Especial - XIII Edição BeInMed

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Edição Especial

Revista MedUBI

XIII EDIÇÃO BEINMED

Fevereiro 2022


COORDENADORA GERAL Marta Soares COORDENADORA CIENTÍFICA Lúcia Heitor COORDENADORA CULTURAL Rita Claro COORDENADORA DE COMUNICAÇÃO E PATROCÍNIOS Melissa Amarante COORDENADORA DE IMAGEM Inês Roseta COLABORADORES David Raimundo Maria Beatriz Carvalho Rodrigo Martins Sara Gomes DESIGN E PAGINAÇÃO Inês Roseta FONTES DAS IMAGENS UTILIZADAS: Unsplash, Pexels, Envato

PROJETO

MORADA Avenida Infante D. Henrique, 6200-506 Covilhã, Portugal TELEFONE (+351) 275 329 098 E-MAIL geral@medubi.pt


Edição Especial

Fevereiro 2022

04 Nobel Session: Dr. William G. Kaelin Jr.: Anti-cancer therapies based on tumour suppressor proteins

06 Paralela: Dr. Henrique Prata Ribeiro: Esquizofrenia 1.0.1

10 Plenária: Prof. Dr. José António Silva: “Fibromialgia: mente no corpo”

15 Plenária: Prof. Drª. Leonor Saúde: “Regeneração da medula espinhal - o futuro?”

18 Plenária: Kypros Nikolaides: Hérnia Congénita Diafragmática

21 Paralela: Dr. Pedro Caetano: Lesões vertebromedulares em contexto de urgência


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NOBEL SESSION:

ANTI-CANCER THERAPIES BASED ON TUMOUR SUPPRESSOR PROTEINS

DR. WILLIAM G. KAELIN JR. Texto de: Inês Roseta e Marta Soares

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illiam G. Kaelin Jr., Sir Peter J. Ratcliffe e Gregg L. Semenza demonstraram o modo como as células reconhecem e se adaptam às variações na disponibilidade de oxigénio. Identificaram a maquinaria molecular que regula a atividade génica em resposta a estes níveis. (4) Estas descobertas tiveram um impacto extraordinário no tratamento de uma panóplia de patologias, incluindo cancro, anemia, ataques cardíacos e derrames. (5) O médico e investigador William G. Kaelin Jr. nasceu a 23 de novembro de 1957, na cidade de Nova Iorque, EUA. Estudou Química e Matemática em Durham, na Duke University, tendo recebido o grau de doutoramento pela mesma instituição. Realizou o internato na John Hopkins University em Baltimore e, no decorrer do ano 2022, começou a lecionar na Harvard Medical School, Cambridge. (1) Iniciou os seus estudos em proteínas supressoras de tumor no laboratório Dr. David Livingstone, onde tirou pós-doutoramento e passou a exercer, até à atualidade, como investigador clínico em oncologia médica em Dana-Farber. (2) O trabalho do laboratório Dana-Farber tem como base o estudo de genes supressores de tumor, bem como das funções das proteínas codificadas, na tentativa de, a longo prazo, encontrar a base para o desenvolvimento de novas terapias anticancro. Tem vindo a deter especial atenção nas proteínas supressoras de tumor Von Hippel-Lindau (pVHL), na do retinoblastoma (pRB) e na proteína semelhante à p53, a p73. (2) William G. Kaelin Jr. e o seu grupo de investigação debruçaram-se sobre a pVHL e demonstraram que, quando o oxigénio está disponível, esta tem como alvo a destruição de outra proteína, denominada “fator induzível por hipóxia” (HIF), marcando-a

com ubiquitina para degradação no proteossoma. Neste sentido, verificaram que células sem pHVL, ou com escassez de oxigénio, acumulam HIF, ativando um quadro de genes facilitadores da adaptação à hipóxia. (2) Por exemplo, Kaelin Jr. mostrou que células cancerígenas com um gene VHL não funcional expressam níveis anormalmente elevados de genes regulados por hipóxia. No entanto, quando lhes é reintroduzido um gene funcional, a normalidade é restaurada. O que ainda estava por esclarecer era um entendimento de como os níveis de oxigénio regulavam esta interação entre pVHL e HIF-1α, especificamente. Esta questão foi resolvida por Kaelin e Ratcliffe que concluíram que, em níveis adequados de oxigénio, são adicionados grupos hidroxilo em duas posições ao HIF-1α, modificação esta que permite que a pVHL reconheça e se ligue – prolil hidroxilação (processo que decorre com a intervenção de enzimas sensíveis ao oxigénio, chamadas prolil hidroxilases) (3). Os investigadores tinham, assim, acabado de elucidar o mecanismo de deteção de oxigénio e demonstrado o seu funcionamento. Esta descoberta abriu portas para estratégias promissoras no combate, por exemplo, à anemia, mas, fundamentalmente, ao cancro. É sabido que o mecanismo regulado por oxigénio tem um papel fulcral no desenvolvimento de tumores, utilizado para a angiogénese e para remodelar o metabolismo necessário à proliferação eficaz de células malignas. (3) Deste modo, graças ao trabalho pioneiro dos laureados com o Nobel da Medicina 2019, ficou provado que, face às mudanças nos níveis de oxigénio, respostas celulares imediatas ocorrem através da ação da transcrição do fator HIF (4).

