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AGOSTO 2018
NOVA
Parceria com Anitta e estética solar do álbum “Brasileiro” inauguram fase pop do cantor e compositor Silva
FA CE TA
Pelo País Um poderoso encontro feminino na Amazônia Mercado O “robô” que decide o que você irá escutar Carreira Intercâmbio de criação, fórmula de sucesso
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#37
AGOSTO 2018
RE VIS TA
A Revista UBC é uma publicação da União Brasileira de Compositores, uma sociedade sem fins lucrativos que tem como objetivos a defesa e a distribuição dos rendimentos de direitos autorais e o desenvolvimento cultural.
Foto de capa Breno Galtier (Vitória) Fotos Imagens cedidas pelos artistas. Créditos nas respectivas páginas, ao longo da edição. Correções Diferentemente do que publicamos na última edição, Diogo Moncorvo é o nome do rapper baiano Baco Exu do Blues. Tiragem 10.000 exemplares/Distribuicão gratuita Rua do Rosário, 1/13º andar, Centro Rio de Janeiro - RJ, CEP: 20041-003 Tel.: (21) 2223-3233 atendimento@ubc.org.br
por_ Antonio Cicero
Mesmo após a concessão do Prêmio Nobel de Literatura a Bob Dylan, ainda há quem considere que as letras de música são algo vulgar e inferior à poesia.
Editorial
Diretoria Paulo Sérgio Valle (Presidente) Abel Silva Antonio Cicero Aloysio Reis Ronaldo Bastos Sandra de Sá Manoel Nenzinho Pinto Conselho Fiscal Geraldo Vianna Edmundo Souto Manno Góes Fred Falcão Sueli Costa Elias Muniz Diretor executivo Marcelo Castello Branco Coordenação editorial Elisa Eisenlohr Assistente de coordenação editorial José Alsanne Projeto gráfico e diagramação Crama design estratégico Editor Alessandro Soler (MTB 26293) Textos Alessandro Soler (Madri), Alex Schiavo (Rio de Janeiro), Andrea Menezes (Brasília), Fabiane Pereira (Rio de Janeiro), Geraldo Vianna (Belo Horizonte), Gilberto Porcidonio (Rio de Janeiro), Gustav Cervinka (Manaus), Kamille Viola (Rio de Janeiro), Leonardo Lichote (Rio de Janeiro), Lúcia Mota (Nova York), Ricardo Silva (São Paulo) e Roberto de Oliveira (Rio de Janeiro)
Um argumento frequentemente empregado para tentar provar essa tese é que, às vezes, uma letra emociona quando cantada e, quando lida no papel, sem acompanhamento musical, torna-se insípida. É verdade, mas vejamos por que razão isso se dá. Ao contrário de um poema – que tem seu fim em si próprio – uma letra de canção não tem, enquanto tal, seu fim em si própria, mas na obra de arte, isto é, na canção, de que faz parte. Por isso, para que julguemos boa uma letra de canção, é necessário e suficiente que ela contribua para que a obra lítero-musical de que faz parte seja boa. E, embora seja verdade que uma canção não seja um poema, há canções que são obras de arte tão boas quanto bons poemas. Pense-se, entre inúmeras outras, em “Construção”, de Chico Buarque, em “Terra”, de Caetano Veloso, em “Cais”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, ou em “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan. De todo modo, há muitas letras de canções que, quando lidas, revelam-se também como grandes poemas. É o caso, na verdade, das quatro letras de canções que acabamos de citar. Ademais, não nos esqueçamos de que os poemas líricos da Grécia antiga, por exemplo, eram letras de canções. Perderam-se as músicas que os acompanhavam, de modo que não os conhecemos senão na forma escrita. Ora, muitos deles são contados entre os maiores poemas que se conhecem. Vê-se, assim, como são inteiramente ridículos os preconceitos que pretendem desvalorizar as letras de música.
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JOGO RÁPIDO: Gabriel Agra NOVIDADES NACIONAIS Pelo País: Projeto Flor da Selva ENTREVISTA: Moacyr Luz MERCADO: O poderoso algoritmo CAPA: Silva DESTAQUE: Vinícius Cantuária Pelo País: Tubarão Martelo FIQUE DE OLHO CARREIRA: Intercâmbio de criação NOTÍCIAS INTERNACIONAIS Legislação: Mudanças em Europa e EUA CRIação: O timbre da década DISTRIBUIÇÃO: Por dentro do Ecad
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jogo rápido 5
Ga briel Agra Um dos mais requisitados compositores do novo sertanejo, ele fala sobre criação e a evolução do estilo, hoje o mais popular do país por_ Andrea Menezes de_ Brasília
Há menos de dez anos, Gabriel Agra trabalhava como ajudante na autoescola do pai. Hoje, aos 31, é um dos principais compositores do novo sertanejo, virou celebridade não só em sua Anápolis (GO) natal mas em todo o país, montou dupla com o primo (Gregory & Gabriel) e emplacou mais de 150 de suas 350 composições nas vozes de Lucas Lucco (“Fé no Pai”), Marília Mendonça (“Olha Só Você”), Maiara & Maraísa (“10%”) ou Victor e Léo (“Tudo Com Você”). Com humor e uma linguagem direta em suas letras, ele usa o instinto ao compor. Desde quando tudo começou. Quando compôs sua primeira canção? Foi em 2009, no caminho entre a minha casa e a autoescola do meu pai. Depois de um tempo, participei de um concurso da prefeitura de Anápolis com essa composição. Não venci, mas tomei gosto. Em, 2010 fiz “Clichê” para minha namorada, hoje esposa. No ano seguinte, João Neto & Frederico e
Jorge & Mateus a gravaram, ficando entre as mais tocadas do ano. Qual a fórmula do hit? Estou em busca dela desde 2009. Com certeza, parte dela é: Deus acima de tudo, muito trabalho, bons relacionamentos, verdade naquilo que se faz e colocar-se no lugar e na realidade das pessoas. Por que o sertanejo se tornou o estilo mais popular do país, até em regiões que antes o rejeitavam? Imagine uma criança nascida na roça, que leva uma vida tranquila com os pais. Ela compõe sobre o namoro inocente da escola, os rios e as plantações... Quem se identifica com essas canções? Imagine agora que essa criança virou um jovem universitário, que vai com suas raízes para a cidade, tem acesso à internet. Suas canções falam de balada, faculdade, pegação, romances e decepções, misturando funk, pagode, pop, rock... Agora, todos se identificam. O sertanejo é essa criança.
Ouça MAIS Uma playlist com criações de Gabriel nas vozes de vários intérpretes ubc.vc/GAplay
NOVIDADES nacionais 6
de_ Brasília
Década e meia de
Tecnomacumba
Thiago Amud:
Alternativo, “clandestino radical”, como define o crítico de música do jornal americano “The New York Times” Jon Pareles, e elogiado por medalhões como Francis Hime e Guinga, o carioca Thiago Amud é constante na boa impressão que deixa a cada novo disco. No quarto, “O Cinema Que o Sol Não Apaga”, ele cozinha um caldeirão de estilos, de xote a bossa nova, de frevo a moda de viola. Como num prato, tantos temperos juntos poderiam se anular mutuamente, mas é aí que entra a mão boa de Amud para a mistura. Não é no mundo da gastronomia, porém, que ele navega, senão no do cinema. “A força poética do cinema me instiga desde os 17 anos, quando conheci Fellini, Bergman e Buñuel. Meu primeiro álbum, de 2010, já era meio cinematográfico. Este novo eu imaginei que se chamaria Cinema Russo, mas, quando fiz ‘A Mais Bela Cena’, percebi na letra o caráter nuclear da imagem que deu nome ao disco”, diz.
foto_ Thais Gallart
imagens e sons
Década e meia de
Tecnomacumba A cantora maranhense Rita Benneditto celebra, com turnê especial, o sucesso de um projeto que une sons, cantos e crenças afro-brasileiros com MPB e música eletrônica. Em “Tecnomacumba – 15 Anos de Festa e Fé”, ela relembra o repertório que marcou as muitas apresentações realizadas em cidades como Brasília, Rio, São Luís e Porto Alegre, além de Dacar (Senegal), Cannes (França) e Budapeste (Hungria), com participações de Ney Matogrosso, Daniela Mercury, Beth Carvalho, Leci Brandão, Carlos Malta ou Sandra de Sá. “É um dos shows mais longevos da música brasileira”, comemora. Outro dos parceiros de Rita no Tecnomacumba, Caetano Veloso é só elogios a Rita e ao projeto: “Rita tem a emissão vocal lisa, sem vibratos, mais impressionante que ouvi em muito tempo. O disco é de um nível profissional impecável, (e o show) é rico, honesto e sugestivo.” A estreia da turnê será neste 10 de agosto, no Teatro Rival, no Rio. LEIA mais Confira outras datas e cidades por onde passará o show ubc.vc/RBagenda
Ouça MAIS Faixa a faixa, “O Cinema...” em versão completa ubc.vc/TAplay
REVISTA UBC
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Fernanda Takai
canta Tom Jobim
Sempre inquieta, Fernanda Takai mostra mais uma vez sua versatilidade estética num disco com “lados B” da obra do maestro maior da MPB. Nascida no interior do Amapá, criada em Belo Horizonte, filha de mãe brasileira e pai de ascendência japonesa, Fernanda é plural, experimentadora, tendo gravado de Reginaldo Rossi a Michael Jackson, de Padre Fabio de Mello a Andy Summers (The Police), além de um sem-número de canções autorais, adultas e infantis, e parcerias com
seu marido, John Ulhoa, no grupo Patu Fu. Agora, ela emprega sua voz cristalina, afinadíssima, para dar vida às 13 canções de “O Tom da Takai”, compostas por Tom Jobim e seus parceiros. “Estrada do Sol” (escrita com Dolores Duran), “Bonita”, “Ai Quem Me Dera” e “Aula de Matemática” (com Marino Pinto) e “Só Saudade” (com Newton Mendonça) estão lá, com arranjos e produção de dois mestres da bossa nova, Roberto Menescal e Marcos Valle.
