O Corpo Militar Académico de 1808 a 1811

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O CORPO MILITAR ACADÉMICO DE 1808 A 1811

Memórias de

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva

Fernando José Saraiva Fragoso de Vasconcelos

José Inácio da Rocha Peniz

Alexandre Tomás de Morais Sarmento

José Bonifácio de Andrada e Silva

Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres

O CORPO MILITAR ACADÉMICO DE

1808 A 1811

Memórias de OVÍDIO SARAIVA DE CARVALHO E SILVA

FERNANDO JOSÉ SARAIVA FRAGOSO DE VASCONCELOS

JOSÉ INÁCIO DA ROCHA PENIZ

ALEXANDRE TOMÁS DE MORAIS SARMENTO

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

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título: O Corpo Militar Académico de 1808 a 1811 autores: OvídiO Saraiva de CarvalhO e Silva (1787-1852) / FernandO JOSé Saraiva FragOSO de vaSCOnCelOS (1745-1810) / JOSé ináCiO da rOCha Peniz (1750-1811) / alexandre TOmáS de mOraiS SarmenTO (1786-1840) / JOSé BOniFáCiO de andrada e Silva (1763-1838)

edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

recolha de textos, introdução e notas: Mário Araújo Torres

imagem de capa: Restauração do Porto, pelo Exército Combinado Português e Inglês, efetuada pela rápida e valorosa passagem do Rio Douro, comandada pelo Ex.mo Sr. Marechal General Wellesley, em 12 de maio de 1809. Gravura de Manuel da Silva Godinho (1751-1809). Arquivo Histórico Militar (Cota: PT-AHM-FE-10-A7-PQ-2).

imagens da contracapa: Medalha-insígnia usada pelos Estudantes da Universidade de Coimbra que se alistaram no Batalhão Académico no tempo dos franceses (Artur Lamas, O Arqueólogo Português, vol. XIII, janeiro a junho de 1908).

capa: Ângela Espinha

paginação: Paulo Resende

1.ª edição

Lisboa, janeiro 2023

isbn: 978‑989 9028 75 3

depósito legal: 509024/22

© máriO araúJO TOrreS

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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www.sitiodolivro.pt

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O CORPO MILITAR ACADÉMICO

DE 1808 A 1811

Memórias de OVÍDIO SARAIVA DE CARVALHO E SILVA

FERNANDO JOSÉ SARAIVA FRAGOSO DE VASCONCELOS

JOSÉ INÁCIO DA ROCHA PENIZ

ALEXANDRE TOMÁS DE MORAIS SARMENTO

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres

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1. Os Batalhões Académicos organizados na Universidade de Coimbra visaram a defesa da independência da Pátria, como foi o caso em 1644-1645 e em 1808-1811, ou a defesa da liberdade dos seus concidadãos contra ameaças de despotismo, como em 1826-1828, 1830-1834, 1837 e 1846-1847.

1.1. O primeiro de que existe desenvolvida notícia 1 foi constituído, em 1644-1645, no âmbito da Guerra da Restauração, em resposta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade, D. Manuel de Saldanha 2, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, sitiada pelas tropas espanholas.

1 Cfr. Francisco Carneiro de Figueiroa, Memórias da Universidade de Coimbra, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1937, págs. 138 e 139; Augusto Mendes Simões de Castro, Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, Elvas, Tipografia Progresso, 1901; P. M. Laranjo Coelho, Cartas de El-Rei D. João IV para diversas autoridades do Reino, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1940; Manuel Lopes de Almeida, Notícias da Aclamação e de outros sucessos, Coimbra, Tipografia Atlântida, 1940; Lígia Cruz, Alguns contributos para a história da Restauração em Coimbra ‒ Reinado de D. João IV, Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra, 1982.

2 Manuel de Saldanha, filho de João de Saldanha (Comendador de Alcains e de Salvaterra, na Ordem de Cristo) e de Leonor de Meneses, natural de Lisboa, matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1613 e licenciou-se em Cânones em 24/7/1620. Sendo Inquisidor em Évora, foi, em 8/9/1638, nomeado por D. Filipe III Reitor da Universidade de Coimbra, lugar de que tomou posse a 3/2/1639, e que exerceu até à sua morte, em 15/8/1659. Convocou, em 12/12/1640, o Claustro Pleno, no qual a Universidade reconheceu e aclamou D. João, Duque de Bragança, como Rei de Portugal. D. João IV confirmou-o no cargo de Reitor em 24/12/1640 e reconfirmou-o por duas vezes, em 14/11/1641 e em 17/5/1642. Foi designado bispo de Viseu (1642) e de Coimbra, não chegando a ser confirmado pela Santa Sé.

INTRODUÇÃO
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1.2. A eclosão das lutas liberais abriu nova época para a constituição de Batalhões Académicos. Em 1826, foi formado um Batalhão de estudantes liberais, comandado pelo major da Milícia de Tondela, Júlio César Feio de Figueiredo, composto de 6 companhias e 411 elementos, que, a 26 de dezembro, partiu para a Beira, forçando as tropas miguelistas a refugiar-se em Espanha; o Batalhão regressou a Coimbra a 3 de fevereiro de 1827, tendo suscitado polémica a negação da justificação das faltas dadas durante a campanha 3 .

