N.º 11
Março/Abril 2022
DISTRIBUIÇÃO GRÁTIS
PUBLICAÇÃO DIGITAL BIMESTRAL
MALÁRIA: MAIS CASOS EM TODO O MUNDO
ÍNDICE SAÚDE PARA SI
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Dra. Nádia Noronha Directora Executiva da Tecnosaúde
A causa da morte do lendário faraó egípcio Tutankhamon, em cerca de 1323 a.C, aos 19 anos, esteve sempre envolta em mistério e muitas teorias têm surgido sobre a mesma. A malária é uma delas. Naquela que é a mais antiga prova genética já identificada da doença, a análise ao ADN do faraó revelou sinais do parasita Plasmodium, causador da malária, transmitida pela picada dos mosquitos fêmea do género Anopheles. Também conhecida por paludismo, a malária é uma das mais antigas doenças da humanidade, mas, ainda hoje, continua a matar uma criança a cada dois minutos. Em Angola, é a principal causa de morte e só em 2020 ceifou a vida de 16 mil pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2007, foi instituído o dia 25 de Abril como o Dia Mundial de Combate à Malária, com o propósito de reconhecer o esforço global para o controlo efectivo da doença. A data representa também uma oportunidade para reforçar os apelos para que a resposta global à malária seja retomada com urgência, no rescaldo das dificuldades causadas pela Covid-19. Principalmente nos países mais afectados pela doença, como Angola, é necessário manter o seu combate no topo das agendas e mobilizar recursos que permitam, em primeiro lugar, a sua prevenção, mas também o seu tratamento. É que a malária pode ser evitada com algumas medidas simples de prevenção, como o uso de redes mosquiteiras tratadas, de insecticidas e de repelentes. Mas a eficácia dessas medidas depende, sempre, da prevenção colectiva, que passa, entre outras medidas, por uma mudança de hábitos e pela eliminação de águas paradas, pelo saneamento, pela limpeza e pelo controlo da vegetação aquática, de modo a conter a proliferação dos mosquitos. Lembremo-nos das palavras da Dra. Matshidiso Moeti, directora regional da OMS para África: se rumo actual for mantido, falharemos os objectivos globais para 2030. Se há algo que a Covid-19 veio mostrar é que, com recursos e o empenho de todos, é possível ultrapassar dificuldades que, de outra forma, não o poderiam ser. Que seja também o caso da malária.
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Deficiência de ferro
Australpharma relança área de diagnóstico
PERSPECTIVA Principais doenças dermatológicas nas zonas rurais de regiões tropicais de Angola
Um olhar sobre o sector farmacêutico em Angola, pela Dra. Ana Ferreira de Aguiar Enf. Carla d’Oliveira aborda a doença renal crónica em Angola O mais recente relatório da OMS sobre a malária confirma o aumento do número de casos em todo o mundo
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PERSPECTIVA
Dra. Liliana Aragão, Presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos de Angola, aborda a importância dos suplementos multivitamínicos
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EDITORIAL
ENTREVISTA Prof. Paulo Campos aborda a temática da malária na gravidez
O contributo da plataforma Kassai na formação de profissionais de saúde, em Angola Análise dos produtos mais procurados na farmácia para o tratamento da malária A malária e a saúde ocular na perspectiva do Dr. Djalme Fonseca Relato de caso de síndrome neurológica pós-malária, pela Dra. Marisa Sousa
Propriedade e Editor: Tecnosaúde, Formação e Consultoria Nacionalidade: Angolana Edifício Presidente Business Center Largo 17 de Setembro, N.º 3 - 2.º Andar, Sala 224, Luanda, Angola Directora: Nádia Noronha E-mail: nadia.noronha@tecnosaude.net Sede de Redacção: Edifício Presidente Business Center Largo 17 de Setembro, n.º3 - 2.º andar, sala 224, Luanda, Angola Periodicidade: Bimestral Suporte: Digital http://www.tecnosaude.net/pt-pt/
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PERSPECTIVA ENTREVISTA
DEFICIÊNCIA DE FERRO A ANEMIA É DEFINIDA PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) COMO A CONDIÇÃO NA QUAL O CONTEÚDO DE HEMOGLOBINA NO SANGUE ESTÁ ABAIXO DO NORMAL, COMO RESULTADO DA CARÊNCIA DE UM OU MAIS NUTRIENTES ESSENCIAIS. PODE SER CAUSADA POR DEFICIÊNCIA DE VÁRIOS NUTRIENTES, COMO FERRO, ZINCO, VITAMINA B12 E PROTEÍNAS.
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Dra. Natália Mendes Maia Licenciada em Nutrição pela Universidade do Oeste Paulista em Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. Co-fundadora da DUONUTRI – Consultoria Nutricional
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anemia causada por deficiência de ferro, denominada de anemia ferropriva, é muito mais comum que as demais (estima-se que 90% das anemias seja causado por carência de ferro). Este é um nutriente essencial para a vida e actua, principalmente, na fabricação das células vermelhas do sangue e no transporte do oxigénio para todas as células do corpo. De acordo com a OMS, a anemia é um grave problema de saúde que leva, inclusive, a impactos sociais e económicos, porque, além de afectar o desenvolvimento cognitivo e motor de crianças, também causa fadiga e redução na produtividade em adultos. Além disso, quando ocorre durante a gravidez, pode relacionar-se com baixo peso ao nascer dos recém-nascidos e pode aumentar a mortalidade materna e perinatal. Apesar de estar distribuída globalmente, com cerca de um terço da população mundial a ser atingida, a anemia ainda é uma doença que acomete, principalmente, países em desenvolvimento e de menor poder económico.
Os sintomas da anemia não são específicos, sendo necessário exames bioquímicos de sangue para que seja confirmado o diagnóstico. Os principais são cansaço generalizado, falta de apetite, palidez da pele e mucosas (parte interna do olho e gengivas), menor disposição para o trabalho, dificuldade de aprendizagem nas crianças e apatia (crianças muito “paradas”). A prevalência de anemia, em 2011, para crianças de seis a 59 meses da região africana da OMS, foi de 62%. Tunísia, Líbia, Argélia, Marrocos, Seychelles e Ruanda tiveram as prevalências mais baixas em África (29%–38%); seguidas pela África do Sul, Botswana, Djibuti, Egipto, Quénia, Namíbia, Etiópia e Madagáscar (41%–50%); Angola, Uganda, Somália, Zâmbia, Eritreia, São Tomé e Príncipe, Sudão, Zimbabwe, Cabo Verde e Gabão (51%–60%); Tanzânia, Camarões, Benim, Congo, Gâmbia, Malawi, Moçambique e República Democrática do Congo (61%–67%) e os demais países do continente tendo a maior prevalência (71%-86%). Em Angola, os dados mais recentes sobre a prevalência de anemia em crianças menores de cinco anos são preocupantes. Além disso, há falta de relatos sobre os principais factores associados e não há intervenções especificamente projectadas para abordá-lo. A pesquisa nacional de múltiplos indicadores, realizada entre 2015 e 2016, relatou que 65% das crianças de seis a 59 meses eram anémicas, com prevalência maior em crianças de seis a 11 meses e maior gravidade em crianças de 12 a 17 meses. A anemia tem sido associada à desnutrição (responsável por 13% dos casos), mas também está frequentemente associada a infecções, tornando a sua prevalência indicativa de um sério problema de saúde pública.
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O tratamento da anemia ferropriva baseiase na reposição de ferro por via oral, na orientação nutricional para consumir alimentos fonte desse micronutriente e na identificação da etiologia da anemia. Em relação à alimentação, é possível obtê-lo de três fontes: • Animal: carnes vermelhas, principalmente, fígado de qualquer animal e outras vísceras (miudezas), como rim e coração, carnes de aves, peixes e mariscos; • Vegetal: folhosos verde-escuros, como gimboa, kizaca, rama, couve, salsa, as leguminosas (feijões, soja, grão-de-bico, ervilha, lentilha), grãos integrais, nozes e castanhas, sempre acompanhados de uma boa fonte de vitamina C, para que haja absorção do ferro não-heme; • Alimentos fortificados: alimentos enriquecidos com ferro (além de outras vitaminas e minerais), como farinhas de trigo e milho, cereais matinais, leites, entre outros.
EM ANGOLA, OS DADOS MAIS RECENTES SOBRE A PREVALÊNCIA DA ANEMIA EM CRIANÇAS MENORES DE CINCO ANOS SÃO PREOCUPANTES. ALÉM DISSO, HÁ FALTA DE RELATOS SOBRE OS PRINCIPAIS FACTORES ASSOCIADOS E NÃO HÁ INTERVENÇÕES ESPECIFICAMENTE PROJECTADAS PARA ABORDÁ-LO. A PESQUISA NACIONAL DE MÚLTIPLOS INDICADORES, REALIZADA ENTRE 2015 E 2016, RELATOU QUE 65% DAS CRIANÇAS DE SEIS A 59 MESES ERA ANÉMICO, COM PREVALÊNCIA MAIOR EM CRIANÇAS DE SEIS A 11 MESES E MAIOR GRAVIDADE EM CRIANÇAS DE 12 A 17 MESES
É necessário, também, que se reforce o estímulo ao aleitamento materno exclusivo, nos primeiros seis meses de vida, bem como o aleitamento complementar até aos dois anos. Também é necessário evitar o consumo de leite e derivados e outros factores antinutricionais próximo das refeições do paciente anémico, orientar adequadamente o início da alimentação complementar, realizar o aconselhamento dietético por um nutricionista para orientar as famílias e avaliar adequadamente os grupos de risco para anemia ferropriva, como os vegetarianos e crianças menores de um ano que recebem o leite de vaca in natura ou a fórmula inadequada, pois nesses grupos há a necessidade de avaliar, de modo precoce, a suplementação de ferro. Sobre as estratégias de implementação dos programas de fortificação dos alimentos, em muitos países, dispõe-se de poucas evidências da sua melhora na população, tanto pela falta de produção de dados, como pela não consolidação dos programas no que concerne à regulamentação, implementação, insumos e fiscalização.
FONTES: Fançony et al. Iron deficiency anaemia among 6-to-36-month children from northern Angola, 2020, BMC Pediatrics INE M, MPDT. Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde (IIMS) 2015–2016, Luanda - Angola. Instituto Nacional de Estatística (INE), Ministério da Saúde (MINSA), Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial (MPDT); 2017. Batista Filho, M.et al. Anemia como problema de saúde pública: uma realidade actual, Ciência & Saúde Colectiva, 13(6):1917-1922, 2008.
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Em Angola, 65% das crianças com menos de 5 anos têm alguma forma de anemia, de acordo com o Inquérito de Indicadores Múltiplos e Saúde (IIMS) 2015-2016. A anemia também é considerada uma das principais causas de internamento em unidades de saúde, por estar associada à malária, que é a principal causa de morbimortalidade no país, exigindo elevados recursos humanos e financeiros. Reconhecemos que uma estratégia de impacto para prevenção da doença passa pela promoção de programas de educação nas escolas (sessões de consciencialização), uma vez que as crianças e mulheres adolescentes fazem parte do grupo de risco. A iniciativa VIVER FORTE COM FERRO convida profissionais da saúde, académicos, entidades público-privadas e a sociedade, em geral, a considerarem a alimentação como solução para este problema, sendo que, para isso, as pessoas devam conhecer o valor dos alimentos e saber quais as fontes de ferro. Os parceiros envolvidos nesta iniciativa têm nas suas agendas a criação de valor partilhado como forma de apoiar as comunidades onde operam. O envolvimento nesta iniciativa é, sem dúvida, a confirmação de que juntos podemos melhorar a qualidade das famílias, através da educação dirigida à comunidade, (promovendo a reflexão sobre o protagonismo da alimentação saudável na atenção à saúde), quer através de programas de TV, rádio, sessões nas escolas, webinars para alunos e pais, cuidadores, entre outras partes interessadas. Faça parte desta iniciativa e junte-se a nós. Uma acção conjunta:
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ENTREVISTA ENTREVISTA
“A FAIXA ETÁRIA PEDIÁTRICA REPRESENTA UM GRUPO DE GRANDE VULNERABILIDADE PARA DEFICIÊNCIAS DE MACRO E MICRONUTRIENTES”
Dra. Liliana Aragão A PRESIDENTE DO COLÉGIO DE ESPECIALIDADE DE PEDIATRIA, DRA. LILIANA ARAGÃO, FALA-NOS DA IMPORTÂNCIA DOS SUPLEMENTOS VITAMÍNICOS PARA COLMATAR EVENTUAIS CARÊNCIAS DE NUTRIENTES, DE FORMA A TORNAR-NOS, CADA VEZ MAIS, SAUDÁVEIS.
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Médica Pediatra. Chefe do internamento de Pediatria da Clínica Sagrada Esperança. Presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos de Angola
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que é um multivitamínico e qual a sua diferença face aos medicamentos? Multivitamínicos são compostos orgânicos essenciais para a manutenção das funções metabólicas e crescimento normal do organismo. Consistem numa combinação de diferentes vitaminas, que estão normalmente presentes em alimentos e outras fontes naturais. A principal diferença entre um suplemento vitamínico e um medicamento é a sua finalidade de uso. Um suplemento tem como finalidade complementar a alimentação de pessoas saudáveis, com nutrientes ou outras substâncias, quando há falta na dieta ou um aumento da necessidade diária, mas não cura deficiências de vitaminas e minerais, apenas ajuda na prevenção. Já os medicamentos possuem finalidade terapêutica ou medicamentosa comprovada. Aludindo à celebração do Dia Internacional da Malária, na sua opinião, qual a importância dos multivitamínicos para a manutenção de um corpo saudável? As vitaminas são nutrientes essenciais à vida. O organismo humano é incapaz de as sintetizar, tendo de as receber, em quantidades suficientes, através de uma alimentação equilibrada. O deficiente aporte tem como consequência a presença de patologias associadas às carências de micronutrientes, como a anemia, principalmente em crianças com baixo nível socioeconómico.
A malária pode agravar a anemia carencial prévia, cursando com complicações fatais. Sabemos que a nutrição assume uma importância extrema, especialmente em faixas etárias mais novas, como na infância e adolescência. Sabemos também que a nossa alimentação está longe de ser a mais adequada, muito também devido aos estilos de vida que adoptámos. Na sua opinião, qual a importância de um multivitamínico nestas faixas etárias? A faixa etária pediátrica representa um grupo de grande vulnerabilidade para deficiências de macro e micronutrientes, em consequência do rápido crescimento e desenvolvimento, principalmente, nos primeiros mil dias de vida, que incluem o período da gestação e os dois primeiros anos de vida. Esse período crítico do neurodesenvolvimento é dependente da oferta de nutrientes específicos, cuja deficiência pode afectar a habilidade cognitiva e aumentar o risco para a ocorrência de doenças crónico-degenerativas, a longo prazo. Por isso, intervenções preventivas, nesse período, são fundamentais para garantir a oferta nutricional ideal para uma vida saudável e produtiva. A malária e a desnutrição estão intimamente relacionadas. Com o aumento dos casos de malária, reduzir os de desnutrição é fundamental. Na sua opinião, a nossa população e os nossos profissionais estão conscientes desta importância?