Luis Carlinhos e Marley
LEIA mais Veja as datas e locais de apresentações dos shows ubc.vc/LCagenda
VEJA MAIS Um clipe com os bastidores das gravações em estúdio ubc.vc/FTplay
Em seus 30 anos de envolvimento com a música — a primeira banda surgiu aos 12, com o amigo Davi Moraes —, nada como um diálogo com as raízes. Luis Carlinhos festeja o sucesso do seu álbum “Luis Carlinhos canta Bob Marley”, em que aprofunda a relação com a obra do mestre jamaicano, cuja influência está presente em todos os momentos de sua obra. O violão do carioca Carlinhos costura, em clima acústico, as nove canções de Marley, sendo uma delas uma versão (“Three Little Birds” virou “Três Lindas Flores”, numa parceria com Cláudio Agá). Davi Moraes, Silvia Machete, Alexandre Carlos (Natiruts) e Nicolas Krassik, entre vários outros músicos, participam.
NOVIDADES nacionais 8
Clara Gurjão:
Samba, jazz, bossa nova, baladas. Clara Gurjão transita mais que bem entre estilos e imprime o seu próprio, ajudando a renovar a MPB sofisticada que é sua e é também uma das caras mais conhecidas da música brasileira lá fora. O resultado é que vai construindo uma carreira sólida não só por aqui, mas também na Argentina e na Europa, onde já fez apresentações do seu álbum de estreia, “Ela”, de 2016, quase todo com canções autorais e também releituras de obras de Caetano Veloso ou do cubano Ernesto Duarte Brito. Em breve, Clara entra em estúdio para produzir o segundo. “Oficialmente, ainda não estamos divulgando. A ideia já existe, porém ainda sem data definida (para a gravação)”, conta a cantora, que viaja com o show “Voz & Piano”. “Nele, exploro a minha faceta intérprete, resgatando músicas menos conhecidas do cancioneiro brasileiro, de compositores como Sueli Costa ou Tunai, e mesclando-as a meu repertório autoral.”
voz, piano e estúdio
VEJA MAIS Assista ao clipe de “Quando o Galo Cantou”, de Clara ubc.vc/CGplay
Horas de
Rômulo Fróes Rômulo Fróes lança “O Disco das Horas”, apostando mais uma vez na parceria com o artista plástico e escritor Nuno Ramos, que assina as letras. Não havia mesmo por que mudar. Um dos nomes mais emblemáticos da (agora já nem tão) nova geração paulistana que surpreendeu a MPB, no princípio da década, Rômulo colhe os frutos de um trabalho persistente, coerente e consciente da própria importância. “Minha geração deu contribuições muito diversas. Nem o
Brasil nem a canção brasileira são mais os mesmos”, afirmou ao “Jornal do Brasil”. Sucesso popular como compositor (com Alice Coutinho) de “A Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares, e produtor do álbum, um dos melhores dos últimos anos, ele recorre agora ao universo do samba dos anos 1940 e 1950 — Jamelão, big bands, sopros de até oito naipes —, com resultado notável.
Ouça MAIS As 13 canções de “O Disco das Horas” ubc.vc/RFplay
REVISTA UBC
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Maurício Pereira,
Elogiado pela crítica, o sétimo álbum solo do compositor, músico e cantor paulistano Maurício Pereira, ex-Os Mulheres Negras, saiu em maio, com produção de Gustavo Ruiz. Em doze canções autorais, “Outono no Sudeste” traz uma linguagem MPB de citações jazzísticas, em canções de temáticas variadas e muitas parcerias: Morris Picciotto, Arthur de Faria, Skowa, Lu Horta, Daniel Szafran, Edson Natale, Daniel Galli, Felipe Trielli, Tonho Penhasco e Rhaissa Bittar. Entre os músicos que tocam, Amílcar Rodrigues (bombardino), Gabriel Basile (bateria), Henrique Alves (baixo), Pedro Montagnana (piano) e Tonho Penhasco (guitarra). Em LEIA mais Veja a agenda completa de shows do artista 11 de agosto, Maurício apresentará o disco na capital federal, durante o ubc.vc/MPagenda Festival Coma.
som para as quatro estações
3030,
alquimistas do hip hop
Ao celebrar sua primeira década de carreira, o grupo de rap carioca 3030 lança seu quinto e mais elogiado álbum de estúdio. Especialistas na fusão de ritmos brasileiros ao tempero hip hop, eles dão um passo além nas misturas em “Alquimia”, tomando emprestados os tambores afro, as sonoridades da lambada, do samba e do jazz e desfilando uma constelação de participações especiais nas 13 canções, como MV Bill, Emicida, Rodrigo Cartier, os instrumentistas Alberto Continentino, Pretinho da Serrinha e Marlon Sette e o maestro Arthur Verocai. Sucesso nas plataformas de streaming (com dezenas de milhões de visualizações e audições de seus clipes e músicas), o 3030, instalado no Morro do Vidigal, é um dos nomes mais interessantes da já, por si, quentíssima cena rap brasileira.
Ouça MAIS “Alquimia”, em versão completa ubc.vc/30play
Arnaldo
samba-rock
Samba e rock se fundem no potente 19º disco de Arnaldo Antunes, “RSTUVXZ”, que, após o carioquíssimo “Já É”, produzido por Kassin em 2015, se desloca outra vez para a São Paulo de Arnaldo, do produtor e baterista Curumin e do guitarrista e parceiro de longa data Chico Salem. Juntos, e com o teclado de André Lima, eles dão vida às 13 faixas que Arnaldo divide com amigos como Marisa Monte, Pedro Baby, Pretinho da Serrinha, Carminho, Carlinhos Brown e Paulo Miklos. Doze das 13 canções são inéditas, incluindo o resgate de uma jamais gravada, “Se_Precavê”, parceria sua com Marcelo Fromer.
VEJA MAIS O clipe oficial de “Se_Precavê” ubc.vc/ARplay
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BRA VAS amazonas
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Sete mulheres de estilos e backgrounds bem diferentes se unem no projeto Flor da Selva, que já ganhou registro audiovisual caprichado e megashow num dos teatros mais emblemáticos do país por_ Gustav Cervinka de_ Manaus fotos_ Amanda Monteiro em_ Manaus
Um jardim de talentos se plantou em Manaus. Empoderadas, articuladas, repletas do que dizer e mostrar, sete bravas amazonas da música brasileira, todas com carreiras independentes, se uniram no projeto Flor da Selva, um show com registro audiovisual que cruza os estilos e backgrounds completamente diferentes de cada uma delas. A estreia foi em março passado, numa mega-apresentação no Teatro Amazonas.
Em 2018, a cantora e compositora lançou duas parcerias: a música “Anjo Sem Asa”, com a banda Fetuttines, de Natal, e “Agora Só Falta Você”, com Sky, de São Paulo. Nas últimas semanas, ela deu início ao processo de criação do seu terceiro álbum de estúdio. Para ver e ouvir: ubc.vc/AJplay
A ideia foi da produtora Patrícia Borges, que convidou artistas com forte presença na cena amazonense: Lucinha Cabral e Anne Jezini, ambas associadas à UBC, além de Vivian Gramophone, Djuena Tikuna, Karine Aguiar e as MCs Lary Go & Strella. “Analisando a crescente produção local que envolve mulheres, conhecemos cantoras com potencial muito grande, com trabalhos incríveis em eixos diferenciados, como a dupla Lary Go & Strella, no hip hop, e Karine Aguiar, com seu jungle jazz”, comenta Borges. Anne Jezini traz ao grupo uma sonoridade contemporânea, multirreferenciada. O trabalho da manauara se calca em elementos superurbanos, com ênfase no trip hop e em outras costuras eletrônicas, além de estilos
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Um projeto muito bom, com muita seriedade e valorização do nosso trabalho.” Lucinha Cabral latinos e brasileiros. Quem ouve as canções que ela cria começa a compreender que a cultura do Norte vai muito além do famoso “dois pra lá, dois pra cá” característico das toadas de boi-bumbá. Seus temas são tão genuínos quanto universais, com arranjos que valorizam voz, ritmo e linhas de contrabaixo, ao mesmo tempo em que guiam a atenção para as letras (ora em inglês, ora em português) e ditam movimento ao corpo. “Participar disso tudo com elas são várias honras ao mesmo tempo, desde o projeto audiovisual (gravado em 2017) ao show no Teatro Amazonas, junto com artistas que eu admiro e me inspiram de alguma forma. É sempre muito bacana e enriquecedora essa troca”, diz Jezini, que gravou duas composições para a fase de registro audiovisual do projeto: “Lonely Boy” e “Modo de Voo”, ambas canções presentes no seu álbum “Cinética” e que ganharam uma espécie de versão de bolso para o espetáculo do Teatro Amazonas. A artista está envolvida com a elaboração de um documentário em curtametragem sobre sua própria carreira. A produção é de Patrícia Borges. Os estilos que abraçou e as fases que atravessou nestas três décadas de carreira vão dar o tempero da obra, que ainda não tem previsão de lançamento.
