Revista Jornalismo e Cidadania Ed. 35

Page 1

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | e cidadania nº 35 | Março e Abril de 2020

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho

Mestre em Comunicação / Mestrando em Comunica;áo

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel

Doutor em Comunicação

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni

Doutora PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas

doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira

Mestre em Comunicação

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho

Mestre em Comunicação UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado

Doutora PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro

Doutorando em Comunicação

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão

Doutora PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá

Doutoranda em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana Banja

Mestre em Comunicação

Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo

Nathália Carvalho Advíncula

Matheus Henrique dos Santos Ramos

Colaboradores |

Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Anabela Gradim Universidade da Beira Interior - Portugal

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

João Carlos Correia Universidade da Beira Interior - Portugal

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

| 2
Índice Editorial Prosa Real Comunicação da Web Opinião | Pedro de Souza Entrevista Le Monde | Jurgen Habermas Opinião | Marcos Costa Lima Opinião | Marília Gabriela Silva Rêgo Opinião | Madhu Bhaduri Opinião | Mário de Godoy Ramos Opinião | Mick Dunford Opinião | Abdias Vilar de Carvalho Opinião | Rômulo Santos de Almeida Opinião | Rubens Pinto Lyra Opinião | María Josefa Montalvo et al. | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 21 | 24 | 26 | 28 | 30 Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania

Editorial

Por Heitor Rocha

É lamentável que o conflito entre a oposição do presidente Bolsonaro ao isolamento social adotado para combater a disseminação da Covid-19 e a atitude do ex-ministro da Saúde de alinhamento com a conduta defendida consensualmente pela comunidade médica mundial tenha absorvido por tantos dias o espaço público brasileiro. Porém, acredito que esse conflito não pode ser considerado como expressão de uma dicotomia entre Ciência e Política.

Antes pode-se observar o contraste entre a racionalidade da postura recomendada pela Organização Mundial de Saúde e a irracionalidade das atitudes tresloucadas de leviandade populista eleitoral do presidente. Constitui um ridículo espetáculo a insistência de se manter em exposição midiática/ pública defendendo, mesmo sem ser médico, a indicação de medicação ainda não reconhecida como recomendável para o combate ao coronavírus ou de pretender menosprezar a ameaça da pandemia classificando-a de ser apenas uma “gripezinha” ou, ainda mais grave, considerar que não acontece nada quando as crianças brasileiras brincam no esgoto. Antes esse humor cafajeste evidencia, como ato falho, a completa falta de responsabilidade que a classe dominante mantém em relação ao contingente de brasileiros vitimados por doenças provocadas pela situação de calamidade sanitária que atinge a maioria da população.

Neste sentido, a aparente filantropia da ajuda aos informais que compõem mais da metade da força de trabalho no Brasil, na verdade, serve mais para evitar que as empresas quebrem por falta de consumidores para seus produtos. Com isso, a pandemia desmascara o estelionato da política liberal da austeridade de precarizar o trabalho e desidratar poder aquisitivo da população. Vale notar, além disso, que esse repasse do “voucher” dos informais representa um volume de recursos muito inferior ao que vem sendo destinado ao sistema financeiro e às grandes corporações (cerca de 1 trilhão e 200 bilhões de reais), segundo Márcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a pretexto de evitar demissão de trabalhadores.

Parece-me que toda esta postura de achincalhe com a consciência coletiva da nação segue uma lógica, aliás verificada em outras partes do mundo onde a extrema direita chegou ao poder, caracterizada pelo esforço de desautorizar e desmoralizar a dimensão maior da Política de se comprometer com o interesse público e com o bem-estar da coletividade.

Esta usurpação do espaço público comprova o compromisso patrimonialista de satisfazer os interesses particulares/ privados, através de um exercício de poder semelhante ao de um monarca absolutista ou mandarim, que acredita não ter que prestar contas a ninguém.

Portanto, não faz justiça à concepção digna de política a classificação da questão sobre a governança da administração da saúde do País como representando uma polaridade entre estes interesses políticos menores e a ciência médica. A verdadeira questão está na distinção da forma de deliberar sobre as questões coletivas: a forma autocrática de exercício do poder que caracterizava os regimes medievais e a etiqueta da forma moderna das decisões marcada pelo compromisso com a legitimidade democrática do consenso majoritário da comunidade de comunicação/opinião pública, inclusive quanto à validação das proposições científicas pelo colegiado dos investigadores científicos.

Nesta mudança histórica, a Ciência só veio a ser concebida como possível pelo pensamento antropocêntrico na modernidade, quando formou, ao lado do direito e da arte, os três âmbitos de legitimação própria do conhecimento resultantes do processo de dessacralização das imagens religiosas do mundo. Apesar disso, como as rupturas históricas não acontecem de uma só vez, a Ciência só se tornou uma instituição genuinamente moderna quando se viu livre das amarras medievais do positivismo, que a mantinham encastelada na torre de marfim do cientificismo com a sua presunção do monopólio do conhecimento completo e acabado, bem como do acesso privilegiado à verdade absoluta, com o que pretendia justificar a sua pretensão de uma autoridade inquestionável refletindo as características residuais do pensamento teocêntrico.

A emancipação do obscurantismo, com que o selo metafísico transcendental mitificava a possibilidade de a representação da realidade corresponder/espelhar perfeitamente a própria realidade, significou o reconhecimento do conhecimento produzido pela comunidade de comunicação dos investigadores científicos de forma sempre provisória e humanizada, pois também permanentemente passível de revisão pelo consenso deste colegiado, o que reveste a Ciência com esta condição construtivista que fundamenta a consideração civilizatória e democrática do dissenso consentido, ou seja, do diálogo intersubjetivo como imprescindível ao que se pode considerar racional.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 3

Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Por Alexandre Zarate Maciel com colaboração especial

Livro-reportagem pode ser porta-voz da defesa da vida e da igualdade

Em seu ofício, o autor de livros-reportagem deixa transparecer uma postura de tomada de posição sobre certos valores e crenças arraigadas na sociedade na escolha dos seus temas, abordagens e redação das suas obras? Ao mesmo tempo em que evita emitir opiniões pessoais no texto dos seus livros, Daniela Arbex, autora de Holocausto brasileiro e entrevistada por este colunista, frisa que não abre mão de “deixar muito marcada” a defesa da vida em seu trabalho: “A defesa da vida, o respeito ao outro, a questão de que a gente não quer ver pobreza, de que a gente criminaliza pobreza. Eu sei que esse tipo de texto, esse tipo de postura incomoda”. Ela acrescenta que o jornalismo deve ser porta-voz das pessoas e grupos que têm menos possibilidade de expressão no jogo midiático da visibilidade e invisibilidade. “Até os temas que eu escolho para cobrir são temas marginais muitas das vezes, que normalmente os jornalistas não cobririam. Mas é uma necessidade minha”. Para a repórter, o papel social do jornalismo é tão “grandioso” que não pode ser desperdiçado, nem recriminado. Já na opinião da jornalista Adriana Carranca, autora de Malala: a menina que queria ir para a escola, seus livros invocam a importância do valor da igualdade. “É esse o valor: que somos todos seres humanos num mesmo espaço. A dor de uma pessoa no Afeganistão é exatamente igual à dor de uma pessoa no Brasil. A relação de uma mãe com o filho na Síria é a mesma de uma mãe com filho no Brasil”. Dessa forma, seus livros indicam a postura de enxergar um “mundo sem fronteiras”, de possibilidade de “empatia e de se reconhecer no outro”, percebendo que todos “somos iguais”.

Livros-reportagem interpretam fatos históricos e políticos com visões múltiplas

A partir do olhar jornalístico sobre a história, tentando aglutinar passado e presente nas interpretações que expressa em suas obras, como 1808 e Escravidão, o jornalista Laurentino Gomes crê que deixa patente para o leitor “as coisas básicas da sociedade nacional” nas quais acredita: “É uma sociedade democrática, que não é tutelada, sociedade que não precisa de ditador, de imperador, de rei para construir os seus caminhos. Isso é uma coisa na qual eu acredito e que eu acho que de alguma forma eu vou projetando nos meus livros.” Laurentino Gomes também procura defender que a história “é feita de pessoas de carne e osso, que não são heróis totais ou vilões completos”. Assim, seria mais interessante mostrar o ser humano se movendo na história por força de circunstâncias múltiplas e complexas do que apenas o mito. “Existe uma superestrutura que permeia

JORNALISMO E CIDADANIA | 4

a história, que são crenças, religiões, construções ideológicas, símbolos, que são fortes e muito difíceis de mudar. E é isso que ancora a sociedade. Então é muito importante você mostrar essas coisas”. Assumindo-se como socialista e humanista, o jornalista Fernando Morais garante que, mesmo assim, não define a escolha dos personagens ou assuntos que vai abordar em seus livros por um prisma ideológico fechado. “Quando eu anunciei que eu ia escrever sobre o [político brasileiro] Antônio Carlos Magalhães, eu permanentemente topava com alguém que dizia: ‘Como é que um cara como você, que escreveu A ilha, que escreveu Olga, vai escrever sobre ACM?’” Ele aprendeu a dar uma pronta resposta, dizendo que jornalista que não se interessa pelo político baiano, que foi um ícone da direita e do populismo, tem que mudar de profissão. Destaca que, ao procurar personagens menos afinados com suas posturas políticas, como o escritor Paulo Coelho, em O mago, deixa claro o seu interesse por histórias de vida dramáticas, seres humanos em conflito.

Jornalismo deve procurar assumir a “relatividade de qualquer visão”

Menos condicionado às pressões comuns em uma redação, como as linhas editoriais, o poder econômico expresso na concorrência e pressa do deadline, o jornalista escritor de livros-reportagem tem condições de superar a metáfora do espelho em seu trabalho. Lima (2009, p. 102) acredita que “assumir a relatividade de qualquer visão e tentar, dentro desse limite, abarcar com o máximo de fidelidade possível a compreensão total da realidade – nas câmeras interpenetradas que se puder – surge como o novo desafio do jornalismo”. Assim, os jornalistas, principalmente aqueles que se dedicam a elaborar livros-reportagem, deveriam, na opinião desse autor, substituir o “ranço reducionista” da objetividade por novos níveis de compreensão. Fica menos difícil para esse profissional, que, segundo Catalão (2010, p. 233), se vê desvencilhado de “constrangimentos enunciativos típicos de um campo marcado pela concentração de poder, pela normatização de procedimentos e de estilos, pelo cultivo da impessoalidade e por restrições temáticas, temporais e de espaço”, ao elaborar os seus respectivos livros-reportagem, exercer uma “posição dialógica diferenciada” e contrapor-se à ideologia do jornalismo como espelho da realidade. Sodré (2009, p. 67), por

sua vez, defende um jornalismo “capaz de se densificar reflexivamente como forma de conhecimento”, fazendo com que o “acontecimento se revele como uma apreensão coletiva da factualidade, com grandes possibilidades de aprofundamento do empenho de conhecer o mundo presente”. Para Sodré (2009, p. 70), o exercício jornalístico de uma “tradução intercultural da experiência humana”, que remonta às lições dos antigos relatos de viagem, pode ser mobilizado com mais sucesso como um recurso estilístico “sempre que a produção do texto jornalístico abdica da urgência da publicação ou da utilidade imediata do conhecimento do fato em favor da elaboração mais lenta e reflexiva do relato” e, mais, quando o repórter pode abdicar da “noção quantitativista de informação pública (quanto mais dados e detalhes, maior o conhecimento) em favor daquela dimensão sensível, que possibilita ao leitor uma compreensão do acontecimento mais perceptiva do que intelectiva”.

Referências:

CATALÃO Jr., Antônio Heriberto. Jornalismo best-seller: o livro-reportagem no Brasil contemporâneo. Araraquara, 2010. 252 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: livroreportagem como extensão do jornalismo. 4. Ed. São Paulo: Manole, 2009.

MACIEL, A. Z. (2018) Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife. Tese (Doutorado em Comunicação)-Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

SODRÉ, Muniz, A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 5

Comunicação na Web

Jornalismo, Sociedade e Internet

Por Ana Célia de Sá

Jornalismo e agências de checagem

A crescente disseminação das fake news (notícias falsas) na internet, especialmente nas mídias sociais, tem impulsionado a atuação das agências de checagem (fact-checking), que analisam a veracidade de conteúdos informativos. Esse trabalho costuma seguir metodologias por meio das quais os checadores (jornalistas profissionais) utilizam bases de dados públicas, consultam as fontes originais, realizam entrevistas com novas fontes ou vão a campo para apurar informações e confrontá-las com aquelas disponibilizadas nos produtos que são os objetos da checagem. Depois disso, são atribuídas classificações que medem o grau de veracidade das notícias checadas.