Na sequência da revolta do Porto, de 16 de maio de 1828, contra o Governo de D. Miguel, procedeu-se em Coimbra ao alistamento em novo Corpo de Voluntários liberais, tendo a Junta de Coimbra, por portaria de 21 de junho, nomeado para seu Comandante o Doutor Manuel Pedro de Melo 4, e Segundo-Comandante o Doutor

3 Cf. Relação de todos os indivíduos que compuseram o Batalhão dos Voluntários Académicos, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827; Relação de todos os indivíduos que compuseram o Batalhão dos Voluntários Académicos organizado e armado no ano letivo de 1826 para 1827, publicada por um dos próprios alistados, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827, e agora fielmente reimpressa e acrescentada com algumas notas corretivas e ilustrativas, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1828; Relação extraída dos mapas originais das três Companhias do Batalhão Rebelde de Voluntários Académicos, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1828; Apologia dirigida à Nação Portuguesa para plena justificação do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826 contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo corpo pelos inimigos do Senhor D. Pedro IV e da Carta Constitucional, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827; Coleção dos documentos que servem de fundamento e prova na apologia do Corpo dos Voluntários Académicos do ano de 1826 contra as falsas e caluniosas imputações forjadas ao mesmo corpo pelos inimigos do Senhor D. Pedro IV e da Carta Constitucional, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827; Adição à apologia dos Voluntários Académicos ou Pensamentos sobre a Campanha do Batalhão dos Voluntários Académicos, por um soldado, Coimbra, Imprensa de Trovão e Companhia, 1827.

4 Manuel Pedro de Melo (Tavira, 6/9/1765 - Mealhada, 13/4/1833). Lente de Matemática (1801). Sócio da Academia Real das Ciências.

8 MÁRIO ARAÚJO TORRES
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Joaquim António de Aguiar 5. Após a batalha de Cruz dos Mouroços, de 24 de junho, as tropas liberais retiraram para o Porto e, perseguidas pelos miguelistas, passaram para a Galiza e depois para o exílio em França e Inglaterra.

No exílio em Inglaterra, o Batalhão é reorganizado, seguindo depois na frota que transportou as tropas fiéis a D. Pedro para os Açores 6, donde regressam em 1832 e suportam o cerco do Porto. Parte do Batalhão Académico integra a expedição que desembarca no Algarve, participando nas operações realizadas no Alentejo, até à chegada vitoriosa em Lisboa, a 24 de julho de 1833. Após a entrada das forças liberais do Duque da Terceira em Coimbra, a 8 de maio de 1834, e a Concessão de Évora-Monte, este Batalhão Académico é dissolvido, a 20 de outubro desse ano.

1.3. Três anos volvidos, face à Revolta dos Marechais (Saldanha e Terceira), de julho de 1837, contra o Governo setembrista e à ameaça de Saldanha tomar Coimbra, o Governo (Sá da Bandeira e Passos Manuel) determina a organização de novo Batalhão

Perseguido pelas suas ideias liberais, refugiou-se em casa de um amigo em Ventosa do Bairro, em 1828, até à sua morte.

5 Joaquim António de Aguiar (Coimbra, 24/8/1792 - Lavradio, 26/5/1874). Doutor (1816) e Lente (1826) na Faculdade de Leis. Fez parte do Corpo de Voluntários Académicos de 1808. Deputado às Cortes (1826). Segundo-comandante do Batalhão Académico de 1828. Exilado em Inglaterra, tomou parte nas duas expedições liberais aos Açores. Participou no desembarque no Mindelo em 1832. Procurador-Geral da Coroa. Ministro do Reino (1833-1834, 1841-1842 e 1865-1866) e da Justiça (1834 e 1836) e Presidente do Ministério (1841-1842, 1860 e 1865-1868). Chefe do Partido Regenerador, foi várias vezes Deputado.

6 Cf. João Paulo Soares Luna, Memórias para servirem à história dos factos de patriotismo e valor praticados pelo distinto e bravo Corpo Académico que fez parte do Exército libertador, Lisboa, Tipografia Lisbonense, 1837; José Joaquim de Almeida Moura Coutinho, O ataque da Vila da Praia na Ilha Terceira em 11 de Agosto de 1829 ... e a memória histórica do Coronel Eusébio Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado ou a glória do Batalhão de Voluntários da Rainha a Senhora Dona Maria II, Lisboa, Tipografia do Diretor, 1830.

INTRODUÇÃO 9
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Académico (setembro de 1837), que assegurou a defesa da cidade, tendo sido rapidamente extinto, dada a cessação dessa ameaça (derrota dos Marechais em Ruivães, a 18 de setembro, e subsequente exílio dos mesmos, na sequência da assinatura, a 7 de outubro, da Convenção de Chaves).

1.4. A eclosão, em abril de 1846, da Revolta do Minho (Maria da Fonte) 7, que rapidamente se espalhou pelo País, contra o Governo de Costa Cabral, teve pronto eco em Coimbra, com a instituição de uma Junta Governativa, presidida por José Alexandre de Campos 8, que promoveu a organização de um Batalhão de Voluntários Académicos.

