser produtivos, especial- para investir nestes, de forma repentina, pode mente de forma útil à comunidade. O nosso parecer opressivo. É normal não ter motivanível de rentabilidade está intrinsecamente li- ção ao início, deve-se começar com calma. gado ao valor que a sociedade nos dá e, con- Fazer uma lista de tarefas pode ser um bom sequentemente, ao valor que damos a nós ponto de início para encontrar alguma orgapróprios. Esta ideia também é cada vez mais nização. É importante ser-se realista naquilo transmitida pelas redes sociais. Mostrar que que acrescentamos na lista. Colocar tarefas estamos bem e que temos uma vida digna simples de fazer e alcançáveis, cumprindo-as 20
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ao longo do tempo, é muito compensador e É normal passar um dia sem fazer nada, pode ser a forma de recuperar a motivação é normal que a inspiração demore a chegar, que estava perdida. tal como é normal sentirmo-nos preguiçosos. O importante é saber parar quando preci Nem todos os dias serão produtivos ou samos e ir ganhando gosto pelo que se faz. considerados como tal por nós mesmos. Não Não é necessário que o nosso passatempo nos podemos esquecer dos tempos em que seja rentável, desde que nos sintamos bem vivemos. É perfeitamente natural sentirmo- a fazê-lo e se goste do que se está a fazer. -nos mais em baixo ou sem vontade de fazer Mesmo com todo o tempo que a pandemia nada. Por um lado, transformar essa ansieda- nos tem oferecido, devemos saber apreciar de em motivação para fazer algo que nos dê as nossas diferenças em relação aos outros e prazer é saudável. Por outro lado, não parar encontrar forma de nos sentirmos bem conde fazer coisas de forma a evitar pensar nos nosco próprios. problemas poderá mascarar o facto de nos Tal como têm dito: isto é uma pandesentirmos, em baixo, a sofrer, ou, inclusiva- mia, não um concurso de produtividade! mente, a desenvolver um quadro de depressão. Nesses casos é necessário pedir ajuda, Lúcia Heitor quer a amigos ou familiares, quer a profissionais, de forma a obter uma sensação de segurança e empatia nestes tempos difíceis.
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Uma Crónica Confinada Não sei se passaram 50 dias, 51, talvez 60. Os dias misturaram-se, tornando-se numa sopa de letras demasiado complexa para decifrar apenas numa tarde solarenga de verão. De que dias estou eu a falar? Os dias passados em casa, longe da família e dos amigos, a olhar através de vidros que podiam estar mais limpos (com tanto tempo livre…) para a vida que não para, quando tudo o resto decide estagnar. Mas talvez esta estagnação esteja apenas nas nossas cabeças, talvez seja um conceito orquestrado pelos nossos hemisférios direitos, demasiado criativos, de modo a arranjar desculpas para a vitimização e para a inércia demasiado dependente do ser humano. Com isto não quero dizer que todas as pessoas lidam com o confinamento da mesma forma! Decerto que uns mantêm uma perfeita sanidade mental e exercitam o corpo 6 vezes por semana através de diretos no insta, enquanto outros sentem uma força inexplicável exercida pela cama e pelo sofá que os impede de se libertarem do seu feitiço. Não existem pessoas iguais, logo não existem quarentenas iguais. Premissas que devem levar para a vida, caros leitores. Não queremos cá comparações: “Ah, na minha quarentena cozinhei 15 bolos e 4 tipos de bolachas diferentes, fiz yoga 3 vezes por semana e vi todos os diretos do Bruno Nogueira.” O que devo dizer que não tem qualquer semelhança com a minha quarentena. Não aprendi nenhuma receita nova, à exceção de como fazer pão pita e refinei as minhas skills de fazer sopas e panquecas (juro que não me alimento só à base de pão pita, sopas e panquecas). 22
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Mas aproveitei ao máximo para fazer aquilo que realmente gosto, que me preenche, que tanto adiava por estar sempre entre livros e folhas impressas aos magotes. Mas não quero enganar ninguém e vocês sabem tão bem como eu de que esta quarentena não foram férias, como muita gente alega. Tivemos momentos menos agradáveis, com uma sobrecarga de trabalhos e tarefas e afins, no entanto faz parte desta nossa vida académica de que tanto nos queixamos mas secretamente adoramos. Mas afinal que período foi este, a tão falada quarentena? Para mim, enquanto estudante, consistiu em isolamento total. Confinada em casa, impedida de chegar elegantemente atrasada aos convívios marcados, de ir àquele almoço de domingo verdadeiramente português e abusar nos enchidos, de