Bibliografia 1. William G. Kaelin Jr – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Prize Outreach [cited 2022 Feb 1]; Available from: https://www.nobelprize.org/ prizes/medicine/2019/kaelin/biographical/ 2. G. Kaelin Jr. W. William G. Kaelin Jr., MD - Dana-Farber Cancer Institute | Boston, MA [Internet]. [cited 2022 Feb 1]. Available from: https:// www.dana-farber.org/find-a-doctor/william-g-kaelin-jr/ 3. Press release: The Nobel Prize in Physiology or Medicine 2019. NobelPrize.org. Nobel Prize Outreach [cited 2022 Feb 1]; Available from: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/2019/press-release/ 4. G. Kaelin Jr. W. William G. Kaelin Jr., MD - Dana-Farber Cancer Institute | Boston, MA [Internet]. [cited 2022 Feb 1]. Available from: https:// www.dana-farber.org/find-a-doctor/william-g-kaelin-jr/ 5. Gina Kolata MS. Nobel Prize in Medicine Awarded for Research on How Cells Manage Oxygen - The New York Times. New York Times [Internet]. 2019 [cited 2022 Feb 1]; Available from: https://www.nytimes.com/2019/10/07/health/nobel-prize-medicine.html 6. Bruce Y. Lee. The 2019 Nobel Prize In Medicine: Here Is What Won The Award. Forbes [Internet]. 2019 [cited 2022 Feb 1]; Available from: https://www.forbes.com/sites/brucelee/2019/10/08/the-2019-nobel-prize-in-medicine-here-is-what-won-the-award/?sh=50171ce94b77 7. American Association for Cancer Research. William G. Kaelin Jr., MD | AACR | Fellows of the AACR [Internet]. [cited 2022 Feb 1]. Available from: https://www.aacr.org/professionals/membership/aacr-academy/fellows/william-g-kaelin-jr-md/

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PARALELA:

ESQUIZOFRENIA 1.0.1

DR. HENRIQUE PRATA RIBEIRO

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enrique Prata Ribeiro concluiu o Mestrado Integrado em Medicina pela Universidade de Coimbra em 2013. Exerce atividade como médico psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo e desempenha funções como assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, coordenador da Comissão de Saúde Mental do Health Parliament Portugal e consultor no Programa Regional de Saúde Mental da Região Autónoma dos Açores. É ainda autor do livro “Urgências Psiquiátricas”, lançado em 2018, e jogador de rugby da Associação Académica de Coimbra. Inicialmente indeciso na escolha entre Direito e Medicina, optou pela segunda e prosseguiu a carreira na área da Psiquiatria, visando a procura da simbiose entre a prática médica e as ciências humanas. Defende que todas as pessoas que sofrem de perturbações psiquiátricas têm direito a receber os cuidados de saúde adequados e que “a esquizofrenia é, provavelmente, a doença mais limitante e mais estigmatizante da Psiquiatria”. Texto de: Maria Beatriz Carvalho

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A esquizofrenia é, muitas vezes, retratada como uma doença assustadora e perigosa, mas é realmente assim? Como descreve ser um doente com esquizofrenia “típico” (mesmo reconhecendo a grande variabilidade inerente das pessoas e doença)? A esquizofrenia é retratada dessa forma, maioritariamente pelo cinema. Penso que é de onde surge essa ideia que associa a doença a perigo e a algo completamente incompreensível. Felizmente, na Medicina de hoje em dia, não é o caso. A maioria dos doentes com esquizofrenia são tratados de forma devida e ainda este ano foi dado um importante passo no sentido de que cada vez mais o sejam - com a dispensa gratuita de todos os antipsicóticos a nível hospitalar, permitindo que façam medicações mais recentes, com perfil menos agressivo de efeitos secundários e que aumentam a adesão à terapêutica. Na maior parte dos casos nos quais existe violência associada a estes doentes, estes encontram-se no papel de vítima e não de agressor. Ainda assim, a doença não tratada pode gerar situações perigosas para os doentes e aqueles que os rodeiam, pelo que deve ser uma prioridade sensibilizar a população para a necessidade de tratamento (e capacidade de identificação de alguns sintomas) nesta doença. Quanto ao doente típico, é um doente de um estrato socioeconómico baixo, com um funcionamento social abaixo da média e muitas vezes com mau rendimento escolar. Devem depois, nalgum momento, cumprir os necessários critérios diagnósticos, que assentam sobretudo nos sintomas positivos - delírios e alucinações. Como devemos abordar um doente com suspeita de esquizofrenia? Como podemos reconhecer a doença? O doente deve ser abordado, caso as condições o permitam, como qualquer outro. É importante ao longo da história clínica fazermos perguntas que nos permitam despistar a existência de sintomas positivos - perguntar de acordo com aquilo que é mais frequente, se alguém lhes pode querer fazer mal; se alguém os persegue ou perseguiu; se têm alguma missão especial no mundo; se conseguem ouvir pessoas que falem mal de si, mesmo que à distância; se há alguma coisa estranha a ocorrer no seu redor. Não devemos deixar de