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Existem muitos factores envolvidos no aumento das taxas de morbimortalidade, tanto para a desnutrição quanto para a malária, sendo que a maioria ultrapassa a simples necessidade de tomada de consciência da situação, quer pelos profissionais de saúde, como pela população. Citando algumas, temos as condições socioeconómicas e o deficiente saneamento básico. Precisamos todos de promover mais as medidas de prevenção para tais patologias, aumentando, dessa forma, a protecção dos grupos de risco. Quais os principais défices nutricionais com que nos deparamos em Angola? De acordo com o cálculo do estado nutricional nas crianças, segundo os índices antropométricos Estatura/ Idade, Peso/Estatura e Peso/Idade, são identificados défices
maioritariamente relacionados ao Peso/Estatura. Crianças com défices nutricionais são mais propensas a infecções graves e a mortes por diarreia, sarampo, pneumonia e malária. As que sobrevivem podem ter o sistema imunológico debilitado e desenvolver um círculo vicioso de infecções recorrentes e de desnutrição. Além disso, podem apresentar rendimento escolar deficiente e estão expostas ao maior risco de desenvolver doenças crónicas na vida adulta. A avaliação do estado nutricional das crianças e da população é uma emergência, especialmente no sul do país, onde os casos de desnutrição são maiores. Quais as vantagens da educação da população para a suplementação alimentar? São inúmeras essas vantagens, desde a orientação para a promoção do aleitamento materno como primeira escolha alimentar do bebé. É consenso mundial que o aleitamento materno é uma forma inigualável para prover a nutrição ideal para o crescimento e desenvolvimento. Como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), desde a sala de parto até aos dois anos de vida, ou mais, devendo ser exclusivo nos primeiros seis meses, seguido da introdução gradual da alimentação complementar, suplementada com multivitamínicos sempre que se justifique. É importante esclarecer que os suplementos não são todos iguais. Qual é o melhor conselho que, enquanto profissional de saúde, pode dar para todos
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aqueles que pretendam fazer suplementação? Suplementar ou não suplementar, eis a questão... Este é um tema amplamente discutido na nossa especialidade e ainda sem respostas absolutas. Em crianças com doenças crónicas, que muitas vezes cursam com a subnutrição, a suplementação tem critérios bem mais claros. Entretanto, em crianças “saudáveis”, a questão é complexa, pois, em teoria, se recebe uma dieta adequada não necessita de suplementação. Mas isso não é uma verdade absoluta, dependendo do tipo de dieta, do local onde vive e das suas actividades. Por exemplo, no caso dos lactentes em aleitamento materno exclusivo, a qualidade desse leite sofre grande influência da dieta materna. O multivitamínico tem como propósito oferecer várias
vitaminas e alguns tipos de minerais, inclusos numa única fórmula, e, assim, contribuir para melhorias no organismo. Qual é o papel dos multivitamínicos na prevenção da anemia, que também é um flagelo em Angola? Que formulação aconselha? A anemia por deficiência de ferro é a mais comum das carências nutricionais, com maior prevalência em crianças, principalmente, nos países em desenvolvimento. Crianças com idade entre seis e 24 meses apresentam risco duas vezes maior para desenvolver a doença do que as crianças maiores. É considerada um sério problema de saúde pública, pois a anemia pode prejudicar o desenvolvimento mental e psicomotor, causar o aumento da morbidade e mortalidade materna e infantil, além da queda no desempenho do indivíduo no trabalho e redução da resistência às infecções. Os multivitamínicos, minerais e oligoelementos contribuem para a adição concomitante de ferro e folato e a suplementação para grupos considerados de risco. A formulação recomendada será aquela que for capaz de suprir a suplementação vitamínico-mineral, pois, tradicionalmente, as vitaminas A e D e os minerais iodo, zinco e ferro estão associados às maiores deficiências, consideradas de elevado impacto social e priorizadas pela OMS em todo o mundo.
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TEMA DE CAPA NOTÍCIA
QUASE METADE DA POPULAÇÃO MUNDIAL SOFRE DE MÁ NUTRIÇÃO E
ntre estas metas está a redução do emagrecimento das crianças (quando são magras demais para a sua altura) e os atrasos de crescimento (muito pequenas para a idade), bem como a obesidade adulta, já que o estudo revela que mais de 40% dos homens e mulheres, o equivalente a 2,2 mil milhões de pessoas, estão com sobrepeso ou são obesos. “Os resultados globais mostram que as nossas dietas não melhoraram, nos últimos 10 anos, e agora são uma grande ameaça à saúde das pessoas e do planeta”, disse, à Agência FrancePresse (AFP), a Dra. Renata Micha, presidente do grupo de especialistas independentes que elaborou o relatório.
Mortes evitáveis
O estudo indica que, desde 2010, as mortes evitáveis, devido a dietas pouco saudáveis, aumentaram 15%, representando, agora, um quarto de todas as mortes entre adultos. As pessoas não estão a consumir as quantidades recomendadas de alimentos que promovem a saúde, como as frutas e os vegetais.
DE ACORDO COM O “RELATÓRIO DE NUTRIÇÃO GLOBAL”, QUASE 150 MILHÕES DE CRIANÇAS, COM MENOS DE CINCO ANOS, SOFREM DE ATRASOS DE CRESCIMENTO E MAIS DE 45 MILHÕES SÃO MAGRAS DEMAIS. EM CONTRAPARTIDA, QUASE 40 MILHÕES ESTÃO ACIMA DO PESO. A ESTE RITMO, O MUNDO NÃO CONSEGUIRÁ ALCANÇAR OITO DAS NOVE METAS DE NUTRIÇÃO ESTABELECIDAS PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), PARA 2025.
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REPORTAGEM
DETECTAR PARA MELHOR TRATAR A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO ACTUALMENTE, HÁ PATOLOGIAS EM ANGOLA QUE SÃO CAUSA DE ELEVADA MORTALIDADE E MORBILIDADE, COMO A TUBERCULOSE, O HIV E A COVID-19, ONDE A EXISTÊNCIA DE UM DIAGNÓSTICO PRECOCE É, DE SOBREMANEIRA, IMPORTANTE. PARA CONHECER OS PRINCIPAIS DESAFIOS NO FUTURO DO DIAGNÓSTICO EM ANGOLA, E PARA ASSINALAR O RELANÇAMENTO DESTA ÁREA NA AUSTRALPHARMA, NO PASSADO DIA 17 DE MARÇO, FOI REALIZADO, COM O APOIO DA TECNOSAÚDE, O EVENTO “DIAGNÓSTICO EM ANGOLA DO PRESENTE PARA O FUTURO”, QUE ABORDOU DIVERSOS TEMAS NESTA ÁREA E QUE CONTOU COM A PRESENÇA DE REPRESENTANTES DO MINSA, DIRECÇÃO NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA, INIS E ORDEM DOS FARMACÊUTICOS DE ANGOLA, ENTRE OUTRAS ENTIDADES.
Damião Victoriano, director clínico do Complexo Hospitalar Cardeal D. Alexandre Nascimento e Luísa Araújo, coordenadora da área de diagnóstico internacional da Quilaban
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ais de 85 pessoas assistiram presencialmente a este evento promovido pela Australpharma, às quais se juntaram cerca de 200 à distância, através da Internet, com a cobertura de meios de comunicação conceituados, como a RTP África e a Televisão Pública de Angola. Na sessão de abertura, o Dr. Marco Correia, director geral da Australpharma, sublinhou que é objectivo da empresa, que sempre foi reconhecida por apresentar soluções de qualidade e inovadoras na área, voltar a aproximar-se do diagnóstico clínico, no seguimento dos desafios que lhe foram propostos pelos próprios parceiros. “Nos últimos dois anos, trabalhámos na adaptação de um novo armazém, exclusivamente dedicado à área do diagnóstico. São mais de 300 metros quadrados de área de armazenamento, uma zona segregada com mais de 20 metros quadrados de área técnica, onde os nossos técnicos poderão fazer todas as manutenções e reparações dos equipamentos dos nossos clientes e parceiros, com todo o processo logístico definido, de acordo com as melhores práticas de distribuição aplicadas ao sector, e com uma equipa de especialistas dedicada, não só em Angola, mas também em Portugal, com a nossa empresamãe, com os nossos parceiros na África do Sul, na Índia e nos Estados Unidos da América, que vai trabalhar diariamente para poder ajudar na solução das necessidades e problemas dos nossos clientes. A partir deste evento, estaremos fortemente no mercado do diagnóstico em Angola”, garantiu.
As melhores soluções
A decisão de regressar à área de diagnóstico foi tomada no final de 2019 e nem a pandemia de Covid-19 demoveu a Australpharma de
avançar com este projecto. Até porque como referiu Luísa Araújo, coordenadora da área de diagnóstico internacional da Quilaban, trata-se de uma área que é trabalhada pela empresamãe da Australpharma há mais de 40 anos, reunindo uma vasta experiência e um conjunto de parceiros que a acompanham desde esse momento. Nesse sentido, o relançamento da área de diagnóstico em Angola far-se-á com a introdução de novos produtos e de uma permanente preocupação de adaptar as soluções ao mercado angolano e às necessidades dos parceiros no terreno. “Queremos ser um parceiro global em Angola em tudo o que se relaciona com o laboratório. Na área dos consumíveis, é muito importante a recolha da amostra, uma vez que uma boa amostra vai condicionar todos os resultados. Daí querermos ter consumíveis de recolha de amostras. Trabalhamos já na área de hematologia, de bioquímica, da microbiologia, da serologia, temos alguns equipamentos de ‘point of care’ e trabalhamos a área da imunologia. Mas queremos ir ainda mais longe. Queremos trazer para Angola o que de melhor há na área de diagnóstico, por isso, estamos a explorar a área da biologia molecular e da sequenciação genética, que é uma novidade no país”, detalhou Luísa Araújo.
Marco Correia, director geral da Australpharma
De facto, a Covid-19 fez pensar um pouco mais no diagnóstico molecular, nomeadamente, na questão da sequenciação, mas esta tem muitas outras aplicações. “A Covid-19 foi um desafio enorme para o país e mostrou a importância da capacidade de resposta dos nossos laboratórios face ao acontecimento, elevando a fasquia dos mesmos e deixando portas
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abertas para novas soluções de diagnóstico. Não foi fácil, de início, mas com a perseverança e a dedicação colocada em cada dia conseguimos dar uma resposta rápida face à Covid-19, que também mostrou a importância do diagnóstico molecular, aplicado a esta e outras patologias”, destacou
Cláudia Lázaro, coordenadora da área de diagnóstico na Australpharma. Sabendo-se que as principais causas de morte em Angola são as doenças cardiovasculares, respiratórias, desordens neonatais e maternas, o HIV, doenças entéricas, o cancro, a malária, doenças tropicais negligenciadas e outras doenças infecciosas, a sequenciação, tema importante para detectar agentes infecciosos como a Covid-19, demonstrou também poder ser aplicada em várias áreas de rastreio, como pré-natais, neonatais, oncologia e doenças raras.
Importância da detecção precoce
E para sublinhar a importância da detecção precoce, no evento promovido pela
QUANTO MAIS SE DETECTAR E MELHOR SE DIAGNOSTICAR, MAIS E MELHOR SE IRÁ TRATAR. CONSCIENTE DE QUE O FUTURO DEPENDE DO EMPENHO GLOBAL DE TODOS, A AUSTRALPHARMA REFORÇA O PROPÓSITO DE CONTRIBUIR PARA CUIDAR DA SAÚDE E DO BEM-ESTAR DOS ANGOLANOS, COM UMA ESTRUTURA QUE RESPONDE ÀS NECESSIDADES E DESAFIOS COLOCADOS PELOS SEUS PARCEIROS, HOJE E NO FUTURO
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Australpharma foram destacadas três patologias que, actualmente, acometem fortemente a população angolana e para as quais é muito importante haver meios de detecção adequados. Uma das quais é a tuberculose, que, nos dias de hoje, ainda é uma das principais causas de morte, a nível mundial, não obstante ser prevenível e curável. Segundo o Dr. Damião Victoriano, director clínico do Complexo Hospitalar Cardeal D. Alexandre Nascimento, antigo Sanatório de Luanda, que moderou o primeiro painel dedicado à tuberculose, “Angola encontra-se entre os 30 países com maior fardo da tuberculose sensível, tuberculose VIH e tuberculose resistente, o que salienta, ainda mais, a importância da área de diagnóstico para nos assegurarmos de que os dados de que dispomos não são subdiagnosticados”. De acordo com os dados disponíveis, e avançados pelo Dr. Damião Victoriano, em 2020, foram diagnosticados 66 mil novos casos de tuberculose, número que, em 2021, baixou para 61.297. A taxa de incidência, em 2020, era de 202,9 casos por 100 mil habitantes, tendo, no ano seguinte, descido para 184,1 por 100 mil habitantes. A tuberculose VIH, em 2020, correspondeu a 12% dos casos e, em 2021, a 13%. “A nossa luta é que o esquema de tratamentos continua a ser prolongado e com elevada taxa de abandono. O maior fardo na tuberculose resistente deve-se, precisamente, ao abandono dos tratamentos na tuberculose sensível, cuja taxa está acima dos 15% em Angola. Daqui se depreende a importância do diagnóstico, do rastreio e da prevenção. Porque a doença é curável”, destacou, uma vez mais, o Dr. Damião Victoriano. E a pandemia pode ter representando um duro golpe na capacidade de detecção atempada de casos de tuberculose, patologia que é a terceira causa de morte em Angola. A convite da Australpharma, o Dr. Miguel Viveiros, especialista em microbiologia do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, investigador na área da tuberculose e resistência a antibióticos e imunologia e especialista em diagnóstico laboratorial no âmbito da tuberculose, chamou, precisamente, a atenção para este facto e para os desafios acrescidos que vão surgir no futuro, os quais exigem preparação e capacitação com as novas tecnologias de diagnóstico. “Até à pandemia, vinham-se a detectar cada vez mais casos de tuberculose. Em 2020, foram diagnosticadas menos pessoas em todo o mundo: de 7,1 milhões, em 2019, caiu para 5,8 milhões. Perderam-se muitos doentes de tuberculose, que vão aparecer agora, com o maior controlo da pandemia, com situações de tuberculose já mais avançada. Pelo que o reforço das capacidades de diagnóstico e a atenção ao diagnóstico precoce é fundamental”, alertou.