acabar a noite num karaoke espontâneo, de me deitar no verdejante jardim do cisne assassino com os comparsas de sempre, de passar o dia na biblioteca rodeado de pessoas que procrastinam tanto como eu mas que também se aplicam, surtindo numa cadeia de motivação silenciosa… Os dias tornaram-se diferentes, mais solitários, sem a rotina do costume. A liberdade a que estávamos habituados foi-nos restringida, mas a verdade é que nem dávamos conta da sua presença, apenas quando esta nos foi parcialmente retirada é que sentimos a sua falta. Tantas liberdades foram suspensas… A liberdade dos afetos foi uma das que sofreu mais, e ainda hoje não foi completamente restabelecida. Como será o primeiro abraço sedento do espaço diminuto entre os dois amigos, após meses de somente contacto virtual? O primeiro jantar de amigos não
terá todo um impacto e significado especiais? Não iremos pensar de forma diferente? Uma mudança não é isso mesmo, a perturbação do que é habitual? Não iremos ter perspetivas novas, desejos e confidências que antes não sabíamos que tínhamos?
Mas afinal que período foi este, a tão falada quarentena? Será que já perceberam, pessoas de 2037 que vieram ver as edições anteriores da Diagnóstico, que agora, no vosso tempo, são em formato holograma? Já vos dei um insight sobre este acontecimento histórico passado no ano de 2020? Lamento de Mas afinal que período foi este, a tão siludir, então. Mas é tudo que tenho a dizer. falada quarentena? Foram meses atarefados Ok, mentira, porque por mim podia ficar a ese dolorosos para uns; mais calmos para ou- crever mais umas páginas, mas como já referi tros; stressantes e cheios de incertezas para anteriormente ninguém tem paciência para outros que tais; e normais, como todos os ou- me aturar durante tanto tempo, dado que o tros meses (para uma minoria, suponho e es- concentration span desta geração é igual à pero eu)... Mas eu não estou aqui para falar da de uma iguana (sem ofensa às iguanas). quarentena dos outros, senão estaria a escrever infinitamente e vocês a ler até se aperce- Mas afinal que período foi este?, vocês berem que estão entediados e já podiam ter teimam porque acham que eu ainda não favisto pelo menos 20 insta stories. Por isso, falo lei o suficiente sobre estes meses de confida minha quarentena, sem falar propriamente namento. Caros leitores, foram apenas meses dela, porque é sem falar das coisas que nós diferentes da vossa vida, vividos num sofrifalamos realmente delas, percebem? mento e solidariedade coletivos. Mas o importante é o significado que vocês lhe derem. Não foi um bicho de sete cabeças, não foi um mar de rosas (se bem que nem gos- Espero poder estar com os meus amito assim tanto de rosas), foi o que foi. Fiz o gos em breve, abraçar a minha avó, andar na que pude, fiz o que quis, aproveitei o tempo rua livre de preocupações… Espero pela “norque tinha e queixei-me daquele que escas- malidade” de tempos subvalorizados mas não seava pelos meus dedos, como tantas outras posso esperar ansiosamente, pois temos de vezes. Falei muito, ri muito e chorei também, viver cada momento presente com a calma mas isso é só mais uma segunda feira, para que este merece, com a atenção devida. Não quem me conhece. Já agora: Olá, sou a Rita, queremos desperdiçar momentos que não que rude ainda não me ter apresentado, juro vamos recuperar nunca por estarmos com a que não sou assim normalmente. Lá está, cabeça nas Luas de Júpiter a pensar quando efeitos da quarentena, já estava demasiado é que isto acaba, porque o que é “isto”? A vida habituada a monólogos que, evidentemente, não acaba, a vida continua, por isso vamos vicarecem de apresentações. Mas quem é que ver, com ou sem quarentenas, com ou sem eu estou a tentar enganar? Aliás, quem é que medidas de segurança, com ou sem contacto a quarentena está a tentar enganar? Ela quer físico. Vivamos apenas, pois o presente não os louros de tudo! Já tinha estes meus monó- perdoa a ninguém, torna-se passado a cada logos muito antes de ela chegar! Estão a ver? pestanejo nosso. A quarentena quer o prémio de tudo o que uma pessoa faz durante essa altura! Mas não Rita Claro é devido à quarentena, é devido a nós! Somos nós que nos mexemos para fazer aquilo que nós queremos que aconteça. Por isso, segundo ensinamento: O que fizeste durante a quarentena, não por causa da quarentena, foi devido a ti. A quarentena não se pôs na cozinha a inventar novas receitas nem correu 20 km por ti! Bem queria ela! Foste TU. Não deixes que esta palavra se apodere dos teus feitos durante esse período.