parte os sintomas negativos, que não sendo tão exuberantes, podem passar desperceidos, mas que nos podem ajudar a guiar a entrevista. Estes sintomas negativos são notórios muitas vezes no contacto dos doentes, mas deverá ser explorada a sua relação com os outros durante a infância/ crescimento, a sua vontade e iniciativa para fazer coisas e contactar com outros, a sua prestação escolar e a laboral, bem como a sua vida afectiva. A forma de diagnosticar a doença, como é óbvio, dependerá de os sintomas apurados se enquadrarem naquilo que são os seus critérios diagnósticos, que como disse na pergunta anterior, estão mais dependentes dos sintomas positivos. Como se deve lidar com uma pessoa com esquizofrenia numa perspetiva pessoal ou de médico não psiquiatra que atende uma pessoa com esta doença? Dependerá muito de se estar perante uma pessoa que sofre de uma esquizofrenia tratada ou não tratada. Um doente não tratado poderá ser mais difícil de tratar para outros tipos de patologia, por vários motivos. Nesse caso, deverá ser contactada a psiquiatria de ligação do hospital em causa, ou no caso de ser num episódio de urgência, a equipa de urgência. Caso se trate de um doente que sofre de uma esquizofrenia e se encontra em tratamento, deverá ser tratado como qualquer doente seria nas circunstâncias nas quais se encontre. Em que medida o estigma da doença afeta os doentes esquizofrénicos? Gostei da pergunta porque parte desse estigma é rotular-se as pessoas pela sua doença. Esse rótulo de “esquizofrénico” deve ser evitado, até porque teríamos muitas vezes de nos referir aos doentes como “esquizofrénico, hipertenso e diabético”, entre outros exemplos. É muito comum que isto aconteça em todos os meios, mas é uma das coisas que se deve mudar. O estigma tem um peso especialmente grande nesta doença porque ela motiva, em casos de agudização, alterações de comportamento que podem ser graves, bem como crenças inabaláveis, que não cedem à argumentação lógica - delírios - que são muitas vezes bizarras. Isto faz com que as pessoas considerem os doentes perigosos, que os rotulem com a sua doença e que os afastem dos seusa

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círculos sociais.Mesmo entre os médicos, pela presença tão profunda desse estigma, há muitas vezes um pior acesso a cuidados de saúde, com as queixas dos doentes a não serem devidamente valorizadas.

A forma mais simples de combater todo o tipo de estigma é dando acesso a informação e é essencial que isso aconteça em relação a esta doença, porque só assim conseguiremos gerar equidade para estas pessoas.

Tendo em conta as investigações atualmente em curso e os avanços científicos dos últimos anos nas áreas da neuroimagiologia e da neurobiologia, o que espera que, num futuro próximo, possamos ver esclarecido sobre esta doença? Já há algum conhecimento em relação ao mecanismo biológico quer dos sintomas positivos, quer dos sintomas negativos. Há também a identificação de neurotransmissores nos quais a actuação farmacológica é eficaz. Aquilo que espero ver, através de machine learning e da sua intersecção com a criação de biótipos com múltiplas variáveis, é um tratamento mais direccionado, mais adequado a cada subtipo de indivíduos que tenha a doença (visto que esta se pode apresentar de formas muito distintas). Num futuro um pouco mais distante, gosto de acreditar que se poderá actuar directamente em circuitos neuronais anómalos através de técnicas de psicocirurgia - vejo as neurociências cada vez mais próximas e a psiquiatria, a neurologia e a neurocirurgia a terem actuações conjuntas a vários níveis.

Considera importante que o suporte familiar do doente tenha acompanhamento numa fase inicial para melhor perceberem e saberem lidar com a doença? Qual considera ser o maior desafio para quem vive com uma pessoa com esquizofrenia? É essencial que os familiares destes doentes tenham acesso a informação, pelo que já foi anteriormente discutido em relação ao estigma e para que consigam compreender de que forma actuar em algumas situações específicas que podem ocorrer (por exemplo, saber como accionar um internamento compulsivo caso tal venha a ser necessário). Um dos principais diferenciadores de outcome nestes doentes, para além da pobreza, que é um factor de muito mau prognóstico, é um bom suporte familiar. Por isso, para além dessa informação, apoios sociais às famílias que necessitem devem ser uma prioridade.


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Na sua opinião, para além do tratamento farmacológico, existe mais algum tratamento complementar que poderá trazer benefício na qualidade de vida do doente? Claro que sim. Em nenhuma área da psiquiatria o tratamento deve ser meramente farmacológico, embora haja doenças - e a esquizofrenia é uma delas - nas quais o tratamento farmacológico é sem qualquer dúvida a mais importante ferramenta. A psicoterapia pode ser útil em doentes que se encontrem clinicamente estáveis, mas serão essenciais uma alimentação equilibrada e exercício físico regular - os doentes que sofrem de esquizofrenia apresentam uma esperança média de vida muito inferior à da população geral e maior propensão para sofrer de doenças metabólicas. Será também essencial, dado o peso que a canábis tem nos primeiros episódios desta doença, que se trabalhe com os doentes o afastamento do consumo de drogas, dando especial enfase à informação acerca dos riscos que essa substância acarreta.

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PLENÁRIA

FIBROMIALGIA: MENTE NO CORPO

PROF. DR. JOSÉ ANTÓNIO SILVA

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osé António Pereira da Silva é médico licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1982, onde leciona desde 1993. Doutorado em Medicina e Reumatologia pela Universidade de Londres em 1993. Atualmente, detém o grau de especialista em Medicina Interna e Reumatologia, dirigindo o Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Coimbra e assumindo o lema: “promover a felicidade mediante serviços de excelência”. Sublinha: “Os doentes aceitam que a felicidade é uma arma terapêutica se lhes for demonstrado por que têm dores.” Faz parte do European Board of Rheumatology, onde já presidiu, e da European League Against Rheumatism. Tem vários artigos científicos publicados em revistas de renome, cujas áreas de interesse incluem a fibromialgia: “Há muitos anos que tenho um interesse pela fibromialgia e pela sua relação com a felicidade”, conta o médico, refletindo a necessidade de um apoio continuado para que os doentes afetados por esta doença possam sair do ciclo vicioso stress-dor-stress. Sendo assim, em 2019, fundou o Instituto Virtual de Fibromialgia, “MyFibromyalgia”, um projeto que visa servir de apoio na gestão desta doença, através da divulgação dos mecanismos que estão na base desta patologia, bem como das inovações que permitam controlar a mesma. Lidera ainda diversos projetos de investigação em outras áreas como artrite reumatoide, osteoporose, lúpus, esclerose sistémica progressiva, entre outros, contando com a publicação de inúmeros artigos científicos de relevo. Texto de: Rodrigo Martins e Melissa Amarante