Detentora de composições de sucesso, passeando em gêneros musicais diferentes e com a jovialidade peculiar, a cantora Lucinha Cabral, com 30 anos de carreira, juntou um perfume especial a esse jardim. O som dela, de uma forma geral, traz arranjos que valorizam o violão, o ritmo
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com cadência influenciada pelo samba, pelo rock ou até pelo bolero, tamanha é a quantidade de referências suas. Uma das principais características do seu trabalho, além das letras — que geralmente retratam o universo cotidiano ou temas míticos da cultura amazônica — é a interpretação. Com vigor, há sempre um quê performático, como se estivesse vivendo a música ou mastigando cada palavra. Dona de uma voz forte, Cabral mostra ao mesmo tempo atitude e versatilidade, sabendo ser suave. “Foi um projeto muito bom, com muita seriedade e valorização do nosso trabalho. Só acho que merecia uma atenção maior ainda dos apoiadores, para podermos levá-lo a outros estados”, diz a artista, que apresenta obras como “Love Tupiniquim” e “Brasileira”, além de uma homenagem aos artistas de rua, com “Cadê?”.
VEJA MAIS O registro audiovisual do projeto Flor da Selva ubc.vc/FSplay
(Todas são) artistas que eu admiro e me inspiram de alguma forma.” Anne Jezini
A dupla Lary Go & Strella (acima) e a cantora Djuena Tijuna: do hip hop aos sons tradicionais amazônicos, a fusão de estilos variadíssimos deu o tom do projeto Flor da Selva
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Moacyr Luz festeja a boa aceitação a seu novo disco, “Natureza e Fé”, e colhe os frutos de uma bem-sucedida carreira de 40 anos no samba por_ Fabiane Pereira do_ Rio fotos_ Marluci Martins no_ Rio
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“Estou apaixonado pelos meus 60 anos” Um dia após os principais jornais do país publicarem boas resenhas de seu oitavo disco de carreira, “Natureza e Fé”, Moacyr Luz — ou Moa — reunia os amigos num churrasco no Aterro do Flamengo, um enorme parque à beira-mar no Rio, para celebrar as duas indicações na 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Eram reconhecimentos pelo disco “Ao Vivo, no Bar Pirajá” e pelo seu grupo Moa e Samba do Trabalhador, ambos na categoria samba. Moacyr Luz, 60 anos de idade, 40 de carreira, estava ainda às vésperas de viajar a Portugal, para tocar no festival MIMO. Agora, além de manter as apresentações do seu Samba do Trabalhador a cada segunda, no Clube Renascença, no Andaraí, Zona Norte do Rio, ele se dedicará aos ensaios com a Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo para uma apresentação em 29 de setembro, no Memorial da América Latina, na capital paulista. Na ocasião, sua estreia com uma orquestra, mostrará 16 músicas suas arranjadas pelo maestro Nelson Ayres.
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Ser artista e sambista em 2018 é mais fácil do que há 40 anos? Recentemente, estava a caminho de um show e ia cantar apenas duas músicas. Eu havia recebido um bom cachê. Aí, um cara comentou: “que beleza, vai ali cantar duas músicas e ganhar essa grana toda”. Eu disse “não. Quando eu subir no palco para cantar essas duas músicas, haverá uma história de 40 anos por trás”. Acho que hoje talvez seja mais fácil para mim, porque estou há quatro décadas batendo nesta tecla, mas não para todo mundo. O lado bom é ter a internet, uma boa alternativa para que sua música aconteça. Vejo que, no Samba do Trabalhador, evento que faço semanalmente há 13 anos, o público canta as minhas músicas, e eu mesmo nunca as ouvi no rádio. Tirando uma ou outra que o Zeca Pagodinho tenha gravado, a maioria ficou conhecida por causa da internet.
O título do disco, ‘Natureza e Fé’, não é um título de disco, é o da minha vida.” Moacyr Luz
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Quais são as maiores dores e delícias de ser compositor? A principal dor é o silêncio. É fazer uma música para poucos ouvirem. Quando você é um compositor profissional, há sempre a esperança de que aquela música seja gravada e ouvida por muita gente. Mas, às vezes, fica escondida numa gaveta por anos, décadas. Por isso, eu digo à nova geração: tenha paciência. Fiz “Vida da Minha Vida” em 2006, pensando no Zeca Pagodinho, e ele só gravou em 2010. Esses casos se repetem inúmeras vezes. Você reuniu no novo disco um time dos sonhos: Zélia Duncan, Teresa Cristina, Fagner, Jorge Aragão, Martinho da Vila e Fred Camacho. Como chegou a esses nomes? Foi um estalo. Eu não queria fazer algo emblemático de 60 anos, embora esteja apaixonado pelos meus 60 anos, então me cerquei de ícones e signos. Me cerquei de pessoas que, de certo modo, representam estes meus 60 anos. O Fernando Merlino é um músico que tocou comigo quando eu tinha 15 anos e foi o primeiro nome que me veio à mente. Pensei em mudar alguns parceiros também. Queria me desvincular da coisa sambista, então misturei o Jorge Aragão c om o Fagner, o Martinho com a Zélia Duncan. Foi uma provocação, até o fato de o piano dominar o disco. Acho, modestamente, que criei um conceito. Como a espiritualidade atravessa a sua música? Fui criado próximo a todo tipo de crença. Ia à igreja, ao centro espírita, ao terreiro de umbanda. Morei num lugar muito pobre chamado Vila Aliança, e lá havia alguns centros que eu frequentava. Sou devoto de São Jorge. E acredito nas energias boas. Quando estou em algum lugar onde sou
abraçado, abraço mesmo, porque, para mim, essa troca é uma coisa de muita fé. O título do disco, “Natureza e Fé”, não é um título de disco, é o da minha vida. Eu falo de São Jorge, de Xangô, de Iemanjá e de outras entidades. E, claro, sem me esquecer da natureza. E isso tudo atravessa minhas composições.
Pocket show na Casa UBC O projeto Samba do Trabalhador (foto), de Moacyr, teve em maio edição especial na Casa UBC, no Rio. Dentro da série Identidade Samba, produzida por Louiz Carlos da Silva, filho de Zeca Pagodinho, Moacyr falou sobre seu trabalho e, ao lado dos parceiros Nego Álvaro e Mingo Silva, deu uma canja fechando com chave de ouro e samba no pé o evento UBC Sem Dúvida: Música em Audiovisual.
LEIA MAIS Confira outros momentos do batepapo de Moa com a UBC e reveja a participação dele durante o evento UBC Sem Dúvida ubc.vc/Moa
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Como as informações coletadas a partir dos nossos hábitos de consumo por serviços como Spotify e YouTube substituem as recomendações humanas e determinam o que vamos escutar ou ver por_ Lúcia Mota de_ Nova York Colaboração_ Alessandro Soler de_ Madri
Algoritmo, REVISTA UBC
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o novo curador
Os algoritmos estão baseados em big data, os volumes inimagináveis de informações e dados sobre tudo o que fazemos e consumimos em rede, e que são cada vez mais usados pelos serviços digitais. Um like, um clique, uma visita a uma página, um comentário: tudo cai na rede dos sistemas, que rapidamente compilam as informações, transformando-as em padrões sobre nós. Diferentes algoritmos classificam os dados a partir de um valor numérico — similar aos sistemas de uma a cinco estrelas que os sites nos oferecem para avaliarmos um conteúdo qualquer. Num serviço de streaming, quanto mais “estrelas” tem uma obra, a partir dos nossos gostos, maior a possibilidade de ela aparecer como produto recomendado. Ou seja, antes mesmo de nós sabermos se curtiremos a obra em questão, o algoritmo já sabe que a resposta, provavelmente, será sim.