No Brasil, são exemplos de agências de

checagem a Lupa, a primeira a se especializar neste tipo de trabalho no país; Aos Fatos, grupo independente; Estadão Verifica, ligada ao Estadão/Grupo Estado; AFP Checamos/AFP Brasil, da Agence France-Presse; Truco, projeto desenvolvido pela Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo brasileira independente; Comprova, projeto colaborativo que reúne jornalistas de 24 veículos de comunicação do Brasil, idealizado e desenvolvido pelo First Draft com a colaboração de Abraji, Projor –Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, Google News Initiative e Facebook’s Journalism Project; e Fato ou Fake, serviço de checagem de conteúdos do Grupo Globo. Iniciativas desta natureza são relevantes no combate à desinformação, já que a checagem tem respaldo profissional ao cumprir os princípios técnicos e éticos do jornalismo, tornando-se confiável junto à sociedade em meio à avalanche de informações falsas,

JORNALISMO E CIDADANIA | 6
Pixabay

manipuladas, distorcidas ou descontextualizadas presentes à rede. Porém esse trabalho não deve ser visto como limitador ou julgador único da verdade social. Moretzsohn (2019) faz uma crítica ao trabalho das agências de checagem no quesito contextualização. Segundo essa autora, ao analisar o grau de veracidade de frases isoladas de produtos noticiosos, algo comum numa checagem, a agência pode incorrer em distorções relativas aos sentidos possíveis dessas narrativas, inclusive os não ditos.

Palacios (2019) explica que, a partir da segunda metade da década de 1990, no contexto da digitalização, do webjornalismo e das mídias sociais, emergem as agências de checagem de informação, com profissionais de jornalismo voltados exclusivamente à verificação de conteúdos – antes disso, a checagem estava presente de outras formas, como os setores nos próprios veículos de comunicação, as colunas críticas e a atuação do ombudsman. Essas agências se mantêm com diferentes modelos de negócios, como a venda de suas checagens a empresas de comunicação, a realização de cursos e o recebimento de doações individuais.

“Se, por um lado, o movimento representado pela criação de agências de checagem sinaliza a abertura de novas inserções profissionais para os jornalistas, por outro coloca em causa um dos elementos que –historicamente – constituiu a rotina da produção jornalística em sua fase moderna: a checagem da precisão da informação como parte essencial do processo de criação da narrativa jornalística, enquanto um formato discursivo diferenciado, e da garantia da sua credibilidade” (PALACIOS, 2019, p. 88). O autor, então, questiona se a credibilidade jornalística estaria sendo terceirizada, uma indagação ainda sem resposta.

A avaliação da credibilidade jornalística não é um quesito isolado. Moretzsohn (2019) diz que é importante considerar também a mudança de perfil do público, os modos de produção da sociedade contemporânea global, especialmente no contexto capitalista, e a abordagem criteriosa e refinada do valor da credibilidade do jornalismo.

Pode-se afirmar, ainda, que é necessário compreender o jornalismo como um mediador da realidade socialmente construída a partir de parâmetros intersubjetivos de veracidade dos acontecimentos, o que não deve ser confundido com a relativização da

verdade vinculada à pós-verdade, que põe a emoção e a opinião pessoal acima dos fatos junto à opinião pública, beneficiando uma causa específica e desarticulando o potencial crítico da arena pública social. Portanto, a autonomia e o posicionamento crítico do público devem ser levados em consideração para ativar perspectivas diferentes do enquadramento primário dos fatos e, assim, privilegiar o bem comum, algo válido tanto perante produções jornalísticas de qualidade quanto no confronto às notícias falsas.

Como afirmam Tellería, Correia e Rocha (2017), a interatividade na internet é essencial na promoção da democracia digital, encoraja enquadramentos alternativos e mais inclusivos e introduz novos protagonistas ao processo de agendamento midiático. Apesar das limitações impostas por relações de poder e por questões tecnológicas, a interatividade é também uma forma de se pensar a ativação do público no combate à desinformação.

Referências:

MORETZSOHN, Sylvia Debossan. O Joio, o Trigo, os Filtros e as Bolhas: uma discussão sobre fake news, jornalismo, credibilidade e afetos no tempo das redes. Brazilian Journalism Research, Brasília, v. 15, n. 3, p. 574-597, 2019. Disponível em: <https://bjr.sbpjor. org.br/bjr/article/view/1188/pdf_1>. Acesso em: 14 abr. 2020.

PALACIOS, Marcos. Fake News e a Emergência das Agências de Checagem: terceirização da credibilidade jornalística? In: MARTINS, Moisés de Lemos; MACEDO, Isabel (Ed.). Políticas da Língua, da Comunicação e da Cultura no Espaço Lusófono. V. N. Famalicão: Edições Húmus, 2019.

TELLERÍA, Ana Serrano; CORREIA, João Carlos; ROCHA, Heitor Costa Lima da. Structural Crises of Meaning and New Technologies: reframing the public and the private in the news media through the expansion of voices by social networks. In: TELLERÍA, Ana Serrano (Ed.). Between the Public and Private in Mobile Communication. New York and London: Routledge, 2017.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 7
Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

Opinião

A natureza nos reclama

A relação do homem com a natureza vem sofrendo uma transformação profunda desde o tempo em que João Rodrigues de Sá de Meneses compôs “De Platano” (1527 – 1537) um tratado sobre essa árvore, incensada pela cultura clássica e identificada por ele no norte de Portugal, na vizinhança da igreja matriz de Azurara (“Paisagem e erudição no humanismo português”, A.S. Tarrío, Fund. C. Gulbenkian, Lisboa, 2009). Os portugueses dessa época foram também dos primeiros veículos do conhecimento da natureza em partes remotas do nosso planeta, e da sua “viagem” para outras paragens, e para o nosso prato.

Essa interação do homem com o meio ambiente se dava, no entanto, ainda em reduzida escala, mantendo a harmonia cantada pelos poetas, sublinhada pelas mitologias e religiões, e integrada na vida e cultura dos agricultores e pastores de todo o planeta. Hoje, porém, a realidade é outra.

Com o desenvolvimento da civilização urbana e a proliferação descontrolada da técnica, essa relação foi cortada, e o homem passou a acreditar que entre ele e a natureza, de quem seria dono e senhor, haveria um fosso radical.

Os recentes surtos de epidemias como a SARS, a Ébola e agora a Covid-19 nos recordam oportunamente que não é assim: a natureza não é apenas objeto da fruição mais ou menos vácua de hordas de turistas. O homem, quer tenha consciência disso ou não, continua ligado a ela para o bem e para o mal. O homem não é feito de plástico ou metal, mas de carne. O fato de sempre ter havido epidemias, como a que assolou a Europa no século XIV, e dizimou talvez 25% da população, não pode iludir as mudanças radicais que o homem está introduzindo hoje no meio ambiente. As recentes epidemias são mais uma consequência dessa devastação, junto com a dramática alteração climática de que estamos começando a

JORNALISMO E CIDADANIA | 8

tomar consciência, desde há “apenas” 50 anos… (Celso Furtado, “O Mito do Desenvolvimento”, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974).

Num artigo recente do jornal The Guardian, John Vidal (Band Foundation e Wyss Foundation) avança argumentos muito claros ligando essas recentes epidemias ao tipo de desenvolvimento das sociedades contemporâneas, baseado na destruição da natureza, que é o habitat natural de espécies animais de que esses vírus são endêmicos. Dessas espécies para os animais domésticos que os consomem, e daí para o homem o caminho é fácil. As populações que consomem animais florestais, sobretudo na Ásia e África, onde constituem parte substancial da ementa da população menos favorecida, que antes viviam isoladas, emigram para as grandes metrópoles apinhadas de gente, onde essas epidemias adquirem um volume inédito. As consequências podem se revelar infinitamente mais devastadoras do que as da atual Covid-19. O tráfico de animais silvestres vem ainda agravar esse panorama. Lembremos que a mortalidade induzida pelo Ébola chega a 90%. A devastação produzida pelos herbicidas na agricultura dizima também parte da fauna, desorganizando a cadeia alimentar: é frequente ver animais de grande porte, famintos, procurando comida em grandes metrópoles nas latas de lixo, de noite. Por todo o lado se cavam minas à procura das “terras raras” para alimentar a indústria de telefones e outras bugigangas, se controem barragens para alimentar o perdulário consumo de eletricidade das metrópoles, no desprezo total das populações ribeirinhas, como é o caso com o colonialismo extrativista na Amazônia.

Seria necessário tomar consciência que a preservação da Amazônia é fundamental por várias razões, todas elas de primordial importância: pelos povos da floresta e povos ribeirinhos, pelo clima, pela água. Mas ela é também um extraordinário laboratório, uma biblioteca e uma universidade naturais, de onde pode ser extraído conhecimento crucial para a sustentabilidade da vida na Terra, e da saúde humana. Isso tem alto valor, inclusivamente econômico. Permitir a sua destruição por gente sem educação nem escrúpulos equivale a queimar um tesouro para se aquecer.

A dimensão ecológica deve se tornar uma preocupação constante das nossas democracias, mesmo em meio urbano. A condescendência com a proliferação de percevejos e ratos numa cidade como Paris é inaceitável; da mesma forma em Londres há verdadeiras pragas de esquilos, o governo pagando para quem os caça. Com mui -

tos tipos de peixe em radical extinção no Mar do Norte, hoje há centenas de gaivotas procurando lixo para comer em Paris, a cerca de 200 kms do litoral, o que não acontecia até há 10 anos. A intenção do governo português de construir um novo aeroporto na região urbana de Lisboa, no estuário do Tejo, perto de uma reserva natural de aves, é um erro, como é um erro que o Porto de Lisboa tenha construído no centro da capital um terminal de cruzeiros sem proceder ao devido licenciamento ambiental, requerido por lei.

No caso desses navios de cruzeiros não se trata apenas de danos mais ou menos invisíveis ao meio ambiente, visto que a poluição produzida é equivalente à de vários milhares de carros. É sintomático que vários dentre eles estejam de quarentena em portos do Japão ou EUA, ou procurando um porto que os aceite, devido a Covid-19. Esses navios são vectores de doenças contagiosas dada a promiscuidade dos viajantes. Os milhares de turistas que durante alguns dias eles despejam nos centros das cidades portuárias são, involuntariamente, agentes da desordem global do meio ambiente. O turismo de massa não pode constituir a base de uma política urbana sã.

Esta epidemia vai passar e deixar profundas cicatrizes no tecido econômico mundial, para além dos dramas humanos que está causando.

Outras virão, talvez ainda mais graves, se os responsáveis pelos governos e atividades econômicas não optarem por um tipo de desenvolvimento em que se volte a visar a harmonia com a natureza, e onde a técnica seja empregue na melhoria da vida, e não na sua extinção.

Pedro de Souza é editor, pesquisador e exsuperintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 9

Opinião

A solidariedade é a única cura

Entrevista concedida a Nicola Truong por Jurgen Habermas

Jurgen Habermas, o que revela essa crise global sanitária do ponto de vista ético, filosófico e político?

Do ponto de vista filos ó fico, me chama a aten çã o que a pandemia hoje obriga todos a refletir sobre algo que antes era conhecido apenas por especialistas. Hoje, todos os cidad ã os est ã o aprendendo como seus governos devem tomar decis õ es, conhecendo bem os limites de conhecimento dos pr ó prios virologistas consultados. Raramente, o terreno para a çã o em condi çõ es de incertezas foi iluminado de maneira t ã o v í vida. Talvez essa experi ê ncia incomum deixe sua marca na consci ê ncia da esfera p ú blica.

Mas quais s ã o os desafios é ticos?

Acima de tudo, vejo dois casos poss í veis que violam a intangibilidade da dignidade humana, que a Constitui çã o alem ã garante no pre â mbulo e afirma no segundo artigo com a declara çã o ‘Toda pessoa tem direito à vida e à integridade f í sica’.

O primeiro diz respeito à chamada triagem, o outro à escolha do momento certo para interromper o distanciamento social. O perigo de sobrecarregar as unidades de terapia intensiva nos hospitais, que j á ocorreu na It á lia e é temido em nosso pa í s, lembra os cen á rios da medicina das cat á strofes que geralmente ocorrem apenas durante as guerras. Se o n ú mero de pacientes hospitalizados exceder o n ú mero de leitos dispon íveis nas unidades de terapia intensiva, os m é dicos inevitavelmente ter ã o que tomar uma decis ã o tr á gica, porque, em qualquer caso, é imoral.

Da í surge a tenta çã o de abdicar do princ í pio da igualdade de tratamento para todos os cidad ã os, indepen -

dentemente de status, origem, idade etc., e, no nosso caso, em especial, favorecer os jovens em detrimento dos idosos. Isso poderia ser desejado pelos pr ó prios idosos em um ato de altru í smo moralmente admir á vel. Mas qual m é dico ‘pesaria’ o ‘valor’ de um homem contra o ‘valor’ de outro, erigindo-se assim a mestre da vida e da morte?

