PÓS-FENOMENOL FENOMENOLOGIA
RESPONSIVIDADE
Responsividade e experiência Intervenções urbanas mediadas digitalmente
ULISSES HUBNER ALVIM Trabalho apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa como parte das exigências da disciplina de ARQ398 - Trabalho de Conclusão de Curso: Fundamentação. Orientadora: Denise Mônaco dos Santos
Sumário Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
PARTE I:
Paradigmas teórico-conceituais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Fenomenologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 Pós-Fenomenologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Responsividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Síntese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
PARTE II:
Referências Projetuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Pavilhão de água doce. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Under scan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Body Movies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Permanent shadow. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
PARTE III
Proposta projetual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Escolha do lugar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Nova Viçosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Indicadores sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Uso e ocupação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Segregação Socioespacial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Educação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Hábitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Artes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Estigmas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Tensões. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Moradias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Escolha do terreno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Praça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 Terreno da APOV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Necessidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Cidade-lar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Interfaces. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Introdução
O
do espaço, reforçando sua natureza primitiva e, tradicionalmente, se posicionando contra a obsessão pela novidade e alienação da tecnologia contemporânea. Nota-se, portanto, o desafio teórico deste trabalho. A sua escolha, no entanto, devese a crença de que, apesar disso, esses dois temas podem conseguir um diálogo amistoso. É possível encontrar soluções arquitetônicas que geram sistemas responsivos potencializadores de processos de presentificação no mundo e auxilio na familiarização com os ritos da cidade e seus habitantes, conduzindo a consolidação de um senso de lugar. Para entender essas relações, é necessário a consulta aos textos da “pós-fenomenologia”, desdobramento da disciplina fenomenológica, que admite a tecnologia como parte do “mundo da vida” e reinterpreta suas implicações na experiência humana.
projeto consiste em uma intervenção urbana responsiva que configure espaços de permanência e convívio, tendo como foco as experiências dos usuários. Considera-se como princípio que sistemas responsivos e interfaces computacionais tangíveis podem fomentar as trocas e interações em meio urbano. O local de intervenção escolhido foi o bairro de Nova Viçosa em Viçosa-MG, por conta de suas características e carências socioespaciais. O bairro encontrase extremamente segregado da cidade de Viçosa, possuindo pouco acesso a equipamentos públicos predominantemente localizados no centro, além de apresentar necessidades de infraestruturas de convívio urbano. Na busca por criar espaços de interação comunitária qualificados com experiências, escolhemos utilizar o método fenomenológico para conduzir as escolhas projetuais. O projeto, portanto, emerge da fusão de dois conceitos distintos: a responsividade e a fenomenologia na arquitetura. De um lado nós temos a inovação tecnológica que contesta o caráter classicamente fixo, sólido e imóvel da arquitetura; e de outro, uma atenção às qualidades experienciais, sensíveis e poéticas 7
PARTE I
Paradigmas teóricoconceituais
PÓS-FENOMENOLO FENOMENOLOGIA
RESPONSIVIDADE
Fenomenologia
A
correntes pós-modernas em arquitetura caracterizadas por uma experimentação formal e semiótica . Tais correntes são acusadas de “protagonizar a visão e impor uma espécie de ditadura do olho, que produz edifícios de formas exuberantes que não dialogam com as populações locais e nem consideram as características do lugar em que serão implantados, seus materiais e tectônica” (MIROCZNIK, 2019, p .2) . Defende-se que essas posturas “despiram a arquitetura de suas dimensões bioculturais mais profundas, perdendo sua essência metafísica, tornando-se um produto funcionalizado e mercantilizado” (PALLASMAA, 2017, p .33) .
fenomenologia tradicional, como disciplina filosófica, foi inaugurada por Edmund Husserl (1859-1938) no início do século XX como uma investigação do “retorno as coisas mesmas” e crítica aos métodos científicos tradicionais que desconsideram as características subjetivas e metafísicas da complexidade humana (BULA, 2015, p .27) . Posteriormente, mais filósofos vão enriquecer o debate fenomenológico, como Heidegger (19891976) ao considerar a fenomenologia um “método” ou “forma de ver” e MerleauPonty (1908-1961) ao trata-la como “a essência da percepção” (HERNÁNDEZ, 2019) .