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Saudade Por uns definida como “lembrança grata de pessoa ausente, de um momento passado, ou de alguma coisa de que alguém se vê privado”, do latim vem “solitas” que significa solidão, e do galego “soedade”. A partir daí, de boca em boca, e influenciada pela palavra “saúde”, dá-nos hoje a tão romantizada “saudade”. Desde os tempos dos Descobrimentos, em que reluzimos e ajudámos a desvendar mundo, às batalhas perdidas e lutas sentidas de um povo sofrido, trazemos saudade ao peito e vestimo-la de vermelho, verde e amarelo. Com o fado, Amália aprendeu a libertar da prisão esta “dor sem ter fim”, e muitos, alados a Pessoa, dizem que “só portugueses conseguem senti-las bem, porque têm essa palavra para dizer que as têm.” Curiosamente há também ligações feitas entre a palavra e o corpo: de saud, saudá e suaida, especialistas dizem poder significar “sangue pisado”, e pelos árabes as-saudá, referir-se a doença do fígado, sendo a “melancolia do paciente”. Doença ou não, portuguesa ou não, é uma palavra hoje do mundo, que só tão sua nos sabe fazer sentir e fazer valer cada recanto de paixão enquanto este perdura, enquanto não se fica apenas como saudade. 24
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Isabela Queimadela
Saudade em Tempos de Pandemia
Sabem o que aprendi com esta pandemia? A saudade que quero sentir é aquela que deixa um sorriso no rosto, por tudo o que vivi. Não quero levar comigo os abraços que não dei e as coisas que não fiz. Quando isto tudo passar, vamos abraçar muito, para que, um dia, sejamos uma coleção de saudade dos tempos felizes que vivemos.
Tingiria a saudade a lilás, Quando sobre a cadeira, reclino e pasmo E sou montra do passado e do que jaz E nos lábios o meio termo doce, meio termo rude De te saber longe, mas sentir perto; Tingiria a saudade a azul, Quando me não reconheço, mas recordo Quando já não me compreendo, mas transbordo O lameiral de difusos “eus” que fui despindo e que esqueci E os “eus” tantos ainda etéreos, e eu já os querendo em mim; Tingiria a saudade a branco, Quando abraço o mundo e me chora o pranto Quando fere o orgulho, arde o rosto e cai o manto E se revela a raiva nos olhos de milhares e o abandono E com nada disto coaduno e sonho com o abraço uno e o mundo sonho; Tingiria a saudade a preto, Quando o ciclo da vida cerra e cá ficamos Desajeitados nas manhas e perdidos sobre o regaço Na testa, cravado a traço, o cansaço e o medo O amanhã de breu e o sentir danado e enfermo; Mas perder-me-ia a despir as tuas cores, Não nos fosses tu pele e sangue, e quem diria Que nascida da terra virgem, de onde vimos de igual, És, de amor, uma língua universal, tolos os tantos Que ainda não viram, irmão, que somos uno.
Sara Gomes
Isabela Queimadela
À medida que crescemos, vamos aprendendo o que é a saudade, aquela palavra que nos dizem que é tão portuguesa e tão difícil de explicar o seu verdadeiro significado.
entender, imploram por um, e nós, com o coração muito apertadinho, enviamos um abraço à distância, mas que é tão forte como aquele que daríamos fisicamente, com tanto amor que depositamos nele.