A linguagem dos ‘valores’ ouvida na economia induz à ‘quantifica çã o objetivante’, que é pr ó pria da perspectiva do observador. Mas essa perspectiva n ã o pode ser a maneira de tratar a autonomia das pessoas: quando me dirijo a uma segunda pessoa (tu-v ó s), a autodetermina çã o do outro s ó pode ser respeitada ou negada, ou seja, reconhecida ou ignorada. A é tica m é dica profissional, em rela çã o a isso, est á de acordo com a Constitui çã o e segue o princ í pio segundo o qual uma vida humana n ã o pode ser ‘posta em contraposi çã o’ com outra. De fato, prescreve que, em situa çõ es que obrigam a tomar decis õ es tr á gicas, o m é dico deve ser orientado exclusivamente pelas disposi çõ es sanit á rias relativas à maior perspectiva de sucesso do tratamento cl í nico.

E o outro caso?

A decis ã o no momento certo de encerrar o isolamento - uma medida moral e legalmente exigida para a prote çã o da vida - pode entrar em conflito, por exemplo, com os c á lculos dos benef í cios. Os pol í ticos devem resistir à ‘tenta çã o utilitarista’ de pesar os danos econ ô micos ou sociais, por um lado, e as mortes evit áveis, pelo outro. Temos que aceitar o risco de sobrecarregar os sistemas de sa ú de e, portanto, aumentar a taxa de

JORNALISMO E CIDADANIA | 10

mortalidade para reiniciar mais cedo a economia e, assim, reduzir a mis é ria social causada pela crise econ ô mica? Nesse ponto, a recomenda çã o espec í fica do Conselho de É tica alem ã o permaneceu fatalmente amb í gua. Os direitos fundamentais pro í bem os ó rg ã os estatais de tomar qualquer decis ã o que aceite a possibilidade de morte dos indiv í duos.

N ã o existe o perigo de que o estado de emerg ê ncia possa se transformar em uma regra “democr á tica”?

Naturalmente, a limita çã o de um grande n ú mero de liberdades importantes deve permanecer uma exce çã o estritamente contida. Mas a exce çã o é em si mesma, como acabei de demonstrar, exigida pelo direito prim á rio à prote çã o da vida e da integridade f í sica. Na Fran ç a e na Alemanha, n ã o h á raz ã o para duvidar da lealdade do governo à Constitui çã o. Se Viktor Orb á n aproveita a crise do Covid-19 como uma oportunidade para fechar definitivamente a boca da oposi çã o, isso deve ser explicado pela longa involu çã o autorit á ria do regime pol í tico h ú ngaro, que o Conselho europeu e, principalmente, os democratas-crist ã os europeus olharam com indulg ê ncia.

“Qual é a utilidade da União Europeia se, em tempos de coronav í rus, n ã o demonstra que os europeus est ã o juntos e lutam por um futuro em comum?” Voc ê s escreveram isso em um apelo coletivo no “Die Zeit” de 2 de abril.

Meus amigos e eu fizemos esta pergunta ao nosso governo: à Chanceler e ao Ministro das Finan ç as da SPD. Ambos me deixam perplexo. Eles continuam obstinadamente a manter sua gest ã o de crises em benef í cio da Alemanha e dos pa í ses setentrionais, independentemente das cr í ticas dos pa í ses meridionais. A grande maioria dos pol í ticos alem ã es teme as rea çõ es de raiva de seus eleitores em caso de rendi çã o. Especialmente

porque eles pr ó prios alimentaram e provocaram o nacionalismo econ ômico autorreferencial e a autocelebra çã o das exporta çõ es alem ã s como campe ã mundial, n ã o sem a complac ê ncia da imprensa, ali á s. Existem dados emp í ricos comparativos que demonstram como nosso governo, com esse nacionalismo substitutivo, ‘pediu muito pouco’ à sua populaçã o. Se Macron cometeu um erro em suas rela çõ es com a Alemanha, foi o de subestimar, desde o in í cio, a estreiteza das vis õ es nacionalistas de Angela Merkel, cujas qualidades s ã o outras.

A China foi o epicentro da pandemia e agora parece que essa epidemia favorece seu poder sobre a Europa e o mundo. Esse é um ponto de uma virada geopol í tica, isto é , um relan ç amento de sua supremacia pol í tica e econ ô mica?

Essa tend ê ncia j á est á acontecendo h á algum tempo e est á acelerando uma divis ã o do Ocidente, que começ ou aproximadamente com o ‘presidente da guerra’ George W. Bush. Seria, portanto, ainda mais importante se a Europa visse no choque do coronav í rus uma ú ltima possibilidade e se mobilizasse para agir de modo solid á rio.

Entrevista concedida por Jurgen Habermas a Nicola Truong, publicada por Le Monde em 12-04-2020. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 11

Opinião

Quando a Natureza Responde

Há muito que venho escrevendo para Jornalismo e Cidadania sobre o que tem sido disseminado como emergência climática. A maior parte dos governos têm feito ouvido de mercador sobre o gravíssimo problema. Os alertas dos especialistas relacionados às Conferência das Partes (COP), reunião dos quase 200 países que fazem parte da Convenção Base da ONU sobre a Mudança Climática, os estudos científicos —liderados pelo IPCC, o grupo de especialistas que assessora as Nações Unidas— e os diferentes órgãos internacionais ligados à ONU alertam que os países não estão de maneira nenhuma encaminhados para cumprir as metas de Paris.

Pois bem, a COP 25, realizada em dezembro 2019 em Madrid, teve como principal objetivo a reiteração do Acordo de Paris: que o aumento da temperatura média do planeta não supere os dois graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais, e na medida do possível que não ultrapasse 1,5. Esse é o limite estabelecido pela ciência para evitar os efeitos mais catastróficos de um aquecimento que já não pode ser revertido.

Com a irrupção dramática do Coronavírus – COVID-19 na China, em dezembro de 2019, com foco na cidade de Wuhan, temos uma nova emergência, que agrava o quadro anterior.

Este breve artigo tem dois pontos centrais: o primeiro, é articular o surgimento do Coronavírus com a crise ambiental; e o segundo é evidenciar que a crise está ligada à forma com que o sistema capitalista vem acelerando suas tendências perversas: privilégio da financeirização; da oligopolização da economia global por corporações multinacionais; estados capturados pelo grande capital; política e processos eleitorais definidos pelo grande capital; aumento da desigualdade econômica; destruição acelerada do meio ambiente, entre outros fatores. Aqui, destacaremos o fato de a crise repercutir de forma dramática sobre os mais pobres e os trabalhadores.

Antropoceno e Capitaloceno

As doenças transmitidas de animais para seres humanos estão em ascensão e pioram a medida que habitats selvagens são destruídos pela atividade humana. Cientistas sugerem que habitats degradados podem incitar e diversificar doenças, já que os patógenos se

espalham facilmente para rebanhos e seres humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que um animal é a provável fonte de transmissão do coronavírus de 2019 (COVID-19), que infectou milhares de pessoas em todo o mundo e pressiona a economia global.

Para um dos estudiosos da crise ambiental, o historiador e sociólogo Jason W. Moore (1), coordenador do grupo de pesquisa sobre ecología-mundo do Centro Fernand Braudel e do Departamento de Sociologia da Universidad de Binghamton, vivemos hoje em uma encruzilhada na história de nossa espécie - e na vida planetária. O que virá a seguir é uma grande interrogação. Mas o que já podemos presenciar, não está parecendo algo bom. A teoria e a pesquisa ambientalista nos dizem, hoje, dos graves problemas: alterações climáticas de grande magnitude, acidificação dos oceanos, destruição das florestas, acúmulo industrial de lixo tóxico, seja na terra ou no mar, secas frequentes e severas, inundações, agricultura à base de pesticidas, que incidem no aumento do câncer; aumento do nível dos oceanos, degelo no Ártico e Antártico, incendios de forte destruição, entre outras calamidades. E embora o senso coletivo de “consequências ambientais” (2) nunca tenha sido tão grande, as medidas estruturais para manter uma globosfera equilibrada não tem acontecido.

O termo Antropoceno, foi batizado no ano 2000 pelo químico e premio Nobel holandês Paul Crutzen, a saber, que a biosfera e o tempo geológico têm sido transformados pela atividade humana. Portanto, vivemos em um novo conceito de tempo geológico, que inclui a humanidade como uma força geológica maior, hoje um fator decisivo.

Jason Moore, embora considere o conceito de Antropoceno relevante, discorda dele em muitos aspectos, ao colocar excesiva força e crença na Ciência e na Tecnologia. Qualquer grande problema humanitário seria resolvido pelos cientistas. Moore diz que este conceito reduz o mosaico da atividade humana a uma dimensão abstrata, uma Humanidade homogênea, que silencia as desigualdades, a mercantilização, o imperialismo, o patriarcado, e muito mais do problema da relação humanidade-natureza, porque, cartesianamente, separa homem e natureza. Moore chama esta natureza humana e não humana, trabalhadores, florestas, rios, minérios, ar, de CHEAP NATURE (3). Assim,

JORNALISMO E CIDADANIA | 12

a história do capitalismo é uma relação de capital, poder e predação. Não é por nada que a ativista política canadense Naomi Klein (4) afirmou: “Esqueça tudo o que você pensa que sabe sobre o aquecimento global. A verdade realmente inconveniente é que não se trata de carbono, mas de capitalismo”.

Para o capitalismo, a Natureza é “barata” em um duplo sentido: torna os elementos da natureza “baratos” no preço; e também para barateá-los, degradá-los ou torná-los inferiores em um sentido ético-político. Mas se esquecem que, como tem afirmado Kate Jones, chefe do deptº de ecologia e biodiversidade do University College London, cada vez mais, essas doenças zoonóticas estão ligadas às mudanças ambientais e ao comportamento humano. A intrusão em florestas intocadas, motivada pela extração de madeira, a mineração, a construção de estradas em lugares remotos, a rápida urbanização e o crescimento populacional estão aproximando o ser humano de espécies animais antes distantes.

Os ecossistemas naturais desempenham um papel crucial na sustentação e alimentação da vida, incluindo a de nossa espécie, mas também um papel fundamental na regulação da transmissão e disseminação de doenças infecciosas. A destruição de habitats e de biodiversidade causada pelo homem rompe o equilíbrio ecológico, capaz de conter os microrganismos responsáveis por algumas doenças e criar condições favoráveis à sua propagação (5).

O espectro injusto das desigualdades socioeconômicas

Estas desigualdades têm se ampliado e acelerado devido ao neoliberalismo. As estatísticas estão aí para evidenciar (6). Do lado da política, os governos têm em geral, privilegiado os ricos e muito ricos e, como diz o filosofo Bruno Latour: “Se política foi esvaziada de sua substância, é porque ela combina a queixa inarticulada dos deixados de fora, com uma representação na cúpula tão concentrada que as duas parecem estar sem qualquer medida de equivalência, sem qualquer medida comum. É o que nós poderíamos chamar de déficit de representação” (7).

No Brasil, o quadro trabalhista é marcado pela alta taxa de informalidade, quando 40% do total de empregados estão nesta categoria. Em 2019 e no início de 2020, eram mais de 38 milhões de pessoas trabalhando sem registro. Ao mesmo tempo, o trabalho de boa parte dos trabalhadores informais por conta própria depende de circulação pelas ruas e consequente exposição a um possível contágio. Isso porque uma parcela considerável desses serviços não pode ser prestado remotamente. A queda na demanda, a ausência de uma jornada de trabalho fixa e a necessidade de trabalhar mais para conseguir atingir metas individuais de rendimento podem aumentar a jornada de trabalho e elevar o risco de a pessoa ser contagiada com o vírus.

A diretora executiva da Oxfam no Brasil, Katia Maia (8), afirma que metade da população brasileira vive com uma renda média de cerca de R$ 400,00, além de viver em condições precárias de moradia, saneamento básico, esgoto e água tratada. Estes fatores agravam a situação com a chegada da covid-19, segundo ela “uma bomba relógio para milhões de pessoas”. Essas pessoas também não têm amparos legais que garantam uma estabilidade em sua renda. Isso significa que, se a pessoa ficar doente, ela ficará sem trabalhar e sem fonte de renda (9).

A grande questão que se coloca hoje é: - Como proteger a humanidade da barbárie, seja dos estragos de um sistema econômico injusto, seja de um sistema climático numa tendência de desestabilização profunda? São questões inadiáveis. Esta pandemia pode ser o começo de um amplo processo de mudança, capaz de criar uma outra dimensão do viver, que proteja os mais frágeis, que altere as formas destrutivas do viver. Ainda é tempo.

NOTAS:

1 Moore, Jason W. Anthropocene or Capitalocene? Nature, History, and the Crisis of Capitalism, Edited by Jason W. Moore, Oakland: Kairos: PM PRESS.