7 Cf. Intervenção estrangeira ou documentos históricos sobre a intervenção armada de França, Espanha e Inglaterra nos negócios internos de Portugal, no ano de 1847, Porto, Tipografia Faria Guimarães, 1848; Correspondência entre o Conde das Antas e os Ministros Plenipotenciários e outros Agentes das Potências signatárias do Protocolo de 21 de Maio de 1847, acompanhada de vários atos oficiais da Junta Provisória do Governo Supremo do Reino no Porto, e outros documentos, Lisboa, Tipografia do Borges, 1848; Correspondência entre o Visconde de Sá da Bandeira e os Ministros Plenipotenciários e outros Agentes das Potências signatárias do Protocolo de 21 de Maio de 1847, acompanhada de uma carta a Sua Majestade a Rainha e de outros documentos, Lisboa, Tipografia Neriana, 1848; Joaquim Palminha da Silva, A Revolução da Maria da Fonte, Porto, Afrontamento, 1978; Maria de Fátima Bonifácio, História da Guerra Civil da Patuleia 1846-47, Lisboa, Editorial Estampa, 1993; José

V. Capela e Rogério Borralheiro, A revolução do Minho de 1846: os difíceis anos de implantação do liberalismo, Braga, Governo Civil, 1997; José

V. Capela, A revolução do Minho de 1846, segundo os relatórios de Silva Cabral e Terena José, Porto, Afrontamento, 1999; Teresa Nunes Sousa, Maria da Fonte e Patuleia, Lisboa, Quidnovi, 2008; e Almeida Carvalho, A Batalha do Viso e a Revolta da Patuleia em Setúbal, organização, prefácio e notas de Álvaro Arranja, Setúbal, Centro de Estudos Bocagianos, 2013.

8 José Alexandre Caetano de Campos e Almeida (Sabugal, 1794 - Vilar

Torpim / Figueira de Castelo Rodrigo, 1850). Professor da Faculdade de Leis (1818). Preso no Limoeiro na sequência da Vila-Francada (1823), e depois em Almeida durante a usurpação de D. Miguel (1829-1834).

10 MÁRIO ARAÚJO TORRES
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Numa primeira fase, que decorreu até setembro desse ano, quando a pacificação do País parecia estar assegurada, graças à atuação conciliadora do Governo de Palmela, que em 20 de maio substituíra o de Costa Cabral, e convocara eleições para as Cortes, com poderes de revisão constitucional, o Batalhão Académico não chegou a entrar em combate, limitando-se a fazer marchas até Redinha e Pombal.

Porém, por força do golpe palaciano da Emboscada de 6 de outubro, que afastou Palmela e instituiu um Governo chefiado por Saldanha, mas dominado pelos cabralistas, que desconvocou as eleições, suspendeu a Constituição e suprimiu a liberdade de imprensa, reacendeu-se, com mais intensidade, a revolta popular. Em Coimbra, o Governador Civil, Marquês (depois Duque) de Loulé 9, determina, a

Vice-reitor da Universidade (1834), Deputado às Cortes (1834, 1837, 1838, 1840, 1842), foi o promotor da reforma setembrista da Universidade (1836), de que resultou a fusão das Faculdades de Cânones e de Leis numa única Faculdade de Direito, e o inspirador do Decreto de 17 de novembro de 1836, que criou os Liceus. Presidente do Congresso Constituinte (1837). Ministro da Justiça (1837-1839). Volta a ser preso em 1847. Em Lisboa foi membro da Sociedade Patriótica conhecida por Clube dos Camilos (1835) e Venerável da loja Urbiónia (1834-1836). Setembrista radical, fundou o periódico político O Piloto (Coimbra, 1836) e o Grito Nacional (1846). Governador civil de Coimbra (1846). Participa na Guerra da Patuleia (1847), integrando a Junta de Coimbra, sendo preso até à amnistia geral. Publicou, para além de diversos discursos parlamentares proferidos em 1841, o opúsculo Os acontecimentos de Março [de 1838] na capital, considerados nas suas causas e efeitos, memória dedicada aos amigos da Revolução de Setembro (Lisboa, 1838). Ver a sua biografia em A Revolução de Setembro, n.º 2626, de 21 de dezembro de 1850.

9 Nuno José Severo de Mendoça Rolim de Moura Barreto (Lisboa, 6/11/1804 - 22/5/1874), 9.º Conde de Vale de Reis, 2.º Marquês (1824) e 1.º Duque (1862) de Loulé, casado (1827) com a Infanta D. Ana de Jesus Maria (1806-1857), 9.ª e última filha de D. João VI. Cursou o Colégio Militar. Exilado em Inglaterra (1828), aderiu ao Partido liberal. Combateu como ajudante-de-campo de D. Pedro no cerco do Porto (1832). Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha (1833). Ingressou na esquerda liberal. De novo Ministro da Marinha (1835) e dos Estrangeiros (1835-1836).

Aderiu à Revolução de Setembro (1836). Governador civil de Coimbra

INTRODUÇÃO 11
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11 de outubro, a reorganização do Batalhão Académico. Desta feita, foi mais intensa a atividade do Batalhão, designadamente com integração na Divisão do chefe militar das forças populares, Conde das Antas, que marchou até Santarém. Após o desastre de Torres Vedras (22 de dezembro de 1846), o Batalhão assegura a retirada ordenada até ao Porto. Parte do Batalhão acompanha o Visconde de Sá da Bandeira, em fins de março de 1847, na expedição ao Sul, desembarcando em Lagos e marchando até Setúbal. Três dezenas de voluntários académicos participam na ação do Alto do Viso (1 de maio de 1847), na sequência da qual quatro perdem a vida. Imposto um armistício pelas Potências estrangeiras, os sobreviventes regressarão ao Porto em 15 de junho. Entretanto, no Porto, outra parte do Batalhão Académico embarca na Divisão Expedicionária comandada pelo Conde das Antas, que, a 31 de maio, é apresada pela Esquadra inglesa ao sair da barra do Porto e conduzida para Lisboa, sendo os seus elementos encarcerados no Forte de S. Julião da Barra. Finalmente, após a assinatura da Convenção de Gramido (29 de junho), as forças da Junta do Porto são desarmadas, e acaba por ser dissolvido o Batalhão Académico de 1846-1847.

