Pecuária Brasil #36 100% ONLINE

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Thaís Fernandes Monteiro

OPINIÃO

Advogada formada pela Universidade de Uberaba – UNIUBE, atuante nas áreas cível, trabalhista e criminal, pós graduada em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti – IED, Belo Horizonte e Advocacia Extra-judicial pela Faculdade Legale, São Paulo. Sócia de Monteiro Sociedade de Advogados, na cidade de Uberaba, Minas Gerais. thaisfmonteiro@outlook.com

JURÍDICO

Contratos agrários em tempos de pandemia de Covid-19

O

cenário da pandemia por Covid-19 se prolonga durante o ano de 2020, trazendo consigo várias surpresas e situações a priori corriqueiras e de fácil resolução, que com a superveniência da inesperada pandemia, se tornaram avalanches jurídicas, sobretudo no que tange aos contratos agrários. Mais do que nunca, o produtor rural neste momento necessitou e necessita de amparo jurídico, seja consultivo, como medida preventiva de evitar futuros conflitos, ou quando já não é mais possível a resolução dentro da esfera extrajudicial e faz-se necessário o ingresso na justiça. Sabe-se que, os contratos são institutos rígidos, devem ser preservados e cumpridos em todos os seus termos, após serem firmados. Entretanto, muitos foram descumpridos em suas cláusulas, por motivo de força maior em um instante que o produtor e empresário não encontravam outra saída, em uma situação totalmente atípica para todos. A teoria que fundamenta, e ao menos deveria ser a mais utilizada como meio de resolução e revisão de contratos agrários no período da pandemia, é a TEORIA DA IMPREVISÃO, a qual permite a flexibilização do contrato por fato posterior e imprevisível às partes, sem que as mesmas tenham contribuído para a ocorrência. Na lição de GAGLIANO, 2010: (...) consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Segundo a teoria mencionada, imprevisão que vivemos se encaixa perfeitamente com a situação vivenciada atualmente com a pandemia e esperava-se que esta fosse considerada como meio de solução de conflitos, quando se fala em contratos. O contexto ao qual encontramo-nos inseridos, é uma pandemia, terreno totalmente novo para os produtores brasileiros, no qual a lavoura não foi devastada por algum fator climático ou praga, como muitas vezes já ocorreu, mas foi afetada por uma crise mundial sem precedentes. Esperava-se ao menos, uma permissão legal que possibilitasse amparo ao produtor, e aos demais empresários aos quais são diariamente afetados pelas quebras contratuais. Mediante a tamanha imprevisão, como suposta tentativa de flexibilizar os contratos e facilitar a resolução dos conflitos, foi criado o Projeto de Lei nº 1.179/2020 (PL 1.179/20) de autoria do Senador Antônio Anastasia e posteriormente aprovado em partes pelo presidente Jair Bolsonaro, que objetivava diminuir os efeitos da recessão. No entanto, o resultado não foi o esperado, o projeto de Lei que, em tese flexibilizaria as relações contratuais, acabou apenas reconhecendo a crise mundial por coronavírus e não cumprindo com seu objetivo.

Senão vejamos, com olhar crítico o art. 7º da PL 1.179/20: “Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos art. 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário.” Ora, se nos referidos artigos do Código Civil, citados na PL 1.179/20, era a esperança e onde encontrava-se respaldo para os contratantes no que diz respeito a imprevisão vivenciada e a superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderia se pedir a resolução dos contratos, que beneficiasse equitativamente as partes, porém com a PL não mais se permite. Evidentemente, haverá o excessivo prejuízo para uma das partes. No mencionado artigo 478 do Código Civil abarcam acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Notadamente, nunca se viu acontecimento mais extraordinário e imprevisível nas últimas décadas do que a pandemia de Covid-19. Os ensinamentos de DINIZ, 2010 vão de encontro ao pensamento: (...) imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando celebraram o contrato, não possam ter previsto o evento anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas, pois não se admitirá a rebus sic stantibus se o risco advindo for normal ao contrato. Os dizeres do autor se traduzem em que, se houver um risco normal ou previsível do contrato, não poderá ser cumprido da maneira e nas condições em que se encontra (rebus sic stantibus), mas se houver um acontecimento inimaginável pelas partes, como é o caso da pandemia, as partes poderão se valer da teoria da imprevisão e facilitar bilateralmente o cumprimento do contrato. Inflação, variação cambial, desvalorização ou substituição do padrão monetário, não foram para o poder legislativo, motivos suficientes para que fosse permitido resolução dos contratos e o devido amparo ao produtor e empresário. Neste interim, nota-se que o mencionado Projeto de Lei, vai contra aos entendimentos doutrinários de Direito, no que tange à esfera contratual. Veio apenas para satisfazer falsamente o anseio do brasileiro, que esperava uma intervenção legislativa para socorrê-lo das grandes responsabilidades contratuais assumidas antes da pandemia e das garras da inadimplência, e sem efeito algum foi deixado a mercê de tantos problemas jurídico contratuais. A alternativa que resta neste momento para os afetados pela monstruosa avalanche contratual, sendo empresários e produtores, em primeiro lugar é buscar tais objetivos de maneira consensual e amigável, com assessoria jurídica se possível, estabelecendo e negociando condições de cumprimento dos contratos e só depois de esgotados os meios, ingressar com demandas judiciais, e esperar do judiciário bom senso, pois legalmente encontramo-nos em situação de desamparo legal em um período tão avassalador em todos os âmbitos, sobretudo na economia.

NOVEMBRO/DEZEMBRO 2020 #pecBR

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