Desde tempos imemoriais, o boca a boca reinou absoluto como o mais eficaz meio de promover uma obra de arte, um artista ou um estilo. Então, surgiu o algoritmo. De modo similar ao que ocorre nas redes sociais — nas quais, nestes tempos polarizados, muitos de nós nos cercamos quase que exclusivamente de pessoas com visões de mundo similares —, os programas que recomendam novas canções e novos vídeos nas principais plataformas de streaming podem estar nos fechando em nós mesmos. Ao nos direcionar a playlists com conteúdos similares ao que acabamos de consumir — ou cruzando nossas últimas audições/visualizações para oferecer uma seleção só um pouco mais ampla —, YouTube, Spotify ou Apple Music se tornam os novos curadores da música mundial e, dizem alguns, ameaçam a feliz, prazerosa descoberta de coisas completamente diferentes.
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Rapidez e pontaria por_ Alex Schiavo*
do_ Rio
A importância da curadoria de música, seja a criada por nós, humanos, seja a dos algoritmos, divide-se meio a meio. Porém, parece óbvio que, pelo extenso catálogo de mais de 40 milhões de músicas das plataformas, além das centenas de milhares adicionais às agregadoras diariamente, é impossível, para nós, vencer a rapidez e a pontaria dos algoritmos. Um dos exemplos de como a distribuição digital vem ajudando a romper barreiras é a maior penetração da música latina em espanhol no Brasil. O escasso acesso desses artistas à mídia tradicional tornava difícil o aumento do conhecimento e do consumo. Aqui, a curadoria também é fundamental para solidificar novos ritmos e gêneros. Vivemos um dos momentos mais excitantes da música, sem barreiras e limitações.
foto_ Rodrigo Azevedo
*Especialista em música digital, Alex Schiavo é diretor-gerente do agregador Altafonte no Brasil
Lyor Cohen é o todo-poderoso chefe mundial de música no YouTube, o gigante do grupo Google que domina o streaming global mas que, apesar de alguns tímidos intentos de melhora, continua a ser reiteradamente acusado de remunerar mal aos criadores das obras publicadas por seus usuários. É ele a mente por trás do plano YouTube Music, um recémanunciado serviço de assinaturas premium (a US$ 9,99 ao mês) que aspira a lutar de igual para igual com o Spotify. Cohen quer consolidar o YouTube como uma plataforma de lançamentos de canções licenciadas e, finalmente, deixar para trás a pecha de maus pagadores. “Essa é uma demanda da comunidade de criadores, das gravadoras, dos
artistas e também nossa. Vamos apostar nesta solução de dois modelos, a assinatura e os anúncios. Entendemos que somos a maior plataforma global onde se consome música, então nossa decisão animou a todos”, afirma. É Cohen também grande impulsionador do algoritmo como seleção de conteúdos na plataforma que codirige. A função desse robô selecionador é manter o usuário o mais tempo possível no YouTube, assistindo a um vídeo após o outro, entretido e sem muito tempo de clicar em outros sites. Ele admite que mais da metade dos vídeos reproduzidos ali são sugestões feitas pelo algoritmo a partir de algum tipo de conteúdo pesquisado pelo usuário
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Teremos em breve um serviço que seguirá sua localização e oferecerá uma playlist poderosa.” Lyor Cohen, YouTube ou aleatoriamente oferecido a partir das reproduções mais populares. As ferramentas que permitem essa ação computadorizada estão se sofisticando. “Teremos em breve um serviço que seguirá sua localização e oferecerá uma playlist poderosa quando estiver se dirigindo à academia de ginástica, por exemplo, ou abrirá
uma janela de sugestões de canções para escutar ao voltar do trabalho para casa”, continua o executivo, que aposta no YouTube e em suas canções licenciadas no serviço premium como um companheiro do usuário em diversos momentos do dia. Um papel que, nas últimas décadas, foi desempenhado principalmente por radialistas, curadores e
jornalistas musicais. Mas que a popularização das plataformas de streaming, hoje responsáveis por nada menos que 38,4% do faturamento global de música (55,1% no Brasil), segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), vem alterando rapidamente. As gravadoras, sempre pragmáticas, já entenderam isso e, de mãos dadas
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com os agregadores digitais, apostam no sucesso de playlists em nível local para atingir melhores posições nos rankings globais de execuções das plataformas — entrando, assim, no radar dos algoritmos. Num efeito exponencial, esperam conseguir deslanchar a difusão de uma música ou um artista no qual apostam suas fichas. “O Brasil tem mais celulares que pessoas. Os serviços digitais crescem em uma velocidade muito grande. Quando um hit de qualquer gravadora tem êxito no Brasil, ele automaticamente salta no top global. As pessoas lá fora se identificaram com a nossa batida do funk depois
que passaram a escutar, graças ao digital”, analisa Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil. “Há o chamado efeito urban music, que é global. Se puxar qualquer lista das mais tocadas globalmente, a música urbana lidera. O YouTube tem um papel fundamental. Outra vez, o Brasil cresce muito na exposição de conteúdo porque é muito grande. Somos o terceiro país no YouTube, o segundo nas playlists digitais. Estourou aqui, vai saltar para o mundo.” No Spotify, a coisa funciona de modo bastante similar. Algumas das playlists mais populares, como “Top Brasil”, “Esquenta Sertanejo”
Os algoritmos limitam a descoberta de novos artistas e singles” Fabiane Pereira, jornalista e apresentadora de rádio
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ou “Pop Up”, são administradas por pessoas, que usam, claro, dados de algoritmos para montar uma seleção “matadora”: o que mais bomba nos países-chave tem maiores chances de entrar nas listas. Por isso, gravadoras, agregadores e artistas que mantêm suas próprias playlists se esforçam para divulgar suas publicações, de modo a subir nos rankings brasileiros e globais de audições e acabar detectadas pelos administradores das playlists. Ou seja, se trata aqui de uma interessante simbiose entre algoritmos e curadores humanos.
Afinal, a preponderância destes sobre aqueles deve valer sempre. É o que defende a jornalista Fabiane Pereira, curadora e apresentadora do programa “Faro”, sucesso por anos na extinta rádio MPB FM, do Rio de Janeiro, ao revelar a nova produção brasileira. Atualmente, a atração ocupa a programação da rádio SulAmérica Paradiso, também na capital fluminense. “Sozinhos, os algoritmos limitam a descoberta de novos artistas e singles. Dão a falsa sensação de estarmos descobrindo sonoridades organicamente quando, na verdade,
estamos apenas sendo impactados por uma imposição mercadológica. Claro que os algoritmos facilitam a vida daquele consumidor que quer apenas ouvir um som no seu gênero musical preferido, mas o papel do curador continua a ser muito importante, ao descobrir ativamente novos sons, ao ir aos shows, ao apostar no boca a boca dos amigos. Como antigamente e como creio que sempre será.”
LEIA mais Duas formas de usar o Spotify ao seu favor (e “manipular” o algoritmo é uma delas) ubc.vc/ALmais
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Perceptivo, com sólida formação musical, o capixaba que brilha no mundo indie desde que surgiu, há sete anos, faz sua transição pop sem renunciar a uma estética própria por_ Leonardo Lichote do_ Rio fotos_ Breno Galtier em_ Vitória
O popular
silva
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Em 2011, um EP com cinco músicas de um jovem de 23 anos, produzido de forma independente, chamou a atenção de quem acompanha a nova produção da música brasileira. A curiosidade se aguçava ainda mais com o nome (Silva, apenas) e a origem inusual do artista (Vitória, cidade fora do eixo badalado de capitais como Rio, São Paulo, Salvador ou Recife). Sete anos depois, e com cinco discos de estúdio, um ao vivo, prêmios no currículo (além de indicações importantes, como ao Grammy Latino) e elogios de nomes como Lulu Santos e Marisa Monte, Lúcio Silva de Souza não é mais uma talentosa revelação, uma promessa da MPB. O crescimento consistente e constante de sua carreira a cada passo afirma isso.
“Fica Tudo Bem” teve bom desempenho no Spotify além das fronteiras, entrando nas listas virais do Paraguai (31º lugar), Argentina (41º lugar) e Chile (37º lugar). Também figura na lista global, do mundo todo.
Um exemplo em números: lançado em 12 de junho, o clipe de “Fica Tudo Bem”, dueto com Anitta gravado em seu recém-lançado álbum “Brasileiro”, já teve cerca de oito milhões de visualizações no YouTube. Marcelo Soares, presidente da Som Livre, gravadora que lançou todos os álbuns de Silva por seu selo SLAP, aposta num crescimento ainda maior: “Entre os muitos talentos que o SLAP lançou em seus onze anos de vida, Silva é hoje o que está mais pronto para grandes voos, para conquistar o grande público, seguindo o que já aconteceu com Maria Gadú e Tiago Iorc. É um artista excepcional e completo: grande compositor, produtor e dono de uma voz firme e suave, com muita personalidade.
Não tenho dúvida de que será um dos grandes nomes da música brasileira em pouco tempo.”
E ENTÃO SURGE MARISA
A turnê de “Silva Canta Marisa” estreou em 2016 e foi gravada em junho de 2017 na Casa Natura Musical, em São Paulo, com sucessos como “Ainda Lembro”, “Amor I Love You” e “Beija Eu”.