A importância do diagnóstico precoce foi também destacada a respeito do HIV, onde se tem vindo a ter um progresso favorável no que diz respeito à diagnosticação. Mas, apesar de se estar a diagnosticar cada vez mais, e num crescendo de pessoas a fazer terapêutica retroviral, verifica-se que ainda existem faixas da população que não sabem o estado da infecção. É, por isso, necessário melhorar o diagnóstico, tornando-o cada vez mais simples, preciso, acessível e com resultados no mesmo dia. Segundo a Dra. Dores Mateta, especialista em infecciologia, até ao final de 2019, registavamse mais de 75 milhões de pessoas infectadas com HIV em todo o mundo e, no final de 2020, 34,7 milhões tinham morrido. O primeiro caso em Angola foi diagnosticado em 1987. Em 2020, estimavam-se 344 mil pessoas a viver com o VIH no país. “A infecção está a atingir, principalmente, as populações jovens e as populações-chave e existem múltiplos factores que podem agravar a epidemia do VIH, o que justifica reforçar as medidas preventivas e de detecção precoce”, sublinhou.
Lições da Covid-19
Sendo certo que a Covid-19 dificultou diagnóstico precoce e o tratamento de muitas patologias, como a tuberculose e o HIV, permitiu também aos profissionais de saúde recolherem toda uma nova aprendizagem que os capacita para melhor responderem aos desafios futuros. O Dr. Domingos Cristóvão, médico doutorado em Saúde Pública, traçou o cenário da evolução do SARS-CoV-2 no país, desde que o primeiro caso foi detectado, em Março de 2020. Numa mensagem de optimismo quanto à resposta que foi dada pelos profissionais de saúde angolanos, que ajudaram a traçar um cenário bem distinto ao avançado por muitos que vaticinaram que os países de África apresentariam muito mais dificuldades em conter a propagação da doença, o Dr. Domingos Cristóvão destacou a importância de Angola dispor dos melhores meios de testagem e diagnóstico da Covid-19. A grande conclusão a retirar deste evento é que, quanto mais se detectar e melhor se diagnosticar, mais e melhor se irá tratar. Consciente de que o futuro depende do empenho global de todos, a Australpharma reforça o propósito de contribuir para cuidar da saúde e do bem-estar dos angolanos, com uma estrutura que responde às necessidades e desafios colocados pelos seus parceiros, hoje e no futuro.
Cláudia Lázaro, coordenadora da área de diagnóstico na Australpharma
Miguel Viveiros, especialista em microbiologia do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa
Lurdes Mateta, especialista em infecciologia
Domingos Cristóvão, médico doutorado em Saúde Pública
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ENTREVISTA ANÁLISE
PROFISSIONAIS DE SAÚDE CONFIRMAM ATRASOS NOS DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS DERIVADOS DA PANDEMIA PROFISSIONAIS DE TODO O MUNDO VIRAM OS PACIENTES COLOCAR A SUA SAÚDE EM MAIOR RISCO DEVIDO À PANDEMIA. DESDE O INÍCIO DO SURTO PANDÉMICO, TÊM ALERTADO PARA POTENCIAIS ATRASOS NOS CUIDADOS MÉDICOS, A NÍVEL GLOBAL. EM SETEMBRO DE 2020, O CENTRO DE CONTROLO E PREVENÇÃO DE DOENÇAS (CDC) DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA EMITIU UM RELATÓRIO QUE CONFIRMAVA ESTES RECEIOS: AS PESSOAS ESTAVAM A EVITAR RECORRER AOS CUIDADOS PRIMÁRIOS. COM ISTO EM MENTE, A CONSULTORA KANTAR INQUIRIU 1.253 MÉDICOS PARA EXPLORAR SE OS ATRASOS NOS CUIDADOS, DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS ERAM UM PROBLEMA CONTÍNUO DIRECTAMENTE LIGADO À PANDEMIA. O ESTUDO OFERECE UMA VISÃO SOBRE ESTE FENÓMENO ÚNICO.
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A interrupção em serviços de saúde essenciais, devido à pandemia, pode deitar por terra anos de progresso contra a tuberculose, em particular, no controlo da tuberculose resistente”.
A afirmação é de Tedros Adhanom Ghebreyesus, director da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, embora se refira directamente à tuberculose, pode ser extensível a muitas outras
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patologias. Em todo o mundo, os médicos dedicados aos cuidados primários estão a ver os seus pacientes atrasarem consultas e adiarem diagnósticos e o início de tratamentos, desde o início da pandemia. De acordo com um estudo da consultora Kantar, as razões para estes atrasos variam e, em parte, podem dever-se ao facto das pessoas sentirem que cuidar das infecções por Covid-19 continua
a monopolizar os cuidados médicos. Outros estão atentos ao risco de exposição ao vírus, apesar das precauções tomadas pelos profissionais e serviços de saúde. E esta não é uma situação dos países em desenvolvimento e de menor renda e onde, à partida, o acesso aos cuidados de saúde é mais difícil, conforme demonstra o estudo da Kantar, conduzido junto de 1.253 médicos de cinco países europeus e dos Estados Unidos da América. Entre os inquiridos, os profissionais de saúde em Itália e em Espanha foram os que mais reportaram casos de doentes que atrasaram as suas consultas. No total, 44% indicaram que os seus pacientes, frequentemente, atrasaram uma consulta. Outros 27% afirmaram que os pacientes, muitas vezes, faltaram às consultas e apenas 1% disse que nunca o fizeram.
Diagnóstico dificultado
Quando questionados sobre o impacto destes adiamentos no diagnóstico precoce, os médicos na Alemanha e em França registaram os atrasos mais curtos, com 74% e 72%, respectivamente, a reportarem um atraso inferior a três meses. Os Estados Unidos da América e a Espanha relataram, por sua vez, alguns dos maiores atrasos e 7% dos médicos norte-americanos e 6% dos espanhóis registaram atrasos nos diagnósticos superiores a seis meses. Confirmado o diagnóstico, em termos de atrasos nos tratamentos, destacamse o Reino Unido, os Estados Unidos da América, a Espanha e a Itália. Os médicos alemães (81%) e os franceses (76%) reportaram os menores atrasos. No Reino Unido (6%), nos Estados Unidos (5%) e em Espanha (5%), os tratamentos sofreram atrasos de mais de seis meses.
Tratamentos adiados
A Kantar também perguntou que tipo de cuidados foi mais afectado pelos atrasos e adiamentos nos diagnósticos e nas consultas. A nível mundial, os médicos inquiridos indicaram que os rastreios preventivos foram negligenciados ao ritmo mais elevado (81%). Esta foi a resposta mais sinalizada em todos os países. Seguem-se as consultas de rotina (79%), as consultas de saúde mental (46%) e as prescrições de medicamentos (25%). As consultas de urgência foram as menos afectadas, indicadas por apenas 21% dos médicos.
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PERSPECTIVA ENTREVISTA
PRINCIPAIS DOENÇAS DERMATOLÓGICAS NAS ZONAS RURAIS DE REGIÕES TROPICAIS DE ANGOLA EM REGIÕES TROPICAIS E SUBTROPICAIS, HÁ PESSOAS QUE VIVEM EM ZONAS RURAIS E SUBURBANAS QUE SÃO AFECTADAS POR DIVERSAS PATOLOGIAS CUTÂNEAS ASSOCIADAS ÀS BAIXAS CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS, À POBREZA, AO DEFICIENTE SANEAMENTO, A REGIÕES PANTANOSAS, À PROXIMIDADE DE RIOS, CHARCOS OU LAGOAS, VIVENDO AGLOMERADAS EM CONTACTO PRÓXIMO COM VECTORES INFECCIOSOS, ANIMAIS DOMÉSTICOS E GADO. EM PARTICULAR, EM ANGOLA, TAMBÉM HÁ A INFLUÊNCIA DAS CONSTANTES DESLOCAÇÕES DAS POPULAÇÕES, PRINCIPALMENTE EM ZONAS TRANSFRONTEIRIÇAS.
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Dr. Luvualu Claris Ndongala Licenciado em Medicina pela Universidade Agostinho Neto. Pós-graduado em Dermatologia e Venereologia pelo Conselho Nacional de Especialização. Pósgraduado em Ciências da Saúde pelo Hospital Américo Boavida
U
saúde, constituída por especialistas angolanos e estrangeiros, entre os quais médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, agentes comunitários e técnicos de promoção da saúde que percorreram às aldeias fronteiriças das províncias de Zaire e Uíge. O resultado foi comum em ambas províncias: a faixa etária mais atingida é de um aos 15 anos de idade e a presença de lesões cutâneas agudas predomina em todas as faixas etárias e em diferentes patologias dermatológicas. Os gráficos elucidam a faixa etária, a distribuição dos tipos de lesões e as patologias encontradas nas aldeias das províncias de Zaire e Uíge, onde se realizou a busca activa, e, segundo os dados epidemiológicos, geográficos e sociodemográficos, poderão reflectir uma tendência similar noutras regiões de Angola.
m exercício de busca activa de avaliação transfronteiriça Angola/ República Democrática do Congo, Distribuição segundo a faixa etária dos casos realizado de 26 de Abril a 13 de Maio de observados durante a busca activa de doenças 2021, através do rastreio integrado de dermatológicas nas aldeias fronteiriças das doenças tropicais negligenciadas, de gestão províncias de Zaire e Uíge, de 26 de Abril a 13 de de casos com manifestações cutâneas, Maio de 2021 nomeadamente, Lepra, Úlcera de Buruli, Bouba, Tripanossomíase e Verme da Guiné, organizado pelo Programa Nacional de Controlo da Lepra e com apoio técnico da OMS/AFRO, permitiu desvendar o desconhecimento real da situação epidemiológica das dermatoses tropicais em Angola. Este exercício de busca activa no seio das comunidades também permitiu identificar centenas de pessoas com lesões cutâneas específicas, que caracterizam uma enorme variedade de patologias dermatológicas com necessidade imediata de abordagem, gestão de casos, bem como determinar as acções Fonte: caderno de registo necessárias para planeamento das estratégias de controlo, eliminação e erradicação no país. A pesquisa das doenças tropicais Gráfico.2 Distribuição segundo o estado das lesões cutâneas nos casos negligenciadas permitiu identificar as principais doenças dermatológicas nestas observados durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província do Zaire e Uige de 26 de Abril á 13 de Maio de 2021. zonas rurais de regiões tropicais de Angola e aplicar os procedimentos clínicos disponíveis para uma intervenção comunitária em massa, com base em assistência médica e medicamentosa, por uma equipa técnica multidisciplinar de profissionais de Fonte : carderno de registo
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Gráfico.2 Distribuição segundo o estado das lesões cutâneas nos casos observados durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província do Zaire e Uige de 26 de Abril á 13 de Maio de 2021.
outro deter
Fonte: caderno de registo
Fonte : carderno de registo
Distribuição segundo o estado das lesões correspondendo 49% do universo. cutâneas nos casos observados durante a A escabiose (12,8%), as úlceras tropicais (12,2%) e busca activa de doenças dermatológicas nas as micoses superficiais em crianças (11,1%) e nos aldeias fronteiriças das províncias de Zaire e adultos (7,2%) são as doenças dermatológicas que Uíge, de 26 de Abril a 13 de Maio de 2021 mais afectam as populações Gráfico.3 Distribuição das doenças dermatológicas observadas durante a destas regiões. busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província do 46,8% deste universo foi Zaire de 26 de Abril á 13 de Maio de 2021. submetido a exames complementares para diagnóstico laboratorial e 82,6% com lesões agudas e subagudas recebeu assistência médica pontual, sendo que 66,6% realizou curativos e em cerca de 7,4% foi aplicado escabicida e dadas Fonte: caderno de registo recomendações de Para sustentação dos diagnósticos inumerados acima, nas apesar de que Distribuição das doenças dermatológicas seguimento unidades sanitárias locais. muitas dessas patologias, diagnóstico é clínico segundo observadas durante a busca oactiva de É notável, olhandoa nahistória vertente da atenção epidemiológica e os achados exame dermatológico minucioso, recorreu-se doenças dermatológicas nasao aldeias primária, que ainda existem muitos desafios para também exames complementares, tais como miscroscopia directa localmente e fronteiriças da província de Zaire, de 26 de o planeamento de estratégias para garantir a outros mais específicos como Baciloscopia, PCR foram colhidas amostras e Abril a 13 de Maio de 2021 enviadas para laboratórios centrais de referência. assistência médica e medicamentosa para essas patologias dermatológicas nas unidades sanitárias Com estes dados observou-se que durante aperiféricas busca ativaem nas 11 aldeias zonas rurais. Assim como nas de Zaire e Uige, observou-se cerca de 630 utentes com lesões cutâneas, dos Para a sustentação dos diagnósticos políticas de prioridade na disponibilização ou quais 47.1% eram do sexo feminino e 52,9% masculino e a faixa etária mais enumerados, de, em dessas aquisição de kits de medicamentos essenciais para acometida é deapesar 1-15 anos de muitas idade correspondendo 49% do universo. patologias, o diagnóstico ser clínico, segundo o tratamento de doenças da pele, nos locais onde A escabiose ( 12,8%e ),osúlceras tropicais ( 12,2% e Micoses superficiais a história epidemiológica achados no não )há dermatologistas. em crianças ( 11,1% ) eminucioso, nos adultosrecorreu-se ( 7,2% ) são as doenças dermatológicasfactores que exame dermatológico Epidemiologicamente, ambientais, mais afectam as populações destas regiões. também a exames complementares, tais como determinantes sociais, tabus, hábitos e costumes e 46,8% deste universo, foram submetidos a exames complementares para a microscopia directa localmente, e outros a falta de literaciareceberem em saúde obrigarão os gestores diagnóstico laboratorial e 82,6% com lesões agudas e subagudas mais específicos, como a baciloscopia e PCR. e os decisores a redefinirem assistência médica pontual sendo, 66,6% realizaram curativos e em cerca de as estratégias de Foram e enviadas para recomendações gestão dessas patologiasnas na rede primária, com 7,4% foicolhidas aplicadoamostras escabicida e receberam de seguimento unidades sanitárias locais. laboratórios centrais de referência. foco na promoção da educação para saúde e Com estes dados, observou-se, durante a na integração de outros sectores, organizações É notável, olhando na vertente da atenção primária, que ainda existem muitos busca activa nas 11 aldeias de Zaire e Uíge, não governamentais, associações, OSC, igrejas, desafios para planeamento de estratégias de garantir a assistência médica e cerca de 630 utentes com lesões cutâneas, autoridades tradicionais e outros profissionais ou medicamentosa para essas patologias dermatológicas nas unidades sanitárias dos quais 47,1% era do sexo feminino e partes interessadas na luta periféricas em zonas rurais. Por outro lado, as politicas de prioridade na contra as determinantes 52,9% do masculino e a faixa etária mais sociais em zonas rurais. disponibilização ou aquisição de kits de medicamentos essenciais para o tratamento pele nosde locais onde não há dermatologistas. acometidade eradoenças a de umda a 15 anos idade,
Caso
Fonte : carderno de registo
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Visto que epidemiologicamente factores ambientais, determinantes sociais , tabus , hábitos e costumes e a falta de literacia em saúde obrigará os gestores e os decisores a iniciar a redefinirem as estratégias de gestão dessas patologias na rede primária com foco na promoção da educação para saúde e na integração de outros sectores , ONGs associações, OSC, Igrejas, autoridades tradicionais ,
Prom
os profissionais ou outras partes interessadas, na luta contra as rminantes sociais em zonas rurais.
os profissionais ou outras partes interessadas, na luta contra as rminantes sociais em zonas rurais.