Os elementos mais relevantes sobre este Batalhão foram reunidos em Notícia Histórica do Batalhão Académico de 1846-1847, Notas por António dos Santos Pereira Jardim, publicadas, com aditamentos, por António João Flores (Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres, Lisboa, Edições Ex-Libris, 2022).

2. No decurso das invasões francesas 10, por três vezes se organizaram Batalhões Académicos.

(1846), participa na Guerra da Patuleia, sendo um dos negociadores da Junta do Porto e subscritor da Convenção de Gramido (28/6/1847). Ministro da Marinha (1851) no 1.º Governo da Regeneração. Torna-se chefe do Partido Histórico (1856), representativo da ala esquerda da Regeneração.

10 Ver: Fernando Barreiros, Notícia histórica do Corpo Militar Académico de Coimbra: 1808-1811, Lisboa, Bertrand e Aillaud, 1918; Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 volumes, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944; Relação breve e

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Em junho de 1808, após a conquista do Forte de S. Catarina, na Figueira da Foz, por um grupo de académicos e populares idos de Coimbra, sob o comando do sargento de Artilharia e estudante da Universidade, Bernardo António Zagalo, foi, por iniciativa do Vice-Reitor e Governador de Coimbra, Manuel Pais de Aragão Trigoso 11 (que dirigia a Universidade na ausência forçada em França do Reitor Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, nomeado por Junot, em fevereiro de 1808, para integrar a Deputação portuguesa que se ia encontrar com Napoleão em Baiona, ficando retido em Bordéua até finais de 1810 12), organizado um Batalhão Académico, tendo por comandante o Doutor Tristão Álvares da Costa Silveira 13. Este Batalhão participou na restauração do legítimo Governo de Portugal em Condeixa, Soure, Ega, Pombal, Leiria e Nazaré. Concentradas as forças portuguesas, do comando do General Bernardim Freire de Andrade, em Coimbra, uma parte do Batalhão Académico manteve-se na defesa da cidade e outra parte juntou-se às tropas britânicas, desembarcadas em Lavos (Figueira da Foz) nos primeiros dias de agosto, participando nas batalhas da Roliça e do Vimeiro, que determinaram a saída do Exército de Junot, na sequência da Convenção de Sintra.

verdadeira da entrada do Exército francês, chamado de Gironda, em Portugal, em novembro do ano de 1807, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1809.

11 Manuel Pais de Aragão Trigoso Pereira de Magalhães (Matacães / Torres Vedras, ? - ?, 1810), Doutor (1762) e Lente (1779) da Faculdade de Cânones, Vice-Reitor da Universidade (1804-1809). Fidalgo da Casa Real. Cónego e Arcediago da Sé de Viseu. Chefe do Corpo de Voluntários Académicos e Governador de Coimbra (1808-1809).

12 Cf. D. Francisco de Lemos, “Exposição dirigida a Sua Alteza Real o Principe Regente”, publicada por B. A. Serra de Mirabeau, O Instituto, vol. XLVI, 1899, págs. 145-156, 219-224, 272-275, 606-610, 726-732, 778784, 841-845 e 912-916.

13 Tristão Álvares da Costa Silveira (Elvas, 11/9/1768 - Coimbra, 1811). Doutor (1795) e Lente (1796) da Faculdade de Matemática. Tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. Sargento-mor de Engenharia do Corpo de Voluntários Académicos. Sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.

INTRODUÇÃO 13
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Em 2 de janeiro de 1809, foram os estudantes da Universidade novamente convocados para se alistarem no Batalhão Académico, perante a iminência de nova invasão francesa. Um Destacamento de 150 elementos deste Batalhão, comandado pelo Doutor Fernando Saraiva Fragoso de Vasconcelos 14, secundado pelo Doutor José Bonifácio de Andrada e Silva 15, incorporou-se na Divisão do General Trant (encarregado por Beresford da defesa de Coimbra), que, a 31 de março, partiu para operar na linha do Rio Vouga. Reunidas as forças de Trant com as de Wellesley em Águeda, a 9 de maio, partiram para o Porto, onde entraram no dia 12. Após dois meses de serviço na guarnição do Porto, recebeu o Batalhão Académico ordem de marchar para as fronteiras da Beira (Almeida e Penamacor), após o que se recolheu a Coimbra.

Por edital emitido em Lisboa em novembro de 1810, pelo seu então Comandante, José Bonifácio de Andrada e Silva, foi o Batalhão novamente convocado, mas, desta feita, compareceram em menor número, por a Universidade ter estado encerrada no ano de

14 Fernando José Saraiva Fragoso de Vasconcelos (Manteigas, c. 1745 - ?, 1810). Doutor (1770) e Lente (1778) da Faculdade de Cânones. Colegial do Colégio de S. Paulo. O seu manuscrito Memórias do Corpo Militar Académico foi publicado por Maria Ermelinda Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, citado na nota 10.