Talvez não a consigamos explicar, mas conseguimos sentir. Sentimos quando nos vem aquele sorriso ao rosto ao relembrar as brincadeiras de infância, a primeira escola em que fomos tão felizes, ou a casa dos avós, com a família à volta da mesa, quando isso já não acontece mais. Sentimos também quando temos de nos isolar do mundo a estudar, quando ainda há pouco tempo era verão, íamos para a praia com os amigos e festejávamos até o sol nascer.
E é isto, esta saudade, que nos mostra o que realmente importa na vida. Para além dos restaurantes, das viagens, dos lugares bonitos e das festas, existe aquilo que nunca nos imaginamos sem e, de repente, foi tirado de nós: o contacto social que tanto damos por garantido.
E de repente, quando menos esperamos, a saudade vem em força, sem sequer nos deixar preparar para a receber. E vem nas coisas mais simples, aquelas que nunca pensámos que iríamos perder. É tão sentida no abraço que queríamos dar e não podemos. Aquele abraço forte, apertado, que nos enche o coração e a alma. O abraço à mãe, ao pai, aos avós e aos amigos. O abraço às crianças pequenas, que sem
Saudade
Por isso é tão importante, e cada vez mais, não nos esquecermos daquilo que realmente somos feitos. Somos feitos de abraços, de amor, de sorrisos e de gargalhadas. Somos feitos de tudo aquilo que deixa uma saudade imensa.
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Covilhã - Cidade de Recantos e Encantos Num final de tarde de um dia com uma temperatura a chegar aos 30°C, nada melhor do que conhecer um recanto e seguir dois percursos alternativos que terminam num brinde – tchin-tchin. Então, o nosso ponto de partida é o Jardim Público da Covilhã. Chegados aqui e como está ainda calor, podem entrar na Igreja do antigo Convento de S. Francisco (estilo barroco e muita talha dourada) e descansar um pouco. Atenção que às 19:00 há missa diária. Com alguma astúcia e pesquisa no Google proponho que descubram um túmulo de um parente direto do Pedro Álvares Cabral.
Jardim Público
Não muito longe do ponto de partida, devem agora dirigir-se para as traseiras da Igreja e descer a rua Comendador Marcelino até encontrarem a Fonte do Videiro. Fonte de rara beleza, singela, ladeada por duas magnólias. Após esta descoberta voltamos ao Jardim Público. A partir daqui podemos seguir dois caminhos: Arte Urbana e terminar no terraço da casa das Muralhas junto ao antigo Castelo da Covilhã, ou descer os elevadores e terminar no terraço do restaurante da residencial Mikotânia. Qualquer um dos percursos oferece história, cultura, arte e gastronomia. Espero que gostem! Divirtam-se porque na Covilhã há muito por descobrir, se há! José Eduardo Brites Cavaco – Professor na FCS-UBI 26
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Percurso CASA das MURALHAS Largo da Infantaria Escadas do Raimundo Tv. Do Raimundo Pena d´Água Boutique Hotel (arte nova e fachada extraordinária)
Pena d’Água Boutique Hotel
Rua dos Bombeiros Voluntários Igreja de Santa Maria Rua Sra. da Paciência Rua do Castelo Casa das Muralhas (terraço calmo e tranquilo, piscina de água salgada - levar toalha e calções - e petiscos à la carte)
Igreja de Santa Maria
Casa das Muralhas
Percurso Residencial MIKOTÂNIA Museu de Arte Sacra (gratuito) Monumento aos Combatentes Palacete Jardim – Arte Nova (só exterior) Residencial Mikotânia
Elevadores do Jardim Ponte da Carpinteira do Arq. Carrilho da Graça New Hand Lab (Antiga fábrica têxtil e co-working place de múltiplos artistas – laboratórios criativos - com marcação prévia)
Elevadores do Jardim
Residencial Mikotânia (varanda com vista soberba sobre a ponte da carpinteira e um leque de petiscos caseiros pela mão da D. Irene Corono) Julho 2020
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SEGREDOS DA COVA DA BEIRA Não precisamos de nos deslocar para o sul do país para descobrir cantinhos e encantamentos. A Cova da Beira está repleta de lugares por deslindar, por isso apontamos estas sugestões para explorarem quer no verão quer durante o atarefado ano letivo, como uma escapadela revigorante.