Abraçado pelo público indie e pela crítica nos primeiros momentos de sua carreira, Silva começou seu movimento na direção de plateias maiores a partir de “Silva Canta Marisa”, álbum lançado em 2016. Ao investir no repertório consagrado de Marisa Monte, hoje sua amiga e parceira, ele trouxe para perto milhões de pessoas que até ali não conheciam seu trabalho. Lançado em versão de estúdio e ao vivo, o disco soma 25 milhões de audições no Spotify. “Filho de uma professora de música, Silva é um músico extremamente intuitivo mas com sólida educação formal”, avalia Marisa. “Quando ele veio à minha casa pela primeira vez, pude escutá-lo tocando algumas peças de piano erudito. Schubert, Liszt, Mozart e Satie fazem parte de seu repertório doméstico. Amei isso. Nossa parceria, junto com seu irmão e parceiro, Lucas, fluiu suave. Suave é um bom adjetivo para ele. Seu projeto ‘Silva Canta Marisa’ fez-me sentir uma mulher de sorte”, elogia a estrela.
LUCAS, IRMÃO E PARCEIRO Citado por Marisa, Lucas Silva é parceiro do irmão na maior parte de suas composições. Ele é também um dos vértices da trinca formada pelo produtor André Paste e pelo próprio cantor. Juntos, pensam cada passo de sua carreira.
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Antes de se dedicar à carreira do irmão, Lucas teve sucesso como cantor de rock cristão, chegando a lançar dois álbuns de estúdio e cinco ao vivo, com o nome de Lucas Souza. Como ele, Silva também tem formação evangélica.
“Temos quase sempre inúmeras alternativas, propostas, possibilidades, e as nossas escolhas quase todas têm a ver com arte, e quase nada com dinheiro. Demora mais, mas compensa. Eu nunca enxerguei para o Silva uma coisa de oportunidade. Sempre vi como uma carreira”, diz Lucas. “Olhando desta maneira, eu preciso ter critérios que sustentem as escolhas não para alguns meses, mas para décadas. É mais difícil, custa mais caro, mas é a forma de trabalhar em que eu acredito. Se houver algum atalho, vai ser pela própria música, e sem preconceitos. A carreira do Silva sempre foi uma crescente. Até hoje, nunca houve uma linha descendente.” Silva explica que tenta conjugar o cuidadoso planejamento da carreira com a ampla liberdade musical, mirando numa estrada longa de artistas como, ele cita, Marisa e Caetano Veloso. “A gente pensa no próximo passo da carreira, mas
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RAZÃO E SENSIBILIDADE A música, para Silva, é algo nato, segundo sua mãe, Letir Silva de Souza. Ela conta que ele começou a ir à escola de música quando tinha apenas 1 ano — não como aluno, mas para acompanhar a irmã de 5 anos, que era muito tímida e ficava mais confortável com a presença dele. “Ele começou a fazer tudo na aula, aprendia tudo o que era ensinado. Aos 3, já começou na flauta doce, depois de um tempo foi para o violino, aos 7 para o piano” lembra Letir. “A educação musical dele foi toda voltada ao erudito, temos
Tinha mil inseguranças de não corresponder ao papel do artista.” Silva
a música eu deixo intuitiva, não é planejada. Esse é o caminho que quero seguir. Como vou poder ser artista por mais 30 anos? Se estiver vivo, quero fazer bem, quero fazer direito. Tem gente que tem ambição de tocar no Maracanã lotado. Não vou reclamar se tocar no Maracanã, mas quero fazer show que vai chegar a um nível que faz a pessoa pensar naquilo por um mês, que marque. É a esse lugar que quero chegar como artista”, diz o cantor e compositor, que vislumbra fazer também projetos paralelos parar dar vazão a caminhos alternativos de sua música. A importância da música para Silva é perceptível em poucos minutos de conversa (“Sempre tive prazer com música, se eu não fosse cantar estaria
numa orquestra, ou produzindo, fazendo arranjo”). Ele conta que, no primeiro dia de terapia, ao ser colocado frente ao desafio de se definir, só conseguiu dizer: sou músico. “Tinha mil inseguranças de não corresponder ao papel do artista. Não tenho a desenvoltura da Anitta, da Ivete, não sou um cara do entretenimento. Ficava pensando: ‘Meu Deus, não vou conseguir falar no (Instagram) Stories’ (risos). Comecei a quebrar isso, entender que podia fazer do meu jeito. Hoje não tenho mais medo nem de palco nem de câmera. Mas ouço sempre: ‘na TV tem que falar mais animado, fala mais animado’. Mas eu não sou animado, sou assim. Comecei a perceber que eu sou assim.”
muitos músicos na família. Nunca esperava que ele fosse para esse ramo do popular. Isso tem a ver com o tempo que ele passou na Irlanda do Norte, um ano estudando inglês. Lá, começou a tocar nas ruas com uma banda, até para ganhar um dinheiro.” Com a observação de mãe, Letir dá uma chave para se entender a sensibilidade de Silva. Ela, a sensibilidade, talvez seja melhor para explicar sua música do que a simples análise de sua técnica ou das tendências do mercado: “Ele é muito perceptivo, pesca as coisas longe. Um suspiro que você dá ele já interpreta e entende.”
Ouça MAIS As 13 faixas do álbum “Brasileiro” ubc.vc/brasileiro
DESTAQUE
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Viní cius Cantu ária Com carreira consolidada na cena jazz dos Estados Unidos, o autor de megassucessos dos anos 1980 ensaia volta ao Brasil e já produz trilha sonora para filmes nacionais de_ Nova York
Autor de megassucessos inesquecíveis como “Só Você” (gravado por ele e, depois, por Fabio Jr. e Fagner) ou “Lua e Estrela” (gravado por Caetano Veloso), o manauara Vinícius Cantuária foi aportar em outras terras. Há mais de duas décadas radicado em Nova York, ele deu um tempo do pop e enveredou no mundo do jazz com seu inconfundível tempero brasileiro e latino. Vem trilhando um caminho de
LEIA MAIS Quer tentar a sorte no mundo das trilhas? Relembre os debates e reveja os vídeos do evento UBC Sem Dúvida: Música em Audiovisual, que tomou a sede da UBC em maio ubc.vc/UBCSemDuvida
prestígio, altas parcerias com nomes como Arto Lindsay, Brian Eno, David Byrne, Ryuichi Sakamoto e Sean Lennon, além de discos lançados só em terras gringas. Mas bateu a saudade. Cantuária planeja uma contundente volta ao mercado nacional: com disco de inéditas e um projeto especial em conjunto com o Netflix, uma homenagem aos rios e povos amazônicos. A ideia nasceu após ele receber um presente do amigo Caetano. “Ele me deu um poema sobre o Rio Negro. Resolvi musicálo e compor outras canções com nomes de rios”, explica o multiinstrumentista, compositor, produtor e cantor, entre uma pausa e outra de uma longa turnê com o quarteto jazzístico estadunidense que ele lidera. Foram nove apresentações nos Estados Unidos e no Canadá, entre junho e julho, além
de três em Paris e Lugano (Suíça). Em outubro, Cantuária retoma o tour. “Meu contato com o mercado brasileiro já começa a esquentar, através de trilhas sonoras. Acabo de fazer uma para o novo filme do José Alvarenga, ‘Intimidade Entre Estranhos’”, conta o artista, que, antenado ao filão crescente do audiovisual, se movimenta para seguir no mundo da música original, mas sem tirar um pé dos EUA. Para ele, prosperar no mercado internacional traz muita satisfação e requer esforço para fazer bons contatos. “Para fazer carreira fora, primeiramente tem que morar fora (risos). Aí, as coisas vão aparecendo. Eu tinha uma carreira sólida no Brasil, que me deu abertura em Nova York. Mas a sorte grande foi ter produzido o CD do Arto Lindsay. Abriu muitas portas, e não parei mais.”
PELO PAís 30
Música infantil,
arte para ouvir e ver
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Sucesso do musical e desenho animado “O Tubarão Martelo” mostra que, ao vincular canções a imagens, seu criador acertou em cheio por_ Ricardo Silva de_ São Paulo foto_ Gustavo Andrade em_ Belo Horizonte
O músico, compositor, filósofo e pesquisador mineiro Cláudio Fraga acertou em cheio ao criar a série “O Tubarão-Martelo e os Habitantes do Fundo do Mar”. Na era das imagens, que tentam impactar as crianças, ele partiu das ideias e movimentos dos personagens — peixes, crustáceos, moluscos variados — para, então, compor canções que os descrevem. A historinha já virou desenho animado e DVD e está prestes a saltar para o mundo físico, através do merchandising de bonecos, camisetas e outros objetos.