3 Costa Lima, Marcos (2020), Revista Jornalismo e Cidadania nº 34

4 Natureza barata

5 Naomi Klein i(2014), This Changes Everything. Capitalism vs. the Climate. Toronto: Alfred A Knopf.

6 Coronavírus, o WWF: a destruição de ecossistemas é uma ameaça à nossa saúde”. IHU,16,março 2020.

7 The Credit Suisse Global Wealth Report 2017. https://www.credit-suisse.com/about-us-news/ en/articles/news-and-expertise/global-wealthreport-2017-201711.html acessado em 22/03/2020

8 Bruno Latour, 2017, Où Aterrir? Comment s’orienter en politique,p.120

9 Desigualdades deixam o Brasil mais vulnerável a epidemias como a do coronavírus. https://www. ecodebate.com.br/2020/03/20/desigualdadesdeixam-o-brasil-mais-vulneravel-a-epidemiascomo-a-do-coronavirus/ acesso em 23/03/2020.

Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 13

Opinião

Concentração midiática e o esgotamento da comunicação democrática

O setor de comunicação brasileiro tem demonstrado percorrer muitos descaminhos, inclusive que vão em direção contrária à Constituição democrática de 1988, principalmente porque o Capítulo V, dedicado à Comunicação, é o menos regulamentado, ou seja, aquele que menos recebeu legislação infraconstitucional. A regulamentação não representa um mecanismo de censura, como frequentemente tem sido associada. Regulamentar significa determinar regras de funcionamento para o serviço público que é a comunicação, rompendo com a dominação constante da mídia privada e democratizando, assim, todo o setor. Presenciando, então, uma verdadeira escassez legislativa neste campo, essa lacuna deixa bastante à vontade as grandes empresas que controlam a radiodifusão no país, permitindo que elas continuem construindo verdadeiros impérios midiáticos.

Pensando na importância de debater esse tema, a Organização Repórteres Sem Fronteiras (Alemanha), em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação (2017), realizou a Pesquisa de Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor/MOM, na sigla em inglês). O estudo trouxe um panorama de concentração da mídia no Brasil, com destaque para as principais empresas do país. O grupo Globo, por exemplo, principal empresa de comunicação e líder do mercado da Tv aberta, pertencente à família Marinho, é dona de veículos impressos (Jornal O Globo, Extra, Valor Econômico, Revista Época, etc.), TV, portais (G1, Globo Esporte, GShow, Globosat etc.), rádios (Globo, CBN), além da Editora Globo e da Gravadora Som Livre. O Grupo Record, cujo proprietário é o Pastor Edir Macedo, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, não fica atrás. Além da TV, possui o portal R7, o jornal Correio do Povo, a Record News, Rádio Record, além de afiliadas.

A família Abravanel/ Grupo Silvio Santos possui além da TV SBT, TV Studios e

TV Alphavile, negócios nos segmentos de cosméticos (Jequiti), hotelaria (Hotel Jequitimar) e imobiliário (Sisan Empreendimentos Imobiliários). Completando o quarteto hegemônico, o Grupo Bandeirantes (Band), da família Saad, tem entre seus empreendimentos, além da TV Band, a Band News, Band FM, Rádio Bandeirantes, Rádio Band News, Portal Band em parceria com o Portal UOL do Grupo Folha. Só estes quatro principais grupos de mídia já demonstram uma característica dessa concentração: estão nas mãos de famílias, concretizando o que vamos chamar de “Radiodifusão hereditária” (semelhante ao processo das Capitanias Hereditárias no Período Colonial). As concessões públicas de rádio e TV tem funcionado como um sistema patrimonialista de sucessão por consanguinidade em que a herança é passada de pai para filho, de geração em geração.

Essa prática de oligopolização das mídias é chamada de propriedade cruzada e acontece não somente no âmbito nacional, como também nos estados e municípios. Ou seja, uma mesma empresa controla diferentes veículos (TVs, rádio, portais, impressos) sem nenhuma regulamentação. Essa prática está em desacordo com o parágrafo 5º, artigo 220, onde consta que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (BRASIL, 1988). Outro instrumento legal que limita a concentração foi criado antes mesmo da Constituição, há mais de 50 anos, é o Decreto-Lei 236/1967, que, no seu Art. 12, parágrafo 2º, determina um limite para uma mesma empresa de televisão de até 10 outorgas no território nacional e duas outorgas em cada estado. No caso das concessões de rádio, o limite é de até quatro rádios locais em ondas médias e seis em frequência modulada para um mesmo proprietário (INTERVOZES, 2017).

Há outra transgressão grave: a presença de políticos como proprietários de mídia, o chamado coronelismo eletrônico (LIMA,

JORNALISMO E CIDADANIA | 14

2011), quando parlamentares estão envolvidos direta ou indiretamente com emissoras e ainda participam do processo de renovação de outorgas. No Congresso Nacional, por exemplo, 32 deputados federais e 8 senadores (2015-2019) são proprietários de emissoras de rádio e TV (INTERVOZES, 2017). A Record novamente é um exemplo contundente pois os mesmos que controlam a IURD estão associados ao Partido Republicano Brasileiro (PRB). Outro exemplo, as Organizações Arnon de Mello, donos da Tv Gazeta Alagoas (afiliada da Rede Globo) pertence ao ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello. Esses casos vão contra o Art. 54 da Seção V da Constituição Federal de 1988, que estabelece que deputados e senadores são proibidos de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionaria de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (BRASIL, 1988)

A concentração da propriedade ainda coloca em risco o art. 223 que determina o sistema de complementariedade entre os sistemas privado, público e estatal. Como ter esse modelo se há a clara hegemonia de um só setor, o privado? Isso dificulta a execução de um sistema de comunicação democrático uma vez que não proporciona a pluralidade de vozes dispostas na sociedade. Os indicadores de risco à pluralidade de mídia (INTERVOZES, 2017) apontam ainda que o Brasil, além da propriedade privada e do controle político da mídia, apresenta uma elevada concentração da audiência e pouca transparência na concessão e regulação da propriedade de mídia. Apesar de o Brasil ser um país com uma diversidade regional, os quatro principais grupos de mídia (Globo, SBT, Record e Band) ultrapassam 70% de audiência na TV, veículo de maior consumo no país. Na mídia impressa, também há um alto grau de risco em 50% de audiência concentrada nos grupos Globo, Folha, RBS e Sada. Na mídia online, G1, UOL, R7 e IG dominam com 58,75% de audiência (INTERVOZES, 2017).

A concentração da mídia, portanto, sufoca as deliberações democráticas porque: i) vai contra aos princípios de nossa Constituição; ii) prejudica o processo de participação dos cidadãos e, consequentemente, a soberania popular, uma vez que o poder mi -

diático está quase sempre nas mãos de um mesmo grupo, que, assim, é perpetuado; e iii) é contrário ao princípio da diversidade e do pluralismo na sociedade. Não existe uma solução simples para todo o problema envolvido no sistema midiático brasileiro, mas a regulamentação, sem sombra de dúvidas, é um passo necessário, aliado ao fortalecimento dos meios de comunicação alternativos e públicos. Esta não é uma sentença contra o sistema privado, mas a defesa de que este seja fiscalizado e regulamentado, e não mais hegemônico.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Decreto-Lei Nº 236, de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Decreto-Lei/Del0236.htm>. Acesso em 24 de fevereiro de 2020.

_______. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020.

INTERVOZES. Marco Regulatório do Sistema de Mídia Brasileiro.2017. Disponível em: < http:// brazil.mom-rsf.org/br/ >. Acessado em 09 de maio de 2018.

LIMA, Venício. Regulação das Comunicações: História, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. –(Coleção comunicação).

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 15
Doutoranda do PPGCOM-UFPE

Opinião

Who stood to benefit?

History sometimes presents uncanny parallels raising similar questions. In February 1933, on the eve of national elections in Germany, the German Parliament was set on fire. The flames over central Berlin were later described as the torch which triggered off bigger crimes. The Nazis blamed the communists for the fire and issued orders to shoot at sight and arrest without charges all anti nationals in the interest of “Security of the State and its people”. Adolph Hitler had been chancellor for just 4 weeks and his position was not quite secure. The orders which followed the fire in the Reichstag gave his followers a free hand to shoot, arrest, torture and break into houses. In the elections that followed the next month, his party secured an absolute majority.

Officially, a man from the Netherlands named Mainus van der Lubbe (24 year old, thin and half blind was how he was described) was charged with the crime of setting the Reichstag on fire. He was described by the police as an anarchist-communist. The Nazis could neither prove nor link the crime to the communists. Van Lubbe was convicted and hanged in 1934. But accusations and counter accusations between the Communists and Nazis continued about whether the man who was hanged was the real culprit, and whether he alone could have set the Reichstag on fire. The question which still hangs heavy in the air is: who benefitted from the crime?

After the end of World War II, investigations revealed that a former police officer in the security establishment named Hans Martin Lennings had given an affidavit in which he claimed that he had received orders from his superiors to arrest and take van Lubbe to the Reichstag on that fateful evening of 27th February. Lennings had said that he carried out the orders along with two other colleagues. They were told to bring van Lubbe inside the Reichstag and to “disappear from the scene as fast as possible”. He said that the smell of smoke and fire

was strong in the Reichstag even when they arrived, so the question of van Lubbe having lighted the fire was untenable. Leninngs’ affidavit was rejected on the grounds that he was a psychopath and therefore his statement was not credible. The doctor who had certified that Lennings was a psychopath was a senior psychiatrist in Nazi Germany. Leninnigs was arrested (and then released) several times for reasons which could not hold. His story of 1936-37, became public through the mainstream German media in 1955, a good ten years after the end of the war and created a big commotion. But nothing changed. Leninngs died in 1962 leaving behind a silent answer for those who put the dots together, to the question: who benefitted from the Reichstag fire?

In 2019 on the eve of General elections in India, an explosion on a highway in Pulwama in Kashmir caused the death of 40 soldiers who were part of a large convoy of troops. The government pointed a finger at Pakistan for the terror strike on the convoy and followed it by a counter air attack on a terrorist training camp in Pakistan. The pitch of Nationalism was raised high and the counter attack on Pakistan was looked upon with pride as a decisive act by the government. In the elections that followed Pulwama, the ruling BJP won a bigger mandate than before.

Though much was made of the sacrifice made by the soldiers who lost their lives in the Pulwama explosion and who were declared martyrs; the reasons for the failure of intelligence agencies and the security lapses which led to allowing a private vehicle full of explosives to stand on the highway through which a large convoy of troops was scheduled to pass has still not been examined. One whole year has since passed and no one has been held responsible for the serious intelligence and security lapses in standard operation procedures which led to the loss of so many lives.

JORNALISMO E CIDADANIA | 16

The affair Pulwama has got further complicated because a senior police officer who was posted in Pulwama when the terrorist attack took place, was recently arrested in a sensational case by the Jammu and Kashmir police when he was caught travelling to Delhi in a car with two wanted terrorists. This arrest of Davendar Singh was all the more sensational since it was on the eve of the assembly elections in Delhi. The J&K police which, had the credit of catching the police officer traveling in a car to Delhi along with two wanted Hizbul terrorists ( one of them was accused for murder of several non kashmiri labourers) was asked to hand over the case to the NIA (National Intelligence Agency) which is under the central government.

To complicate the issue still further, Davendar Singh, the decorated police officer who is now under arrest, is under a cloud for having been involved with torture and more in handling of terrorists connected with the attack on the parliament in Delhi in 1999. In a letter, Afzal Guru who was hanged for his hand in the attack on parliament had named the officer Davendar Singh who he said asked him to make arrangements for renting accommodation and acquiring a car in Delhi for one of the attackers who died during the attack. Looking back:in Germany, Leninngs had said that he was directed by his senior officer to take van Lubbe to the Reichstag on the evening it was set on fire.

Our mainstream media is showing little if any interest in Pulwama today. Just a year ago it was an issue of ‘Nationalism’ and fighting terrorists was a ‘National priority’. But now, all one finds is an occasional report in an obscure place in the newspapers about the NIA having caught an individual who might be connected to the suicide bomber of Pulwama. Could it be that there is a search on for a scapegoat; a search for a van Lubbe for Pulwama?

At the same time, complete silence prevails on the question of who were responsible for the security and intelligence lapses which allowed a car with explosives to freely move on the highway at a time when tight military security was a necessary requirement. This silence and the role of a senior police officer and his connection terrorists, begs the basic underlying question: who benefitted from the explosion in Pulwama?

The uncanny parallel between the fire in the Reichstag in Berlin in 1933 and the explosive attack on troops in Pulwama in 2019 have similarities and end up with the same question: Who stood to benefit? Or in Italian: “ Cui bono”? Lawyers in ancient Rome used to ask this question when they could not locate a murderer in a murder case.

Madhu Bhaduri has Master’s degree in Philosophy from Delhi University (1965) and joined the Indian Foreign Service in 1968, starting her diplomatic career in Vienna in 1970. She served as a diplomat in Hanoi, Mexico City, Vienna and Hamburg and was India’s ambassador to Belarus, Lithuania and Portugal.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 17

Opinião

Desobediência civil e o novo coronavírus

Por Mário de Godoy Ramos

Em momentos de crise, é interessante que o líder político fale diretamente com a população para acalmar e orientar. Autoridades, como o nome diz, emanam determinações, sejam com leis, seja com palavras a partir da sua influência como líder. Na atual crise, contudo, o Presidente Bolsonaro tem usado as palavras e as leis para confundir e aterrorizar a população.

