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NA M\u00DASICA SERTANEJA DE MATO GROSSO DO SUL, NINGU\u00C9M 'PASSA R\u00C9GUA'

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20 anos mais novos

20 anos mais novos

COM RAÍZES PARAGUAIAS, ARGENTINAS, GAÚCHAS, PAULISTAS, MINEIRAS (E DE TANTOS OUTROS CANTOS), A PRODUÇÃO DO ESTADO É DIFÍCIL DE LIMITAR – ASSIM COMO O PANTANAL DO GRANDE POETA DA TERRA, MANOEL DE BARROS

Por Rogério Alexandre Zanetti, de Campo Grande

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Dona Helena Meirelles

Manoel de Barros, nascido em Cuiabá, criado em Corumbá (MS) e morto nos últimos dias de 2014 em Campo Grande, era um inventor de palavras certeiro e poético. Ao falar sobre a impossibilidade de pôr limites (à beleza, à extensão, à variedade natural) da região de alagadiços onde passou sua vida, definiu: “no Pantanal ninguém pode passar régua”. Da mesma forma, a música produzida num dos mais jovens estados da Federação é tão variada, plural, multirreferenciada, que fronteira alguma pode abarcar.

A ocupação do antigo Sul de Mato Grosso começou a acontecer, efetivamente, somente após o término da Guerra do Paraguai, no final do século 19. A emancipação político-administrativa é ainda mais recente, veio em 1979. Hoje, o território enorme de apenas 2 milhões e meio de pessoas faz brotar artistas a cada novo dia, que, independentemente do ritmo e do estilo que escolhem, orgulham-se de suas raízes culturais.

A interessante mistura de ritmos e culturas que “contaminou” o sertanejo local teve seu epicentro numa jovem Campo Grande, já na primeira metade do século XX. Paraguaios, libaneses, japoneses, portugueses se misturaram a mineiros, mato-grossenses, paulistas, paranaenses, esquentando um caldeirão efervescente. Nos anos 1950, Campo Grande já era celeiro de música caipira com sotaques variados. Rodrigo Teixeira, músico e pesquisador, diz que “a posição geográfica de Mato Grosso do Sul tornou inevitável que a herança fronteiriça, particularmente do Paraguai e da Argentina, já estivesse delineada nas canções de nossos primeiros compositores. Essa arte interiorana pulsou forte na capital do estado, refletindo-se nas rádios locais e, logo, tomando contato com a produção dos grandes centros, como São Paulo.”

Dessa primeira geração se destacam Délio e Delinha, então conhecidos como “casal onça de Mato Grosso”, Amambai e Amambay, Zé Corrêa e Beth e Betinha. O magistral Zé Corrêa tocava seu acordeão de forma tal que dava ao ouvinte a impressão de que havia mais de um instrumentista na execução.

Beth e Betinha

A geração a partir da segunda metade dos anos 1950 moldou a moderna música sertaneja sul-mato-grossense, que, ao longo dos anos – e até hoje -, não parou de incorporar influências. A produção local só crescia quando, nos anos 1970, surgiram no mapa nomes como Maciel Corrêa. Aqui já se pode falar num aumento da influência da música gaúcha, resultado direto do crescimento do fluxo migratório. “Naquela época, tudo que gravávamos vendia. As gravadoras disputavam os artistas de Campo Grande, e tínhamos as portas das rádios sempre abertas. Acredito que isso acontecia porque conseguíamos juntar composições originais, que falavam de amor e da nossa terra. Foi a época de ouro de nossa música”, lembra com nostalgia a cantora Delinha.

Luan Santana

Gabriel Satter

Ao final dos anos 1970, a música sertaneja cedeu algum espaço para os novos artistas urbanos, que se consolidaram com o movimento divisionista. Desde o início da década, surgiram talentosos criadores nas cidades, como a família Espíndola – Geraldo, Tetê, Alzira, Celito, Jerry -, cujos trabalhos tiveram projeção pelo país. Na mesma época, começam a surgir artistas em áreas insuspeitas, como o samba o choro. A ideia de um estado novo e moderno, abraçada pelo recémemancipado Mato Grosso do Sul, fazia se retrair o movimento da música sertaneja, associado ao antigo. Felizmente, essa visão não durou muito tempo.