FUNDÃO Pequena cidade próxima da Covilhã. Sugerimos a visita ao parque do convento, a caminhada pelo circuito da Pedra d’Hera e ao Museu Arqueológico do Fundão. Parque do Convento Possui um parque de merendas com mesas, assadores e lava-loiças que proporciona um ótimo local para um piquenique. Na vertente mais aventureira, é possível realizar arvorismo (percurso infantil e outro para adultos), escalada numa parede de 7 m e um circuito de manutenção. Além disso, possui também o Centro de BTT da Serra da Gardunha que propõe diversas rotas. Circuito da Pedra d’Hera (6,7 km; 1h50min) Percurso sinalizado para caminhar, com início na Praça do Município do Fundão ou no Parque do Convento. Tem um magnífico miradouro sobre a Cova da Beira. Museu Arqueológico do Fundão Neste museu estão expostos, principalmente, artefactos arqueológicos dos períodos Neolítico e Romano. A salientar que a maioria destes foram encontrados na região.
ROTA DE JANEIRO DE CIMA CASTELO NOVO Em plena Serra da Gardunha, no concelho do Fundão, encontramos Castelo Novo, uma das aldeias históricas de Portugal. Possui múltiplos lugares para visitar como: o Castelo e Torre Sineira, a Igreja Matriz, o Cabeço da Forca, onde estavam assentes as forcas para punição de criminosos, Chafariz da Bica, Casa da Lagariça, onde encontramos peças de artesanato locais e bonecos do projeto “Histórias Criativas”, que surgiram da reinvenção de lendas das aldeias históricas pelas crianças da região, os Antigos Paços do Concelho e o Pelourinho. Para lazer, possui uma praia fluvial que oferece um ótimo refresco depois de um dia a conhecer esta bela aldeia.miradouro sobre a Cova da Beira.
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10km de uma agradável caminhada pelas margens do rio Zêzere, local de elevado interesse geológico, para contemplar a paisagem ou relaxar num passeio de barco. Na proximidade do percurso pedestre, pode aproveitar para descobrir os recantos desta Aldeia de Xisto, onde existe a Casa das Tecedeiras que promete preservar a tradição do linho e o Miradouro da Sarnadela de onde se avista uma porção da Cordilheira Central portuguesa.
SORTELHA
BELMONTE
Corresponde a outra das aldeias históricas de Portugal, que pertence ao concelho do Sabugal. Nesta aldeia é possível visitar o castelo e as muralhas, a Torre Sineira e a Igreja Matriz. Perto de Sortelha está também a conhecida “Cabeça da Velha”, uma formação rochosa de granito. Todas as suas habitações são de granito e, em conjunto com o castelo, dão a sensação que estamos a vivenciar a época medieval. Talvez por esse motivo, anualmente é realizada na aldeia uma feira alusiva ao tema.
Diretamente da terra de Pedro Álvares Cabral e apelidada por alguns de “museu a céu aberto”, esta Aldeia Histórica com influências judaicas (possui inclusive uma Sinagoga) assegura uma avalanche de conhecimento aos visitantes. Para que não escape nenhum ponto interessante, sugerimos o Castelo, de onde se pode contemplar a Serra da Estrela, a Torre de Centum Cellas, no Monte de Santo Antão, as ruínas romanas na Quinta da Fórnea, e uma variedade de Museus, como o por exemplo o Judaico, dos Descobrimentos ou ainda o Ecomuseu do Zêzere.
PRAIA FLUVIAL DE VALHELHAS Valhelhas, aldeia da Serra da Estrela, banhada pelo rio Zêzere, permite passar um agradável dia rodeado de paisagem magnífica. Com estruturas de apoio, possui um parque de campismo, parque de merendas e bares.
PRAIA FLUVIAL DE UNHAIS DA SERRA Desta vez, inserida na Covilhã, com uma paisagem verdejante e águas cristalinas que propiciam um ambiente de paz, sugerimos este cantinho onde existem restaurantes e grelhadores para saborear uma refeição com tranquilidade e, para incentivar a algum exercício, esta dispõe de um campo de futebol e circuitos pedonais na proximidade. Para um relaxamento extra, as termas locais - Aquadome - a uma altitude considerável enquadradas num vale glaciar podem ser uma excelente opção!