No dia 22 de março foi publicada uma Medida Provisória que autorizava as empresas a suspender por até 4 (quatro) meses o salário dos seus empregados. Em troca de nada, o empregado ainda tinha mais uma obrigação: de assistir cursos online. Segundo a MP 927, o empregador – se quisesse – poderia dar alguma coisa para o empregado. Se quisesse também não daria nada.

A MP da Fome, como foi apelidada, causou muita polêmica na sociedade. O empregado não teria dinheiro para pagar a internet de casa. Mesmo com estrutura, sem dinheiro não teria concentração para fazer um curso. Bolsonaro então se apressou em ir para as redes sociais dizer que na MP estava prevista uma “ajuda possível para os empregados”. Em livre opção, poderia dar qualquer migalha inclusive nenhuma. Como em poucas vezes desde que foi eleito, Bolsonaro estava sendo derrotado nas redes sociais.

“Tira, porque estou apanhando muito”, com essas palavras de um “verdadeiro” estadista republicano, Bolsonaro determinou a Paulo Guedes que revogasse o artigo 18 da MP. Guedes, que assinou a MP junto com seu chefe e certamente participou de toda essa elaboração desse plano escravocrata, disse que houve uma redação ruim e seu Secretário alegou que houve uma má interpretação.

Tratam de confundir, pois não teve nada de má interpretação. O artigo 18 da MP da Fome é muito claro e foi escrito de caneta com a tinta da morte por inanição. Era bem melhor que o empregado fosse demitido, pelo menos ele ganharia o seguro desemprego. Mas objetivaram claramente proteger o empregador do custo da demissão.

Saiu então a 1ª pesquisa do Datafolha sobre a crise com o resultado que o Presidente tinha uma imagem ruim. A pesquisa revelou que a po -

pulação 1) aprovava mais o trabalho de Mandetta, Ministro da Saúde, do que a de Bolsonaro; 2) aprovava mais o trabalho dos Governadores do que o do Presidente; e 3) seguia confiando mais do que ouvia na imprensa do que nas redes sociais. Nessa mesma pesquisa foi dito que 35% da população estava achando o trabalho de Bolsonaro na crise bom ou ótimo. Na 2ª pesquisa caiu para 33%.

No dia seguinte, Bolsonaro faria um anúncio à nação brasileira. Muitas críticas foram feitas pela sociedade e pela imprensa sobre a ida à manifestação do dia 15 de março por um Presidente provavelmente infectado e por causa da MP da Fome. Será que Bolsonaro iria falar para esse terço ou iria tentar recuperar sua imagem, assim como Trump fez?

Trump apostou que a pandemia não iria trazer grandes danos. Se arrependeu e já gasta toda sua verborragia e agressividade no combate ao COVID-19. Boris Johnson apostou em isolamento vertical, mas não é um lunático. Após ler estudo encomendado junto ao Imperial College, viu que o isolamento social poderia salvar 250 mil vidas e voltou atrás em sua tática inicial de mitigação. Nessa mesma noite fez um vigoroso discurso pedindo que a população fique em casa para salvar vidas: “Stay home, save lives”. Pediu que a sociedade ajudasse a proteger o NHS – National Health System, o SUS de lá.

Ao invés de falar para a nação, o discurso de Bolsonaro focou em sua facção. Dobrou a aposta no obscurantismo e conclamou as pessoas saírem de casa imediatamente. Fez um corte lógico para dizer que se é mais perigoso a COVID em pessoas acima de 60 anos, então “porque as escolas estão fechadas?”. Chamou a doença de “resfriadinho” e se gabou.

Porém, os idosos costumam não morar sozinhos. Em muitas famílias, dentre mais de 11 milhões de brasileiros, moram todos na mesma casa: a avó, os pais e os netos. Se os pais saírem para trabalhar e os netos se saírem para a escola e trouxerem, de forma assintomática, o vírus para casa, ao voltar para casa eles têm uma grande chance de matar a avó. Muitas vezes os pais saem para trabalhar e deixam as crianças na casa

JORNALISMO E CIDADANIA | 18

dos... avós! Depois a criança vai perguntar: papai, cadê a vovó? E ele responderá: tivemos que escolher entre ela e a economia.

Esse terço bolsonarista parece não ter família, não ter uma mãe ou avó idosa. De uma hora para a outra, os “velhinhos” se tornaram descartáveis no fascismo brasileiro. É assim, pela alcunha nada carinhosa de “velhinhos” que são chamados pelo dono do Madero e por Roberto Justus. Acho que se eles virem um velhinho sendo espancado na rua não vão chamar a polícia. Afinal, para eles, é só um velhinho que não tem problema nenhum em morrer. Talvez até se morrer logo podem ajudar patrioticamente na reforma da Previdência: menos velhos, menos gasto com previdência.

Ao invés de acalmar a população, o Presidente aterrorizou. Criticou Governadores e Prefeitos por estarem trabalhando heroicamente, sem apoio do Presidente, para salvar vidas no Brasil. Aliás, se tem uma coisa boa nessa crise é mostrar o porquê de sermos uma Federação. Ainda bem que o Brasil não é um Estado Unitário, como é Portugal, sob a liderança única do Presidente. Ainda bem que a Constituição da República é FEDERATIVA e concedeu ampla autonomia para os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Essa bagunça de ter 27 Governadores e mais de 5 mil prefeitos enfim mostra uma bela utilidade.

Ao chegar no STF reclamações sobre a autonomia dos governadores e prefeitos, decidiram que eles sim têm autonomia. Ufa, especificamente deve salvar 1 milhão de vidas, segundo o estudo do Imperial College. O estudo afirmou que uma tática frouxa de isolamento causaria essa monta de mortos.

Bolsonaro tirou essa tática para fugir da responsabilidade de qualquer problema, seja de saúde, seja econômico. Simplesmente não há país que adotou com eficácia essa tática. Alguns tentaram, mas deu errado e tiveram que correr atrás do prejuízo. O caso mais emblemático é o da Itália.

A prefeitura de Milão, que fica na província da Lombardia, quando apenas contavam 17 mortos lançou a campanha “Milão Não Para”. Uma peça publicitária energética, daquelas que faz você vestir a roupa e ir para a guerra, ou seja, para a rua. Posteriormente, com mais de 9 mil mortos nessa Província e com o cenário caótico que se tornou a Itália, o Prefeito admitiu que errou. Potencialmente mais que isso: um crime genocida.

A Itália tem um dos melhores sistemas de saúde pública da Europa, é um país de primeiro mundo e compõe a União Europeia. Já o Brasil é

um país sem saneamento básico e com estruturas precárias habitacionais, com grande densidade populacional em metrópoles, como nas favelas. Aqui o vírus pode matar muito mais.

Bolsonaro ainda se gabou no discurso. Sem demonstrar qualquer empatia com os familiares dos mortos, disse que, com seu histórico de atleta, se pegasse a COVID não seria nada além de uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”. É muito autorreferente. A noção de realidade dele não passa da visão de um espelho. Todavia, seu discurso deve servir aos cidadãos, aos outros, não a si.

Inclusive não importa se o idoso é saudável ou não. A COVID-19 é perigosa a partir da idade clínica de 60 anos. Também não é verdade que o perigo só está concentrado nessa classe de cidadãos que o Presidente diz ser de segunda categoria e, portanto, merece estar preso e confinado para não atrapalhar o governo dele. Nos EUA, 40% dos pacientes hospitalizados têm entre 20 e 54 anos. No mundo há casos de mortes de menores por COVID-19.

Vários não-idosos também são do grupo de risco porque têm asma, diabetes ou problemas cardíacos. As crianças, assintomáticas muitas vezes, são vetores de transmissão do vírus. Por isso não adianta isolar apenas parte da sociedade. A transmissão se dá de pessoa para pessoa. Enquanto não existir evidências que se transmite o novo coronavírus por Netflix, a melhor solução segue sendo o isolamento.

A quarentena que a China fez foi estudada por pesquisadores das Universidades de Harvard, Oxford e do Instituto Pasteur que concluíram pela sua eficácia. Além de não existir precedente científico, não há plano: o Governo Federal admitiu não ter plano nenhum sobre esse tal de isolamento vertical.

Só que infelizmente ele é o Presidente do Brasil e tem grande capacidade de influenciar a opinião da população. Logo, no dia seguinte, muitos estavam ecoando esse discurso, fingindo que estavam preocupados com o povo pobre. O discurso é contraditório uma vez que se os pobres forem às ruas, morrerão.

De forma verdadeira temos que se preocupar com o povo quarentenado. Na Índia, 1,3 bilhões de pessoas de maioria miseráveis estão em quarentena. Só que lá, após 36h do anúncio da quarentena, o Governo anunciou socorro à população pobre. Aqui Paulo Guedes demorou muito até mesmo para enviar o Projeto de Lei para conceder o Corona-voucher.

Não é de se estranhar o porquê de que parte da população tenha começado a “comprar” o dis -

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 19

curso de Bolsonaro. É compreensível na medida em que até então os autônomos e pobres do país não tinham conhecimento de qualquer ajuda digna do Governo. O que havia sido ventilado era uma ajuda de míseros R$200 reais que não resolvia a vida de ninguém. Essa parte da população começou a ficar desesperada.

O empresário também. O Governo anunciou medidas para prorrogar o vencimento do pagamento de tributos, mas não tinha oferecido nenhuma outra ajuda financeira às empresas. É compreensível que os empresários tenham começado a ficar desesperados. Então a demora de Guedes não é só um indício de incompetência: ajuda de sobremaneira o discurso de Bolsonaro.

Estimulados pelo anúncio do Presidente, muitos empresários então em seus carrões marcaram carreatas para apoiar o mote de Bolsonaro de que o Brasil não pode parar. Não compreendemos porque não foi uma passeata, mas deixa pra lá. O importante é pontuar que o discurso do Presidente é incendiário, pois estimula as pessoas a violarem recomendações sanitárias.

No dia 27/03 o Governo anunciou um tímido socorro: linha de crédito para micro e pequenas empresas pagarem parte de salários. Mas isso não representa um gasto definitivo do governo, é empréstimo, um negócio bancário. Com muita demora, enviaram ao Congresso medidas de pagar parte do salário reduzido de empregados e o Projeto ainda tramita. Demorou para o dinheiro chegar “na ponta”: na conta bancária das empresas e de trabalhadores informais.

Os governos no mundo inteiro, apoiado por respeitados economistas, já perceberam que devem deixar de lado um pouco o tema da dívida pública para salvarem vidas e a economia. A lógica é: primeiro salvar vidas, depois saldar dívidas. Se muitos forem demitidos ou tiverem o salário cortado pela metade, simplesmente o consumo diminuirá na mesma proporção, a pobreza aumentará e as empresas vão falir porque não têm a quem vender. É importante que o Governo atue para diminuir o número de desempregados e tente manter o nível de renda da população. Quando passar a crise, a economia tem muito mais condição de se recuperar com estabilidade, como já revelou estudo sobre a gripe espanhola nos Estados Unidos: as cidades que melhores se preparam para combater a doença, melhor a economia se recuperou na sequência.

Se todos obedecerem Bolsonaro e forem às ruas, ao trabalho, em pouco tempo as empresas terão que fechar as portas de qualquer maneira até porque todos vão se infectar naquele estabelecimento e terão que se cuidar, no hospital ou

em casa. Ou mesmo estarão em casa cuidando de seus familiares. Enquanto o vírus permanecer se espalhando, o empresário não terá segurança de realizar novos investimentos e os chefes de famílias vão gastar menos já que não têm certeza sobre suas finanças, se vão permanecer empregado ganhando o mesmo.

Quando o vírus parar de se espalhar, quando o número de mortos for cada vez menor do que no dia anterior, a quarentena deverá ir afrouxando gradualmente. Com base em dados científicos e orientações médicas, as pessoas voltam a rua para levar uma vida normal, trabalhando e gastando normalmente.

É por isso que a tática de isolamento social precisa ser feita, a fim de parar o quanto antes o espalhamento do vírus. A fim de que o número de mortos não seja tão grande quanto na Itália, nos EUA e na Espanha. É com desobediência civil, desrespeitando o que o Presidente fala, que o quanto antes vamos ganhar a guerra contra o vírus.

JORNALISMO E CIDADANIA | 20 Mário de Godoy Ramos é Julgador Tributário do TATE (SEFAZ-PE) e Mestrando em Direito pela UNICAP.

Opinião

The covid-19 epidemic: a short and provisional summary

At present, information about the pneumonia outbreak that originated in Wuhan around December 6 in central China is far from complete so that one must exercise caution in discussing it. The outbreak came on top of Seasonal flu and Avian Flu. In Wuhan in early December patients appeared with flu like symptoms. Only once these people tested negative for known pathogens was it realized that a new pathogen was causing similar respiratory system infections.