O RENASCIMENTO NOS BAILÕES JOVENS

Nos anos 1990 e 2000, os chamados “bailões” voltaram com tudo, ditando a moda da jovem música regional e com um sem-número de criadores bebendo nas boas fontes antigas. Ali surgiram os grupos Tradição, Mensageiros D'Oeste, Alma Serrana, Canto da Terra, Zingaro. Foi nessa época também que se apresentou ao grande público a genial e única Helena Meirelles, descoberta aos 70 anos pela revista norteamericana “Guitar Player”, que a elencou entre os 100 melhores instrumentistas do século XX, com elogios rasgados de Eric Clapton. Apesar do “descobrimento” tardio, Dona Helena, antes de morrer, em 1995, gravou quatro álbuns e fez muitos shows, apresentando-se ao público que, entre espanto e encantamento, testemunhou seu talento ímpar para tocar violão.

Assim como o chamamé argentino, presente na formação da música do estado, a moda de viola voltou a ser cultuada entre jovens criadores e pesquisadores. Dentre eles, destacase Marcelo Loureiro, considerado um dos melhores violeiros do país. Ele não está sozinho na novíssima geração: um dos nomes em ascensão na música sul-matogrossense é o de Gabriel Sater, que atuou na novela “Meu Pedacinho de Chão”, da Rede Globo, tendo escrito e interpretado ele mesmo o tema de seu personagem.

Paralelamente, as rodas de violas contemporâneas dos bares que ladeiam as faculdades em Campo Grande têm exportado para o resto do país nomes como os de João Bosco e Vinicius, Jorge e Matheus, Maria Cecilia e Rodolfo, ancorados por artistas locais talentosíssimos e com boas referências da música de raiz, como João Haroldo e Betinho, Marco Aurélio e Paulo Sérgio.

Conrado e Aleksandro

Caminho similar trilhou Luan Santana. O “gurizinho de Jaraguari” começou em pequenos palcos na cidade de menos de 10 mil habitantes próxima a Campo Grande. Seu sucesso foi meteórico, baseado em composições marcantes e numa gestão de carreira altamente profissional e acertada. Assim como a de Conrado e Aleksandro, que fixaram moradia no Paraná e se aproveitaram do contato com o público consumidor e de uma logística de deslocamentos bem azeitada.

Outro artista tipo exportação é Loubet, para quem as raízes sul-mato-grossenses são o maior tesouro dos artistas locais. “Desde muito pequeno conheci o chamamé, o rasqueado e a música dos mestres do passado. Até hoje as pessoas pedem isso nos shows. Essa riqueza poucos lugares têm, precisa ser preservada”, prega.

O sucesso dos sertanejos sul-mato-grossenses provocou um fenômeno interessante. Artistas de outros estados vêm se mudando para Campo Grande. “É como se a cidade fosse uma grife. Dizer que toca o sertanejo universitário sendo de Mato Grosso do Sul abre portas em alguns casos”, comenta o músico e compositor Marcos Roker, representante da UBC em MS e MT. “João Carreiro e Capataz vieram morar aqui, no auge da dupla, e isso ajudou muito a carreira deles.”

O SOM DO MATO GROSSO “DO NORTE”

A cena do Mato Grosso ainda não viveu estouro comparável à protagonizada pelos colegas do lado de baixo do mapa, mas também tem orgulho de sua rica história. Entre os tradicionais ritmos do estado, destaca-se o rasqueado cuiabano, cujas origens também remontam ao fim da Guerra do Paraguai. A grosso modo, pode-se dizer que se trata de uma polca acelerada. Grandes nomes do gênero são Trio Claudinho, Henrique e Pescuma.

Mas é recente a guinada de Mato Grosso na direção de um som ainda mais peculiar. O fenômeno do lambadão cuiabano, um ritmo altamente sensualizado, não para se de espalhar e tem suas origens na fusão do rasqueado com a velha lambada. Como o funk carioca, o estilo luta para se livrar da pecha de vulgar enquanto domina a cena da Baixada Cuiabana, a região metropolitana onde vive quase um milhão de pessoas.

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