Em termos gerais, é possível evidenciar um panorama de como é estruturada a fenomenologia arquitetônica . Entre variações terminológicas de cada autor,
A incorporação do estudo dos fenômenos no âmbito da teoria da arquitetura vai buscar um retorno a elementaridade do lugar e do habitar humano, que escapam a ciência tradicional . Seus dois mais famosos teóricos, Juhanni Pallasma (1936-, Finlândia) e Christian NorbergSchulz (1926-2000, Noruega), assumirão diferentes desdobramentos nessa busca pela incorporação da fenomenologia na arquitetura .
O pensamento fenomenológico propõe uma crítica ao funcionalismo defendido pelo movimento moderno europeu, que “deixou de fora o lugar como o “aqui” concreto com sua identidade particular” (NORBERG-SCHULZ, 2006, p . 445) . A chamada “estetização” também é combatida, referindo-se a outras Imagem 1: Estrutura da fenomenologia na arquitetura 10
ESPAÇO EXISTENCIAL, Juhani Pallasmaa
há sempre o entendimento de uma esfera físico-material que se entrelaça a esfera mental-abstrata por meio da relação com o homem e dá origem ao espaço vivenciado . No diagrama deste trabalho (imagem 1), a esfera físicomaterial chamamos de ‘tectônica’, a “totalidade de coisas concretas que possuem substância material, forma, textura e cor” e a esfera mental-abstrata chamamos de ‘essências’, sendo os significados existenciais, intenções e valores refletidos sobre a tectônica pelo indivíduo . O ‘ato’ é a ação humana no espaço tectônico que é o responsável por dar luz às essências . Essa fusão origina o espaço vivido e a totalidade desses elementos é o que caracteriza o ‘lugar’,
Pallasmaa ao definir ‘espaço vivido’, tratado anteriormente, coloca as esferas físico-material e mental-abstrata como entes indivisíveis (imagem 2) . Como forma de diferenciar o 'espaço vivido' do espaço físico e geométrico, passa a chama-lo de ‘espaço existencial” . É impossível trata-lo em termos científicos tradicionais pois está mais próximo a uma noção onírica . O ‘espaço existencial’ é fundamentado em ‘essências’, que são significados ‘bioculturais’ secretos e pré-conscientes, além de encontros existenciais e ressonâncias que o ser humano atribui ao espaço físico . Segundo ele, “vivemos em mundos mentais, nosquaisomaterialeoespiritual, bem corno o vivenciado, lembrado e imaginado constantemente se fundem” (imagem 3) (PALLASMAA, 2018, p . 23) . A fenomenologia da arquitetura vai se amparar em conceitos intimamente relacionados com as essências do habitar, como: lugar, atmosfera, tempo, memória, imaginação e identidade .
defendido por Norberg-Schulz .
Retorno as essencias e crítica aos métodos científicos tradicionais
Imagem 2: Esquema da composição do "espaço existencial"
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LUGAR, Christian Norberg-Schulz
elas estão: “corpo na arquitetura”, “consonância dos materiais”, “sons do espaço”, “temperaturas no espaço”, “entre a serenidade e a sedução” e “luz sobre as coisas”.
Norberg-Schulz toma os textos de Heidegger predominantemente como referência. Ele trata a fenomenologia da arquitetura como um método para criação de lugares dentro de lugares, numa tentativa de revelar os significados latentes do ambiente. Sendo o conceito de ‘lugar’ tratado como uma totalidade qualitativa de natureza complexa. É, ao mesmo tempo, ponto de partida e de chegada. Primeiro o lugar é esse espaço que carrega um ‘caráter’, ou seja, uma qualidade essencial que o constitui, desenvolvida a partir da interação com o ser humano, resgatando a noção romana de genius loci, o ‘espírito do lugar’, um ‘outro’ que as pessoas precisam aceitar para habitar. Construir, para Norberg-Schulz, é reunir os significados apreendidos por experiência “afim de criar para si um imago mundi ou um microcosmo, que dê concretude a esse mundo” (NORBERG-SCHULZ, 2006, p.453). Ou seja, um mundo dentro de um mundo, um lugar dentro de um lugar.
O “corpo na arquitetura” diz respeito à expressão material do projeto, enquanto “consonância dos materiais”, é a preocupação de como os materiais se dialogam. Em “sons no espaço”, Zumthor trata o edifício como um grande instrumento que coleciona, amplia e transmite os sons. Há um destaque para as sensações psíquicas das ‘temperaturas do espaço’. “Entre a serenidade e a sedução” diz respeito à quarta dimensão da arquitetura: o tempo, se relacionando com a proposta de "promenade architecturale" de Le Corbusier: a apreciação do percurso como estratégia projetual. Inerente às sensações espaciais, não poderia faltar “A luz sobre as coisas”: uma investigação do comportamento da luz sobre os materiais (ZUMTHOR, 2006).