Apelo às pessoas com lesões cutâneas para aderir à campanha de
Apelando pessoas com lesões cutâneas devem aderir a campanha de busca activa busca activa.
Casos de Tinha Capitis nos alunos da mesma sala
os de tinha capitis nos alunos da mesma sala
Apelando pessoas com lesões cutâneas devem aderir a campanha de busca activa.
os de tinha capitis nos alunos da mesma sala
Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
moção da saúde por meio de cartazes ilustrativos
Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
Promoção da saúde por meio de cartazes ilustrativos
moção da saúde por meio de cartazes ilustrativos
Colheita de amostra para exames laboratoriais
Colheita de amostra para exames laboratoriais
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OPINIÃO
UM OLHAR SOBRE O SECTOR FARMACÊUTICO EM ANGOLA A DRA. ANA FERREIRA DE AGUIAR FOI A PRIMEIRA FARMACÊUTICA INSCRITA NA ORDEM DOS FARMACÊUTICOS DE ANGOLA. COM UMA LONGA E DESTACADA CARREIRA PROFISSIONAL, ACOMPANHOU A EVOLUÇÃO DO SECTOR FARMACÊUTICO EM ANGOLA, DESDE OS DESAFIOS COM QUE SE DEPAROU NO PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA, QUE DITARAM O ABANDONO DAS PREPARAÇÕES GALÉNICAS NAS FARMÁCIAS DE OFICINA, À ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E AO ABRANGENTE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. UM CAMINHO NO QUAL - CONTA-NOS -, DEMASIADAS VEZES, A FACETA COMERCIAL SE SOBREPÔS À SANITÁRIA. COM UMA VIDA DEDICADA AO SECTOR DA FARMÁCIA, DEIXANOS O SEU TESTEMUNHO E APELO PARA QUE SE RECUPERE A VOCAÇÃO NAS ÁREAS DA SAÚDE E A VONTADE INCESSANTE DE APRENDIZAGEM, EM NOME DE UMA ASSISTÊNCIA DE ALTO NÍVEL.
A
minha opção inicial foi Estomatologia, mas alguns condicionalismos fizeram com que enveredasse pela área da Farmácia, com uma bolsa da AID, da Organização das Nações Unidas. Após a minha formação, trabalhei em instituições estatais de regulamentação, controlo de qualidade e produção de medicamentos. Nos anos 70, nas farmácias de oficina, ainda se faziam preparações galénicas. Após a independência de Angola, as farmácias existentes no país, e abandonadas pelos proprietários farmacêuticos portugueses, tinham sido intervencionadas pelo Estado. Nelas encontravamse sinais das preparações galénicas. Dois laboratórios de produção de medicamentos, de média escala, o Laboratório Farmacotécnico de Luanda e o de Lunda Norte da Companhia
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de Diamantes, preparavam alguns produtos hospitalares de maior consumo. Esta actividade prosseguiu depois da independência. O Laboratório Farmacotécnico de Luanda serviu de trampolim para o surgimento da ANGOMÉDICA, unidade de produção de medicamentos. No período pós-independência, as importações, de um modo geral, e as de matérias-primas, em particular, conheceram momentos difíceis, que concorreram para o abandono das preparações galénicas nas farmácias de oficina. Na altura, Angola não tinha mais de seis farmacêuticos nacionais, dos quais, cinco colocados no Serviço Nacional de Saúde. Era preciso atacar a organização da assistência farmacêutica. Trabalhou-se muito com os ajudantes técnicos de farmácia, muito bem preparados pela Escola Técnica de Saúde, herdada do tempo colonial. Infelizmente, durante muito tempo, não existindo nenhuma faculdade de farmácia em Angola, grande parte dos técnicos enveredaram para a Faculdade de Ciências, frequentando a opção de química. Assim, a farmácia em Angola perdeu bons quadros médios, com longa experiência.
Dra. Ana Ferreira de Aguiar Nascida a 2 de Fevereiro de 1945, fez os estudos primários e secundário no Colégio Ana Maria Javouhey, das madres de São José de Cluny, em Brazzaville. Frequentou a Universidade de Lovanium, em Kinshasa, uma filial da Universidade de Louvain, na Bélgica. Trabalhou no Laboratório de Controlo de Qualidade de Medicamentos e Material Gastável do Dépot Central Médico Pharmaceutique (DCMP), em Kinshasa, passou pela Direcção Nacional de Medicamentos e Equipamentos, pela Escola Técnica de Saúde de Luanda e, ainda, pela ANGOMÉDICA
Antes do grande desenvolvimento da indústria farmacêutica, a farmácia de oficina era sóbria, virada, essencialmente, para o atendimento de utentes necessitados de assistência farmacêutica personalizada, bem direccionada, com conselhos e dispensa de medicamentos essenciais industriais, oficinais e magistrais. Depois, com o abrangente desenvolvimento industrial e o aparecimento de fábricas de média e de grande dimensão concorrentes, as preparações galénicas desapareceram das bancadas das farmácias de oficina, dando lugar, exclusivamente, aos produtos acabados industriais, muitos de qualidade questionável, que preenchem as prateleiras e gavetas cada vez mais sofisticadas. Com o advento dos anos 2000 e da forte propaganda farmacêutica, a farmácia comunitária tornou-se sedutora, exuberante, integrando, na sua actividade, artigos de puericultura de todo o tipo, cosméticos e de perfumaria, com um layout comercial atraente. Com todo este desenvolvimento, cresceu, e continua a crescer, a tendência pelo “numérico”, isto é, pelo interesse material, o lucro, infelizmente, muitas vezes, em prejuízo do utente. O foco no lucro, aos diferentes níveis da cadeia da actuação farmacêutica, da indústria farmacêutica à farmácia comunitária, despiu o profissional de farmácia, o técnico de saúde,
da humanização e empatia real que o deve caracterizar. Demasiadas vezes, a faceta comercial sobrepõe-se à sanitária. Entraram em jogo laços de interesses entre os profissionais de farmácia e a indústria farmacêutica ou os seus representantes. Não declarados, em certos casos, de prestação de serviços farmacêuticos, estes laços conduzem a conflitos de interesses que flirtam com a corrupção. A tendência pelo “número” influencia, muitas vezes, a opção pelo curso de farmácia. Para as profissões de saúde, já não se fala, praticamente, em vocação, que parece estar “fora de moda”. Esta situação conduz aos comportamentos pouco abonatórios de alguns profissionais de farmácia. Na farmácia comunitária, a tendência actual é “vender” e não “atender ou assistir”. O foco deve, então, ser posto na aprendizagem e no saber para dar, atender, prestar serviço e assistência farmacêutica de alto nível. A farmácia, hoje, beneficia de um leque maior de oportunidades que não existiam há anos. O jovem farmacêutico deve empenhar-se em continuar a estudar, a investigar, a especializar-se nos vários domínios de interesse farmacêutico, como a área hospitalar, de homologação e registo de medicamentos, de controlo de qualidade de medicamentos e materiais gastáveis, de toxicologia, de farmacovigilância, de legislação farmacêutica, entre tantas outras. O desafio para os jovens, hoje, é ocupar os espaços que lhes são destinados com consciência e saber fazer.
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ENTREVISTA
“O IMPACTO DA DOENÇA RENAL CRÓNICA EM ANGOLA CONFIGURA UM VERDADEIRO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA”
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Enf. Carla d’Oliveira Enfermeira. Coordenadora de formação em Hemodiálise - Grupo Acail. Coordenação/Gestão dos Centros de Hemodiálise
A 10 DE MARÇO, COMEMOROU-SE INTERNACIONALMENTE O DIA MUNDIAL DO RIM. A ENFERMEIRA CARLA D’ OLIVEIRA DÁ-NOS UMA PERSPECTIVA DA PROBLEMÁTICA DA DOENÇA RENAL EM ANGOLA.
E
m que consiste a hemodiálise? A hemodiálise é uma técnica depurativa que consiste na passagem do sangue no dialisador. Este contém uma membrana semipermeável e é através dela que se realizam as trocas de solutos e água do sangue. Os princípios físico-químicos subjacentes são a difusão, a ultrafiltração e a convecção. Existe um circuito extracorporal constituído por duas linhas (arterial e venosa), um dialisador (rim artificial) e, ainda, a solução dialisante. É no dialisador que acontecem as trocas mencionadas. O sangue do paciente é transportado até ao dialisador pela linha arterial, onde circula no interior das fibras que contêm pequenos poros que permitem a passagem das moléculas de baixo e médio peso molecular. As fibras do dialisador estão “mergulhadas” no líquido dialisante, que não entra em contacto com o sangue. Por processos de convecção e difusão, ocorrem as trocas entre o compartimento sanguíneo e o compartimento do dialisante, o que permite eliminar líquidos e substâncias tóxicas (ureia, creatinina, potássio, entre outras) do organismo. Após este processo, o sangue “regressa” ao paciente pela linha venosa. Este processo de depuração ocorre durante quatro horas. Um paciente em programa regular de hemodiálise necessita de realizar três sessões por semana, quatro horas por sessão. Para que este procedimento ocorra, é essencial garantir um acesso vascular eficaz, um monitor de hemodiálise, água permeada e um enfermeiro com treino nas técnicas substitutivas da função renal. Qual é o impacto da doença renal crónica no nosso país? O impacto da doença renal crónica em Angola configura um verdadeiro problema de saúde pública. Não existe uma estatística oficial relativa à doença
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renal, mas estima-se que existam, no país, cerca de dois mil pacientes dependentes de técnicas substitutivas da função renal, dos quais, cerca de 95% em hemodiálise. Em Angola, mais de 80% das terapias substitutivas da função renal, e com mais relevo a hemodiálise, são realizadas em Centros de Hemodiálise sob tutela do Ministério da Saúde de Angola. Os utentes reconhecem a importância destes tratamentos? Os utentes reconhecem a importância do tratamento. As equipas médicas, de enfermagem, de nutricionistas e de psicólogos têm realizado um trabalho excelente no que diz respeito à educação para saúde, com foco na adesão do regime terapêutico, direccionada não só aos utentes como aos cuidadores informais. Como responsável pela formação em hemodiálise, quais os principais desafios que enfrenta? O principal desafio, no que diz respeito à formação em hemodiálise, diria que tem sido aquilo que é a base. Há necessidade de se investir e uniformizar os cursos técnico-profissionais, nomeadamente, o Curso Médio de Enfermagem, para que os profissionais saiam das escolas mais capacitados. Esta carência na formação levou-nos a planear um curso de formação, na área de hemodiálise, que é constituído por 10 dias úteis de aulas teóricas com acções de formação, desde a anatomia até aos conceitos de supervisão e gestão de cuidados. Temos uma equipa de formadores de várias áreas, constituída por médicos
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nefrologistas, licenciados em enfermagem, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos. Investimos muito na formação prática, sendo que a integração destes profissionais, a nível clínico, decorre num período de quatro meses e os profissionais estagiários são acompanhados nas salas de hemodiálise por profissionais com experiência prática, seguindo um plano de gestão da prática clínica. Devo, ainda, reforçar que a formação em contexto de trabalho tem sido uma constante. Somos comprometidos com o cumprimento do nosso manual de normas e procedimentos em hemodiálise. Qual é a evolução do tratamento da doença renal crónica? A doença renal crónica é irreversível. Nos últimos anos, a evolução tem-se vindo a notar mais nas membranas do dialisador, que estão mais desenvolvidas e eficazes e permitem uma melhor depuração, o que se reflecte numa melhoria na qualidade de vida do paciente. Para além dos materiais utilizados para realizar o tratamento, é importante referir que a medicação é um óptimo aliado na gestão da doença renal crónica, nomeadamente, medicamentos que permitem a correcção da anemia, da doença mineral óssea, entre outras. Saliente-se que o doente renal crónico em Angola tem tido um tratamento semelhante ao que é feito noutra parte do mundo. Qual é a maior diferença e impacto na qualidade de vida do doente da evolução na administração de tratamento da doença renal crónica? Um doente bem dialisado, ou seja, que cumpre com a terapêutica, que não falte às sessões de hemodiálise e que cumpra com a dieta adaptada à doença renal crónica tem uma boa qualidade de vida. E devo acrescentar que o facto de termos centros de hemodiálise em muitas províncias é facilitador para o doente renal crónico em programa regular de hemodiálise, pois permite-lhe viajar, tendo a oportunidade de realizar o seu tratamento fora da sua área de residência.
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SAÚDE
ENTREVISTA ANÁLISE
CASOS DE MALÁRIA CONTINUAM A AUMENTAR EM TODO O MUNDO O PALUDISMO, OU MALÁRIA, É UMA DOENÇA QUE PODE SER FATAL, CAUSADA POR PARASITAS QUE SÃO TRANSMITIDOS AOS SERES HUMANOS PELA PICADA DE FÊMEAS INFECTADAS DO MOSQUITO DA ESPÉCIE ANOPHELES. É UMA DOENÇA EVITÁVEL E CURÁVEL. EM 2020, FORAM ESTIMADOS CERCA DE 241 MILHÕES DE CASOS DE MALÁRIA, EM TODO O MUNDO. O NÚMERO DE MORTES ASCENDEU A 627 MIL. A REGIÃO AFRICANA DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) CARREGA UMA PARTE DESPROPORCIONALMENTE ELEVADA DO FARDO GLOBAL DA DOENÇA. EM 2020, FOI RESPONSÁVEL POR 95% DOS CASOS DE MALÁRIA E 96% DAS MORTES PELA DOENÇA. DE TODAS AS MORTES POR PALUDISMO REGISTADAS NA REGIÃO, 80% REFERE-SE A CRIANÇAS COM MENOS DE CINCO ANOS, REVELA O MAIS RECENTE RELATÓRIO DA OMS SOBRE A MALÁRIA.
