GRUMETE E O TUPINAMBÁ
ROMANCE
ROMANCE
Copyright © 2021 by Adriano Messias
Editor
Rafael Borges de Andrade
Supervisão editorial
Maria Zoé Rios Fonseca
Gerente editorial
Mário Vinícius Silva
Ilustrações
Carlos Caminha
M585g
Messias, Adriano
Projeto gráfico
Mário Vinícius
Assistente editorial
Olívia Almeida
Copidesque
Lílian de Oliveira
Revisão
Olívia Almeida
O grumete e o tupinambá: romance da França Antártica / Adriano Messias ; ilustrado por Carlos Caminha. - 2. ed.Belo Horizonte : rhj , 2021.
144 p. : il. ; 13,5cm × 20,5cm.
ISBN 978-65-88618-08-0
1. Literatura juvenil. 2. Aventura. 3. Brasil do Século xvi . 4. França Antártica. i . Caminha, Carlos. ii . Título.
cd d : 028.5
2021-656
cdu : 82-93
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - crb -8/9949
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura juvenil 028.5
2. Literatura juvenil 82-93
2a edição
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Grumete : aprendiz de marinheiro, geralmente adolescente. Ele era o responsável pela limpeza do convés, em especial por molhar a madeira do navio para que não rachasse. Outra função que recebia era a de informar sobre a passagem do tempo, fosse virando uma ampulheta, fosse batendo um sino.
Costumava receber um salário bem simbólico.
Assim como o personagem principal deste livro, todos fomos, somos ou seremos grumetes algum dia: aprendendo o que não sabemos, desenvolvendo o gosto por alguma profissão, descobrindo como nos relacionar melhor uns com os outros.
O grumete de ontem é o aprendiz de hoje.
É aquele que busca seu espaço e o respeito de seus pares.
s eja bem-vindo ao barco!
O Grumete e o Tupinambá foi uma história que se construiu pouco a pouco em minha vida. Quando me dei conta, ela saltava da página como um peixe no mar. Seu enredo traz o sabor do início da adolescência, quando eu então me perdia em livros de aventura.
Ao terminar de escrevê-la, lembrei-me que eu havia ido certa vez a Provins, a terra de Villegagnon, ainda sem saber que ela faria parte de um de meus romances. Medieval e amuralhada, por aquela cidade francesa incensa o perfume da cidra e dos doces de rosas.
Como meu personagem Jean, atravessei o Atlântico de um lado a outro, ida e volta, percorrendo o mesmo caminho e tendo as mesmas paragens dos navegadores do século xvi : Rio de Janeiro, Cabo Frio, Salvador; depois, acenos ao arquipélago de Fernando de Noronha antes de ganhar, por vários dias, o marasmo assombroso do oceano na altura do Equador – linha reta, silenciosa e profunda. O Atlântico, em seu coração de abismo, carrega o mistério de cinco mil metros de profundidade. Ao entardecer, na superfície esverdeada em azeite, nenhum sopro, nenhum peixe. Quase se pode caminhar sobre aquelas águas.
O mar é tão plástico a três mil quilômetros de qualquer rocha!
Senti depois as aragens de Cabo Verde, até avistar, dias mais tarde, a suntuosidade do vulcão Teide e poder subir até seu sopé no interior da ilha de Tenerife. Formosas Canárias!
Os alísios são uma bênção. Nunca pensei que o vento trouxesse alegrias tão doces.
Passei pelo estreito de Gibraltar e subi em seu rochedo povoado por macacos em verde mata e feérica bruma. Também cruzei as colunas de Hércules de norte a sul, rumando ao profundo Marrocos, por onde viajei até dunas nas quais tempestades de areia nos arrebatam em vermelho morno.
Aportei em Barcelona, cidade de minh’alma – porto magnífico da novela humana.
Menino perplexo do Sul das Gerais, que viveu entre mares de montanhas verdes e azuladas, não imaginei ir tão longe, meu horizonte!
Dedico este livro à minha professora de geografia do colégio, Vera Lucia.