On December 30, the infection of a number of people with a SARS-type pathogen was mooted on social media. Eight doctors were asked and agreed not to spread rumours. Of these doctors one, Li Wenliang, contracted the illness and subsequently and tragically died, prompting an outpouring of public anger and criticism of the Wuhan authorities (although the district CDC (Centre for Disease Control and Prevention) had already been informed). On February 8, an investigation team was sent by China’s Supervisory Commission to investigate the case. Clearly some officials may find themselves in deep trouble. In every province, Government officials were told at an early stage that any suppression of information would be severely punished.

On January 30 and in the first days of February in Huanggang, which is close to Wuhan which was the second most affected city, the Health Commission head had already been dismissed along with six officials, while another 337 were punished for insufficient effort in combating the virus. On February 10, 2020, the Party secretary and head of Hubei Provincial Health Commission were removed from office. The mayor of Shanghai, Ying Yong, was appointed as the new Party chief of Hubei Province.

Earlier, on December 27, Zhang Jixian, a specialist of respiratory diseases and critical care from Wuhan Zhong Xi Hospital, had identified a new type of pneumonia which she reported to the District CDC. Once it was clear from the examination of patient genome sequences that a new pathogen (the nCov19) was involved, the authorities acted very quickly: the DNA of the pathogen which is not an evolved SARS was quickly sequenced and shared with internatio -

nal health and disease organizations. Initially it was thought that it originated from a seafood market that also sold wild animals, although the first case did not originate from this location. On January 22, it was announced that person to person transmission was possible, and soon after that the fever is transmissible before symptoms such as a high temperature had appeared. As the illness quickly spread, it was also realized that the new pathogen was highly contagious: in February in Hong Kong one person from the Chinese mainland infected four people in the course of a family dinner; other cases of extraordinarily rapid transmission were noted. As the days passed some existing anti-viral medications were found to be relatively effective against this Corona virus.

In January 23, in Wuhan public bus and subway transport was suspended along with outbound air, rail, waterway and road passenger transport. These steps occurred however on the eve of the Chinese New Year which sees millions of people travel in a vast human migration: many, including migrant workers, return to their home towns to spend the new year with their families; some travel for family reunions in the places where their children live and work; and some take holidays in China or abroad.

Wuhan is a city of some 11 million people. When Wuhan was locked down, five million had already left. Some 600-700,000 has returned to nearby Huanggang which is the second most affected city. Official media pointed to a response that should perhaps have been faster. On February 3, 14 cities in Central China’s Hubei implemented lockdown and traffic control in the city centres, while throughout the country governments were asked to search for and register people from Wuhan.

In January health services and personnel in Wuhan were overwhelmed with patients and were short of protective hazmat suits, hospital beds and quarantine facilities. To support Wuhan, extraordinary efforts were made. Two new hospital with 10,000 beds were constructed from scratch. Huoshenshan hospital was completed in ten days. Once opened it was placed un -

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 21

der military rule. Leishenshan quickly followed. Other facilities were turned into temporary hospitals. Medical personnel, equipment and relief supplies were sent to Wuhan from across China and from some other counties. In the last few days the number of medical staff from the armed forces sent to Hubei and Wuhan reached 6,600 and the total reached more than 20,000. Very quickly it was decided that treatment was to be free. As from the first week of February every city in Hubei province has been assigned a ‘partner province’ (duikou zhiyuan) which will offer partner assistance.

Very quickly public health emergencies were declared at the highest level in one province after another. Every residential community was mobilized to register returnees, to collect travel information and to check temperatures for signs of fever, while the authorities went to great lengths to find people who had been in contact with those affected. People were asked to stay indoors and, as the extended New Year holiday came to an end, to work at home. People chose to do so even if the local regime was not strict, effectively isolating themselves and contributing to the combat against the novel Corona virus.

The regimes implemented varied in their strictness in accordance with local conditions. In Wenzhou in East China’s Zhejiang Province only one family member was allowed to go out every other day for grocery shopping. In Zhengzhou in Henan Province it was once every five days, while people could only go to workplaces with approved disinfection arrangements, amid efforts to contain the COVID19 epidemic.

In Beijing the number of entrances/exits to residential blocks were reduced to one or two. Anyone returning was registered. Only residents were allowed to enter except in exceptional circumstances. Deliveries had to be collected from these entrances. Collective areas and lifts were regularly disinfected. Communities arrange for social workers to shop and care for special groups, those facing difficulties and those under quarantine. Whenever one goes out one was expected to wear a mask. In some places it is compulsory. Supermarkets, stores and other places screened the temperature of customers seeking to enter.

Media, social media, letters, notices and service hotlines provided advice, instructions as to what one should do to protect oneself from the virus, and if one developed symptoms (including not travelling by public transport to hospitals). Masks were in short supply yet severe punishments were imposed if people were over-charged

for them. In Beijing supplies of groceries were plentiful. In a sense the whole of the population was mobilized in what amounted to a people’s war against what Xi Jinping called this ‘devil’.

Transport restrictions were imposed. On January 25, interprovincial passenger transport on Beijing roads was suspended. Tours were stopped. Swimming pools, gyms and theatres were all closed. If one did go out, one found the streets largely quiet and deserted. Travellers were checked and sometimes contact information collected in case it was discovered that they had travelled with someone carrying the pathogen. Anyone with a high temperature was not permitted to fly to another country.

The economic impact is clearly huge: very quickly new year gatherings and markets were cancelled with a major impact on those whose incomes derive from the normally soaring consumer expenditure across the Chinese New Year. Beijing’s Temple Fairs were all cancelled. The epidemic has seen a large drop in production and consumption and has interrupted supply chains, with the extended closure of factories, offices and shops and the absence of millions of high spending tourists and holidaymakers at tourist destinations. The 2020 World Athletics Indoor Championship due to take place in Nanjing in March was postponed for one year. Concerts scheduled for May have been cancelled (Wuhan) or postponed. Universities and schools postponed examinations and delayed the planned start of the new term. Once the extended new year holiday came to an end, schools and universities implemented distant teaching programmes. It all amounts to a major economic sacrifice on the part of China, although it will also have had adverse impacts of parts of the world that rely on Chinese visitors and their expenditure.

While many governments and WHO officials praised China and its government for the promptness, transparency and effectiveness of its response and its attempt to prevent the serious export of cases overseas, in some parts of the world and in particular in some western countries the response was very different. France, the UK, the US, Japan and South Korea sought to evacuate their nationals from Wuhan and advised them, wherever they were, to leave or not to go to China. Some countries closed their borders. National airlines stopped flying to China (possibly in part for commercial reasons).

While one might understand this type of caution, although it was against WHO and International Civil Airline Organization (ICAO) advice, sadly what occurred in the western media was

JORNALISMO E CIDADANIA | 22

something inexcusable: the publication and dissemination of extraordinary xenophobic attacks on China, its people and its government. Is there no opportunity on which they will not seize to denigrate China? Coverage included completely unjustifiable accusations. It was claimed for example that China was deliberately under-reporting the extent of the epidemic. Deliberate is a word for which they had no reliable evidence, though it is absolutely clear that in any epidemic under-reporting is inevitable as people do not declare that they are ill, and as medical staff and test equipment are limited and as criteria are difficult to establish and can change. This coverage also included deliberate misrepresentation as reports were selective and completely failed to deal with the representativeness of particular issues they covered. In this way they generated panic in their own countries and encouraged xenophobic behaviour. In some case facts were distorted: Chinese culinary habits were condemned by using photographs taken in parts of the world far distant from China.

Most disgustingly it was for some parts of the western media something to laugh about. Under the cloak of so-called freedom of speech, a Danish cartoon ridiculed China by replacing the stars on the Chinese flag with images of the novel coronavirus. The Wall Street journal declared that ‘China is the real sick man of Asia’. On its front page Der Spiegel alleged ‘Corona-Virus-Made in China’, while a French publication announced a ‘Yellow Alert’ to which many citizens in France and abroad responded.

When 2009 H1N1 swine flu emerged in the United States, an international emergency was declared. This pathogen eventually infected 60 million people, and in that year killed a minimum of 18,449. But according to the final numbers reported in 2012 by the Centre for Disease Control and Prevention the final death toll was close to 300,000. It took six months for the US to declare a national emergency. Xenophobic criticism of the US was absent. Other countries did not close their borders to US citizens. Why is the treatment of China so different?

In the last five days the increase in confirmed cases has declined day by day in mainland China excluding Wuhan (see Figure 1). On February 11, thankfully the number of new cases in Wuhan diminished with experts suggesting the epidemic may peak outside Wuhan this month. (In Wuhan the numbers then increased due to a change in clinical diagnosis methods used to confirm cases). On the evening of February 10, confirmed infections on the Chinese mainland

reached 42,638. The number of suspected cases stood at 21,675. A total of 187,728 people who have had close contact with infected patients were still under medical observation. The number of deaths stood at 1,016, a death rate of 2%4%. While 7,333 patients remained in a serious condition, a total of 3,996 people had been cured and discharged from hospitals.

China, through the extraordinary efforts of its government and people, is winning the battle against this novel Corona virus. In this success a collective ethos and the mobilization of the whole of society to support places struck by misfortune have played a significant role. In this way it is also helping protect the rest of the world. Clearly there is still much to be done, but China will emerge all the stronger with an improved disease prevention and control system as a result of what it will have learnt.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 23
Dunford is Emeritus Professor of Economic Geography (University of Sussex). Since 2010 he has lived and worked in Beijing.
Mick

Opinião

Lições da covid-19

A covid-19, doença transmitida pelo coronavirus, escancarou, pela TV e pelas entrevistas de ministros, principalmente o da Saúde, o Brasil real. A miséria física e social ganha destaques nessa situação atual. Todos se mostram preocupados com a falta de água, ingrediente básico para a higienização das mãos, e de saneamento básico. Ninguém pergunta a quem cabe a culpa. E por quanto tempo não há água nas comunidades, termo agora mistificado em lugar de favelas e periferias? Há, em verdade duas faltas de água: uma, que existe encanamento, mas não água - neste caso a culpa é do órgão responsável; e a outra, que não há sequer o encanamento - nesse caso a culpa é dos gestores públicos.

Quase todos se compadecem diante da pobreza brasileira. O que vale é a economia, segundo o presidente da República e seu ministro da Economia, que até antes do agravamento da covid-19 falava em reformas.

O isolamento social foi imposto pela equipe de Saúde do Ministério, dos governos estaduais e prefeitos, quase todos estão cumprindo. As exceções começam pelo presidente da República, bolsonaristas e mais jovens, como se o coronavírus fosse tipicamente uma doença de idosos. Os exemplos de morte não os atingem, porque para eles esses velhos já viveram o tempo necessário e nada têm que transmitir. Diante da morte mostram tristeza. Profunda ignorância e cheia de preconceitos.

No isolamento social há uma triste realidade que é a exploração da mão de obra feminina, fruto, em grande parte, de um machismo escancarado e secular. As mulheres, em casa, já vinham sofrendo três expedientes. Agora é parte dos grupos médios, aqueles que dispensaram as empregas domésticas, apelidada de secretárias, sofrerem com a cozinha, crianças e arrumação de casa.

Muitas repartições privadas têm

JORNALISMO E CIDADANIA | 24

adotado o trabalho de funcionários em casa (home office) para evitar que eles saiam e compareçam à repartição. Com isso poupam água, café, energia do computador, do ar condicionado e da luz do quarto/escritório, quando não a exploração dessa mão de obra, que a qualquer hora deve estar disponível para a empresa e formula a ideologia do trabalho próprio, ou seja, cada funcionário é dono de seu tempo. Com isso, ganha a adesão destes e já se formula a perspectiva futura do trabalho em casa. E o salário é o mesmo que se ganha indo trabalhar, sem levar em consideração as despesas caseiras.

O ministro da saúde, que vem com atuação brilhante diante da crise geral do coronavirus, sempre foi contra o SUS e pela iniciativa privada, tornada essa em panaceia para todos os males da sociedade brasileira. De acordo com o dito popular, tem culpa no cartório. Todos, hoje, cantam a necessidade do SUS. A falta de moradia digna, de saneamento básico, de água sempre foi ignorada pelos poderes Executivo e Legislativo, pelos governadores e prefeitos.

A pobreza sempre foi desprezada por parte da classe média e pela burguesia, a não ser em caridade, que a negam ou preferem dizer que há os que nasceram para servir. Quanto mais distante, melhor. Com isso tratam os negros pobres com compaixão e desdém

Vivemos uma segunda, 6 de abril, muito tensa porque, segundo entrevista do ministro Mandetta, o Bolsonaro queria demiti-lo (1) . Se não fossem os militares, o presidente do Senado e da Câmara Federal e até o STF, teríamos o deputado federal Osmar Terra, do RS, e ex-ministro da Cidadania, como novo ministro da Saúde, defendendo o isolamento vertical, já que é mais um fiel seguidor de Bolsonaro.