COVÃO DOS CONCHOS Este sistema profundo de escoamento de águas, que à primeira vista aparenta ser a entrada para outra dimensão, localiza-se em plena Serra da Estrela e conduz a água da Ribeira das Naves até à Lagoa Comprida. Pela margem esquerda desta, pode percorrer-se um caminho de terra batida desde o parque de estacionamento até ao local, perfazendo um percurso de 5km (apenas pedestre) repleto de paisagens naturais promissoras. Apesar da facilidade do trajeto, este não está sinalizado, sendo sinuoso em certas partes, pelo que é aconselhado o uso de equipamento prático e alguma atenção!
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Fundão
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er Finalista em Tempos de Pandemia
Ser Finalista assim não é ser realmente finalista! Sem estágio nem aulas, os dias são guiados por nós, e são TODOS iguais. A tese é apresentada por videochamada e o stress aumenta. A bênção… pois, a bênção não há palavras, apenas lágrimas a correrem pela cara! Nem a oportunidade de entregar fitas a todos os que queríamos tivemos. Covilhã, não era assim que me queria despedir de ti! A pandemia veio impedir que criássemos memórias que iríamos levar para o resto da vida, mas acredito que nos fez valorizar muita coisa de outra maneira e isso, a longo prazo, refletir-se-á pela positiva. Um dia desejo voltar e fechar as portas que agora deixo abertas! Até já!
A nível académico acho muito penalizador, à entrada para um ano em que já temos bastante responsabilidade apesar de sermos tutelados, não se finalizarem todas as atividades em meio hospitalar, principalmente a tão pouco tempo de começar a exercer. A nível pessoal, acho que cada pessoa acaba por ter a sua forma de lidar com a adversidade e acaba por ser afetada à sua maneira, mas o que me custa principalmente não é a falta de um momento de celebração - neste caso seria a bênção das pastas – mas acima de tudo a falta daqueles momentos de despedida, que apesar de custosos são muitas vezes necessários. A Covilhã e as suas pessoas deram-nos muito e sinto que merecíamos um até já com mais proximidade e abraços apertados, porque apesar de acabar por ser um clichê, a vida universitária será mesmo uma das melhores alturas das nossas vidas
Este ano é um encerrar de um capítulo que se iniciou há 6 anos, somos finalmente finalistas. Acho que todos tínhamos uma ideia de como iríamos terminar esta etapa - a típica entrega da tese nos Serviços Académicos, a fotografia no painel da faculdade após a defesa, a última Serenata, a nossa Bênção ao lado das pessoas que nos acompanharam até aqui, seriam alguns dos marcos a cumprir. Ninguém esperava o que aconteceu ou as repercussões que iria ter. Vivemos um período de grandes incertezas em que ninguém nos conseguia dar respostas. Com tempo e com ajuda, apesar de ainda não estar tudo definido, estamos a conseguir ultrapassar aos poucos grande parte dos obstáculos “burocráticos” que esta situação impôs. A somar a estas incertezas, sobra algo que é uma constante este ano - o estudo para a prova. Este estudo por si só já não é algo fácil e, apesar da quarentena invariavelmente me ter dado mais tempo para estudar, complicou todo o cenário envolvente. Fica também a tristeza pelos momentos que foram perdidos e por aqueles que ainda não sabemos se vão ser. A Covilhã acolheu-me e deu-me uma segunda família, durante seis anos vivi experiências inesquecíveis aqui, foram muitas as lágrimas, as frustrações, os sorrisos e os abraços. Esperava celebrar estes momentos e agradecer tudo o que recebi ao lado da minha família, daqueles que também se tornaram família e dos colegas que me acompanharam neste percurso. A despedida nunca seria algo fácil e desta forma ficou ainda um pouco mais desafiante. Este percurso pode não estar a acabar como idealizei, mas sei que levo comigo o mais importante e isso será sempre um bom motivo para recordar este ano.