LEIA MAIS Reveja a reportagem da edição 34 sobre o mercado em expansão de trilhas sonoras para desenhos animados no país ubc.vc/MImais
“Fui professor de musicalização infantil durante 14 anos em Belo Horizonte. Um dia, em 2011, ao ir buscar o meu filho Pedro, então com 4 anos, a diretora me perguntou se eu tinha ou conhecia alguma história que abordasse o tema fundo do mar para a festa de fim de curso. Resolvi pesquisar e escrever a tal história. Nascia ‘O Tubarão Martelo’. Vieram os personagens e, para cada um deles, criei uma música”, ele conta. “Fez
sucesso, então elaborei e aprovei o projeto audiovisual através de um edital cultural de Minas.” Já está a caminho o segundo DVD do projeto, com dez novos personagens. “Teremos novos elementos gráficos de animações, diferentes ritmos musicais e mais vocais infantis. O lançamento será no ano que vem”, antecipa o produtor, que deixa dicas a quem quer se aventurar no suculento e crescente mercado infantil: “Estude o mercado, os produtos; defina a faixa etária, assista a clipes, séries, filmes, tudo o que puder; faça um planejamento estratégico para cada etapa do projeto; tenha fontes de financiamento para o desenvolvimento inicial, como editais ou leis de incentivo; forme uma equipe comprometida; pesquise empresas distribuidoras de conteúdos digitais; e participe de feiras audiovisuais para fazer networking. Mas, principalmente, acredite que seu trabalho será um sucesso.”
FIQUE DE OLHO 32
de_ São Paulo
UBC GANHA
Oportunidades do
núcleo de TV
audiovisual ‘cable retrans em debate mission’
O setor audiovisual nacional, que já responde por 60% de tudo o que o Ecad arrecada, não para de crescer. Por isso, a UBC aposta num núcleo específico para cuidar da execução pública de obras usadas em novelas e programas de variedades nacionais. “O núcleo dá atenção ao titular que tem obra ou fonograma inserido nesses programas, monitora a música, confere se está cadastrada, envia o áudio ao Ecad e checa se o uso declarado pelo canal é mesmo o correspondente. A partir daí, fazemos uma estimativa de quanto o associado vai receber e passamos os dados a ele”, explica Márcio Ferreira, gerente de Atendimento da UBC.
A UBC promoveu em maio um evento especial sobre a produção, a criação e as regras para o uso da música em audiovisual. No UBC Sem Dúvida, no Rio, nomes de peso do mercado da música original para novelas, filmes e séries, além de especialistas na parte financeira e nos rendimentos, participaram de palestras e debates. “O mercado nunca viveu um momento como esse. A maior parte da distribuição está ligada ao audiovisual, seja através da TV, do cinema e de streamings, como o Netflix. A gente sabe que esse coletivo vai crescer”, disse o diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco.
VEJA MAIS Confira os vídeos completos com todos os eventos do UBC Sem Dúvida: Música em Audiovisual ubc.vc/Videos_AV
Mudança no
Setembro trará boas notícias para os compositores de trilhas sonoras para desenhos animados e outros produtos audiovisuais exibidos em canais estrangeiros no Brasil. Uma antiga regra, a cable retransmission, será flexibilizada. Criada em 1985, quando a aferição de dados de programação de canais sediados num país e exibidos em outros era difícil, a regra determinava que o dinheiro da execução pública fosse enviado ao país de origem do sinal, de onde, muitas vezes, não voltava. Agora, com a melhora dos cue-sheets (as folhas de informação sobre as músicas) e um esforço ativo da UBC e do Ecad, a maior parte será distribuída aqui mesmo.
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Aulinhas sobre
direitos autorais em vídeo O beabá dos temas mais importantes sobre distribuição de direitos autorais virou uma série de vídeos criada pela UBC. Com participação dos funcionários, as quatro peças de curta duração e com linguagem bemhumorada dão informações sobre as diferenças entre obra e fonograma, cadastramento, edição musical, tipos de direitos que incidem sobre uma obra e o modus operandi da distribuição da UBC. Está tudo no ar, na página da UBC no YouTube. VEJA MAIS A série completa, com quatro vídeos youtube.com/ubcmusica
Portal do Associado estreia Cadastro de
deliberação Fonograma suspensa Online
Já está no ar, no Portal do Associado, a função Cadastro de Fonograma Online, que permite a criação do ISRC (número de identificação global de um fonograma) de maneira rápida e intuitiva. Até agora, os associados conseguiam realizar unicamente o cadastro online de uma obra. Já para cadastrar o fonograma (ou seja, a gravação ou fixação dessa obra), era preciso acessar um antigo mecanismo, o SISRC. Outra boa notícia propiciada por nosso investimento em tecnologia é que há a possibilidade de enviar o áudio da música pela própria plataforma, o que agilizará a identificação quando ela for usada.
UBC distribui
R$ 605 mi em 2017 A UBC distribuiu R$ 605 milhões a 164 mil titulares ano passado, 64% a mais que 2016. Esse montante equivale a 55,4% do total geral do Ecad. LEIA mais Conheça os dados completos do Relatório Anual 2017 ubc.vc/relatorio17
PLS 206/2012 tem
LEIA mais Veja onde cadastrar seu fonograma https://ubc.vc/CadastroOnline
Pautada para o último dia 11 de julho, a discussão sobre o PLS 206/2012, que seria votado na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, teve sua apreciação suspensa. O projeto isenta estabelecimentos hoteleiros do pagamento de direitos de execução pública pelas músicas executadas em seus quartos. O senador Humberto Costa (PT/ PE) pediu vista e levou a um novo adiamento da deliberação, que não tem data para voltar a ocorrer. “A isenção desse pagamento seria um grande retrocesso e extremamente injusta e danosa aos autores. O pedido de vista possibilita aos autores mais tempo para se mobilizarem”, diz o conselheiro fiscal da UBC Manno Góes.
LEIA mais Entenda a polêmica e assine a petição pela rejeição ao projeto ubc.vc/SuspensaApreciacao
CARREIRA 34
Intercâmbio
musical
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Compositor sueco Jonas Myrin vem ao Brasil, cria canções com Ana Carolina e Vanessa da Mata e fortalece aqui um modelo de troca de experiências “às cegas” que é popular lá fora por_ Kamille Viola
foto_ Mikkel Aranas
Compositor gravado por artistas como Celine Dion, Barbra Streisand e Andrea Bocelli, o sueco Jonas Myrin desembarcou no Brasil, em maio, com uma ideia em mente: conhecer criadores brasileiros. Promovido pela sua editora musical, o intercâmbio é um modelo crescente lá fora, um encontro meio “às cegas”, para ver no que vai dar, e que acaba sempre derivando em parcerias interessantes. Na semana em que ficou no Rio de Janeiro, conheceu integrantes do grupo Yahoo e compôs ao lado de Totonho Villeroy, Ana Carolina e Vanessa da Mata. Também participou de um sarau da casa de Cristina
Nascido na cidade de Örebro, a duas horas de Estocolmo, Jonas Myrin morou em Londres e Berlim e, hoje, vive em Los Angeles. Também passou uma temporada na África do Sul com a família, quando era pequeno, e por isso o inglês foi a primeira língua que aprendeu. É nela que compõe. Filho de missionários, começou sua história com a música na igreja. Compôs ao lado de Matt Redman “10,000 Reasons (Bless the Lord)”, que ganhou dois Grammy. Em 2003, lançou o disco “Dreams Plan Everything” e, agora, se prepara para lançar o primeiro álbum em escala mundial, que tem o nome provisório de “Mountains”.
do_ Rio
Cordeiro, viúva do trompetista Márcio Montarroyos. “Tem sido inspirador, me sinto abençoado por estar aqui. Poder absorver esses gêneros diferentes é fascinante”, disse, durante sua estada. “Você pode escrever uma bossa nova em Los Angeles. Mas não é o mesmo que compor com alguém que tem isso no sangue.” Myrin também tocou ao lado de Mu Carvalho (do grupo A Cor do Som) e teve a chance de usar um piano que pertenceu a Tom Jobim. “Meu pai era um grande fã do Jobim, o descobriu através do Frank Sinatra.
CARREIRA 36
Marcelo C. Falcão, diretor-presidente da Universal Publishing, disse que essa ideia surgiu na reunião da América Latina da editora: “O presidente da Universal Publishing América do Norte, Evan Lambert, ficou muito impressionado com o material do Brasil, nossos compositores, os vídeos, as músicas, a mistura com a música africana. Ele disse: ‘Quero enviar um compositor para o Brasil para compor com os artistas de lá’.” Myrin celebrou ter sido o escolhido: “O que está acontecendo aqui agora é incrível. Eu senti a energia... Acho que o mundo vai olhar, vai ser algo... Não ouvimos tanta música em português nos Estados Unidos, mas acho que
vai acontecer. Estou empolgado, a música (aqui) tem vida.” Jonas Myrin disse que, quando se senta para compor com diferentes pessoas, nunca sabe como ou se a mágica vai acontecer. “Com a Vanessa da Mata, só em uma tarde fiz três músicas, incluídas as letras. Com a Ana Carolina, passei dois dias e fizemos outras três. E elas são diferentes, novas, têm um sabor próprio”, elogiou Myrin, que compôs 12 músicas ao lado de artistas brasileiros. O resultado, segundo Marcelo C. Falcão, foi muito além do esperado: “Primeiro, achamos que não iríamos ter encontros para ocupar os dez dias de estada dele. No fim, foi pouco tempo.” Ponto para um modelo de troca cultural que tem tudo para beneficiar nossos criadores, abrindo portas e novas formas de pensar e produzir.