Quando a maioria dos brasileiros, em pesquisa divulgada pelo Data Folha, demonstrou através de duas respostas o apoio ao isolamento social e a não renúncia de Bolsonaro, interpreto, sobretudo a segunda,

como medo de nova situação política com troca de todos ministérios, autarquias etc. Qual outro significado diante dos gigantes panelaços? E diante da reprovação pessoal do presidente da República?

Quanto aos R$ 600,00 reais, ou seja, R$ 1,800,00, revela toda uma política de emprego que desconsiderou a população brasileira. Esses, diante da crise do capitalismo selvagem e com contas a pagar, tiveram que recorrer ao trabalho informal. Formam o grande exército de reserva e são, igualmente, massa de manobra, de piedade, e engrossam os 13 milhões de desempregados pelo país afora. Não vê quem não quer. Basta ir às praças, às praias, em frente aos hospitais e das casas de saúde, nas ruas e avenidas lá estão eles com pequenas barracas, andando a pé pra lá e pra cá, num movimento sem lugar. Ao voltar para os lares, em lugar de pernas grossas e sem barrigas, encontram faturas e faturas a pagar, sem ter onde descansar o corpo encharcado de sol ou de frio. E o que dizer dos “sem teto” abandonados uns pela família e todos pelos governos federais, estaduais e municipais? São os invisíveis. Só nos incomodam quando diante das necessidades físicas que dominam o corpo fazem nas calçadas e praças o amor, sempre feito, pelos que possuem cama confortável, no recôndito do lar.

NOTAS:

1 Em verdade não usou esta expressão e sim que a equipe toda teria limpado as gavetas, inclusive a dele, conforme a entrevista do ministro Mandetta no Ministério da Saúde e transmitida ao vivo pelas TVs. Em verdade essa crise não terminou. O presidente Bolsonaro continua com as mesmas intenções. O interessante é que agora está manietado pelos militares.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 25
Abdias Vilar de Carvalho é Doutor em Ciências Sociais e pesquisador social.

Opinião

A questão indígena e ambiental numa era de catástrofes

Por Rômulo Santos de Almeida

Tais leituras implícitas ao Coringa leva o colunista da CNN Jeff Yang a afirmar que o filme é uma parábola poDiante das agressões aos povos indígenas e dos imensos retrocessos ambientais, aprofundados pelo neoliberalismo e pelo discurso negacionista que permeia o cenário político atual, dois assuntos parecem ressurgir com mais evidência: a questão indígena e ambiental. É notável e internacionalmente conhecida a ligação do governo brasileiro com os interesses ruralistas e sua cumplicidade na violência contra os indígenas e o meio ambiente, que sofrem com a intervenção de mineradoras, garimpeiros e madeireiros. Mais uma vez os povos originários são encarados como um entrave ao desenvolvimento econômico, incapazes de explorarem de maneira “eficiente” a biodiversidade que os cerca. Para o governo, o índio deve se transformar em um “empreendedor” e explorar a floresta com uma única finalidade, qual seja, o lucro. Tal visão preconceituosa demonstra um total desconhecimento e desprezo da diversidade cultural indígena, suas formas de organização social, política e econômica, assim como a existência de cosmovisões bastante distintas do ocidente capitalista.

É necessário salientar, diferente da perspectiva eurocêntrica, que os povos que aqui viviam antes da chegada dos colonizadores já possuíam história, cultura complexa e senso de territorialidade. Antes de 1500, milhões de habitantes povoavam o Brasil, formando um aglomerado humano com uma imensa variedade de línguas e culturas. Schaden (1974, p. 1) afirma, por exemplo, que a maioria dos indígenas encontrados pelos “desbravadores quinhentistas em terras da bacia platina falava dialetos do idioma Guaraní, estreitamente afim ao linguajar das chamadas tribos Tupí, que dominavam quase todo o litoral brasileiro e grandes extensões do interior”. Para Ribeiro (2006), durante milênios a costa atlântica foi percorrida e ocupada por inumeráveis povos indígenas, surpreendidos por um grupelho recém-chegado de além-mar super agressivo e capaz de atuar destrutivamente de muitas formas. Esse conflito se deu em todos os níveis: no biótico, com a guerra bacteriológica travada pelas pestes que o branco trazia no corpo; no econômico e social, através da disputa pelo território e riquezas naturais; no étnico-cultural e antropológico pela gestação de uma etnia nova. Como enfatiza Galeano (2000, p. 26), “a epopéia dos espanhóis e portugueses na América combinou a propagação da fé cristã com a usurpação e o saqueio das riquezas nativas. O poder eu-

ropeu estendia-se para abarcar o mundo”.

Ao chegarem às costas brasileiras, os europeus pensaram ter atingido o paraíso terreal, isto é, uma região de eterna primavera, onde se vivia por mais de cem anos de perpétua inocência. Logo, porém, eles passaram a observar os índios, sobretudo os Tupí, por verem neles, ou animais úteis, ou homens europeus e cristãos em potência, enquanto os índios viam os europeus como uma possibilidade de autotransfiguração, um signo da reunião do que havia sido separado na origem da cultura. A maior armadilha, entretanto, foi talvez a ilusão de “primitivismo”, especialmente na segunda metade do século XIX, época de triunfo do evolucionismo e do darwinismo social, quando prosperou a ideia de que certas sociedades teriam ficado na estaca zero da evolução. Foi quando, na teoria ocidental, as sociedades sem Estado se tornaram sociedades “primitivas”, condenadas a uma eterna infância (CARNEIRO DA CUNHA, 1992; ORTIZ, 2006; SCHWARCZ, 1993; VIVEIROS DE CASTRO, 2002). A antiga tese evolucionista foi duramente criticada por autores como Clastres (1990), que destacou o potencial anárquico e a ausência de necessidade por parte das sociedades ameríndias de construírem sistemas políticos piramidais e hierarquias rígidas. Nelas, embora importante, o poder do chefe depende da boa vontade do grupo.

Hoje, segundo dados da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há no território nacional cerca de 305 povos indígenas, somando um total de 896, 9 mil pessoas e 274 línguas. O povo Tikuna, residente no Amazonas, representa a maior população. Em seguida aparece o povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, e os Kaingang, da região Sul do Brasil. Além disso, 63,8% dos índios brasileiros vivem em áreas rurais e 36,2% em áreas urbanas. Espacialmente, a região Norte concentra o maior contingente, com cerca de 342,8 mil, enquanto a região Sul possui o menor, com apenas 78,8 mil. A composição por gênero também revela algo interessante: existe uma proporção de 100,5 homens para cada 100 mulheres. Por fim, ao se considerar a residência, verifica-se que mais mulheres habitam as áreas urbanas e os homens as rurais. Não obstante, na acepção de Cardoso de Oliveira (1978), é preciso rigor na classificação das etnias indígenas, evitando o reducionismo de conceber povos tão diversos numa categoria abstrata denominada de “índio”.

Outro aspecto não menos relevante é a difícil situ-

JORNALISMO E CIDADANIA | 26

ação vivenciada por esses povos para garantir a proteção dos seus territórios e sua existência física e cultural. Esse, inclusive, é um desafio enfrentado pelos indígenas desde a colonização das Américas. Eles continuam lidando com problemas concretos, tais como invasões, genocídios, exploração do trabalho infantil e sexual, degradações ambientais, missões de evangelização, entre tantos outros. Tal fato tende a se agravar quando, em plena corrida eleitoral, o presidente eleito afirmou que não teria um centímetro demarcado para reserva indígena ou quilombola, num discurso que agradou os grandes produtores rurais, representantes do agronegócio e mineradoras. Sua declaração ignora a soberania dessas populações e fere o § 3º do art. 231 da Constituição Federal de 1988. O texto constitucional estabelece que o aproveitamento dos recursos hídricos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só são viáveis quando ouvidas as comunidades afetadas. Similarmente, o art. 5º, inciso XXXVI, entende que as demarcações já homologadas e registradas não podem ser desfeitas. Desse modo, os povos indígenas possuem o direito originário para viverem em seus territórios, cabendo ao Estado realizar a demarcação.

Ações contrárias aos interesses das populações nativas ganham força no Congresso com a incessante atuação de parlamentares ruralistas ou ligados ao agronegócio. É o caso da PEC 187, que prevê a exploração pecuária e agrícola em terras indígenas e abre precedentes para a alteração do art. 231 da Constituição. Do mesmo modo, a PEC 343 motiva a parceria agrícola e arrendamento em terras indígenas. Também é necessário frisar o PL 191/2020, que nega o poder de veto dos povos indígenas, autoriza o plantio de sementes transgênicas em suas terras, propõe a construção de hidrelétricas, exploração de petróleo e gás, pecuária e turismo. Em suma, as terras indígenas estarão sujeitas ao saque legalizado por parte de empresários e trabalhadores não índios. Tais medidas, além de atentarem contra a autodeterminação desses povos, podem aumentar o já elevadíssimo uso de agrotóxicos, resultando na produção de alimentos impróprios ao consumo humano e estimular outros crimes ambientais como desmatamentos e queimadas. Conforme dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até o dia 18 de agosto de 2019, o número de queimadas cresceu 70% na comparação com o mesmo período de 2018, com registro de 66,9 mil pontos atingidos, contabilizando o maior índice desde 2013. O bioma amazônico foi o mais afetado, com 51,9% dos casos. No mesmo mês de 2019, o incêndio que atingiu a floresta amazônica chegou a levar “rios de fumaça” para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, culminando numa crise diplomática entre o Brasil, a França, a Alemanha e a Noruega.

Apesar dos entraves, os índios e militantes da causa indigenista e ambiental continuam resistindo e denunciando a existência de genocídios, ecocídios e demais

crimes perpetrados por agentes do Estado. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra o número de assassinatos de lideranças indígenas em 2019 foi o maior em 11 anos, o que demonstra a intensificação dos conflitos no campo e a inoperância do poder público em assegurar uma vida digna aos povos originários. Pela via institucional, desde a redemocratização do país, em 1988, novas lideranças ganharam mais visibilidade na luta pelo reconhecimento de seus territórios. Entre algumas delas estão Mário Dzuruna Butsé (o falecido Cacique Juruna), Davi Kopenawa, Joênia Wapichana, Ailton Krenak, Sonia Guajajara e o Cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó. As questões indígena e ambiental se coadunam, portanto, na compreensão da simbiose entre os povos originários e a biodiversidade florestal para o Brasil e o mundo.

REFERÊNCIAS:

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. A sociologia do Brasil indígena. Rio de Janeiro: Editora Universidade de Brasília, 1978. (Biblioteca Tempo Universitário, 31).

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Introdução a uma história indígena. In: História dos índios no Brasil (org.). CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992.

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 5 ed. Brasil: Editora Francisco Alves, 1990.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 39ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. (Estudos latino-americanos, v.12).

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guaraní. 3.ª Edição. São Paulo: E.P.U, EDUSP, 1974.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: COSACNAIFY, 2002.

Rômulo Santos de Almeida é Graduado (2013), Mestre (2017) e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). PE (2013).

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 27

Opinião

Cassações nas Universidades

I-INTRODUÇÃO

Existe um núcleo duro do bolsonarismo para quem não faz sentido argumentar. Os seus integrantes rejeitam, a priori, qualquer argumentação crítica em relação ao governo Bolsonaro, independentemente de sua consistência ou fragilidade. O que foi dito acima foi ilustrado pelo comportamento de uma senhora que encontrei na Livraria Leitura, dizendo-se católica e eleitora de Bolsonaro. Para ela, o Papa Francisco, segundo reiterou, não passa de um “comunista”. Exemplo de crassa ignorância, expressa em arraigado maniqueísmo.

Porém, muitos dos que votaram no capitão reformado não nutrem pelo ex-militar fidelidade incondicional. Nele votaram para Presidente por achar que, a despeito de sua retórica agressiva – e, acreditavam, meramente eleitoreira – era o único, dentre os demais postulantes ao cargo, capaz de combater a corrupção e de enfrentar os desafios da segurança pública.

Boa parte está decepcionada com o “mito”, faltando-lhe, contudo, clareza para compreender a imprescindibilidade da democracia e, simetricamente, o grave retrocesso que representaria a volta da ditadura. Além do mais, muitos deles só conhecem a ponta do iceberg da repressão desencadeada a partir de 1964. Não foram apenas políticos e integrantes da oposição clandestina que foram objeto da sanha punitiva do regime militar. Poucos sabem, por exemplo, que milhares de militares, somente por não terem concordado com o golpe, foram expulsos das Forças Armadas, compulsoriamente reformados e, muitos deles, até mesmo, torturados.

Daí o interesse em trazer à baila aspectos repressivos do regime, que vicejaram no âmbito da sociedade, pouco alardeados, mas que produziram consequências graves para as suas vítimas. Estas foram punidas, sem qualquer direito de defesa, tão somente por se reunirem pacificamente, e exercitarem a liberdade de expressão, criticando o

regime militar – direitos humanos fundamentais, dos quais fizeram uso precisamente para garantir sua vigência. Com efeito, o poder discricionário, sem limites, próprio das ditaduras, atribuído aos chefes das Forças Armadas, foi exercido, no Brasil, com toda brutalidade, especialmente a partir da decretação, em dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5.