30 SAÚDE
O
paludismo é uma doença febril aguda causada por parasitas do género Plasmodium, que são transmitidos às pessoas pela picada de fêmeas infectadas do mosquito da espécie Anopheles. Existem cinco espécies de parasitas que causam a malária nos seres humanos, das quais as mais perigosas são duas: P. falciparum e P. vivax. O P. falciparum é o parasita da malária mais mortal e predominante no continente africano. Os primeiros sintomas (febre, dor de cabeça e calafrios), que geralmente aparecem 10 a 15 dias após a picada do mosquito, podem ser leves e, portanto, difíceis de reconhecer como indicativos da malária. Se não for tratada, a malária P. falciparum pode levar a um quadro clínico sério e causar a morte em 24 horas. De acordo com a OMS, em 2020, quase metade da população mundial estava em risco de contrair malária. Alguns grupos populacionais apresentam um risco significativamente maior de contrair a doença e de apresentar um quadro clínico sério: bebés, crianças com menos de cinco anos, grávidas e doentes com VIH/SIDA, bem como pessoas com baixa imunidade que se deslocam para áreas de intensa transmissão da malária, como trabalhadores migrantes, viajantes e populações itinerantes.
Morbilidade
De acordo com o último “Relatório Mundial sobre Malária”, houve 241 milhões de casos, em 2020, acima dos 227 milhões de 2019. Segundo as estimativas, a doença causou 627 mil mortes, em 2020, num aumento de 69 mil em relação ao ano anterior. Embora cerca de dois terços deste aumento (47 mil mortes) seja explicado por perturbações de serviço resultantes da pandemia de Covid-19, o restante terço (22 mil mortes) deve-se a uma mudança que a OMS introduziu, recentemente,
no seu método de cálculo da mortalidade por malária (independente das interrupções devido à Covid-19). O novo método de registo das causas de morte foi aplicado a 32 países da África Subsariana, onde cerca de 93% de todas as mortes por malária, em todo o mundo, estão concentradas. A aplicação deste método verificou que, todos os anos, desde 2000, a malária causou mais estragos do que anteriormente se pensava nas crianças africanas. A Região Africana da OMS continua a suportar uma parte desproporcionalmente elevada do fardo global da doença. Em 2020, foi responsável por 95% dos casos de malária e 96% das mortes. De todas as mortes por malária registadas na região, 80% referese a crianças com menos de cinco anos. Quatro países africanos foram responsáveis por pouco mais de metade de todas as mortes por malária em todo o mundo: Nigéria (31,9%), República Democrática do Congo (13,2%), República Unida da Tanzânia (4,1%) e Moçambique (3,8%).
Prevenção
Ao longo das últimas duas décadas, o acesso alargado a ferramentas e estratégias de prevenção da malária recomendadas pela OMS (incluindo procedimentos eficazes de controlo de vectores e a utilização de medicamentos antimaláricos preventivos) ajudou a reduzir o fardo global da doença. O controlo de vectores é um componente central das estratégias de controlo e eliminação da malária, uma vez que é altamente eficaz na prevenção da infecção e na redução da transmissão. As duas principais intervenções são o uso de redes mosquiteiras tratadas com insecticidas e a pulverização dos interiores com insecticidas residuais. Os progressos na luta global contra a malária estão agora em risco devido ao aparecimento de mosquitos Anopheles resistentes aos insecticidas. De acordo com o relatório, 78 países descreveram a presença de mosquitos resistentes a, pelo menos, uma das quatro classes de insecticidas geralmente utilizados, no período de 2010 a 2020. A resistência a todas as grandes classes de insecticidas foi relatada em 29 destes países.
Tratamentos quimioprofilácticos
O tratamento quimioprofiláctico é entendido como o uso de medicamentos, separadamente ou em combinação, para prevenir a infecção
31 SAÚDE
Impacto da Covid-19 Apesar de haver mais casos de malária e mortes em 2020, em resultado de distúrbios causados pela pandemia, conseguiu-se evitar pior. Os novos dados da OMS revelam que a pandemia desorganizou os serviços de controlo da malária e que isso, por sua vez, resultou num aumento acentuado do número de casos e mortes desta doença. A situação, no entanto, poderia ter sido muito pior, já que, de acordo com as projecções feitas nos primeiros dias da pandemia, assumindo uma profunda desorganização dos serviços, as mortes por malária na África Subsariana poderiam ter duplicado, em 2020. O vendaval da pandemia chegou numa altura em que a luta contra a malária estava estancada. Em 2017, já havia sinais de que os ganhos fenomenais alcançados desde 2000 (em particular, com uma redução de 27% na incidência global de casos e uma queda de quase 51% na taxa de mortalidade) estavam a abrandar. “Mesmo antes do golpe da pandemia de Covid-19, o progresso global na luta contra a malária tinha estabilizado”, disse o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, director geral da OMS. “Graças ao trabalho árduo das agências de saúde pública nos países afectados pela malária, os piores presságios sobre os efeitos da Covid-19 não foram cumpridos. Temos agora de investir essa mesma energia e vontade de ferro para reparar as devastações causadas pela pandemia e acelerar o ritmo do controlo da malária”. Apesar destas conquistas, em 2020, a Região Africana da OMS registou um aumento de 12% no número de mortes por malária, em comparação com os níveis do ano anterior, destacando as consequências de qualquer interrupção de serviços, ainda que ligeira, numa população em risco de doença. “Embora os países africanos tenham respondido colectivamente ao desafio e desmascarado as piores previsões sobre os efeitos colaterais da Covid-19, as consequências em cascata da pandemia ainda se traduzem em milhares de vidas ceifadas pela malária”, disse a Dra. Matshidiso Moeti, directora regional da OMS para África. “Os governos africanos e os seus parceiros devem redobrar os seus esforços para que não continuemos a perder terreno para esta doença evitável”. Desde 2015, ano emblemático da estratégia global da OMS para a malária, 24 países viram aumentar o número de mortes. Nos 11 países com maior carga de malária a nível mundial, o número de casos passou de 150 milhões, em 2015, para 163 milhões, em 2020, e o número de mortes por doença aumentou de 390 mil para 444 mil, no mesmo intervalo de tempo. Em 2020, os programas nacionais de controlo da malária distribuíram cerca de 48 milhões de tratamentos a menos do que no ano anterior. Além disso, dos 11 países com maior incidência no mundo, apenas a Índia progrediu contra a doença. Os outros 10 países, todos africanos, registaram um aumento no número de casos e mortes.
malária e as suas consequências. Inclui quimioprofilaxia, tratamento preventivo intermitente em grávidas e crianças lactentes, quimioprofilaxia antimalárica sazonal e administração em massa de medicamentos. Estas estratégias, que são seguras e económicas, destinam-se a complementar as actividades em curso de controlo da malária, incluindo medidas de controlo de vectores, diagnóstico rápido, em caso de suspeita de infecção, e tratamento de casos confirmados com medicamentos antimaláricos.
Vacina
Desde Outubro de 2021 que a OMS recomenda, ainda, a administração generalizada da vacina contra a malária RTS,S/AS01 às crianças que vivem em áreas com transmissão moderada a grave de malária P. falciparum. A vacina tem demonstrado reduzir significativamente a incidência da malária e a forma grave e fatal da doença em crianças pequenas.
Gestão de casos
O diagnóstico rápido e o tratamento da malária reduzem a incidência da doença, reduzem os seus efeitos mortais e ajudam a atenuar a sua transmissão. A OMS recomenda a confirmação do diagnóstico de todos os casos suspeitos, utilizando testes de diagnóstico parasitológico (seja a microscopia ou técnicas de diagnóstico rápido). Os testes de diagnóstico permitem que os prestadores de cuidados de saúde distingam rapidamente entre febres de origem malária e as que se devem a outras causas, o que facilita o tratamento adequado. O melhor tratamento actualmente existente, especialmente para a malária P. falciparum, é a politerapia com artemisina (TCA), cujo principal objectivo é conseguir uma eliminação rápida e completa dos parasitas plasmódicos da corrente sanguínea do paciente, para evitar que um caso descomplicado conduza a uma forma grave ou fatal da doença.
Resistência aos medicamentos
Desde há alguns anos a esta parte, a resistência aos fármacos antimaláricos tornou-se uma ameaça aos esforços globais de combate à doença, especialmente na subregião do Grande Mekong. Para informar as políticas de tratamento nos países endémicos da malária e para garantir a detecção e resposta precoces a toda a resistência aos medicamentos, é necessário um controlo sistemático da eficácia dos fármacos.
32 SAÚDE
Cumprimento de metas globais De acordo com o “Relatório Mundial sobre Malária”, os progressos realizados ficam muito aquém das metas intermédias, estabelecidas para 2020, na Estratégia Técnica Global da OMS. Em 2020, a taxa de incidência global foi de 59 casos por cada mil pessoas em risco, acima dos 35, num desvio de 40%. A taxa de mortalidade global foi de 15,3 mortes por cada 100 mil pessoas em risco, contra 8,9, num desvio de 42%. O trabalho da OMS sobre a malária insere-se na Estratégia Técnica Global contra a Malária 2016-2030, adoptada pela Assembleia da Saúde, em Maio de 2015, e actualizada em 2021 para integrar as lições aprendidas com a resposta global no período de 2016 a 2020. Apesar dos progressos consideráveis desde 2000, os objectivos intermédios de morbilidade e mortalidade estabelecidos para 2020 não foram cumpridos. À escala global, o progresso da luta contra a malária continua desigual. De acordo com o relatório, muitos países com um baixo fardo da doença estão a caminhar constantemente para o objectivo da eliminação da malária. Dois países – El Salvador e China – foram certificados sem malária, pela OMS, em 2021. No entanto, a maioria dos países com uma elevada incidência da doença sofreu recuos e está a perder terreno. A pandemia, que ainda não acabou, deixou os países confrontados com um prolongado triplo desafio: atenuar o impacto imediato na saúde da Covid-19, reduzir as perturbações noutros serviços essenciais de saúde, incluindo para a malária, e gerir a saúde das suas populações, à medida que perturbações económicas mais amplas afectam as sociedades. As lições aprendidas com a Covid-19, em 2020, devem continuar a informar os esforços para controlar e eliminar a malária.
Eliminação
A eliminação do paludismo é definida como a interrupção da transmissão local de uma determinada espécie de parasita da malária, numa determinada área geográfica, como resultado de actividades realizadas com essa intenção. São, então, necessárias medidas permanentes para evitar que a transmissão volte a enraizar-se. Em 2020, houve 26 países a reportar menos de 100 casos autóctones da doença, contra apenas seis em 2000. Os países onde não foram registados casos de malária indígena há, pelo menos, três anos consecutivos podem solicitar a certificação de eliminação da malária da OMS. Nas últimas duas décadas, o director geral da OMS certificou a ausência de malária em 11 países.
Vigilância
A vigilância da malária é o processo de recolha, análise e interpretação contínua e sistemática
dos dados da doença e, em seguida, a utilização destes dados para planear, implementar e avaliar medidas práticas de saúde pública. Uma melhor vigilância dos casos de malária e das mortes causadas pela doença ajuda as autoridades de saúde a determinar quais os territórios ou grupos populacionais mais afectados e permite que os países monitorizem, de perto, a evolução das características epidemiológicas da doença. Os fortes sistemas de vigilância da malária também ajudam os países a conceber intervenções sanitárias eficazes e a avaliar os resultados dos seus programas de controlo da malária.
Resposta da OMS
A Estratégia Técnica Global contra a Malária 2016-2030, actualizada em 2021, é um quadro técnico que visa todos os países endémicos e orientar e apoiar programas nacionais e regionais no seu trabalho sobre controlo e eliminação da malária. A estratégia estabelece uma série de objectivos globais ambiciosos, mas exequíveis, entre os quais, reduzir a incidência da malária e a mortalidade em, pelo menos, 90% e eliminar a doença em, pelo menos, 35 países, até 2030, assim como evitar que a malária reapareça em países onde tenha sido certificada a sua ausência. Guiado por esta estratégia, o Programa Global para a Malária coordena os esforços globais da OMS para combater e, em última análise, eliminar a doença ao estabelecer e divulgar normas, considerações, políticas, estratégias técnicas e orientações cientificamente sólidas e promover a sua adopção; manter um registo independente dos progressos, a nível global; desenvolver métodos de reforço das capacidades e monitorização dos sistemas, assim como identificar possíveis factores que ameaçam o controlo da malária e a eliminação da doença e identificar novas áreas de acção. PUB
33 SAÚDE
ENTREVISTA
“TEM HAVIDO ESFORÇOS SUBSTANCIAIS NO SENTIDO DE SE DIMINUIR O NÚMERO DE CASOS NOVOS E A PREVALÊNCIA DA MORTE MATERNA ASSOCIADA À MALÁRIA” ANGOLA É UM PAÍS ENDÉMICO, EM TERMOS DE MALÁRIA, E A SITUAÇÃO PREVALECENTE AINDA NÃO SE AFASTA MUITO DO QUE SE PASSA NA MAIOR PARTE DOS PAÍSES DA ÁFRICA SUBSARIANA. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) ESTABELECEU A META A ERRADICAÇÃO DA DOENÇA NO PAÍS ATÉ 2030. O PROFESSOR PAULO CAMPOS CONSIDERA QUE ESSE MOMENTO CHEGARÁ, DO MESMO MODO QUE ANGOLA JÁ O CONSEGUIU FAZER EM RELAÇÃO À POLIOMIELITE, DESTACANDO OS ESFORÇOS FEITOS NO SENTIDO DE DIMINUIR O NÚMERO DE CASOS NOVOS E A PREVALÊNCIA DA MORTE MATERNA. RECORDE-SE QUE A MULHER GRÁVIDA TEM MAIOR VULNERABILIDADE PARA A INFECÇÃO PELO PARASITA DA MALÁRIA, QUE TEM TAMBÉM IMPLICAÇÕES PARA OS BEBÉS.