Ela partiu tão cedo, mas aguçou em mim o intenso encantamento que eu já trazia pelo mundo.
André Thevet (1502–1590): frade franciscano, explorador, cosmógrafo e escritor, escreveu As singularidades da França Antártica, publicado em 1557 e ilustrado com 41 xilogravuras. O livro, em grande parte, trata de suas experiências no Brasil do século xvi .
Bispo Sardinha (Pero Fernandes Sardinha, 1496–1556): foi o primeiro bispo da colônia brasileira e morreu em um ritual antropofágico, provavelmente nas mãos dos caetés.
Coligny (Gaspard II de Coligny, 1519–1572): estadista e líder dos calvinistas franceses, assassinado em 1572 no massacre da Noite de São Bartolomeu. O forte erigido na Baía de Guanabara a mando de Villegagnon foi batizado como homenagem a Coligny.
Hans Staden (1525–1579): aventureiro mercenário alemão. Esteve duas vezes no Brasil colonial combatendo os navegadores franceses e seus aliados indígenas. Permaneceu nove meses refém dos temidos tupinambás. De volta à Alemanha, escreveu um livro que ficou conhecido como Duas viagens ao Brasil (embora tivesse como verdadeiro título História verdadeira e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América, desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os dois últimos anos, visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a conheceu por experiência própria e agora a traz a público com essa impressão).
Henri ii , rei (1519–1559): entusiasmado caçador e amante dos torneios, foi casado com Catarina de Médici, com quem teve dez filhos e filhas. Tentou impedir a Reforma Protestante e repreendeu os huguenotes na França. Morreu prematuramente em um torneio de justa para celebrar a paz de Cateau-Cambrésis. O famoso cirurgião Ambroise Paré, especialista em monstruosidades, dentre outros temas, não foi capaz de curar-lhe a ferida infeccionada.
Isabel I de Castela , rainha (1451–1504): conhecida como “Isabel, a Católica”, essa proeminente mulher realizou vários feitos políticos, tanto positivos quanto lamentáveis, e apoiou incondicionalmente Cristóvão Colombo. Assinou, junto com o marido, o rei Fernando de Aragão, o Tratado de Tordesilhas (1494). Foi rainha de Castela e rainha-consorte de Aragão.
Le Testu (Guillaume Le Testu, 1509–1573): navegador, cartógrafo e corsário francês. É autor de cinquenta e seis mapas reunidos em uma obra denominada Cosmographie universelle selon les navigateurs, tant anciens que modernes, 1555–1556, ou seja, Cosmografia universal segundo os navegadores, tanto antigos quanto modernos, 1555-1556, na qual curiosamente inclui um continente austral “real”, ainda que ninguém o tivesse encontrado até então. Fez mapas bastante imprecisos, ilustrados com imagens de animais, plantas e povos “exóticos”, muitos dos quais imaginários.
Villegagnon (Nicolas Durand de Villegagnon, 1510–1571): oficial naval francês e vice-almirante da Bretanha. Foi um homem admirável. Grande humanista de seu tempo, mescla de aventureiro, empreendedor e cientista, movia-se por uma profunda ética. Sonhador, quis fundar uma França tropical no que são hoje as terras da cidade do Rio de Janeiro, mas fracassou.
da
em que se passa o enredo: Jean, o grumete; Paskou, o cozinheiro; Grégoire, cronista e copista; Michel Le Gros, espécie de líder da tripulação; Gonzagues, o timoneiro; Jean-Cent-Hommes, bravo marujo com uma misteriosa tatuagem; Le Bon, um artista beberrão; Ron, marinheiro picado por uma cobra; María Del Mar, a louca catalã; Îagûanharõ, o índio tupinambá.
* Todos os demais personagens são fictícios, ainda que baseados na realidade histórica
época
“Carioca” (Kariók ou Karióg) era o nome de uma aldeia tupinambá que havia aos pés do atual Outeiro da Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Ela foi mencionada pelo francês Jean de Léry, que fazia parte da expedição de Villegagnon.