Estou empolgado, a música (aqui) tem vida.”
Jonas Myrin, compositor
LEIA MAIS Celso Fonseca conta sua experiência no acampamento de criação musical do Midem, na França, onde participou de composições em grupo com artistas de vários países e estilos diferentes ubc.vc/Fonseca
foto_ Mikkel Aranas
Cresci ouvindo esses clássicos”, contou o compositor, que também se disse admirador de Jorge Ben Jor.
NOTÍCIAS INTERNACIONAIS 37
de_ Madri
Direitos autorais:
US$ 8,3 bi em 2017 A arrecadação global com direitos autorais musicais passou de US$ 8,3 bilhões no ano passado. E, como sempre, televisão e rádio respondem pela esmagadora maioria dessa receita. Os dados constam do relatório 2017 da Cisac, divulgado em junho passado, que, mais uma vez, destacou a injustiça da transferência de valor, ou seja, a concentração da maior parte dos ganhos nas mãos não dos criadores das obras, mas das plataformas que as distribuem. O exemplo de serviços de streaming cujo modelo de negócio se baseia em anúncios, como o YouTube, por exemplo, chama a atenção. Com 1 bilhão de usuários no mundo, esses serviços não respondem sequer por um terço dos valores distribuídos aos autores por serviços baseados em assinaturas, como o Spotify. Detalhe: somadas, as plataformas de streaming com assinaturas têm menos de um décimo do total de usuários.
LEIA mais O relatório completo (em inglês, francês ou espanhol) ubc.vc/GC2017
Mercado global de música
Instagram disponibiliza
O mercado de música manteve a tendência de crescimento e se expandiu 8,1% em 2017, totalizando US$ 17,3 bilhões globalmente. Protagonista absoluto, o streaming chegou a 38,4% do faturamento total (55,1% no Brasil). Os dados são do relatório anual da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Paralelamente, a Pró-Música Brasil, entidade que representa a indústria fonográfica brasileira, revelou que o salto no país foi ainda maior: 17,9% de crescimento em relação a 2016, totalizando US$ 295,8 milhões, o que nos coloca em nono no ranking global de mercados.
A ferramenta Stories, que permite o compartilhamento de vídeos rápidos no Instagram, a rede social que mais cresce mundialmente (e já alcança 400 milhões de usuários), ganhou um novo recurso. Agora, permite a adição de músicas licenciadas e com remuneração aos autores. Por enquanto disponível em Alemanha, Austrália, EUA, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Suécia, a ferramenta entra para brigar com Spotify e YouTube inclusive como fonte de descobertas de tendências musicais globais. Não há data para chegada ao Brasil.
cresce 8,1%
LEIA mais Veja mais dados do relatório ubc.vc/PMB2017
música licenciada
foto_ Luiz Alves
legislação
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Autores
Leis em discussão na Europa e nos EUA estabelecem as bases de um novo entendimento sobre proteção aos criadores e seus conteúdos e podem influenciar parlamentos como o do Brasil
mobi lizados por_Alessandro Soler
de_ Madri
dos dois lados do Atlântico
Europa e Estados Unidos discutem, ao mesmo tempo, os desafios impostos aos criadores cujos conteúdos são compartilhados em rede. A necessidade de melhorar as remunerações e proteger os direitos autorais está no centro dos debates da nova Diretiva Sobre Direitos Autorais no Mercado Comum Europeu e na Lei de Modernização da Música, que o Parlamento Europeu e o Congresso estadunidense tramitam respectivamente, em substituição às suas legislações pré-era digital.
O projeto europeu, que havia sido aprovado em meados de junho na Comissão de Assuntos Jurídicos do parlamento continental, terminou derrubado na votação em plenário, no último dia 5 de julho. De um lado e de outro do Atlântico, importantes sociedades de gestão coletiva que acompanham a questão de perto creem que isso só se deu por causa da forte pressão exercida pelo chamado GAFA, o grupo dos gigantes da internet formado por Google, Apple, Facebook e Amazon.
legislação 40
Com investimentos de mais de US$ 7 milhões anuais em lobby, esses distribuidores de conteúdos criativos conseguiram convencer a opinião pública de que a Diretiva é uma ameaça à liberdade de expressão por prever coisas como uma ferramenta baseada em algoritmo que varre automaticamente redes sociais e sites de busca à procura de obras sem licença ou obrigar Facebook e Google a pagar aos donos de conteúdos — textos, imagens, sons ou audiovisuais — quando estes são compartilhados por seus usuários. “Essa votação foi resultado da campanha de desinformação agressiva do GAFA junto aos membros do Parlamento Europeu e aos cidadãos do continente. Eles deslocaram a discussão de uma questão econômica muito legítima, que é a remuneração justa dos autores, para a liberdade de expressão e a ‘necessidade de salvar a internet’. Simplesmente, queriam maximizar seus lucros com anúncios”, diz Jean-Noöel Tronc, diretor-geral da francesa Sacem, a mais antiga
sociedade de autores e editores musicais em atividade, fundada em 1851. Nos Estados Unidos, a Lei de Modernização da Música, aprovada na Comissão Jurídica do Senado em 28 de junho passado, espera votação em plenário e, se aprovada, melhora as remunerações pelo uso de músicas em plataformas de streaming. Esses serviços digitais estariam obrigados, por exemplo, a financiar uma Licença Mecânica Coletiva, um fundo destinado aos editores musicais, facilitando a concessão de licenças. Duas questões jurídicas previstas na lei agradam à Ascap, uma das maiores sociedades de gestão coletiva do mundo. Sua diretora-executiva, Elizabeth Matthews, explica que, no caso de ações judiciais relacionadas às licença pagas pelas plataformas, o projeto de lei permite que se equiparem as taxas das gravações às da veiculação em streaming. Além disso, “um artigo permite a rotatividade de juízes em
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3 perguntas para Elizabeth Matthews Está satisfeita com a tramitação da Lei de Modernização da Música até agora? Tivemos um grande avanço, mas esta é uma maratona, e ainda não cruzamos a linha de chegada. Estamos animados pelo fato de esses dois artigos terem passado intactos pela Comissão Jurídica do Senado: o que permite a rotatividade dos juízes que julgam as ações relacionadas às taxas cobradas e o que permite, em ações de licenciamento, a comparação das taxas pagas em gravações àquelas pagas pelos serviços de streaming. O projeto contempla os principais desafios da era digital? Ele é um passo importante, ao nivelar um pouco as condições de autores, compositores e editores com as dos licenciadores. Nossos associados são um elemento-chave nesse esforço. São grandes comunicadores, e é por isso que sua música é tão popular e leva cultura a todos os rincões do mundo. Eles precisam se pronunciar. Creio que nossos clientes, os licenciadores de música, começam a entender que os compositores aportam um incrível valor à economia criativa e que seu trabalho não é valorizado como deveria. Não podemos nos equiparar ao poder econômico das grandes companhias tecnológicas, daí a importância de educar os legisladores e o público.
audiências sobre taxas de licenciamento que envolvam a Ascap e a BMI (outra das grandes sociedades americanas)”, ela diz. A rotatividade permite que não se perpetuem decisões viciadas, oxigenando o debate no âmbito jurídico. Matthews aposta na mobilização dos autores, que despertaram para a necessidade de explicar seus pontos de vista e trabalhar pela educação do público: “O negócio digital cresceu num ambiente sem proteção justa. Agora, estamos tentando consertar esse erro.” Tronc corrobora: “O mundo digital é uma grande oportunidade para os autores, que podem fazer tudo ali. Mas o desafio real está em transformar isso num modo de subsistência. A única regulação europeia sobre isso tem 20 anos e criou um portoseguro, então necessário, para os serviços digitais. Hoje, não encaixa com sites como YouTube, que geram grandes lucros a partir de obras on-line.”
Como avaliam as discussões simultâneas na Europa? O Parlamento Europeu tem uma oportunidade de liderar o mundo na direção de uma menor brecha remuneratória entre os que criam as músicas e os que as distribuem. Agora mesmo, todos os lucros e o poder da era digital estão com os distribuidores, e os criadores não estão sendo recompensados. Precisamos já de um melhor equilíbrio.