15 José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, 13/6/1763 - Rio de Janeiro, 6/4/1838). Bacharel em Filosofia (1787) e formado em Leis (1788), foi Lente de Metalurgia (1801-1814). Intendente-geral das Minas e Metais do Reino (1800), Intendente da Polícia no Porto (1809), Desembargador da Relação do Porto. Superintendente do Mondego e Obras Públicas do Mondego. Autor de vasta obra. Sócio da Academia Real das Ciências. Major (1808), Tenente-coronel (1809) e Comandante (1810) do Corpo de Voluntários Académicos. Regressou ao Brasil em 1819, onde foi Deputado à Assembleia Geral Constituinte e Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros do Império do Brasil (1822). Autor do Projeto de Constituição para o Império do Brasil (1823), é considerado o Patriarca da Independência do Brasil. Ver: Henrique de Campos Ferreira Lima, José Bonifácio de Andrada e Silva: major, tenente-coronel e comandante do Corpo Militar Académico em 1809-1810, Coimbra, Coimbra Editora, 1942.

14 MÁRIO ARAÚJO TORRES
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1810-1811. Operando na Estremadura, até Óbidos, foi o Batalhão Académico dissolvido em 15 de abril de 1811.

3. No presente volume reúnem-se as memórias das campanhas do Corpo Militar Académico da Universidade de Coimbra, integrado por largas centenas de estudantes (625 em 1808 e 542 em 1809) e professores (77 em 1808 e 114 em 1809), ao longo das três invasões francesas, escritas por participantes nelas (ver suas biografias na última secção desta edição): dois Lentes de Cânones, Francisco José Saraiva Fragoso de Vasconcelos (Manteigas, 1745 - Coimbra, 1810), comandante do Corpo Militar de Lentes e Doutores em 1808 e Coronel do Corpo Militar Académico em 1809, que comandou no terreno toda a campanha de 1809, de Coimbra ao Porto e depois na Marcha às Fronteiras da Beira; e José Inácio da Rocha Peniz (Moura, 1750 - Porto, 1811), Furriel do Corpo Militar de Lentes e Doutores em 1808 e Major do Corpo Militar Académico em 1809; o Lente de Metalurgia, José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, 1763 - Rio de Janeiro, 1838), Sargento do Corpo Militar de Lentes e Doutores e Major do Corpo Militar Académico em 1808, Tenente-Coronel do mesmo Corpo em 1809 e Coronel e Comandante em 1810-1811; e dois estudantes de Leis, Alexandre Tomás de Morais Sarmento (Baía, 1786 - Lisboa, 1840), 1.º Visconde do Banho, e Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva (Parnaíba / Piauí, 1787 - Rio de Janeiro, 1852), ambos soldados dos Corpos Militares Académicos de 1808 e de 1809.

É a presente a primeira vez que é editada em Portugal a obra deste último, O Patriotismo Académico, publicada no Rio de Janeiro, em 1812, de que se conhece um único exemplar entre nós (na Biblioteca Nacional de Portugal). Essa obra contém a mais completa relação dos factos ocorridos ao longo das campanhas, representando a ampliação do seu opúsculo Narração das Marchas e Feitos do Corpo Militar Académico desde 31 de março, em que saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto, publicado em Coimbra em 1809.

Reproduzem-se as listagens da organização e composição dos diferentes Corpos, elaboradas por Maria Ermelinda de Avelar Soares

INTRODUÇÃO 15
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Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, 2 volumes, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944.

Inserem-se sucintas notas biográficas de alguns dos mais destacados membros dos Batalhões.

16 MÁRIO ARAÚJO TORRES
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Mário ArAújo Torres

MEMÓRIAS

DAS CAMPANHAS

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Marchas do Corpo dos Voluntário Académicos ‒ 1808

Fonte: Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, volume I, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944, pág. 161.

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Marchas do Corpo Militar Académico ‒ 1809

Fonte: Coimbra e a Guerra Peninsular, citado, pág. 251.

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Zona de operações do Corpo de Voluntários Académicos ‒ 1810-1811

Fonte: Coimbra e a Guerra Peninsular, citado, pág. 309.

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OVÍDIO SARAIVA DE CARVALHO E SILVA O PATRIOTISMO ACADÉMICO *

* O Patriotismo Académico, consagrado ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. João de Almeida de Melo de Castro, Quinto Conde das Galveias, do Conselho de Estado, Grão-Cruz na Ordem da Torre e Espada, Couteiro-Mor da Real Tapada de Vila Viçosa e de todas as mais Coutadas da Sereníssima Casa de Bragança, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, Graduado em Leis, Colegial que foi do Real Colégio de S. Paulo na Universidade de Coimbra, e bem assim Enviado e Ministro Plenipotenciário em Holanda e nas Cortes de Roma e de Londres, por Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Bacharel Formado em Leis, Opositor aos Lugares de Letras, e natural da Vila da Parnaíba, Capitania do Piauí. Rio de Janeiro, na Impressão Régia, 1812. É a presente a primeira vez que esta obra é editada em Portugal. Publicada no Rio de Janeiro, em 1812, a sua circulação em Portugal terá sido extremamente reduzida. Fernando Barreiros, na sua Notícia Histórica do Corpo Militar Académico de Coimbra (1808-1811), Lisboa, edição do autor, 1918, refere que “é tão rara esta publicação [O Patriotismo Académico] que supomos ter consultado o único exemplar que há em Portugal, graças à amabilidade do seu possuidor, o ilustre e malogrado bibliófilo, Sr. Dr. Manuel de Oliveira, que foi médico em Ponte de Lima”.