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Prof. Paulo Campos Médico Gineco-Obstetra e docente de Ginecologia e Obstetrícia na Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto
A
mulher grávida tem maior vulnerabilidade para a infecção pelo parasita da malária e Angola é endémica para esta doença. Para além das implicações na mãe, a malária tem consequências para o feto. Quais são as principais complicações para o bebé? A pergunta é pertinente, mas complicada de responder, porque os fenómenos fisiopatológicos da malária na gravidez têm um intrincado processo
deletério para a mãe e para o feto. De qualquer maneira, é interessante realçar que as complicações para o bebé decorrem de um fenómeno sub-reptício, em que há sequestro de parasitas na placenta, levando a alterações profundas da sua integridade. Ora, isso promove a redução, mais ou menos acentuada, de nutrientes e do transporte de oxigénio da mãe para o feto, no espaço intervilositário. Esta redução, a não ser prontamente revertida com fármacos antimaláricos adequados, leva a resultados desagradáveis na gravidez, nomeadamente, o aborto espontâneo, a restrição de crescimento intrauterino, nados mortos, parto prematuro, baixo peso à nascença, infecção congénita e mortalidade neonatal. Obviamente, cabe aqui dizer que as manifestações e as consequências da malária na gravidez dependem da área epidemiológica e da paridade. Assim sendo, nas regiões de baixa transmissão, os níveis de imunidade adquirida são baixos e as consequências são de maior relevância, ao passo que nas regiões de alta transmissão, os níveis de imunidade adquirida são altos e os desfechos são de menor agressividade, dado que a paridade também confere alguma protecção contra os efeitos nocivos da malária placentária. O “gold standard” para o diagnóstico é a microscopia, através de gota espessa. Contudo, o diagnóstico definitivo só é possível através da histologia da placenta. Este tipo de diagnóstico é frequente? A abordagem para o diagnóstico da malária passa pela confirmação dos parasitas, sempre que houver suspeita clínica dessa infecção. A detecção é feita em esfregaços de sangue corados com Giemsa. A microscopia óptica é, portanto, a ferramentapadrão para o diagnóstico da malária, permite a identificação das espécies de Plasmodium, bem como a quantificação da parasitémia. No entanto, a microscopia não pode detectar, de forma confiável, uma parasitémia muito baixa (<5 a 10 parasitas/mcL). Durante a gravidez, pode acontecer uma situação paradoxal, isto é, haver malária e não ser detectável no sangue periférico. Acontece que os parasitas infectados podem estar sequestrados na placenta, como já referimos anteriormente. É uma situação intrigante e o exame histológico pode revelar a discrepância da existência de malária subclínica, que é não detectável pela microscopia óptica. Precisamente por esse exame ser realizado apenas depois do parto, não serve para a conduta imediata da grávida, nos países endémicos, onde o diagnóstico rápido se revela imprescindível para a tomada de decisão terapêutica adequada. Daí o facto do exame histológico, tanto quanto eu saiba, não servir senão para fins investigativos. Os achados histológicos da placenta infectada mostram o aumento dos glóbulos vermelhos parasitados e das células fagocíticas maternas, especialmente os monócitos,
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bem como os depósitos de hemozoína (pigmento malárico) nos leucócitos fagocitados, existentes nos espaços intervilositários. Nada mais confirmativo para o diagnóstico da infecção por malária do que o exame histológico, superando, até certo ponto, a Reacção da Cadeia da Polimerase (PCR), que é outro meio de diagnóstico também de elevado interesse científico. Segundo a OMS, cerca de 3,2 biliões de pessoas estão em risco de contrair malária. Em termos epidemiológicos, em que situação está Angola, no que diz respeito aos casos de malária na gravidez? Angola é um país endémico, com vários níveis de endemicidade, e a situação prevalecente ainda não se afasta muito do que se passa na maior parte dos países da África Subsariana. Mas, tanto quanto sei, tem havido esforços substanciais no sentido de se diminuir o número de casos novos e a prevalência da morte materna associada à malária. Em relação aos casos de registos de óbitos causados pela malária, houve uma redução, pois Angola passou de 15 mil óbitos, em 2016, para nove mil, em 2018.
De acordo com pronunciamentos do Ministério da Saúde de Angola, de Janeiro a Maio de 2021, houve um ligeiro incremento no número de casos novos de malária. A taxa de letalidade foi de 0,1. A anemia severa (≤7g dL)
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e a malnutrição foram consideradas complicações associadas à malária, provocando o maior número de mortes. É consenso que as principais medidas preconizadas para o controlo da malária, como, aliás, de outras doenças endémicas, passam pela eliminação dos focos criadores de mosquitos, através de acções enérgicas de saneamento ambiental e combate químico, através do uso de insecticida nas áreas infestadas, bem como pela sensibilização da população para a mudança de comportamentos ambientais, de forma a tratar as causas e não as consequências. Quais são as principais complicações para a mulher grávida? A infecção por malária, durante a gravidez, tem riscos graves, podendo levar à morte em poucas horas. Na mulher grávida, a malária, para além de causar anemia por destruição massiva dos glóbulos vermelhos, também compromete a formação das artérias espiraladas da placenta, levando à préeclâmpsia, que é outra causa frequente de morte. O sequestro placentário do parasita dificulta o diagnóstico precoce da infecção, o que coloca a mãe em risco aumentado de morte antes e após o parto. É oportuno dizer que os efeitos da malária na gravidez variam consoante a espécie em causa, estando relacionados com a habilidade dos glóbulos vermelhos parasitados aderirem e estarem sequestrados na placenta. Este fenómeno caracteriza mais o P. falciparum do que as restantes espécies (P. malariae, P. vivax e P. Knowlesi), sendo obviamente o mais mortal, o que mais deixa sequelas maternas e fetais. A apresentação clínica da malária em mulheres grávidas depende da endemicidade da região. Nas áreas holoendémicas (taxas de alta transmissão), a maior parte das infecções por malária pode cursar de forma assintomática, mas, ainda assim, a mãe está em risco de desenvolver alta parasitémia placentária e anemia, que podem levar a resultados adversos na gravidez. Para responder concretamente à pergunta, vou apenas mencionar algumas complicações relevantes que se juntam à anemia, como a hipoglicemia, que, de tão grave, dificilmente se distingue da malária severa, sobretudo pelas alterações neurológicas que a acompanham. A hipoglicemia ocorre em 58% das mulheres grávidas, comparativamente com 8% das mulheres adultas não grávidas. A anemia é uma complicação comum da malária na gravidez. Nos países de alta transmissão, 60% das mulheres que apresentam malária são anémicas. A anemia, em si, pode ser um dos poucos sinais
da doença. Estima-se que 5% a 10% das mulheres grávidas africanas tenham anemia severa (Hb<7 a 8 g/dL), sendo um quarto atribuído à malária. A infecção placentária também pode levar à restrição do crescimento intrauterino e o consequente baixo peso à nascença, restrição de crescimento infantil e maus resultados cognitivos, além de ser um importante factor de risco para a morbilidade perinatal e mortalidade neonatal e infantil. A anemia, por outro lado, aumenta a mortalidade perinatal, a morbilidade e mortalidade maternas, o risco de edema agudo do pulmão, o risco de hemorragia pós-parto e a necessidade de transfusão de sangue. A mortalidade materna é, por assim dizer, o corolário do insucesso do tratamento da malária na gravidez. Não gostaria de encerrar este tópico sem mencionar que as mulheres co-infectadas por VIH têm maior risco de adquirir malária placentária, alta densidade parasitária e doença clínica severa e, portanto, pior desfecho materno e fetal.
“A INFECÇÃO POR MALÁRIA, DURANTE A GRAVIDEZ, TEM RISCOS GRAVES, PODENDO LEVAR À MORTE EM POUCAS HORAS. NA MULHER GRÁVIDA, A MALÁRIA, PARA ALÉM DE CAUSAR ANEMIA POR DESTRUIÇÃO MASSIVA DOS GLÓBULOS VERMELHOS, TAMBÉM COMPROMETE A FORMAÇÃO DAS ARTÉRIAS ESPIRALADAS DA PLACENTA, LEVANDO À PRÉECLÂMPSIA, QUE É OUTRA CAUSA FREQUENTE DE MORTE”
Antes de falarmos em tratamentos, devíamos educar a população para a profilaxia, sendo um ponto-chave para a diminuição periférica e da placenta, evitando consequências nefastas para a mãe e para o feto. Concorda com a quimioprofilaxia, visto estarmos numa zona endémica? As mulheres grávidas são, particularmente, vulneráveis à infecção por Plasmodium falciparum, porque os glóbulos vermelhos infectados com o parasita podem estar sequestrados na placenta, como já tivemos ocasião de referir. Curiosamente, a malária pode ter um curso assintomático e, ainda assim, causar efeitos adversos à mãe e ao feto. Por outro
lado, se os fármacos antimaláricos não atingirem níveis terapêuticos adequados na placenta, os parasitas ali sequestrados podem ser libertados intermitentemente no sangue periférico e causar infecção materna recorrente. É por esta razão, e também para evitar as consequências nefastas para as mulheres e crianças de infecções por malária, que a OMS recomenda, em combinação com o controlo de vectores, diagnóstico imediato, tratamento eficaz da malária e o uso de redes mosquiteiras tratadas, o uso do Tratamento Intermitente Preventivo (TIP) com Sulfadoxina/ Pirimetamina (SP) como parte dos cuidados pré-natais em áreas de alta transmissão na África Subsariana. Os resultados têm sido eficazes, embora comecem a surgir evidências de casos de resistência à SP, estando em curso estudos para a introdução de outro fármaco alternativo. Na sua opinião, quando é que Angola conseguirá erradicar a malária? Não tenho, ainda, uma opinião formada sobre a erradicação da malária em Angola, mas tenho informações dos esforços que estão a ser implementados nesse sentido. Há países africanos que já estão em fase adiantada e creio que o nosso momento chegará, em devido tempo, como já é uma realidade com a poliomielite. Angola está enquadrada na Região da SADC, como país de segunda linha, onde a OMS definiu metas, entre as quais, a eliminação da malária até 2030. Com base nisso, foi estabelecida uma estratégia que tem sido implementada através de várias acções nas fronteiras conjuntas entre Angola e a Namíbia. Segundo responsáveis e especialistas do Ministério da Saúde, as componentes operacionais estão a surtir os seus efeitos, na medida em que estão a ser desenvolvidas várias acções concertadas, o que tem permitido a redução de óbitos. As áreas de maior inquietação estão já identificadas e o Ministério da Saúde está a fazer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo todos os ministérios, cujas determinantes sociais estão relacionadas com a doença e as mortes, para que se esteja no caminho certo rumo à sua eliminação. Gostaria de subscrever a afirmação do responsável pelo combate à malária na OMS, Dr. Pedro Alonso: “conseguir erradicar a malária deve-se, principalmente, à vontade política de acabar com a doença, num país onde é endémica”. Daí a OMS pedir que os países e parceiros globais de saúde “intensifiquem a luta contra a malária, uma doença evitável e tratável, que continua a causar centenas de milhares de mortes a cada ano”.
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ENTREVISTA
“O KASSAI CONFIGURA-SE COMO UMA FERRAMENTA ADOPTADA PELO MINSA PARA FORTALECER O PROCESSO DE ACTUALIZAÇÃO DOS SEUS TÉCNICOS”
O DR. JOSÉ FRANCO MARTINS, COORDENADOR DO PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLO DA MALÁRIA, ABORDA O CONTRIBUTO QUE A PLATAFORMA KASSAI TEM DADO PARA A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM ANGOLA, NOMEADAMENTE, NA ÁREA DA MALÁRIA, PRINCIPAL CAUSA DE MORBI-MORTALIDADE EM ANGOLA. A ADESÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NA ÁREA DA MALÁRIA AO KASSAI É INEGÁVEL, COM MAIS 5.356 CURSOS CONCLUÍDOS COM NOTA DE APROVAÇÃO ACIMA DOS 80%. ATÉ AO FINAL DE MARÇO, O KASSAI CONTAVA COM 3.768 PROFISSIONAIS DE SAÚDE INSCRITOS EM, PELO MENOS, UM DOS CURSOS DISPONÍVEIS NA ÁREA DA MALÁRIA.
38 SAÚDE
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NO SEU COMPUTADOR OU TELEFONE DIGITAL/TABLET, E SIGA AS INSTRUÇÕES. O ACESSO É GRATUITO
para a importância da adopção das medidas preventivas, nomeadamente, dormir sempre debaixo do mosquiteiro e a prevenção da malária na gravidez. É isso que fazemos com a nossa campanha Zero Malária Começa Comigo que, desde 2020, chega diariamente às populações com as mensagens-chave de prevenção da malária.
Dr. José Franco Martins Médico especialista em Gestão Hospitalar e de Serviços de Saúde. Doutorando em Saúde Pública. Coordenador do Programa Nacional de Controlo da Malária. Direcção Nacional de Saúde Pública, MINSA/Angola
A
malária constitui um enorme problema de saúde pública e, à escala mundial, é a principal causa de morbilidade e mortalidade em muitos países, Angola incluída. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, no “World Malaria Report”, em 2020, estimaram-se 241 milhões de casos de malária e 627 mil mortes devido a esta doença. Em termos de epidemiologia, como é que enquadramos o nosso país? Epidemiologicamente, o nosso país encontra-se dentro do grupo de 10 países com mais casos de malária. Na sua opinião, como é que está a evoluir o progresso da erradicação da malária? Quão longe está o mundo de cumprir as metas globais para acabar com esta doença? Na minha opinião, os progressos para o controlo e eliminação para os países que ainda não foram certificados como países livres da malária tendem a ser cada vez mais difíceis. Sobretudo agora, com o advento da pandemia de Covid-19, vários ganhos foram perdidos e o duplo fardo malária e Covid-19 precipitou a dispersão de financiamento. Como é que a nossa população encara esta problemática? A população encara a malária como um problema de saúde pública, sendo a primeira causa de doença e morte. É preciso continuarmos a sensibilizar a comunidade
Foi em 2020 que, com o financiamento do Governo dos Estados Unidos da América, através da USAID e PMI, a PSI Angola, em parceria com a Appy People, trabalhou com o Ministério da Saúde para desenvolver a plataforma Kassai, uma plataforma inovadora de ensino digital, que se propõe a contribuir para formação dos profissionais de saúde na linha da frente. Em Agosto de 2021, durante o evento oficial de lançamento nacional, a plataforma Kassai foi reconhecida pelo Ministério da Saúde e indicada para uso, a nível nacional, como parte da formação contínua dos profissionais de saúde. O Kassai tem um investimento aprofundado na área da malária, contando já com cinco cursos nesta área e 5.725 profissionais de saúde inscritos e a realizarem a sua formação através desta plataforma. Recentemente, expandiu-se, ainda, para as áreas da saúde reprodutiva/ planeamento familiar, saúde materno-infantil e Covid-19. Como é que os directores clínicos olham para o Kassai, enquanto uma mais-valia na formação médica contínua das suas equipas?
Os directores clínicos olham com bastante entusiasmo, pois trata-se de uma plataforma de formação contínua, que vem fortalecer os núcleos institucionais de formação e, em última instância, contribuir para o incremento da qualidade dos serviços prestados. Que cursos gostaria de ver no Kassai e para que áreas faz mais sentido a plataforma se expandir? Outros cursos que julgo pertinente agregar seriam a componente de laboratório, logística, monitorização e avaliação e entomologia. Faz sentido que a plataforma se expanda para saúde reprodutiva e, talvez, para uma componente de medicina interna, focalizando para as doenças que façam diagnóstico diferencial com a malária. Na sua opinião, o sector privado, através da responsabilidade social, poderá contribuir para a expansão do Kassai e financiamento de novos cursos? Com uma boa advocacia, pensamos que sim, que o sector privado, à semelhança do que tem feito com outras iniciativas, possa também dar o seu contributo para este projecto. Qual tem sido a experiência no Kassai e na forma como este se alinha com as prioridades do MINSA? A plataforma tem sido uma ferramenta oportuna, em função do contexto que se vive, em que não se podem congregar muitos formandos na mesma sala de aulas. Esta solução permitiu, no tempo do formando e no local onde estiver, poder aceder ao curso. Configura-se como uma ferramenta adoptada pelo MINSA para fortalecer o processo de actualização dos seus técnicos.
