Revista LiteraLivre 21ª edição

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LiteraLivre Vl. 4 - nº 21 – Mai/Jun. de 2020

Talvez ninguém tenha percebido no início, nem mesmo os dois, mas ali começava uma linda e intensa história, que abalaria a estrutura de muitas pessoas, principalmente a deles. Os dias que se seguiram foram estranhamente especiais, iluminados, leves. Tão leves que às vezes ela tinha a impressão de que algumas borboletas passeavam pelo seu corpo, principalmente pelo seu estômago. Ela não soubera exatamente em que momento os seus olhares se cruzaram, mas quando isso aconteceu, um turbilhão de emoções percorreu suas veias, como a lava de um vulcão, incendiando, queimando, pedindo passagem. O que fazer com esse alvoroço que desalinhava a cada dia o fio de sua vida? E nesse maremoto instalado, ela tentava reorganizar seus pensamentos para tentar então compreender tudo aquilo. Foi nesse momento que ela percebeu afinal, que estava diferente, que a vida estava diferente, que os dias estavam mais ensolarados, que o sol brilhava com mais intensidade e que seus raios a aqueciam completamente, como ela nunca havia sentido antes. Percebeu que estava leve, que quase flutuava a cada passo que dava, como se o vento a conduzisse como conduz uma folha que se desprendeu e busca a liberdade. E era isso. Liberdade. Palavra que a atormentava agora. Liberdade para sentir o que estava sentindo. Liberdade para viver aquela mutação que acontecia em suas entranhas e que a arrebatava, aquele sentimento visceral que trouxe novo sentido e nova cor à sua vida. E como enfrentar esse novo viver? Como não demonstrar que o mundo estava colorido como um arco-íris que inundava e transbordava pelos poros? Foi assim que ela concebeu que o vazio que a flagelou por tanto tempo, finalmente fora desvendado. Mas aquele querer não lhe era permitido. Era uma flor que não poderia desabrochar, era chuva impedida de cair, vento que não podia soprar. Contudo, como controlar tamanha força? Como não transparecer aquilo que simplesmente lhe saia pelos poros numa ânsia que quase a sufocava? Então, mesmo quando tudo lhe era negado, quando tudo parecia um grande erro, ela entregou-se àquele sentimento e pôde finalmente compreender, que aquela ausência inexplicável que a cortava ao meio e a perseguia há tanto tempo, era tão somente o que lhe cabia agora no coração. Foram meses e anos atribulados. Se por um lado, a paixão crescia e a arrastava para um mundo desconhecido, fantástico, porém clandestino, por outro lado, vinha com uma carga de culpa e medo que tantas vezes quase a derrubou, quase a fez abrir mão de tudo, desistir. Mas ela não poderia. Não tinha forças, pois a cada dia estava mais e mais enredada nas tramas daquele amor, nas redes que se lhe enroscavam e prendiam, em uma mistura de êxtase e verdadeiro pavor. [197]


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