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva havia publicado em Coimbra, em 1809, pela Real Imprensa da Universidade, um opúsculo de 25 páginas, intitulado Narração das Marchas e Feitos do Corpo Militar Académico desde 31 de março, em que saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto, que é inteiramente reproduzido em O Patriotismo Académico (cf. nota 27), com correção de lapsos entretanto detetados (cf. notas 29 e 31). Esta última obra, consideravelmente mais extensa (XV + 168 páginas), incorpora uma parte inicial, com forte diatribe contra Napoleão e os franceses, e descrição da atividade do Corpo Militar Académico na campanha de 1808 e, quanto à de 1809, tudo o ocorrido desde a Restauração do Porto (12 de maio) até à sua dissolução em 3 de setembro, após as Marchas às Fronteiras (com saída do Porto, a 24 de julho, em direção a Almeida), omissas na Narração

A presente publicação de O Patriotismo Académico foi feita com base no único exemplar catalogado nas bibliotecas portuguesas, conservado na Biblioteca Nacional de Portugal (cota: H.G. 22832 V.). Atualizou-se a grafia, mas, com exceção dos nomes dos meses, respeitou-se o uso de maiúsculas iniciais seguido pelo autor. Deu-se numeração sequencial às notas de rodapé.

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Est gaudium mihi, et solatium in literis nihilque tam lætum, quod his lætius; nihi tam triste, quod non per eas sit minis triste.

Plínio.

Homines nihil agendo, male agere discunt.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

Jamais algum Escritor ousou publicar o seu nome sem os sagrados auspícios de algum ilustre Mecenas; este uso, quase necessidade, se redobra todas as vezes que os talentos daquele são mais escassos e apoucados, que por isso mesmo então deve este ser mais respeitado e maior; o nome singular, outrossim de Protetor dos Brasileiros, que tanto se há derramado em honra de V. Excelência e glória do novo mundo, por todo este Continente, e que lhe tem granjeado um distinto e honroso lugar na estima e no respeito de todos eles, é, meu Senhor, um ponderoso fundamento à consagração desta minha obra ao Nome de V. Excelência, a quem me curvo respeitoso.

É ela o complexo de ações militares do Corpo Académico, quando pegou as armas para cujo desenvolvimento sempre cooperei como simples soldado, rivalizando entre si o meu patriotismo e o mais desvelado desinteresse, suspirando ansiosamente que o meu Príncipe, Pátria e Religião se utilizassem dos meus insones cuidados.

V. Excelência, sobre cujos ombros descansa uma porção gloriosa da marcha suada e harmónica de uma Corte, que ainda no berço já é brilhante, deve acolher e agasalhar fagueiro, como Protetor das letras e seu cultivador, o meu escrito. Tenha ao menos ele este único,

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mas ilimitado, merecimento aos olhos do Público. Destarte farei notório à futuridade que a mais alta glória de V. Excelência consiste em estender e dar a mão benfeitora ao génio ainda desvalido e implume, para que tente para o futuro novos e mais arrebatados voos. Eu fui, Senhor Excelentíssimo, o primeiro de toda a Capitania do Piauí que não desmaiou na árdua carreira das letras; e a despeito da longa ausência de 20 anos de minha cara família, e a despeito enfim de incómodos, cuja ideia sepulcral ainda parece querer atemorizar-me, eu consegui o fim, a que meus Pais diligentes me destinaram. Eu fui, Senhor (repito), o primeiro que honrei aquela extensa Capitania, a quem não devo senão a existência, e que, de hoje em diante, escudado da Proteção de V. Excelência, me auguro o seu maior ornamento. A minha Pátria vai erguer a V. Excelência um monumento imortal, que, eternizando o nome de V. Excelência, eternize também a sua gratidão. A minha Pátria é agradecida. Nada hei que recear. Herdeiro V. Excelência das primazias que o Céu tão liberalmente há largueado de muitos séculos aos Ilustres Progenitores de V. Excelência, também lhes herda aquelas nobres qualidades, seu maior tesouro, que outrora fizeram o encanto de Portugal na Toga e no Sago, e que hoje, desenvolvidas por um modo tão novo e bizarro, honram a escolha que um Príncipe sem igual fez da pessoa e talentos de V. Excelência, e constituem a Nação Portuguesa, por este mesmo facto, uma das mais venturosas Nações do mundo, e ilustram este Continente, tão de perto amparado por V. Excelência. Deus guarde a saúde e vida de V. Excelência pelo tempo que comigo desejam os meus Compatriotas: o nome de V. Excelência tem de ser tão eterno como esta quarta parte do Universo. É este o lisonjeiro porvir, que ao longe aguarda a Pessoa de V. Excelência, de quem sou, com alto respeito,

Muito Reverente Criado,

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva.

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Seris venit usus ab annis. ovídio, MetaMorfoses, livro 6.