Profissionais de saúde certificadas pelo Kassai, no Hospital do Catapa, província Uíge, a 19 de Março de 2022
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ENTREVISTA ANÁLISE
PRODUTOS RELACIONADOS COM A MALÁRIA
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COMO É DE CONHECIMENTO COMUM, A MALÁRIA É UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTALIDADE EM ANGOLA. O COMBATE À MALÁRIA É UMA PRIORIDADE NACIONAL E VÁRIOS PROGRAMAS TÊM SIDO IMPLEMENTADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE E OUTROS PARCEIROS PARA REDUZIR A TAXA DE MORTALIDADE E MORBILIDADE DESTA DOENÇA. NESTE ARTIGO, IREMOS FAZER UMA BREVE ANÁLISE DOS PRODUTOS RELACIONADOS COM O TRATAMENTO DA MALÁRIA MAIS PROCURADOS NAS FARMÁCIAS. Produtos relacionados com a malária Como é de conhecimento comum, a malária é uma das principais causas de mortalidade em Angola. O combate à malária é uma prioridade nacional e vários programas têm sido implementados pelo Ministério da Saúde e outros parceiros para reduzir a taxa de mortalidade e morbilidade desta doença.
Deuma umbreve modo geral, os dados com o tratamento da Neste artigo, iremos fazer análise dosdividimos produtos relacionados apresentados em duas grandes famílias: produtos malária mais procurados nas farmácias. associados ao tratamento da malária e produtos associados à prevenção.
De um modo geral, dividimos os dados apresentados abaixo em duas grandes famílias: • •
Produtos associados ao tratamento da malária Produtos associados à prevenção da malária Tratamento
Analisando numa vertente de volume de vendas, o Coartem continua a ser o produto com maior peso Tratamento da malária para as farmácias, com cerca de 53% do volume dedevendas devendas, produtos de tratamento da omalária. Analisando numa vertente volume de o coartem continua a ser produto com maior É seguido apenas 15,82%,deetratamento da peso para as farmácias, com cerca de do 53%Fluminoc, do volume com de vendas de produtos do Co-artesiane, com cerca de 11%. Oscom restantes malária. Seguido do Fluminoc com apenas 15,82% e do co-artesiane cerca de 11%. Os restantes produtos fazemprodutos apenas 19,46% doapenas total de volume vendas fazem 19,46%dedo totaldas defarmácias. volume de vendas das farmácias.
Olhando para os dados de 2021, verificamos um aumento considerável (cerca de 80%) do Olhando para os dados de 2021, verificámos um aumento considerável (cerca de 80%) número de unidades vendidas nas farmácias, número de unidades vendidas nas farmácias durante o mês de Maio. O mês de Maio é també durante o mês de Maio. Maio é também um dos meses com mais casos suspeitos e confirmados de malária, a nível nacional. Sendo um dos meses com(Março, mais casos período que sucede à época chuvosa Abril), ésuspeitos um mês bastante sensível para casos e confirmados deprontas malária, a nível malária. As farmácias devem estar durante estenacional. período para poderem dar resposta solicitações dosSendo clientesoneste período. período que sucede à época chuvosa (Março e Abril), é um mês bastante sensível para casos de malária. As farmácias devem Prevenção estar prontas, durante este período, para poderem dar resposta às solicitações dosdos produtos procurados e A nível de prevenção, os repelentes representam cerca de 87% neste período. comprados nasclientes farmácias. Os restantes 13% incluem maioritariamente mosquiteiros.
Prevenção
A nível de prevenção, os repelentes Analisando numa vertente de número de unidades representam cerca de 87% dos produtos vendidas, a distribuição é bastante procurados e comprados nas farmácias. Os Analisando numa vertente de número de unidades vendidas, semelhante, a distribuição é bastante com ao assumir Coartem a assumir quase metade dos associados semelhante, com o Coartem quase metade dos produtos vendidos ao restantes 13% incluem maioritariamente tratamento da malária. Neste cenário, o Coartemassociados tem 47,94% do de unidades produtos vendidos aonúmero tratamento da vendidas, mosquiteiros. seguido pelo Fluminoc com 15,26%Neste e por cenário, último pelo Co-artesiane, 12,4%. Os restantes malária. o Coartem temcom 47,94% produtos fazer cerca de 24,40%, a nível de unidades vendidas. do número de unidades vendidas, seguido pelo Fluminoc, com 15,26%, e, por último, pelo Coartesiane, com 12,4%. Os restantes produtos fazem cerca de 24,4%, a nível de unidades vendidas.
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PERSPECTIVA
MALÁRIA E SAÚDE OCULAR A MALÁRIA, TAL COMO OUTRAS DOENÇAS, PODE TAMBÉM AFECTAR GRAVEMENTE OS NOSSOS OLHOS E, CONSEQUENTEMENTE, A NOSSA SAÚDE OCULAR. E, PARA ALÉM DAS ALTERAÇÕES DECORRIDAS DA DOENÇA, TEM TAMBÉM DE SE CONSIDERAR E AVALIAR TODAS AS COMPLICAÇÕES QUE PODEM SURGIR COMO CONSEQUÊNCIA DOS PRÓPRIOS TRATAMENTOS.
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uma visão vital sobre os motivos porque a infecção por malária no cérebro é tão mortal. Isto porque os tecidos retinais e cerebrais são embriológicos da mesma origem e, portanto, partilham semelhanças estruturais e funcionais.
Complicações nos anexos oculares
Nas pestanas podem ocorrer: • Lagoftalmos; • Ectrópio paralítico; • Retracção das pestanas; • Fraco mecanismo de pestanejo. Todas estas complicações são sinais de paralisia do nervo facial, que pode ser uma das complicações da malária. A referida patogénese ainda não está totalmente compreendida. Dr. Djalme Fonseca Licenciado em Optometria e Ciências da Visão pela Universidade do Minho, Portugal. Pósgraduado em Avaliação Optométrica Pré e Pós Cirúrgica pela Universidade de Valência, Espanha. Founder & CEO da Óptica Optioptika
A
malária é, provavelmente, uma das doenças mais antigas da humanidade, que tem afectado o desenvolvimento social, económico e mental. A história da malária é tão antiga quanto a da civilização. A malária está ligada a vapores venenosos de pântanos ou água estagnada no chão, desde tempos imemoriais. O termo malária foi usado pelos italianos para descrever a causa das febres intermitentes associadas à exposição ao ar pantanoso ou miasma. A malária é uma doença infecciosa transmitida por vectores, causada por parasitas protozoários. É difundida em regiões tropicais e subtropicais, incluindo partes da América, Ásia e África. Apesar dos esforços intensivos, ao longo do último século, para entender e controlar a malária, até hoje, continua a ser a maior causa de debilidade e mortalidade no mundo. A malária, tal como outras doenças, pode também afectar gravemente os nossos olhos e, consequentemente, a nossa saúde ocular.
Efeitos oculares da malária
Muitos pacientes com malária descomplicada não têm anormalidades intra-oculares significativas. No entanto, pacientes com malária podem desenvolver edema e hiperemia das pálpebras, quimose da conjuntiva e uveíte anterior. O cenário com malária complicada é, porém, diferente. O olho age “como uma janela para o cérebro”, pelo que olhar para a retina de pacientes com malária cerebral pode fornecer
Na conjuntiva podemos observar palidez, que é, também, um sinal de anemia.
Complicações do segmento anterior
• A nível da esclera, podemos encontrar icterícia. A icterícia é uma das anormalidades oculares que encontramos como resultado da malária; • Paralisias dos nervos craniais; • Paralisia do nervo facial; • Neurite óptica retrobulbar; • Neuralgia trigeminal.
Manifestações neuro-oftálmicas
As manifestações neuro-oftálmicas ocorrem, principalmente, num paciente com malária cerebral e devem-se à anemia, oclusão vascular, inflamação e aumento da pressão intracraniana. Como resultado, os pacientes podem desenvolver uma variedade de distúrbios sensoriais visuais, durante o decurso da doença, tais como defeitos visuais de campo, cegueira cortical, neurite óptica, papiledema e atrofia óptica. O papiledema é causado pelo aumento da pressão intracraniana, que, em pacientes com malária cerebral, tem sido colocada a hipótese de resultar do aumento do volume sanguíneo intravascular decorrente da presença de biomassa sequestrada. A cegueira cortical é uma sequela neurológica da malária cerebral e, por ser reversível, a sua patogénese tem sido atribuída à isquemia transitória. Ocasionalmente, os pacientes desenvolvem infartos do tronco cerebral e estes podem produzir distúrbios de motilidade ocular, relacionados com a localização e extensão do infarto. Os sinais comuns incluem alterações no tamanho e reacção pupilar, distúrbios do olhar conjugado e movimentos oculares. A ausência de reflexo corneal e oculocefálico está associada ao aumento da mortalidade.
Manifestações na retina
A retinopatia por malária é caracterizada pelo aclaramento da retina, alterações nos vasos ou hemorragias. O aclaramento consiste em áreas irregulares, que podem ser localizadas ou difundidas em todos os
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segmentos da retina. A cor da porção afectada da retina varia entre a palidez subtil a branca densa. O padrão de aclaramento da retina é distinto na sua distribuição, afectando tanto a mácula central (poupando a foveola) quanto a retina periférica, embora possa ocorrer independentemente um do outro. O aclaramento da retina é semelhante na aparência observada em manchas na oclusão (CRVO), mas tem uma distribuição diferente. As mudanças de vasos manifestam-se como descoloração (branca ou laranja) e ocorrem, principalmente, no fundo periférico. Secções discretas de vasos ou árvores periféricas podem estar envolvidas, assim como vasos maiores e capilares com características diferentes. Essa descoloração ocorre devido à ausência de hemoglobina em eritrócitos parasitas, que são sequestrados dentro da vasculatura da retina e não podem reflectir a normal cor vermelha. Mudanças em vasos maiores são comummente segmentais, afectando comprimentos variáveis de artérias e veias dispersas, mas o aclaramento capilar pode afectar grande parte do fundo ocular. Embora as hemorragias na retina possam ocorrer noutras condições que causam coma, na malária (particularmente, quando centrada em branco), são altamente sugestivas de um diagnóstico de malária cerebral. Tem-se observado também que o número de hemorragias na retina se correlaciona com o número de hemorragias cerebrais em pacientes que morrem de malária cerebral.
Perda súbita de visão
As possíveis causas de perda de visão súbita na malária incluem: • Hemorragia vítrea; • Cegueira cortical. Convulsões, que podem ocorrer em malária severa, quer pela febre, quer pela encefalopatia, podem resultar em cegueira cortical. Para além das alterações decorridas da doença da malária, temos também de considerar e avaliar todas as complicações oculares que podem surgir como consequência dos próprios tratamentos.
MUITOS PACIENTES COM MALÁRIA DESCOMPLICADA NÃO TÊM ANORMALIDADES INTRA-OCULARES SIGNIFICATIVAS. NO ENTANTO, OS PACIENTES COM MALÁRIA PODEM DESENVOLVER EDEMA E HIPEREMIA DAS PÁLPEBRAS, QUIMOSE DA CONJUNTIVA E UVEÍTE ANTERIOR. O CENÁRIO DA MALÁRIA COMPLICADA É, PORÉM, DIFERENTE. O OLHO AGE “COMO UMA JANELA PARA O CÉREBRO”, PELO QUE OLHAR PARA A RETINA PODE FORNECER UMA VISÃO VITAL SOBRE OS MOTIVOS PORQUE A INFECÇÃO POR MALÁRIA NO CÉREBRO É TÃO MORTAL
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Mais especificamente, a cloroquina e a hidroxicloroquina podem provocar graves alterações nas estruturas oculares. A cloroquina tem uma afinidade para estruturas pigmentadas (por conter melanina), o que pode explicar as suas propriedades tóxicas para o olho. A nível da córnea, por exemplo, podem encontrar-se depósitos corneais, limitados ao epitélio basal, que são vistos como pequenos pontos brancos que se tornam amarelos e, posteriormente, um castanhodourado, com o uso contínuo da medicação. A própria sensação corneal diminui em cerca de 50% em pacientes que tomam cloroquina. A nível do cristalino, a cloroquina, e não a hidroxicloroquina, pode provocar uma opacidade subcapsular posterior branca. A nível do corpo ciliar, a cloroquina, e não a hidroxicloroquina, pode provocar uma diminuição na capacidade de realizar o processo de acomodação. Muitas das alterações mais profundas podem ocorrer a nível da retina. O fundo pode aparecer totalmente normal, mesmo depois dos escotomas se desenvolverem. Mudanças iniciais incluem irregularidade na pigmentação macular e alteração do reflexo foveal (posteriormente reversível). Uma avaliação com o filtro vermelho pode ajudar a detectar estas alterações. Mais tarde, a pigmentação irregular central pode ser cercada por uma zona concêntrica de hipopigmentação, usualmente oval e mais proeminente na parte inferior da fóvea. Esta condição é normalmente bilateral, contudo, pode ser assimétrica, de forma frequente. Se o tratamento não for interrompido e a toxicidade progredir, pode aparecer uma maculopatia. Quanto maior a exposição a quinolonas, maiores as alterações pigmentares. As fases finais de retinopatia apresentam pigmentação irregular periférica, atenuação vascular e palidez do nervo óptico. Por vezes, isto pode ser confundido com retinite pigmentar. Através desta análise sobre a malária, podemos observar como todo o nosso corpo funciona como um só. Daí a necessidade de, cada vez mais, os profissionais de saúde terem o maior conhecimento possível sobre todas as valências que podem afectar o seu quotidiano na avaliação dos pacientes. Temos, inclusivamente, de estar muito atentos aos efeitos secundários que os tratamentos (especialmente a nível medicamentoso) podem provocar nos pacientes. Os cuidados oftalmológicos, em particular, devem ser prestados de forma criteriosa, objectiva e urgente, sempre que necessário. O caminho para o sucesso continua a ser a especialização na sua área de actuação. Todos os profissionais, em particular os de saúde ocular, nunca devem deixem de estudar e de se actualizar, sempre que possível.