Acredita que a fibromialgia ainda é uma doença desconhecida e incompreendida pela sociedade? Acredito, de facto que a FM é pouco conhecida e quase completamente incompreendida pela sociedade, quer no sentido lato do termo, quer no sentido do pequeno núcleo social em que cada doente se move: família, amigos, colegas de trabalho, serviço públicos, ... Essa incompreensão contribui de forma muito relevante para o sofrimento destes doentes. Reconheço, contudo, que isso está longe de traduzir apenas ignorância ou má-vontade: nem a doença nem os doentes são fáceis de entender...

Como devemos abordar uma pessoa que acredita sofrer de fibromialgia? Como podemos chegar ao diagnóstico? Há critérios de diagnóstico relativamente simples de aplicar e que exigem a associação de dor inexplicada em várias áreas corporais e uma combinação de outros sintomas, incluindo perturbações do sono e/ou fadiga, au ainda depressão, cefaleias, dores abdominais e/ou perturbações concentração e memória. A maior dificuldade reside em suspeitar do diagnóstico perante quadros clínicos que podem ser muito variados e em que, com frequência, coexistem outras causas de dor. Reconhecer que a

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“Acredito, de facto que a FM é pouco conhecida e quase completamente incompreendida pela sociedade, quer no sentido lato do termo, quer no sentido do pequeno núcleo social em que cada doente se move: família, amigos, colegas de trabalho, serviço públicos... Essa incompreensão contribui de forma muito relevante para o sofrimento destes doentes...”

FM te um espectro de intensidade - todos temos um certo grau de “Fibromyalgianess” que influencia, de forma mais ou menos decisiva e dominante, a apresentação das nossas queixas músculoesqueléticas. Sem sensível ao sofrimento, mesmo quando a doença subjacente é obscura, é a atitude mental mais necessária neste contexto. Quais as principais diferenças entre a abordagem tradicional e a adotada pelo instituto MyFibromyalgia®? Em MyFibromyalgia® damos uma importância decisiva ao auto-conhecimento e à gestão do stress na estratégia de controlo da FM. Temos uma firme convicção de que níveis elevados de stress e hipervalorização de “ameaça” são características nucleares desta doença, que afetam a sobremaneira da intensidade dos sintomas. Temos também experiência de que os fármacos, que constituem a base da abordagem comum, são muito pouco eficazes para a esmagadora maioria dos doentes. Em MyFibromyalgia® começamos por dar ao doente um modelo explicativo da doença que lhe permita compreender as suas nuances e flutuações relacionando-as com o seu estado de espírito. Trabalhamos depois com o paciente para desenvolver mecanismos de controlo do stress e promoção do bem-estar psicológico: Acreditamos que é possível Contruir Felicidade e (assim) Controlar a Fibromialgia. Temos, felizmente, muitos exemplos de sucesso com esta estratégia, apesar das dificuldades que ela encerra.

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A fibromialgia é uma doença ainda muito estigmatizada na sociedade. De que forma este estigma afeta os pacientes? E como podemos contribuir para a desconstrução do mesmo? Imagine o leitor que sofria dores como as que estes doentes descrevem, “terríveis”, “horríveis”, pelo corpo todo, para a qual ninguém encontra uma causa. A isto juntam-se uma insónia crónica e um cansaço acentuado, frequentemente ao nível da exaustão, que o impedem de realizar as suas atividades sociais e profissionais ao nível que desejaria. Está cansado de correr médicos e ninguém lhe dá um diagnóstico, embora sugiram que “está tudo na sua cabeça”, como se você se pudesse livrar-se dela.... Os exames realizados, e são muitos, são todos normais. Os medicamentos mostram-se inúteis... o sofrimento não o larga, cada vez mais profundo e incapacitante. Imagina alguma coisa mais dolorosa em cima disto do que ter que enfrentar a desconfiança e o desdenho dos outros, da família, dos colegas e até dos profissionais de saúde? Só porque não vê nada no seu corpo? Como podemos combater o estigma: começando por nós mesmos! Respeito, é a palavra-chave. Reconhecer que ninguém conhece as dores de ninguém e, logo, ninguém tem o direito de duvidar que elas existem e têm a intensidade que o doente lhe atribui. O facto de não conseguirmos explicar cabalmente a origem dessas dores demonstra uma falha da Medicina, não uma “culpa” do doente!