LEIA MAIS Jean-Michel Jarre, presidente da Cisac, fala sobre o poder dos gigantes digitais na batalha contra os autores ubc.vc/EntrevistaJarre
CRIAÇÃO 42
Qual o som
Os timbres, tons e modos de fazer que marcam os anos 2010, na visão de criadores e pesquisadores por_ Gilberto Porcidonio
da década?
do_ Rio
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Fazer arte é necessariamente buscar uma expressão única, genuína e criativa do espírito humano. Mas na música, a mais globalizada das artes, há sempre um timbre, um tom, um modo de fazer que se disseminam e viram zeitgeist (ou espírito do tempo), uma tradução sonora de um certo período. Na década de 1950, o volume alto das guitarras e vozes do rock começou a mudar as coisas. Nos anos 1960, ainda mais disseminado, o rock abraçou inovações tecnológicas, como o transistor, que o deixaram mais barulhento, popular e contagiante. A badalada década de 1970 apresentou a exuberância da disco music, o virtuosismo cabeça do rock progressivo e, no extremo oposto, o minimalismo contestador dos três acordes do punk rock. Nos anos 1980, o crescente uso dos teclados eletrônicos ditou as regras do pop mundial. No decênio seguinte, depois de tanto barulho digital, o som orgânico dos riffs de guitarra voltou com força, agora devidamente adaptado à cena grunge. Nos anos 2000, novamente o tempero eletrônico, com acento drum ‘n’ bass e deep house. E agora, qual o “pretinho básico” dos sons que se produzem nestes anos 2010? Mesmo com a profusão sonora que faz deste tempo um dos mais difíceis de definir, o músico Pedro Luís não tem dúvida: é o minimalismo.
CRIAÇÃO 44
LINHA DO TEMPO Pop e avassaladores, os reis de cada década
Anos 1950 O mundo se apaixona pela guitarra elétrica
Anos 1960 Com o transistor, o rock faz mais barulho Anos 1970 Bateria, caixa de ritmos e sintetizadores: os reis da disco music Anos 1980 Teclados eletrônicos a serviço do pop-rock
Anos 1990 Guitarra, baixo, voz sujinha à grunge
Anos 2000 Computadores conectados ao som de d&b e deep house
Anos 2010 Minimalismo x eletrônico, guitarrinha x pancadão funk
“As harmonias econômicas nas produções pop definem uma tendência: fazer caber todo um universo diatônico e cromático no menor número possível de acordes. Harmonia caminhando o mínimo possível. O desafio é rever os clássicos e as novidades que neles se inspiram”, ele descreve. O músico Gabriel Moura também sente que se usam poucos elementos musicais no pop contemporâneo. Além disso, destaca a presença dos sintetizadores analógicos, como o americano Bruno Mars tem feito. Mas com alguns acréscimos. “Nos anos 80, o som de caixa nas músicas era enorme, e, os bumbos, pequenininhos. Hoje, o bumbo é sempre grande, e usam-se poucos
instrumentos de verdade nas gravações.” O tecladista Arthur Braganti, que produziu, junto de Natália Carrera, o álbum “Letrux Em Noite de Climão”, do projeto Letrux, capitaneado por Letícia Novaes, percebe também que há uma obsessão por tornar as produções cada vez mais limpas. Assim, os graves e os agudos crescem em detrimento dos sons médios. “Nos anos 90, tinha algo mais lo-fi. A música brasileira também está bem melódica, harmônica... É uma tendência da música pop em geral, com pequenas frases curtas, melódicas e certeiras. Sinto até falta de algo mais barroco, polifônico, a exuberância do excesso. Hoje, optar por isso é remar contra a maré, como faz a Ava Rocha”, explica.
REVISTA UBC
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CONTRA A MARÉ, O PANCADÃO Professor de Musicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o musicólogo Carlos Palombini foca um gênero que é objeto de seus estudos e que sintetiza bem as transformações temporais que a música vai sofrendo década a década: o funk. O musicólogo se debruça sobre dois hits do pancadão paulista: “Deu Onda”, do MC G15, e “Fazer Falta”, do MC Livinho. As canções são de 2016 e 2017, respectivamente, e, em suas características diametralmente opostas, reiteram a força do funk na criação brasileira contemporânea. “Essas produções paulistanas contrastam no uso que fazem dos timbres individuais, das texturas e da ocupação da tessitura. No que diz respeito aos sons isolados dos instrumentos que formam as diferentes linhas de cada uma, há uma orientação geral deliberadamente suja em ‘Deu Onda’ e limpa em ‘Fazer Falta’.” O pernambucano Siba reforça que, ao abarcar tantos modos de fazer, o funk apresenta, em tradução palatável, timbres peculiares ou elitistas – como a musicalidade grega antiga do “Baile de favela”, de MC João, e a flauta de Johann Sebastian Bach no “Bum Bum Tam Tam”, do MC Fióti. As sonoridades do estilo antes marginalizado vão, ele opina, ser a marca desta década.
Com a experiência de quem tem visto sua Anitta brilhar na cena internacional, Sergio Affonso, presidente da Warner Music Brasil, não duvida da força que o estilo nascido nas favelas do Rio ganha: “Eu trabalho há 49 anos na indústria fonográfica, trabalhei com diversos artistas na Universal e na Polygram, na Warner e na EMI, e nunca tinha visto o que eu vivo com a Anitta hoje. Não há semana em que não receba dois ou três pedidos de dueto. David Guetta ou Bruno Mars pedem as listas de dez funks mais tocados. Há quem aposte que o funk vai superar internacionalmente o reggaeton. Há um novo interesse pela música brasileira, para além dos sons mais sofisticados da bossa nova e da MPB.”
E o som contemporâneo é... por_ Geraldo Vianna* Horizonte
de_ Belo
Em termos de sonoridade, fora da MPB e do pop, o elemento mais distintivo da contemporaneidade é a fusão de timbres acústicos (principalmente percussão) com eletrônicos, o uso de sintetizadores analógicos e o processamento da voz, uma influência americana, criando novas texturas, uníssonos constantes. Outro fator marcante é a idoneidade da voz que, no gênero funk atual, alheio à soul music, desprezou os grooves harmônicos da base e passou a “contracenar” com ostinatos simples em contraposição ao canto, deixando mais espaço. Outro elemento que surgiu junto com esse importante movimento, no Brasil, foi a fusão, não somente de rítmicos e influências de vários países, como também de costumes sociais exemplificados nos clipes que levaram os gêneros, principalmente música e dança, a um casamento audiovisual perfeito. *Conselheiro fiscal da UBC, Geraldo Vianna é compositor e produtor musical
LEIA mais Alok e o bom momento da música eletrônica brasileira, que atrai olhares internacionais ubc.vc/eletrobrasil
DISTRIBUIÇÃO 46
Tecnologia explicada Entramos no Ciem, a sala do Ecad onde se monitora o uso de músicas em TVs e rádio; vídeo da UBC mostra como funciona a tecnologia Tec-CIA por_Roberto de Oliveira
do_ Rio
O sistema de aferição, pelo Ecad, da execução pública de músicas em TVs, rádios, plataformas de streaming, shows e festivais, estabelecimentos comerciais ou hoteleiros, entre diversos outros casos, é cheio de nuances. Mas um elemento comum às técnicas empregadas salta aos olhos: é a tecnologia. Em visita à sede nacional da entidade, no Rio de Janeiro, conhecemos o Centro de Identificação de Execução de Músicas (Ciem), onde trabalham
diversos profissionais monitorando o emprego de músicas pelos usuários. Trata-se de parte fundamental da distribuição. Um grande implemento no processo se deu com a criação de um software pelo Ecad e a PUC-Rio, o Tec-CIA (sistema de tecnologia para a captação e a identificação automática). Esse sistema é destinado aos dois usuários responsáveis pela maior parte da arrecadação: TVs e rádio. Faz a comparação das músicas usadas pelas emissoras com as informações existentes no banco de dados do Ecad. Assim, permite o processamento de uma quantidade grande de dados com nível de fidedignidade elevado. O banco de dados do Ecad é, em grande parte, alimentado pelas gravadoras, que têm uma senha para acessar a área de transferência e incluir novas músicas quando quiserem. Quanto maior o catálogo,
maior a precisão do Tec-CIA, daí as muitas ações levadas a cabo tanto pelo Ecad quanto pelas sociedades que o compõem (como a UBC) para estimular a atualização constante das informações. Com declarações de José Pires, gerente de TI e Planejamento Estratégico do Ecad, e de Samuel Garcez, técnico de escuta do Ecad, um vídeo produzido pela UBC traz detalhes do trabalho no Ciem. Acesse ubc.vc/TECCIA e confira.
Mais alto, mais rápido, mais forte O Relatório 2017, divulgado recentemente, mostrou que a UBC voltou a ter um ano de recordes. A distribuição cresceu 64% em relação a 2016, atingindo R$ 605 milhões (55,4% do total geral do Ecad) e beneficiando 164 mil titulares. Acesse o hotsite do Relatório Anual da UBC e conheça todos os resultados: ubc.vc/relatorio17
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Cadastro de Fonograma Online O Portal do Associado lançou em junho uma nova ferramenta. A partir de agora, e sem precisar sair do nosso ambiente virtual, você pode obter o código ISRC dos seus fonogramas e enviá-los para cadastro. Os áudios também podem ser submetidos on-line e serão usados para compor o banco de dados do Ecad. Saiba mais: ubc.vc/cadastroonline
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