Pedro Matias
Beatriz Rodrigues
Carolina Simão
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O sexto ano sempre foi e sempre será um ano carregado de imensas expectativas. Um ano puramente clínico, um ano de estudo intenso na preparação para o exame decisivo, um ano em que obtemos grau de Mestre em Medicina, um ano em que festejamos a nossa última semana académica, um ano em que abanamos as fitas e em que recebemos a bênção juntamente com todos os finalistas, um ano de despedidas. Mas tudo isto, pelo que tanto ansiávamos, foi-nos roubado por uma pandemia inesperada. Os tempos que se seguiram foram tempos de instabilidade, revolta, tristeza e incerteza. Contudo, mesmo tendo sido defraudadas as minhas, e as nossas, expectativas, estes seis anos ajudaram-nos a desenvolver capacidade de resiliência. Lendo o seu significado, que passo a citar, “capacidade de superar, de recuperar de adversidades”, percebemos que não haveria melhor ferramenta que a faculdade nos pudesse ter dado. Confrontamo-nos assim com uma nova realidade, em que despedidas ficam adiadas e a internet passa a ser a nossa grande aliada. Os abraços são substituídos por longas videochamadas, o estudo é ajustado às plataformas digitais, e o grau de Mestre virá com uma defesa feita à distância. A vida é assim, esperar o inesperado, e superar as dificuldades, quer a nível pessoal como profissional. Infelizmente, esta pandemia tirou-nos momentos muito desejados, e, ironicamente, relembrou-nos da nossa responsabilidade social enquanto futuros profissionais de saúde. Filipa Macedo Nestes tempos anómalos, em que a vida pareceu parar, é difícil ganhar a noção de que, na verdade, o tempo seguiu. Apesar de aumentar a incerteza de um ano que, para qualquer finalista de Medicina, carece de certezas por si só, permitiu também a oportunidade de tirar um momento para pensar naquilo que tantas vezes esquecemos. Um momento para pensar no motivo pelo qual estudamos o que estudamos. Um momento para pensar naqueles que estiveram sempre ao nosso lado. Um momento para pensar que nem sempre as coisas correm como se esperava. Sem dúvida, um último ano que não sabe a último ano por não carregar o agridoce que se espera. Talvez, mais à frente no tempo, haja a oportunidade de encerrar esta etapa como ela merece. Isabel Fernandes Ser-se finalista em termos pandémicos é um misto de sensações e de emoções. Se por um lado, é o culminar de um caminho de trabalho esforço e resiliência, por outro lado, é o concretizar de um sonho sem a sua etapa final - a bênção das pastas - e sem as pessoas que tanto para ele contribuíram. O ser humano é um ser adaptativo, que cresce na adversidade e na saída da sua zona de conforto. Os obstáculos geralmente acabam por se transformar em forças, evitamos que as fraquezas se tornem em ameaças e passem a oportunidades. Assim, apesar de todo o processo e consequências que a Covid-19 teve neste ano letivo e na população em geral, espero que tudo volte aos mínimos da normalidade para que num futuro próximo se possa fazer a festa que todos planeámos previamente. Ana Meireles
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Da Janela do Meu Quarto
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esmo que soubesse de antemão, ser-me-ia difícil conceber a ideia de que, a partir de março, estaria confinada à minha casa e ao meu quarto. Numa época em que tudo lá fora floresce! Não são apenas as flores que brotam e as árvores que resplandecem…. Abrem-se sorrisos, fortalecem-se laços, a felicidade e a ânsia de aproveitar a vida impõem-se! Repentinamente, ficamos desprovidos de quase tudo aquilo que é inerente à condição humana: privaram-nos do contacto físico, da confraternização, das visitas recorrentes aos familiares, principalmente, àquela que é a geração mais frágil, tão importante para nós… Através da janela do meu quarto, comecei a contemplar a paisagem que me envolvia e a prestar mais atenção aos pormenores que, com frequência, na azáfama dos dias, escapavam! De janela aberta, escutava o passar da brisa, o estalar das folhas, e o ruído dos automóveis tinha cedido lugar a uma quietude imensa, sinal de que a comunidade estava, de facto, empenhada em lutar por um bem comum! De quando em quando, os