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Como é que aprendemos e ensinamos a ser mais felizes? Muitas pessoas são felizes por natureza – tiveram sorte no dia da distribuição dos cérebros e saiulhes um levezinho por natureza. Esses felizardos nunca desenvolvem fibromialgia e têm dificuldade em entender que seja preciso um plano ou esforço para ser feliz... Mas, e os outros? Os outros precisam de um plano... Definir a felicidade como objetivo central e vida, compreender o que os impede de a atingir e que caminhos poderão conduzir lá. Antes de mais nada é preciso querer, verdadeiramente, ser feliz. Essa decisão é essencial e não é fácil para quem tem um cérebro preocupado e perfecionista, o espírito cheio de deveres e obrigações, incapaz de desfrutar completamente das belezas da vida... Conhecemos doentes para quem bastou este click para que tudo acontecesse com naturalidade e até espantosa rapidez. Para a maioria é um processo de desenvolvimento pessoal progressivo, lento mas enormemente facilitado pelos recurso que hoje temos, desde o apoio de profissionais, a Apps d em editação e mindfullness... Considera que este tipo de ensinamentos poderia ser útil para outro tipo de doenças, nomeadamente nas perturbações de ansiedade e depressão? Não tenho qualquer dúvida. Acredito mesmo que a influência vai bem além destes distúrbios de índole afetiva, para incluir patologia de todos os foros, da Cardiologia à Gastroenterologia, da Neurologia à Oncologia: em todas as áreas há evidencia de que a atitude mental e os níveis de stress influenciam os processos patológicos e as respostas à terapêutica de forma decisiva. Mesmo que não afetem a doença poderão afetar o sofrimento – ora é o sofrimento e não a doença que dá dignidade e nobreza à Medicina. Esta é uma dimensão tristemente ignorada nos cursos de medicina. Tenho a esperança de que as próximas décadas testemunharão um avanço decisivo da Medicina nestes campos da interação mente-corpo.

Na sua opinião, o apoio entre pares é uma ferramenta importante para as pessoas que sofrem de fibromialgia? Acredito que sim, ainda que isso não dispensasse a mudança de atitude da sociedade e, em especial, dos profissionais de saúde sobre a doença. Creio, contudo, que também as associações de doentes precisariam de desenvolver um novo entendimento da fibromialgia e da melhor forma de ajudar os doentes: focar o trabalho comum nos aspetos negativos da doença e na procura de benefícios sociais contribui, a meu ver, para reforçar o estigma e a desesperança, aumentando o sofrimento.

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Qual considera ser o papel do suporte social no curso desta doença? Por norma, considera que os doentes recebem o apoio suficiente por parte da família ou que as suas queixas são desvalorizadas? Abordei a questão da família do contexto social ao longo das questões anteriores. Interessa-me também a questão do apoio social no sentido do direito às baixas e reformas. Estes doentes são fortemente discriminados pelas juntas de avaliação médica, em virtude da ausência de sinais ou exames complementares que permitam, comprovar a doença e aquilatar do grau de incapacidade. Compreendo a dificuldade e o dilema em que uma doença desta natureza coloca ao Médico forçado pela natureza das suas funções a desconfiar do seu doente... Penso que faria sentido que a avaliação da incapacidade nestas circunstâncias deixasse de caber aos Médicos, que a não podem fazer de forma objetiva, e passasse para o foro da investigação por agentes sociais ou policiais que sondariam o dia-a-dia do indivíduo como forma de estimar o seu grau real de incapacidade.

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PLENÁRIA

REGENERAÇÃO DA MEDULA ESPINHAL - O FUTURO?

PROF. DRª. LEONOR SAÚDE

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rofessora Doutora Leonor Saúde é natural da Covilhã e iniciou o seu percurso académico na Universidade de Aveiro, onde se tornou bióloga. Posteriormente, seguiu para a capital para se tornar mestre em Engenharia Bioquímica no Instituto Superior Técnico, para finalmente se doutorar em Biologia do Desenvolvimento na University College London. Em 2005, criou o seu grupo de investigação no Instituto Gulbenkian de Ciência, após completar o seu pósdoutoramento na mesma instituição. Atualmente gere o seu laboratório no Instituto de Medicina Molecular e é docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. O seu grupo de investigação tem sido premiado desde o seu início: recebeu o Prémio Pfizer de Investigação Básica em 2005, o qual voltou a vencer em Novembro de 2021 com o seu trabalho em “Targeting senescence cells improves functional recovery after spinal cord injury”. A sua área de estudo inclui remodelação vascular, matriz extracelular e células senescentes, focando a sua atenção na regeneração da medula espinhal em peixes-zebra e na influência do microambiente tecidular neste processo. O estudo desta característica particular dos peixes-zebra poderá elucidar mecanismos de recuperação de lesões espinhais, o que é impossível em mamíferos. Citando a própria a partir da edição de “Mulheres na ciência”, em que participou: “(...) Será que podemos usar este conhecimento (totipotência do zigoto) para ativar os mesmos processos num humano adulto e conseguir assim regenerar órgãos danificados por lesões ou doenças? É esta pergunta que me move todos os dias!”. Para além do trabalho de Leonor Saúde como investigadora, é também Diretora do Biotério de Peixezebra, e membro da TechnoZeb - TechnoPhage, SA e Executive Board of the European Zebrafish Society (EZS). Despertamos a tua curiosidade? Vem conhecer melhor esta importante personalidade da ciência em Portugal, e descobrir um pouco mais sobre o seu fascínio pelo peixezebra e a sua procura incessante pelo que nos distingue destes seres tão pequenos mas tão ricos. Texo de: Lúcia Heitor e Rita Claro

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Porquê estudar a medula espinhal em particular? O que a atraiu para este tema? O que me atraiu foi a importância deste órgão no nosso corpo. A medula espinhal está protegida pela coluna vertebral e funciona como uma via de comunicação entre o cérebro e o corpo (ou seja, entre o centro de comando e a periferia). A medula espinhal leva informação motora do cérebro para os nossos músculos e depois traz de volta ao cérebro informações sensitivas. A complexidade das redes neuronais para que esta comunicação seja possível e eficaz é de facto fascinante.

Acredita que será possível expandir o estudo do microambiente tecidular a outras doenças? Entre estas, o cancro, em que é cada vez mais marcante o envolvimento da matriz extracelular na sua capacidade de invasão. Sem dúvida, temos que entender as células e o que as rodeia dado que estas estão em contante comunicação com o microambiente tecidular, ao qual respondem e ao qual se adaptam. E isto é válido para variadíssimos contextos de doença, sendo o cancro um exemplo onde isto é claramente muito relevante.