Enquanto consternada primeira parte do Globo, Europa lutuosa e desolada corria a passos largos a despenhar-se no abismo da sua total ruína, e parecia um vastíssimo Teatro, em que representavam a guerra, a devastação e a morte, acompanhada dos horrores, que têm feito sumir dos olhos do Universo atemorizado os maiores Impérios do mundo, e de que apenas nos resta um quase extinto nome; Portugal, sempre estável, longe da confusão e das trevas, à sombra da Justiça e humanidade de seu amável Príncipe, não soluçava. O seu Comércio, pelo contrário, então mais se avigorava; a agricultura, abundosa Mãe das riquezas, criava raízes mais grossas; a indústria inexausta se agigantava; as ciências, enfim, e as Artes emulavam com as Ciências e Artes da defunta Grécia e Roma. Mas foi forçoso, ó mágoa!, foi forçoso ceder-se à prepotência de um Déspota, que, usurpando o Império da França, anela ser o só no Universo; foi forçoso enfim deixar aquele Continente, e vir o nosso Augusto Regente felicitar este novo Mundo. Este heroico proceder abriu um estendido Campo ao desenvolvimento das altas ideias e a profundeza do Génio de S. A. R.. Ele vai a encher de letras de ouro as páginas da História Portuguesa; e depois de enfeitiçar-nos com o imenso brilho de ações verdadeiramente Reais, o seu Augusto Nome irá assombrar a mais arredada posteridade. Os cuidados vigilantíssimos, que emprega na criação, progresso, de uma nova Corte, e bem assim na sua magnificência, são igualmente aplicados ao venturoso êxito da luta Peninsular. Aqui desvelar-se na promoção de uma felicidade pública e individual, duradoura e nobre; ali, nos meios da extinção de uma guerra tão fastidiosa, como sanguinária! Que extensão de ideias! Que vigílias! Nestes lances suados, nestas crises temerosas é que se vê em toda a sua plenitude a alma de um Monarca. Tudo o mais é recinto estreito, e campo limitado. É por esta razão, que

PRÓLOGO
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o Senhor dos Combates tão visivelmente tem auxiliado as nossas armas, expulsando com ignomínia três Exércitos, que o Imperador dos Franceses há arrojado sobre Portugal. A nossa antiga Universidade exemplou com ações, e com milagres de patriotismo, ao inerme resto da Nação Portuguesa. A batalha do Vimeiro, a do Porto; a sua estendida e forçada marcha às fronteiras do Reino são outros tantos argumentos da minha asserção.

Espetador dos factos mais principais, e esporeado de certificar à minha Nação, pelos ardentes desejos de lhe poder ser prestável, dos progressos na carreia militar, que fez o Corpo a que já pertencí, esbocei em poucas páginas as suas marchas e feitos desde 31 de março até 12 de maio de 1809. A estes meus desejos acresceu um preceito, cuja observância era inelutável, e que aliás tão de perto me honrava. Eu passo com mais largueza a esta narração precisa ao meu Contexto.

Quando, em junho de 1809, organizei de ordem superior e imprimi a Obrinha intitulada Narração das marchas e dos feitos do Corpo Militar Académico, desde 31 de março, em que saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto, nem ao menos fantasiei que para o diante escreveria as suas marchas para as fronteiras do Reino, remate de todas as suas operações militares, e menos ainda o quanto este Corpo iluminado laborou, em abono da causa mais sagrada, na primeira restauração dos nossos Reinos; porém, um segundo preceito, a que de nenhuma feição me era dado o esquivar-me, e que, aliás, pela seleção tanto me há decorado, me pôs sobre os ombros este imoderado gravame. Postos de parte os livros, todo aquele Corpo respirava guerra; sem fazer pé atrás aos mais assanhados perigos, voa à Figueira, manieta os réprobos Satélites do Cometa sorvedor dos Impérios, Napoleão, e os conduz em triunfo aos pés sagrados da Religião e do Trono. À voz de seu Cabeça 1, toda Coimbra revestiu alentos, suas muralhas se tornam de ferro, e seus Cidadãos enfim, com as entranhas em brasa, aguardavam o momento ditoso de se medirem com o inimigo. A voz daquele Patriota, já hoje falecido, marcou a oportuna ocasião do desembarque ao poderoso

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1 Manuel Pais de Aragão Trigoso, Vice-Reitor da Universidade de Coimbra.

Exército, que a Grã-Bretanha mandou a Portugal, para coadjuvá-lo na expulsão daqueles monstros, sobre as areias de Lavos. Que assombroso e insólito espetáculo! As grandes providências, inventos, cautelas criaturas de seu génio não popular, de que fomos espetadores nas procelosas noites de 24 de junho, e seguintes, tem mais admiradores que imitadores. A minha pena nem ao menos tem o primeiro colorido para as esboçar; todavia, meus ardentes anelos se encontrem com a minha sobeja insuficiência. O Corpo Académico, religioso observante de suas Ordenanças, tem merecido os cultos de sua Nação, e de seu Augusto Príncípe Magnânimo. O patriotismo foi o seu alvo, e o amor à Religião e ao Trono o único impulsivo de suas ações. Ele se tem imortalizado.