O nome “carioca” pode ter vindo do tupi kariîó (“índio carijó”) e oka (“casa”), ou seja, “casa de índio carijó”.
No século xvi , os tupinambás do entorno da Baía da Guanabara chamavam o homem português de akari (“cascudo”), porque suas armaduras se pareciam às escamas daquele peixe. Na região da atual Praia do Flamengo, na foz do rio Carioca, os portugueses da segunda expedição à Guanabara (1503–1504), sob a liderança de Gonçalo Coelho, construíram uma casa de pedra que os tamoios denominaram de akari oka, ou seja, “casa de homem branco”, uma espécie de feitoria desativada em 1516.
Há, entretanto, outras versões para a etimologia de “carioca”.
A tribo criada para a narrativa deste livro é uma homenagem àquela que existia no lugar em que atualmente está o bairro da Glória, na capital fluminense. $
Para nomes de tribos e etnias indígenas aqui citadas, a preferência para este romance foi o aportuguesamento com a escrita em iniciais minúsculas, reservando-se a grafia em maiúscula e sempre no singular para trabalhos científicos e acadêmicos.
Na narrativa, o ponto de vista é o de um personagem narrador francês e historicamente localizado, o que explica os termos e expressões que ele emprega, bem como seu entendimento do mundo.
“No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos – cobertos de flores Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, em que densas coortes Assombram das matas a imensa extensão.”
(trecho de I-Juca Pirama , de Gonçalves Dias)
Desde o final do século xv, a França tinha interesses nas “terras do sul” que faziam parte de um enorme continente, a América. Em 1488, um normando de nome Jean Cousin encontrou a foz do rio Amazonas. Anos depois, o armador Jean Ango levou para as terras francesas uma enorme quantidade de materiais e “curiosidades” do novo mundo encontrado: não apenas a cobiçada madeira chamada pau-brasil, mas também alimentos nativos, animais “exóticos”, e indígenas, em especial tupinambás e tabajaras. Iniciava-se, assim, um período de fértil amizade entre esses povos de além e aquém-mar. Os papagaios e as araras, assim como os homens imberbes enfeitados com penachos, eram a sensação das festas nos ricos salões da nobreza europeia.
Porém, de maneira contrária, entre portugueses e tamoios — os tupinambás que viviam sobretudo no litoral sul de um já conhecido rio de Janeiro — avançava a animosidade: os indígenas não apreciavam o tratamento que recebiam daqueles colonizadores ibéricos, denominados por eles de “perós”, relação difícil esta que muitas vezes favoreceu os franceses.
Eram os tempos do rei Henri ii , o perseguidor dos protestantes huguenotes, e a França, apesar de dividida por guerras religiosas, desejava também partilhar das riquezas austrais. Uma das estratégias foi fazer crescer a amizade entre nativos e franceses. Com isso, o comércio de produtos entre ambos os lados do Atlântico passou a se intensificar, o que muito incomodava Portugal.
Em 1551, Henri ii enviou o cartógrafo Le Testu para fazer uma viagem de reconhecimento do que é hoje o litoral brasileiro. Porém, seria apenas com Villegagnon que a França tentaria dar um passo certeiro quanto a colonizar os novos territórios.
Antes do início da corajosa empreitada, o sacerdote André Thevet e o aventureiro Hans Staden passaram a Villegagnon informações sobre o melhor lugar para se estabelecer um ponto de defesa e para se ter uma cabeça de ponte no vastíssimo litoral coberto por matas fechadas e povoado por índios temíveis.
Staden, famoso na Europa como o mercenário que havia sido refém por nove meses dos tupinambás, conseguiu regressar à sua terra de origem e certamente tinha acumulado muita experiência no convívio com aqueles indígenas antropófagos. As sugestões de uma boa terra para povoamento, tanto feitas por Thevet quanto por Staden, coincidiam com uma certa bela baía de águas calmas e bem azuis, cerca de duzentos quilômetros ao sul de Cabo Frio.