A utilização de zebrafish como modelo de estudo ainda é relativamente desconhecida. Quais são as vantagens de trabalhar com zebrafish e como é que a comparação deste modelo permite elevar o seu estudo em relação aos modelos mais clássicos? O peixe-zebra foi trazido para o laboratório nos anos 70 do século XX. Desde então tem demonstrado e consolidado a sua importância como um modelo animal na investigação biomédica, dado que existem cada vez mais linhas transgénicas e de modelos de doenças variadas que estão ao dispor da comunidade científica. Estes pequenos peixes, com cerca de 4-5 cm na idade adulta, têm um desenvolvimento rápido com os órgãos principais desenvolvidos às 24 horas após a fertilização, obtêm a maturidade sexual aos 3 meses de idade, possuem sistemas de órgãos muito semelhantes aos dos humanos (com exceção do sistema respiratório, claro!), e contam com 70% de homologia genética em relação aos humanos (ou seja, não muito longe dos 75% apresentados pelo murganho, ou seja, pelo modelo mais clássico). Por último, e muito relevante para mim, é a capacidade que este animal tem de regenerar todos os seus órgãos, inclusive a medula espinhal. Ao contrário de nós, os humanos, que depois duma lesão da medula espinhal podemos perder irreversivelmente a capacidade de movimentar as pernas e os braços, o peixe-zebra consegue recuperar a capacidade de nadar após uma lesão grave. Assim, este pequeno animal é uma oportunidade para descobrirmos o que temos que ativar e como para que os mecanismos de regeneração sejam ativados nos humanos.

Como pensa que será possível recriar o microambiente regenerativo do zebrafish em humanos que não possuem essa capacidade? Primeiro há muito trabalho a ser desenvolvido para que consigamos entender em profundidade o que se passa nesse microambiente tecidular no peixezebra. Depois podemos considerar a recriação de um microambiente regenerativo com a utilização de fármacos que modulem vias de sinalização de sinal desreguladas, terapias celulares que substituam as células que morreram, terapias com biomateriais que recriem as características biomecânicas deste tecido, electroestimulação que recativem redes neuronais que tenham sobrevivido à lesão, etc. Quais as maiores dificuldades que tem sentido na utilização de zebrafish como modelo de estudo? Por vezes temos ainda que reforçar o poder deste peixe como modelo animal. Ainda há alguma resistência por parte de alguns cientistas, dado que este animal não é um mamífero e por vezes as pessoas acham que está muito longe dos humanos. Como investigadora, qual considera ser a melhor forma de lidar com a frustração quando o seu trabalho não segue o rumo planeado? Parar, pensar, analisar, discutir com colegas e continuar a trabalhar. E ter sempre presente que um desvio nos pode conduzir a uma descoberta tão ou mais importante.

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PLENÁRIA

HÉRNIA CONGÉNITA DIAFRAGMÁTICA

DR. KYPROS NIKOLAIDES

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ypros Nicolaides nasceu no Chipre e estudou Medicina no King’s College London. Atualmente, é professor no King’s College Hospital e diretor da sua unidade de investigação e do Harris Birthright Centre, uma unidade clínica e de investigação na área da Medicina Fetal, no mesmo hospital. Kypros Nicolaides fundou o Fetal Medicine Centre, cujos lucros revertem para uma fundação que subsidia investigação científica e bolsas de formação para médicos de todo o mundo. É, ainda, o protagonista de um episódio da série documental da Netflix The Surgeon’s Cut, que acompanha o seu quotidiano como médico. Autor de mais de 1400 artigos publicados e vencedor de vários prémios internacionais, Kypros Nicolaides é considerado um dos “pais” da Medicina Fetal, tendo mais de 40 anos de experiência dedicados à cirurgia fetal, ao diagnóstico pré-natal e à investigação para prevenir complicações na gravidez. Foi pioneiro no desenvolvimento de técnicas cirúrgicas que permitiram salvar a vida de centenas de bebés, nomeadamente, a Oclusão Traqueal Fetoscópica, utilizada no tratamento de fetos com hérnia diafragmática. Texto de: David Raimundo

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How does it feel to perform surgery on beings that are still under development? Is it still nervewrecking or extensive training and experience beats the uneasiness? Fetal surgery is difficult to perform because the patient is very small and it is always done by the use of endoscopes that are introduced through the mother’s abdomen into the uterus and these endoscopes are 2-3 millimetres in diameter. People performing fetal surgery need to have very extensive training, quite often for many years and that’s why there are only a few super specialist centres in the world that carry out these procedures. How does the procedure for correction of diaphragmatic hernia work? What are the greatest difficulties and critical points to be aware of? In diaphragmatic hernia the presence of liver and bowel in the chest compresses the lungs and prevents them from developing normally and the high proportion of babies will die soon after birth because their lungs would not have developed. Earlier attempts at fetal surgery in the nineteen eighties and early nineties involved opening up the uterus and then opening up the baby and trying to pull the liver and the bowel down to the abdomen and then stitching up the defect as you would in postnatal life. Unfortunately, the results from these surgeries were very poor. The method that we have developed twenty years ago involved the introduction of the thin endoscope inside the uterus and then entering the baby’s mouth going down to the oropharynx and then under the epiglottis, through the vocal cords and into the trachea. We then deposit a balloon into the trachea, which prevents the escape of the fluid from the lungs. Normally in fetal life, babies’ lungs are producing fluid, which is constantly escaping into the amniotic cavity. By inserting the balloon, the fluid is retained within the lungs, the lungs are stretched and this stretch stimulates growth. Also as the lungs expand some of the bowel from the chest will be pulled back into the abdominal cavity. The procedure is carried out at around 27 weeks and then we need to repeat the fetoscopy at around 34 weeks to go in and now puncture the balloon and remove it from the throat otherwise if