pássaros aglomeravam-se na minha varanda e substituíam o silêncio por uma melodia quase orquestrada! “Não deixa de ser irónico!”, pensava eu. O Homem, esse ser, por vezes, ganancioso e egoísta, que crescentemente se tem apoderado da Natureza, estava confinado dentro de quatro paredes, vendo esta seguir o seu rumo, ainda mais serena, imponente! Num ápice, fomos dominados por um “organismo”, que nem a olho nu é visível, e que ultrapassou fronteiras mais depressa do que alguma vez conseguiríamos prever! Estaria a Humanidade preparada para enfrentar um desafio com tamanhas proporções à escala global? Obviamente, não! De que serve, então, a competitividade, a soberba, a crueldade, se em situações como esta, que nos apanham completamente desprevenidos, nos tornamos tão frágeis e impotentes?! Afinal de contas, só a união faz a força, e verificamos isso, na perfeição, ao nos unirmos como sociedade que somos para tentar travar esta batalha! Da janela do meu quarto, ansiava pela chegada do dia em que tudo voltasse à normalidade, mas sempre com a consciência de que esse dia tardaria! Desejava poder caminhar pelas ruas verdejantes, que tanto caracterizam o local onde vivo, e aproveitar tudo ao máximo sem ter de pensar nas consequências que tal pudesse acarretar! Gostava de voltar a sentir o calor do abraço da família e do carinho dos amigos! Em simultâneo, receava este regresso e sabia, claramente, que estes meus desejos não poderiam ser satisfeitos num futuro próximo! Ao invés, ter-nos-íamos de adaptar gradualmente! Quero acreditar que todo este tempo de recolhimento e de introspeção serviu para nos tornarmos melhores pessoas, gratas por tudo aquilo que nos faz tanta falta e que, no passado, assumíamos como garantido! Agradecer por vivermos num país tão sereno, por termos todas as condições básicas de que necessitamos ao nosso dispor! Por termos uma família, que mesmo afastada fisicamente durante este período, sabemos que está connosco! Da janela do meu quarto, pensei inúmeras vezes nas crianças que desejavam tudo isto, muito antes da pandemia, e, infelizmente, nunca viram os seus desejos concretizados… Crianças que necessitam de estabilidade, de uma família que as conforte, de igualdade! Espero, sinceramente, que a harmonia que as pessoas demonstraram, ao se unirem para superarem este desafio, prevaleça daqui em diante! A pandemia foi a maior prova de que a Humanidade é capaz de unir todas as forças para alcançar um mundo melhor! Não poderemos, nunca, é rumar sozinhos!
Marta Soares 32
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Casos Clínicos 1. Perante uma suspeita de Enfarte Agudo do Miocárdio qual dos seguintes passos não deve ser realizado? A) Caracterizar a dor e manter a vigilância apertada B) Impedir o doente de realizar qualquer esforço C) Doente deverá estar sentado, em posição cómoda e zona oxigenada D) Dar um copo de água ao doente E) Dar aspirina 100mg Resposta: D
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2. Uma mulher (N.M.A.) de 48 anos de idade recorre ao seu médico de família por sintomas de nervosismo, palpitações e intolerância ao calor, com uma evolução de 6 meses. Ao exame objetivo a doente apresentava uma formação nodular palpável no lobo direito da tiróide. Qual o achado que seria menos provável de encontrar na restante observação clínica desta doente? A) Taquicardia B) Emagrecimento, sem perda de apetite C) Pele fria e seca D) Tremores E) Aumento da tensão arterial Resposta: C 3. Uma jovem (J.L.) de 16 anos recorre ao Serviço de Urgência (S.U.) por febre e odinofagia desde há cerca de 2 semanas. Foi medicada com Amoxicilina + Ác. Clavulânico, durante 8 dias, para tratamento da amigdalite aguda, porém não houve resolução dos sintomas. Recorreu novamente ao S.U. e ao exame objetivo observou-se amígdalas hipertróficas e ruborizadas bilateralmente, com abundante exsudato bilateral. Também apresentava adenomegalias dolorosas cervicais bilaterais. Qual(is) a(s) hipótese(s) de diagnóstico que deve(m) ser considerada(s)? A) Mononucleose infecciosa B) Abcesso parafaríngeo C) Amigdalite bacteriana aguda resistente à antibioterapia D) A + B E) A + C
Por Melissa Amarante
Resposta: E
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