II- AS CASSAÇÕES E SUAS CONSEQUÊNCIAS.

Um dos aspectos menos conhecidos das punições baseadas em Atos Institucionais: as “cassações” de estudantes. Quer dizer, o cancelamento das suas matrículas, com a consequente privação do direito de os alunos estudarem durante um determinado período de seu curso. Posso dizer que analiso essa questão ex cathedra haja vista que fui cassado por duas vezes quando cursava Direito na UFPB, “dose dupla” que poucos estudantes, no Brasil, experimentaram. Não tenho conhecimento de nenhum estudo que tenha abordado, mais detalhadamente, esse tema. A questão central dessas punições reside no fato de que elas não têm, a não ser formalmente, cada uma, apenas a duração de um ano, nem elas se limitaram apenas ao direito de estudar. Esse entendimento se aplica, em toda sua plenitude, à minha segunda cassação, perpetrada com base no AI-5, por ter participado, na condição de Delegado da Faculdade de Direito da UFPB, do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), de que resultou a maior prisão coletiva do Brasil.

Na verdade, ela durou, na prática, DEZ ANOS, somente cessando os seus efeitos com a revogação, em janeiro de 1979, do AI-5. Nesse período fiquei privado, entre outros direitos, de ir e vir. Somente consegui viajar para a França, em outubro de 1970, e lá permanecer por cinco anos, por ter ludibriado os serviços de informação, tendo sido expedido, com base em um endereço falso, o meu passaporte no Recife.

JORNALISMO E CIDADANIA | 28

Isso foi possível, pois, à época, não existia Polícia Federal e não havia integração entre os Departamentos de Ordem Social e Política (DOPS) dos Estados, encarregados da vigilância e repressão aos oponentes da ditadura. Tive sorte. No dia seguinte à minha viagem, o Exército foi procurar-me em minha residência, mas, a essa altura, Inês era morta, já me encontrava na Europa.

Outra conseqüência deletéria da minha cassação (supostamente só de um ano, e exclusivamente restrita à frequência, em 1969, no curso de Direito) foi a impossibilidade, durante os já referidos dez anos, de ingressar no serviço público. Aqui na Paraíba, no período de 1976 a 1978, o saudoso Linaldo Cavalcanti, então Reitor da UFPB, tentou três vezes contratar-me, em virtude de, à época, ser um dos raros portadores, no Nordeste, do título de Doutor em Direito. Em vão, pois só poderia fazê-lo com onihil obstat da Divisão de Segurança da universidade, onde constava, na minha ficha, “registros negativos”. Outras universidades que procurei, como a UFRN e a Universidade de Brasília, manifestaram o desejo de contratar-me. Porém, os tais “registros negativos” as impediram de fazê-lo. Com certeza, não fui o único sofrer essas consequências das cassações. Não há estudo a respeito, mas presumo que dezenas de colegas também tiveram as privações de direitos acima apontadas.

III- DA RETRATAÇÃO DA UFPB ÀS INCERTEZAS DA ATUAL CONJUNTURA

Somente com a revogação do AI-5, em 1979, dez anos após ter sido cassado pela segunda vez, em 1969, pude ser contratado por uma universidade pública, a UFPB. Mesmo a minha contratação para a Universidade Regional do Nordeste (atual Universidade Estadual da Paraíba - URNE), onde “passei uma chuva”, durante três anos e meio (março de 1976 a julho de 1979), enquanto aguardava ser contratado pela UFPB, só foi obtida driblando o seu Setor de segurança, que tomou conhecimento tardiamente de meu contrato. Frise-se que isso ocorreu mesmo a URNE não sendo estatal e, portanto, não fazendo parte do serviço público!

Em publicação do ano de 1999, intitulada A retratação da UFPB, essa instituição reconhece que os estudantes e professores que foram excluídas da vida acadêmica “tive -

ram suas vidas profissionais e pessoais tremendamente prejudicadas ou simplesmente cruelmente exterminadas”.

No dia 27 de agosto desse mesmo ano, o Conselho Universitário da UFPB, em sessão solene, revogou, mediante a Resolução nº 16/199 “todos os atos punitivos da Reitoria aplicados a alunos e ex-alunos da UFPB, atos esses fundados em legislação de exceção”, conferindo àquela Resolução efeito de Retratação Institucional”. A reflexão sobre a extensão dos malefícios da ditadura ganha mais importância quando as nuvens se adensam no horizonte, essencialmente devido ao comportamento golpista do Messias Bolsonaro, que pretende ter sido guindado à Presidência para salvar o país dos corruptos e de uma imaginária “ameaça vermelha”.

O suposto salvador da Pátria vem testando, com cada vez mais ousadia, o grau de resistência e a capacidade das instituições sobreviverem às suas estocadas. Chegou ao ponto, inadmissível para qualquer chefe de Estado, numa democracia, de endossar manifestações que pregam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Mesmo os políticos liberais, que manifestaram até recentemente atitude leniente em face do processo golpista em curso, mostram-se mais decididos, convocando, inclusive, a exemplo de FHC, uma ampla aliança dos democratas para barrar as ameaças golpistas. Resta, contudo, o essencial: cimentar a aliança proposta e tomar iniciativas urgentes, no que se refere à mobilização da sociedade, em defesa do legado democrático herdado da Constituição de 1988. Antes que seja tarde. DITADURA NUNCA

Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: rubelyra@uol. com.br

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 29

Opinião

COVID-19 - ¡Avancemos hacia la reconstrucción integral de México!

Por María Josefa Montalvo et al.

RECESIÓN MUNDIAL Y CORONAVIRUS

La gravedad de la recesi ó n que enfrenta la econom í a mundial, que amenaza con ser peor que la de 2008-2009, no es atribuible a la pandemia del Covid19 que, en todo caso, fue uno de sus factores detonantes que incide en su extensi ó n y profundidad. Esta recesi ó n, que tuvo sus primeras manifestaciones en la parte final de 2019, es expresi ó n de una crisis sist é mica del capitalismo, en particular, del progresivo agotamiento de la financiarizada globalizaci ó n neoliberal que ha agudizado en los ú ltimos años, por un lado, la sobreexplotaci ó n de los trabajadores y depredaci ó n de la naturaleza y, por otro, las luchas inter-capitalistas entre potencias hegem ó nicas dominantes y en ascenso.

La pandemia del Covid19 se ha desplegado en el marco de una profunda crisis ecol ó gica, econ ó mica, social y pol í tica global y de debilitamiento estructural tanto de las capacidades sociales de los Estados nacionales como de los mecanismos de coordinaci ó n internacionales. Estos factores han contribuido a su virulencia.

LA PROPUESTA ECONÓMICA DEL GOBIERNO DE LA 4T

Coincidimos con las definiciones estrat é gicas del Gobierno federal en materia de pol í tica econ ó mica frente a la contingencia del Covid19 en M é xico porque, a diferencia de gobiernos anteriores, no tendr á como eje los “rescates” a los grandes empresarios fundamentados en “endeudamiento” masivo, sino el apoyo de los segmentos econ ó mica y socialmente m á s vulnerables. Por eso no podemos estar de acuerdo con los pronunciamientos de algunos acad é micos y pol í ticos que, criticando frontalmente al gobierno de la 4T, exigen la instrumentaci ó n de pol í ticas “antic í clicas” tradicionales, m á s con intencionalidad pol í tica que con fundamentos

t é cnicos. Tampoco con las airadas demandas, con un tono crecientemente golpista, de algunos voceros de organismos empresariales (CCE y COPARMEX) que exigen, adem á s del abandono de los proyectos estrat é gicos de la 4T, que prioritariamente se les rescate a ellos (aunque tienen dep ó sitos por 76 mil millones de d ó lares en Estados Unidos) a partir de un masivo endeudamiento p ú blico (por un bill ó n de pesos).

LOS RETOS FRENTE A UN DIF Í CIL CONTEXTO

Consideramos que se requiere instrumentar medidas contundentes de corto, mediano y largo plazo orientadas a enfrentar los efectos inmediatos de la pandemia del Covid19 y a impulsar la reactivaci ó n de la actividad econ ó mica en el marco de la recesi ó n mundial. Todas ellas deben estar centradas en la necesaria reconstrucci ó n integral de la Naci ó n, totalmente devastada durante cuatro d é cadas de neoliberalismo: protecci ó n de la ecolog í a y econom í a sostenibles; protecci ó n de la econom í a familiar e impulso a la producci ó n de bienes b á sicos y alimentos; reconstituci ó n de la educaci ó n, la salud y la seguridad social p ú blicas.

En el plano nacional deben garantizarse los ingresos de todos los trabajadores formales de los sectores p ú blico y privado, sancionando en su caso los despidos ilegales. Asimismo, es de total urgencia instrumentar apoyos decisivos a las MIPYMES y a los trabajadores informales. La devoluci ó n inmediata del IVA es urgente para dotar de liquidez a las empresas para evitar su quiebra y la consiguiente p é rdida de empleos. Fiscalmente, se requiere una pol í tica diferenciada que, por un lado, permita a las MIPYMES diferir pago de impuestos y de servicios como electricidad y, por otro (como se est á haciendo), exigir a las grandes empresas que liquiden sus adeudos fiscales. Para el segmento informal, que incluye a muchas microempresas, deben instrumentarse in -

JORNALISMO E CIDADANIA | 30

mediatamente apoyos directos (en especie o monetarios). Asimismo, debe explorarse la instrumentaci ó n de un programa de renta b á sica universal a partir de los programas de ayudas y becas espec í ficas existentes.

Es urgente tambi é n precisar los mecanismos y condiciones de financiamiento para los segmentos vulnerables de la econom í a, recuperando extensivamente el papel de la Banca de Desarrollo y orientando dichos financiamientos a la producci ó n ecol ó gicamente sostenible de bienes b á sicos. Es perentoria tambi é n la necesidad de disminuir el costo de los servicios bancarios y de los diferenciales entre tasas activas y pasivas.

En el plano internacional, en el que destacan la preponderancia de pol í ticas nacionalistas y la debilidad de los mecanismos multilaterales, se requiere impulsar y reforzar la solidaridad y cooperaci ó n globales. Debe insistirse en el cese de operaciones militares, bloqueos comerciales-financieros y sanciones econ ó micas vigentes, particularmente en contra de los pueblos hermanos de Cuba y Venezuela. Debe desplegarse un sistema global de vigilancia sanitaria preventiva y operativa. Debe proponerse la regulaci ó n multilateral de mercados mundiales estrat é gicos: combustibles (del que ya se dio un paso significativo al pactar una restricci ó n limitada de producci ó n de petr ó leo con la OPEP); medicamentos, equipos m édicos y asesor í a especializada (como ha ocurrido con China y con Cuba); alimentos; financieros (no s ó lo para otorgar liquidez durante las crisis, sino para reorientarlos a la promoci ó n de la inversi ó n productiva y no a la especulativa).

De manera inmediata, los pa í ses perif é ricos, particularmente latinoamericanos, deben unificarse para, primero, declarar una moratoria del total de la deuda externa, incluyendo principal e intereses, por el tiempo que dure la crisis sanitaria y se reactive la actividad econ ó mica. La moratoria parcial hasta el final de 2020 acordada con el G20, es un avance, pero es insuficiente. Segundo, exigir, si se requiere, el acceso a l í neas de cr é dito preferenciales para financiar la recuperaci ó n econ ó mica que garanticen los insumos necesarios para los bienes b á sicos de alimentaci ó n, salud, energ í a, y cadenas productivas. Tercero, renegociar la deuda externa, exigiendo quitas y alargamientos de plazos de pagos. Cuarto, pugnar un plan de ayuda (tipo Plan Marshall) para reacti -

var las econom í as de la regi ó n, el cual debe estar combinado por acuerdos regionales de intercambio de mercanc í as y de creaci ó n de proyectos regionales que industrialicen las materias primas de la regi ó n. Ello debe ir apoyado por un banco regional y de desarrollo latinoamericano que otorgue liquidez para las compras y ventas y l í neas de cr é ditos para los proyectos de inversi ó n regional.

HACIA LA RECONSTRUCCIÓN NACIONAL INTEGRAL

Estamos convencidos de la necesidad de fortalecer la unidad de reflexi ó n y de acci ó n de todos los trabajadores de M é xico y sus organizaciones para avanzar, junto con el gobierno de la 4T, en la necesaria reconstrucci ó n nacional.

Este documento foi assinado por María Josefa

Montalvo (UAM-Azcapotzalco), Marisol Velázquez (UP), Federico Manchón (UAM-Xochimilco), Antonio Vital Galicia (Alianza de trabajadores de la salud y empleados públicos) e mais 86 representativos intelectuais mexicanos.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 31

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.