the baby is born with the balloon in the throat it will die soon after birth because it will not be able to breath. Since the usual treatment for congenital diaphragmatic hernia is surgery after the baby is born, what are the main advantages of performing this surgery in utero? Are the rates of survival and prognosis better than the traditional approach? In most of the babies with diaphragmatic hernia the condition is not very severe and these babies have an operation after birth. However, in the group of babies that have severe diaphragmatic hernia, if we wait for surgery after birth the baby will die. It will die soon after birth and before even the action of having a surgery. In these cases of severe diaphragmatic hernia it is important to try to do a procedure before birth to stimulate fetal growth so that the babies survive after birth and then they will have a definite postnatal surgery. We have spent many years developing the technic and then in the last ten years we have been carrying out the multi-centres study in various centres in Europe and the United States and we have recently found out from this trial that intrauterine surgery in case of severe diaphragmatic hernia improves substantially the rate of survival. So, in summary, the surgery postnatally is the method of treatment for the majority of cases but in the subgroup with the severe disease fetal surgery is essential to improve survival. What advice do you have for future doctors, in particular, those with an interest in obstetrics and gynecology and fetal surgery? Obstetrics and gynaecology is a very interesting and diverse field. Some people will be very much interested in surgery for cancer for example, and they will become the gynaecology oncologists, others are interested in fertility and there are many developments in this field where you can be involved in in vitro fertilisation. Others are interested in general gynaecology and some are interested in obstetrics. Small group of people are allowed to specialise in fetal medicine so the beginning of the training is the same for everybody. They do obstetrics and gynaecology and then you

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subspecialise in the field of interest. I think the field is extremely exciting and provided you love it then it is worthwhile because it is so very specialised and you’re helping babies survive that would otherwise have died. Do you feel like an innovative surgeon? Looking back on your career, what do you feel was your main contribution to your field of work? I have been involved in fetal medicine from the very beginning, soon after I qualified in medicine. The King’s College Hospital where I qualified was the pioneering centre in fetal medicine in the world, so I entered this field and then I have carried out an extensive research over the last few decades. I have described the series of different signs with which you can diagnosed fetal abnormalities. For example, in the nineteen eighties, I described how the shape of the head of babies with spina bifida is different than normal and I called that the lemon and the cerebellum is curved and I called that the banana sign. With these signs it is possible to diagnose the condition more easily. In the early

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nineteen nineties, I described how in babies with Down syndrome and many other chromosomal abnormalities, there is an increase in the collection of the fluid behind the fetal neck that can be seen by ultrasound easily in the 12 week of pregnancy. It is called nuchal translucency and the scan is now carried out throughout the world as a method of identifying the pregnancies at risk of chromosomal and other abnormalities. I introduced fetal blood sampling for the diagnosis of fetal anaemia and then the fetal blood transfusions. I introduced the use of shunts putting drainage tubes in the thorax that drain the fluid in cases where the babies have plural effusions into the amniotic cavity and putting shunts in the bladder to drain the urine that is retained in babies with obstructive uropathy. In the early nineties I described the endoscopic laser surgery for the separation of babies with twin to twin transfusion syndrome identical twins where one of the twins is haemorrhaging into the other and then in the early two thousands we introduced the endoscopic placement of the balloon in the fetal trachea.


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What do you think is the most difficult part when you do the surgery in utero? People involved in fetal surgery must be very good in ultrasound scanning so that they can orientate themselves. Unlike postnatal surgery where you have a patient in front of you, in fetal surgery you need to have a 3 dimensional mind so you can visualise the patient inside the uterus by using ultrasound so you can orientate yourself. I think that is the most difficult part of fetal surgery orientation with the patient that is one step removed from you separated by the uterine wall. In your opinion, what are the most prominent concerns “Unlike postnatal surgery facing fetal care nowadays? where you have a patient Fetal medicine has expanded in front of you, in fetal into the major field of its surgery you need to have a own and it is important 3 dimensional mind so you that people involved in this field should receive can visualise the patient extensive training. They inside the uterus by using have to become very good in ultrasound so you can ultrasound scanning, so they orientate yourself.” can diagnosed a series of fetal abnormalities but they also need to be aware of many developments in molecular biology and genetics so that they can interpret better the results of what they see by ultrasound. They can monitor fetal growth for example, and found out if the babies are not growing well and then to decide when is the best time to deliver these babies. They have to be good in ultrasound, they have to be good in obstetrics and know how to manage pregnancies. Equally, they also have to be good in genetics so they can explain the abnormalities that they see. What does the future hold for fetal medicine research? Over the last thirty to forty years, we have developed the methods that we are using now for fetal surgery. I think that the number of conditions that have been unnameable for fetal surgery is very small so I don’t really expect major developments in discovering new conditions that would benefit from intrauterine surgery. However, many genetic diseases are potentially correctable by intrauterine stem cell transplantation or gene therapy. Therefore, I expect that major emphasis of research will be in the area of intrauterine stem cell transplantation and gene therapy.