NOTÍCIA
OMS RECOMENDA VACINA INOVADORA CONTRA A MALÁRIA PARA CRIANÇAS EM RISCO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), COM BASE NOS RESULTADOS DE UM PROGRAMAPILOTO EM CURSO, ATRAVÉS DO QUAL FORAM VACINADAS MAIS DE 800 MIL CRIANÇAS NO GANA, QUÉNIA E MALAWI, DESDE 2019, RECOMENDA A ADMINISTRAÇÃO GENERALIZADA DA VACINA CONTRA A MALÁRIA RTS/AS01 (VACINA RTS,S) A CRIANÇAS NA ÁFRICA SUBSARIANA E NOUTRAS REGIÕES ONDE A TRANSMISSÃO DO PLASMODIUM FALCIPARUM É MODERADA OU ELEVADA.
O
Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, director geral da OMS, disse que “este é um momento histórico. A tão aguardada vacina contra a malária infantil representa um enorme salto para a ciência, para a saúde das crianças e para a luta contra esta doença. Ao adicioná-la às ferramentas já disponíveis para prevenir a malária, poderemos salvar a vida de dezenas de milhares de crianças, todos os anos”. A malária continua a ser a principal causa de doenças infantis e de morte na África Subsariana, matando mais de 260 mil crianças africanas, com menos de cinco anos, por ano. Nos últimos anos, a OMS e os seus parceiros
têm vindo a relatar que houve uma estagnação na luta contra esta doença. A Dra. Matshidiso Moeti, directora do Gabinete Regional da OMS para África, afirmou que, “durante décadas, a malária atingiu a África Subsariana, causando um enorme sofrimento às pessoas. Há muito que esperamos uma vacina eficaz contra a malária e, pela primeira vez, recomenda-se o seu uso generalizado. A recomendação instila um vislumbre de esperança no continente mais afectado pela doença e esperamos proteger muitas mais crianças da malária, que poderão crescer saudáveis até à idade adulta”. Com base na opinião de dois dos seus órgãos consultivos globais, um sobre a imunização e outro sobre a malária, no contexto de um controlo abrangente do paludismo, a OMS recomenda a administração da vacina RTS/AS01 para prevenir a malária P. falciparum em crianças em regiões onde a transmissão é moderada ou alta. A vacina deverá ser administrada com um regime de quatro doses a crianças com cinco meses de idade ou mais, para reduzir a doença e o fardo da morbilidade e mortalidade por malária.
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TEMA DE CAPA NOTÍCIA
SONS DOS RITUAIS DE ACASALAMENTO DOS MOSQUITOS PODEM AJUDAR A COMBATER A MALÁRIA
EM 2020, A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) ESTIMOU QUE QUASE METADE DA POPULAÇÃO MUNDIAL ESTAVA EM RISCO DE CONTRAIR MALÁRIA E QUE CERCA DE 627 MIL PESSOAS TINHAM MORRIDO DA DOENÇA. RECENTEMENTE, UMA INVESTIGAÇÃO DESCOBRIU DADOS SOBRE OS SONS DOS RITUAIS DE ACASALAMENTO DOS MOSQUITOS, QUE PODEM AJUDAR A COMBATER ESTA QUE É APENAS UMA DAS VÁRIAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ESTES INSECTOS.
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A
reprodução dos mosquitos depende crucialmente do sentido de audição. O ritual de acasalamento envolve um macho que identifica e persegue uma fêmea voadora, ao detectar o seu tom de voo. Se o macho não conseguir ouvir a fêmea correctamente, a perseguição falha e não acasalam. Ora, uma investigação, cujos resultados foram recentemente publicados na revista Science Advances, procurou estudar o comportamento dos mosquitos da espécie Anopheles gambiae, causadores da malária, para entender mais sobre o modo como os machos escutam as fêmeas, já que os ouvidos de ambos são quase surdos aos sons de voo um do outro, cujas frequências são altas demais para serem audíveis. Para se ouvirem, então, os mosquitos usam um truque da física.
Investigação
Os investigadores gravaram as batidas de asas dos mosquitos em incubadoras equipadas com microfones altamente sensíveis, onde procuraram emular as condições do seu habitat natural, ao nível da iluminação, do controlo de temperatura e humidade. A frequência das batidas das asas dos mosquitos foi medida ao longo de vários dias e em diferentes momentos do dia. Os investigadores descobriram, então, que os mosquitos machos alteravam os seus tons de voo diariamente. Ao baterem as asas cerca de 1,5 vezes mais rápido do que as fêmeas, optimizam a capacidade de detectar uma única fêmea num conjunto de vários mosquitos.
A investigação concluiu, assim, que um mosquito macho precisa de voar para ouvir uma fêmea a voar e que o seu próprio tom de voo precisa de estar dentro de uma faixa de frequência específica, para gerar produtos de distorção audíveis com uma determinada fêmea. Os cientistas descobriram também que os machos batem as asas mais rápido ao entardecer. Sabe-se já que os mosquitos machos da espécie Anopheles gambiae voam predominantemente ao entardecer, quando formam grupos de acasalamento, geralmente, de mil mosquitos ou mais. Estes grupos são esporadicamente visitados por algumas fêmeas virgens.
Resultados
A equipa de investigadores começou já a replicar experiências semelhantes fora do laboratório, especificamente entre grupos de mosquitos no seu habitat natural na Tanzânia, de modo a validar os resultados. Ainda assim, estas descobertas abrem novos caminhos para pesquisas sobre o sistema auditivo único dos mosquitos e o seu comportamento, de forma mais ampla, e podem contribuir para os esforços de controlo destas populações. Como parte dos programas de controlo de vectores, machos mutantes serão soltos na natureza para reduzir as populações locais de mosquitos. Os mosquitos machos mutantes são geneticamente modificados para que, quando acasalam, as crias não sejam viáveis e morram. Os resultados sugerem que, para criar um programa de sucesso, pode ser importante avaliar as distribuições de tons de voo masculinos e femininos, juntamente com as faixas de audição masculinas, antes de libertar os mosquitos mutantes.
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PERSPECTIVA
SÍNDROME NEUROLÓGICA PÓS-MALÁRIA RELATO DE CASO
Dra. Marisa Sousa Licenciada em Medicina/Clínica Geral pela UAN (Universidade Agostinho Neto – Angola). Especialista em Medicina Física e Reabilitação/Fisiatria pela USP (Universidade de São Paulo – Brasil). Especialista em Terapia da Dor e Acupuntura pela USP – Brasil. Membro do Colégio de Especialidade de Medicina Física e Reabilitação. Membro do grupo de treinamento da OMS em Serviços para Cadeira de Rodas pela USP – Rede Lucy Montoro – Brasil. Pósgraduada em Medicina do Trabalho pela faculdade BWS São Paulo - Brasil fisiatra.marisa@gmail.com
A MALÁRIA ATINGE 300 MILHÕES A 500 MILHÕES DE INDIVÍDUOS EM TODO O MUNDO, SENDO RESPONSÁVEL, SÓ EM ÁFRICA, POR MAIS DE UM MILHÃO DE MORTES POR ANO (1). NO CONTEXTO DE MALÁRIA NA FASE AGUDA, PODEM OCORRER VÁRIAS COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS, SENDO A SUA PRESENÇA ASSOCIADA, HABITUALMENTE, A UM PIOR PROGNÓSTICO. A COMPLICAÇÃO MAIS COMUM E MAIS GRAVE RESULTA DO ENVOLVIMENTO CEREBRAL PELO PLASMODIUM FALCIPARUM (2). MESMO COM O TRATAMENTO ADEQUADO, A MALÁRIA CEREBRAL É FATAL, EM 15% A 20% DOS CASOS, E CERCA DE 10% DOS DOENTES FICA COM SEQUELAS NEUROLÓGICAS (3). EM ALGUNS CASOS DE MALÁRIA COM DISFUNÇÃO MÚLTIPLA DE ÓRGÃOS, PRINCIPALMENTE COM ATINGIMENTO CEREBRAL, FORAM DESCRITAS VÁRIAS MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS CLASSIFICADAS COMO SÍNDROME NEUROLÓGICA PÓS-MALÁRIA (SNPM).
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A
SNPM é traduzida em anomalias auto-limitadas do sistema nervoso, que ocorrem num período de até dois meses após a recuperação da malária (4,5). A expressão clínica da SNPM é muito variável, distinguindo-se dois subtipos predominantes: 1) Forma ligeira e localizada, caracterizada por ataxia cerebelosa isolada ou tremor postural; 2) Encefalopatia difusa, manifestada por síndrome confusional, convulsões, afasia, mioclonias e ataxia cerebelosa (6). Esta complicação rara também é descrita como síndrome neurológica aguda pós-malária (SNAPM) ou ataxia cerebelosa pós-malária (ACPM). Tem uma provável causa imunológica, mas também se fala em insuficiência circulatória local e em desordens metabólicas celulares. Na generalidade, segue um curso favorável (7).
Objectivo
O objectivo deste relato é relatar o caso clínico de um paciente que esteve internado numa das unidades hospitalares do nosso país, descrevendo as sequelas neurológicas da malária com disfunção multiorgânica apresentadas
pelo paciente, a sua evolução e tratamento reabilitador realizado.
Materiais e métodos
Foi efectuada a recolha de dados no processo clínico do paciente, durante o internamento, nas consultas externas de fisiatria e durante as sessões de fisioterapia.
Resultados
Paciente LDLJ, sexo masculino, 25 anos, estudante. Referia antecedentes de malária. Esteve internado num centro médico, durante cerca de sete dias, em tratamento com Quinino “sic”, alta melhorado. No dia 8 de Maio de 2016, acorreu novamente ao mesmo centro médico com dor abdominal moderada, com períodos de exacerbação, motivo pelo qual foi transferido para uma clínica. No BU referiu também cãibras generalizadas mais evidentes nos membros superiores, dor abdominal e fraqueza generalizada. Exame físico: bom estado geral, normocorado, hidratado, escleróticas subictéricas. Ausculta cardíaca e pulmonar: sem alterações de realce. Abdómen: dor abdominal difusa, hepatomegalia de cerca de dois centímetros, sem sinais de irritação peritoneal, ruídos hidroaéreos presentes. Sistema nervoso central: consciente, orientado, co-
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laborante, pupilas isocóricas e fotoreactivas, sem sinais meníngeos, Glasgow 15. Membros superiores e inferiores: sem sinais de edema, pulsos presentes. Exames laboratoriais: teste rápido de malária negativo, gota espessa desde a entrada até à alta do primeiro internamento negativa. TGP 109,8; Creatinina (5,5 mg/dL) e Hemoglobina (8 g/dl), Ecografia do aparelho urinário: camada córtico-medular com ecogenicidade aumentada de forma difusa e espessura normal bilateralmente. Sinais de nefropatia parenquimatosa. Ionograma: Na (139), K (5,9) Cl (108,5) meq/L, Ureia (220 U/L), Bilirrubinas totais (3,50 mg/ dL) Gasometria arterial: acidose metabólica Foi solicitada interconsulta para avaliação da nefrologia. Internamento de sete dias com diagnóstico de malária com disfunção multiorgânica hematológica, hepática e predominantemente renal, acidose metabólica e disfunção renal aguda. Medicado com antimalárico e antibióticos, realizou hemodiálise diária por cerca de quatro dias, teve alta da hemodiálise e do internamento pela especialidade, com indicação de acompanhamento pela nefrologia no ambulatório. No dia 9 de Junho de 2016, na consulta externa de nefrologia, foi descrita “marcha deficiente por fraqueza nas pernas” e encaminhado para consulta de fisiatria. No dia 16 de Junho de 2016, na consulta externa de fisiatria, na anamnese, referia fraqueza muscular generalizada, alteração de equilíbrio associada a parestesias na palma das mãos e pontas dos dedos dos pés. Com grande tendência para se desequilibrar, tropeçava várias vezes ao deambular. Ao exame físico de realce, revelou marcha atáxica e disbasia, sem dissociação das cinturas, com tendência para queda ao solo, hiperestesias na palma das mãos e planta dos pés. Começou as sessões de fisioterapia associa-
das a medicação para redução das parestesias e polivitamínicos e, no dia 1 de Julho de 2016, teve um novo internamento por febre persistente, com diagnóstico de malária com disfunção renal, teste rápido positivo e gota espessa positiva 63.000 P/MM3 Falciparum, Creatinina (1.1 mg/dl). Reavaliado pela fisiatria, após a alta, no ginásio objectivou-se piora do deficit motor. Manteve a medicação anteriormente prescrita e deu continuidade ao tratamento de reabilitação com os seguintes objectivos: • Terapias para ganho e manutenção da amplitude de movimento, flexibilidade, postura, posicionamento, equilíbrio, coordenação, dissociação de cinturas, movimentação activa, estímulo da sensibilidade, exercícios de propriocepção, lateralidade, fortalecimento muscular global; • Treino de marcha com obstáculos: terrenos acidentados, subir e descer escadas; • Treino de resistência e velocidade de marcha. Depois de realizar cerca de 30 sessões de tratamento de reabilitação, o paciente teve alta melhorado, com recuperação do equilíbrio, da força muscular, coordenação motora e marcha.
Conclusão
A SNPM pode apresentar-se de formas variadas. A mais descrita na literatura é a ataxia (7), compatível com o quadro clínico do paciente deste caso, que se traduziu em deficit motor com alteração da marcha, postura, força muscular e sensibilidade. Obteve melhorias com a reabilitação (sessões de fisioterapia), medicação com anticonvulsivantes e polivitamínicos.
Recomendações
Realizar anamnese e exame físico detalhado, para que esta disfunção neurológica não passe despercebida, sendo tratada atempadamente, de forma adequada, para que não resulte em sequelas importantes, na fase de recuperação, e na volta às actividades da vida diária e prática do paciente, que impactam na sua qualidade de vida.
Bibliografia 1 – 1. Román GC: Cerebral malaria: the unsolved riddle. J Neurol Sci 1991; 101:1-6 2 – VanDer Wal G, Verhagen Wim, Dofferhoff Asm: Neurological complications following Plasmodium falciparum infection. Neth J Med 2005; 63(5):180-33 - El-Sayed AA. 3 – Idro R, Jenkins NE, Newton CR: Pathogenesis, clinical features, and neurological outcome of cerebral malaria. Lancet Neurol 2005;4(12):827-840 4 – Mai N, Day N, Chuong L. et al. Post Malaria neurological syndrome. Lancet 1996; 348: 917 – 921 5 – Dollow S. Neurological Sequelae of cerebral Malaria. Lancet 1996; 348: 1658 – 1659 6 – Mohire MD: Plasmodium falciparum delayed cerebelar ataxia and late cerebral malaria. Mov Disord 2005;20(8):1087-8. 7 – Lawn SD, Flanagan KL, Wright SG, and Doherty TF, Godfrey-Faussett P: Postmalaria neurological syndrome: two cases from the Gambia. Clin Infect Dis 2003; 36(2):e29-31
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