Quanto ao mérito particular do meu opúsculo, pertence ao Leitor circunspecto o decidir; à sua sentença, quando imparcial, contente me acurvo; confessando, entretanto, que, se no estilo houver pouca polidez, é ela devida à minha imperícia em parte, e em parte ao pouco tempo, que hei tido de o limar, pois que há quase dois anos que não conheço domicílio certo, correndo destarte incómodos indizíveis, com que se não combina a aplicação e o estudo. Mas hoje, que um novo astro me quer arrancar das trevas, e me faz reviver! eu me esqueço do quanto sofri em Portugal, e ratifico com a mais plena espontaneidade o sacrifício por que passou quanto de meu possuía em Coimbra, no poder dos Franceses. Ver ao meu lado uma Consorte, que constitui a todos os respeitos as minhas delícias, com os tristes panos apenas que lhe cobriam as carnes, caminhar a pé, com um filho nas entranhas, a extensão de trinta e seis léguas (jornada de Coimbra a Lisboa); o ver-me exausto nesta tragédia de horror da mais pequena esperança de alívio; ver enfim e receber para sempre o último adeus de uma Sogra respeitável pelos seus anos, pelo seu sexo, e pela sua dignidade, que, estancada de forças, sufocada do cansaço, e ante os meus olhos, exala o último e saudoso suspiro! Eu gemo!... Porém, se é preciso este holocausto para a ventura de minha Pátria, eu me congratulo. O Cidadão, que se sacrifica pelo seu Rei, pela sua Pátria, e pela sua Religião é o Cidadão mais honrado. Porém, continuando, se às obras de uma semelhante condição a fidelidade outorga ao menos algum merecimento, feliz eu! O meu

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Patriotismo Académico é integérrimo e fidelíssimo. Testemunha de olho de quase tudo o que narro, pertencente a este Corpo, e auxiliado por alguns apontamentos curiosos de um e outro amigo, e particularmente guiado por autênticos manuscritos, que me franqueara o Coronel do mesmo Corpo, Fernando Saraiva Fragoso de Vasconcelos, já também defunto, por quem fui também estreita e entranhavelmente encarregado desta impertinente empresa, creio que devo merecer crédito.

Sei, aliás, muito bem que relato algumas coisas já por outro narradas; todavia, contempladas por mim como fios necessários à teia de meu assunto, e de que em maior porção, como notei, fui testemunha presencial; outras narro, porém, inteiramente novas e bem dignas de atenção (e são estas as que formam o fundo desta obra) e, guizando harmonicamente esta mistura, desempenho o nobre pensamento de um sabedor do século passado. Os génios, dizia ele, que não dizem senão coisas novas, se algum há desta estofa, não devem fazer uso da pena. Os meus desejos, acrescentava ele, se limitam em que a minha obra seja inteligível e útil. Afincada a minha ideia nestes dois nortes brilhantes, de tudo o mais se deslembra. Eu divido o meu Opúsculo em doze Semanas, não porque o quanto que em cada uma relato fosse perpetrado naquele estreito recinto de dias, mas sim porque deste teor ele se torna, senão mais arranjado e claro, de alguma feição ao menos refocila o espírito cansado do Leitor. Oxalá que este meu trabalho seja ao menos do agrado da Academia! É este o prémio, que ambiciono, sobejo, certo, ao homem honrado, e despido da sordidez mesquinha do interesse, que só avulta aos olhos dos mais minguados e abatidos sentimentos. Sobre estes honrados degraus se assenta o trono de toda a minha glória. Concluirei enfim este meu preâmbulo com os dois versos de Owen decorados por todo o mundo.

Qui legis ista, tuam reprehendo, si mea laudas Omnia, stultitiam; si nihil, invidiam.

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O PATRIOTISMO ACADÉMICO

SEMANA I

Quando a razão do homem se enoitece com as trevas da ambição, o homem se torna capaz da perpetração dos maiores sacrilégios, atentados e delitos; ele só é o epílogo das atrocidades; ele enfim se constitui um monstro sanguinário e pavoroso; e fora mais acertado que não tivesse surgido do seu inerte nada. Aquele vício lhe desdobra sobre os olhos a mais tapada venda, e insensivelmente o conduz pela mão ao abismo doloroso de sua total ruína. De quantos exemplos desta estofa não vemos nós nodoadas as páginas da História de todo o Universo 2? Quando esta frágua se acende nas entranhas de um Rei ou nas de um Imperador, desgraçada Nação! tudo se confunde, aniquila-se tudo. Um Imperante, com a sua, traz sempre envolta a destruição do Império, que o Céu lhe tem confiado. Pelas uníssonas relações que há neste corpo moral entre Imperantes e súbditos e entre estes e aqueles, ela se torna sempre inevitável. A natureza física segue a mesma impreterível marcha. O Rei ambicioso é um Rei sempre injusto, e consequentemente indigno do diadema que cinge. As vitórias não são sempre companheiras da ambição.

2 Foram vítimas deste delito da razão humana o Primeiro-Ministro e valido de Assuero, o orgulhoso Amalecita, Hamã. Filipe, Rei de Macedónia, morto a rogos talvez da repudiada Olímpia, por Pausânias. Um monstro gera outro monstro. Alexandre, o ambicioso Alexandre. Xerxes, na expedição contra os Gregos, depois de sacrificar a Belona, quase dois milhões de soldados, de tranar o Helesponto num barco de Pescador, morre às mãos de Artabano, Capitão General de sua guarda e seu valido. Creso, surdo aos reproches de Sólon, é castigado por Ciro. A ambição de Pirro, a despeito dos conselhos que com ele desperdiçava Cinéas, tão bom Filósofo como Comandante, e Político, foi o único gérmen de sua Catástrofe. Atália, Agripina, Jezabel e Cleópatra são enfim vivos, mas dolorosos exemplos dos males venenosos, que sopra aquela paixão quando indómita se esquiva ao farol da Prudência e da Racionalidade. É um escolho de que devem fugir os corações humanos. O naufrágio é certo.

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