Revista Fadesp / 4 ed. - 2021

Page 10

PERFIL

Por Flávia Ribeiro Fotos: Naiara Jinknss

Inquietude,teu nome é Zélia.

Arte, ativismo e educação marcam a vida de Zélia Amador de Deus. Sua trajetória foi homenageada em um curta-metragem.

I

nquieta, questionadora, insatisfeita. Foi assim que a professora Zélia Amador de Deus se definiu. Ela recebeu a equipe em sua casa, na semana em que fez aniversário e recebeu um prêmio internacional em reconhecimento por suas ações para os direitos humanos. Ela também se tornou tema de documentário e será homenageada por uma escola de samba de Belém. E tudo isso não foi conquistado à toa. A vida da ativista-artista-professora é voltada para e marcada pela educação. “Eu não saberia ser outra coisa na vida, sem ser professora. Eu gosto de ser professora. Sempre gostei. Eu tive a oportunidade de fazer Direito, mas optei por fazer Letras. Fiz Teatro. Não me arrependo de nada e faria tudo de novo!”, afirma Zélia. Mas tudo começou com o ativismo e ainda na infância. Nascida em Soure, cidade do arquipélago do Marajó, ela veio para Belém por decisão e esforço da avó, Francisca. “Aprendi com ela que eu era preta e que eu não era pior do que ninguém e ninguém era melhor que eu. Ela dizia: ‘tu és preta e vais estudar’. Ela fez toda a movimentação para que eu saísse de lá. Ela dizia que não queria para mim o mesmo destino da minha mãe. Quando nasci, minha mãe tinha acabado de fazer 15 anos

de idade. Aprendi desde cedo o que era ser preta e acredito que foi uma grande sorte. Porque, normalmente, as pessoas criavam crianças negras, sem dizer que elas eram negras e que por isso, elas passariam por situações ruins”, analisa. Mas do aprendizado com avó veio também muita observação e experiências, que marcariam a vida da professora. “Sempre fui uma pessoa intrinsecamente questionadora; questionava desde cedo. A minha avó dizia que eu não podia fazer algo. Aparentemente, eu acatava, mas eu ia por trás fazendo a minha experiência. De coisas simples como ‘não pode comer manga e tomar a açaí’. ‘Não pode tomar vinho de cupuaçu e tomar açaí’. Embora uma questionadora assim: parecia que eu acatava, mas eu ia experimentar depois”, diverte-se. Como estudante secundarista, começou a se envolver no movimento estudantil. Por essa época, já tinha experiência escrevendo, produzindo e dirigindo peças para a paróquia. “Tudo surgiu dessa minha inquietação, desde cedo. Eu era muito pobre e questionava a pobreza. Não achava que seria pobre para sempre. Não achava que a pobreza era justa. Eu era insatisfeita com a vida que tinha. Insatisfeita sempre! Até hoje sou uma pessoa in-

10

satisfeita. O que faço é lutar para que a minha satisfação minimamente se conforme. O que é mais interessante é que nesse processo de insatisfação, tu consegues dar um passinho. Aí, queres mais sempre. Acho que isso sempre fez parte de mim, por isso nunca parei”, explica Zélia, que atualmente está na coordenação da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social da UFPA. Devido à rotina, ela diminuiu o tempo dedicado ao Teatro, mas pontua que esse é um âmbito importante de sua vida. “O Teatro me ajudou muito a ser quem eu sou. Já fazia teatro de paróquia. Mas no primeiro ano da graduação em Letras, entrei também na escola para ser atriz e foi uma espécie de terapia para mim, para que eu me afirmasse como uma mulher negra, para que eu cada vez mais afirmasse o meu corpo”, pontua. Co- fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), ela continua inteira e entregue às lutas coletivas. “O movimento tem tido vitórias porque nunca age uma pessoa única. É sempre um trabalho coletivo, é sempre um trabalho que junta a resistência de todas as pessoas negras, que, em um determinado momento, tomaram consciência de que têm que lutar para recuperar a humanidade que foi arrancada. Desde o porão


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.