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PARALELA

LESÕES VERTEBROMEDULARES EM CONTEXTO DE URGÊNCIA

DR. PEDRO CAETANO

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edro Caetano é médico especialista em Medicina Física e de Reabilitação, com Competência pela Ordem dos Médicos em Geriatria e Dano Corporal e pós-graduação em Direito Biomédico e Farmacovigilância. Atualmente, é coordenador do serviço de Medicina Física e Reabilitação do CHUCB, médico do Sporting Clube da Covilhã e delegado de farmacovigilância do INFARMED, estando envolvido no estudo do perfil de segurança das vacinas contra a COVID-19. Texto de: Sara Gomes

Em que consistem as lesões vertebromedulares e quais são as noções básicas que qualquer estudante de Medicina deverá ter sobre elas? Uma lesão medular é uma agressão da medula espinhal, que pode resultar quer numa alteração temporária quer permanente das funções motoras, sensitivas e autonómicas. Como resultado desta disrupção da transmissão nervosa, existem consequências tanto a nível da força muscular, como da sensibilidade, alterações vesicais e gastrointestinais, das funções sexuais e reprodutiva, dor, entre outras. Embora não seja uma temática muito abordada no curso de Medicina, é importante compreender a abordagem da lesão medular, reconhecer alguns dos seus subtipos mais importantes e com características clínicas próprias (os chamados Síndromes Medulares), classificar a lesão, conhecer as complicações médicas agudas e a longo prazo, entender as diferenças e as especificidades do exame objetivo e da história clínica de um doente medular. Considero fundamental que um estudante de

Medicina tenha conhecimento sobre o processo de reabilitação perante uma lesão medular, os seus objetivos e como deve ser realizada a prescrição de produtos de apoio/ajudas técnicas que vão permitir ao nosso doente a melhor integração na sociedade e no seu meio. Quais são as complicações mais associadas a lesões vertebromedulares em contexto de urgência e as suas consequências a longo prazo na qualidade de vida dos utentes? São várias as complicações associadas (tanto agudas, como crónicas) à lesão medular e o seu atempado diagnóstico e tratamento, assim como a devida prevenção, é fundamental no prognóstico funcional e vital. A trombose venosa profunda, o desenvolvimento de úlceras de pressão, espasticidade, ossificação heterotópica e a disfunção autonómica são frequentes no doente medular e podem ser evitadas. A disreflexia autónoma, em doentes com lesões acima de T6 (muitas vezes originada por uma simples infeção

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do trato urinário - ITU - ou do leito ungueal, obstipação ou pelo próprio imobilismo), é algo que temos de ter em conta em contexto de Medicina de Urgência, pois um atraso no diagnóstico poderá originar complicações potencialmente fatais (ex: AVC, convulsões). O risco de queda, assim como o desenvolvimento precoce de osteoporose, é algo a ter em conta, sendo as fraturas mais frequentes a nível da tíbia e do fémur distal. A dor é uma complicação muito frequente do doente com lesão medular e é o valor que mais baixa as escalas de pontuação de qualidade de vida. Está associada, muitas vezes, a stress, ansiedade e depressão. Outras complicações importantes são as alterações vesicais (bexiga neurogénica) e intestinais (intestino neurogénico), sendo que o internamento em centros de reabilitação poderá ser revelante para o seu estudo ou reabilitação.

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Como deve ser abordado um utente com lesão medular no serviço de urgência? É necessário realizar uma histórica clínica e um exame físico que incluam a avaliação detalhada dos sistemas músculo-esquelético, neurológico e urológico (por exemplo, é fundamental diferenciar uma ITU de uma colonização do trato urinário, muito típica nestes doentes). Existem algumas escalas que nos ajudam a avaliar a funcionalidade destes indivíduos (escala MI, SCIM) e que nos vão permitir monitorizar a sua evolução. É essencial também incidir com detalhe na história social, familiar e profissional, conhecer o estado funcional pré-mórbido, para se poderem definir objetivos mais exatos. A classificação do doente é parte fundamental na abordagem de uma lesão medular - com base na escala da Associação Americana de Lesões Medulares - que se baseia na identificação do


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nível neurológico (através do estudo da força muscular, sensibilidade) e permite uniformizar esta classificação e a abordagem nestes doentes. Na fase aguda, há um benefício grande em começar a pensar no início da reabilitação, assim como na prevenção das complicações médicas (detalhadas anteriormente). Considera que existe uma incidência elevada destas lesões? Qual a etiologia mais prevalente? Há alguns estudos que apontam para uma incidência variável, consoante o país. Em Portugal, um estudo de 2010, aponta para uma incidência de 57.8 por milhão, principalmente em indivíduos entre os 15- 29 anos e acima dos 65 anos. Acidentes de viação e quedas são as causas mais comuns, no entanto, episódios de violência, lesões desportivas, alterações vasculares, tumores, infeções e iatrogenia após cirurgia lombar são também possíveis causas. Acidentes por arma de fogo são pouco frequentes em Portugal, no entanto, são uma importante causa em outros países como os EUA. Considera que na Medicina Física e de Reabilitação é importante existir um acompanhamento multidisciplinar? Quais as especialidades que mais colaboram no seguimento destes doentes? É obrigatório que a equipa seja multidisciplinar, pois só assim estaremos mais perto de conseguirmos objetivos e melhorar verdadeiramente a qualidade de vida dos nossos doentes. É fundamental a colaboração de colegas de outras especialidades (neurocirurgia, ortopedia, neurologia, psiquiatria… etc.), assim como de profissionais (fisioterapeutas, enfermeiros de reabilitação, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, psicólogos, assistentes sociais…etc.). E Reumatologia, que dá apoio aos fisiatras das mais variadas formas. O trabalho em equipa faz toda a diferença, pois só assim conseguiremos o maior envolvimento do doente nos cuidados de saúde, permitindo potenciar ao máximo o seu tratamento e consequente bem-estar.

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