TEMPO Segundo Pallasmaa (2017, p. 118), as edificações são “depósitos e museus do tempo e do silêncio”, uma vez que “estruturas arquitetônicas tem a capacidade de transformar, acelerar, desacelerar e parar o tempo”. O modernismo é acusado de transformar a forma como tempo é trabalhado no ambiente, transformando arquitetura como um documento de tempo benevolentemente lento em uma arquitetura mais rápida, apressada e impaciente. Desta maneira, há uma necessidade de resgatar a lentidão do tempo apagada pela aceleração da modernidade e manter as marcas do
ATMOSFERAS, Peter Zumthor O termo “atmosferas” se popularizou na arquitetura de Peter Zumthor (1943, Suíça). Refere-se a “ambientes que possuem o poder de comunicar com nossa percepção emocional em sua totalidade” (ZUMTHOR, 2006, p. 13). O conceito, portanto, se relaciona com o entendimento de “espaço existencial” cunhado por Pallasmaa. Na busca por dar luz a essas atmosferas, Zumthor cita algumas relações espaciais que, articuladas e desvendadas, vão enriquecer as qualidades experienciais e essenciais da arquitetura. Entre 12
IDENTIDADE E LAR
tempo histórico nas edificações pois estruturam nosso entendimento do mundo.
Norberg-Schulz, em sua leitura arquitetônica de Heidegger, considera a identidade e a orientação os conceitos chave para se criar uma base de apoio existencial, sendo as duas funções psicológicas envolvidas no habitar humano. Por identidade, entende-se “ter uma relação amistosa com determinado ambiente”, fundamento para o sentimento de pertencer a um lugar; enquanto a orientação é a condição que nos torna capaz de ser aquele “homem peregrino” (NORBERG-SCHULZ, 2006, p.457).
MEMÓRIA A arquitetura pode ser um importante mecanismo da memória porque: materializa e preserva o passado do tempo e o torna visível; “concretiza a lembrança ao conter e projetar as memórias”; e por último, “estimula e inspira tanto a recordar quanto o imaginar” (PALLASMAA, 2018, p. 15). Há partes de nós projetadas e ocultas nos locais onde habitamos. Ao revisitar um lugar em que estivemos no passado, uma enxurrada de lembranças presas por nós àquele lugar é catalisada.
O homem moderno frequentemente deu uma importância desregrada a esse ser peregrino e negligenciou a identidade, querendo desbravar, ser livre e conquistar o mundo, sem criar raízes e um domicílio fixo. Isso pode ter ajudado a tornar comum essa perda de lugar em nossa cultura de abundância, uma inabilidade de nos mesclarmos com o mundo, proporcionando um vacuo existencial e um perpétuo tempo presente, temas recorrentes da arte contemporânea (PALLASMAA, 2017).
Edificações são “depósitos e museus do tempo e do silêncio” IMAGINAÇÃO
O problema traz à tona a importância do conceito de lar para a humanidade. O lar não pode ser entendido enquanto uma construção física que responde a um programa funcional básico. Seu conceito é complexo e difuso. O lar é um ambiente físico e ao mesmo tempo metafísico, que integra memórias, medos, desejos, passado, presente, aspirações futuras, amores, nostalgias.... Tudo isso converge na construção de uma extensão do seu eu identitário (PALLASMAA, 2017).
A habilidade de imaginar dever ser considerada “a mais humana e essencial de nossas capacidades” (PALLASMAA, 201, p. 81). A avalanche de imagens excessivas, insignificantes e não hierarquizada, características da pós-modernidade, nos tira essa oportunidade importante de imaginar porque imagina por nós. É na imaginação que nos colocamos em certa vivência e desenvolvemos nossa empatia.
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Cidade-lar e o espectadorperformer
que as pessoas se familiarizem com as ‘performances’ de outros habitantes. Podem se identificar ou buscar ser diferente deles, mas apesar disso, criase uma espécie de confiança mútua (Suurenbroek, et al, 2019),.
A
Tais interações, com o passar do tempo, criam um vínculo pleno com um local. O ambiente começa a ganhar significados específicos e criar um “senso de lugar”, a constante busca da fenomenologia arquitetônica. Esse senso de lugar induz uma sensação de lar, a experiência de sentir-se pertencente e seguro no espaço.
cidade pode ser compreendida como o artefato humano mais complexo e significativo. Nela, “as atividades e funções se interpenetram e entram em contato umas com as outras, criando contradições, paradoxos e uma excitação de natureza erótica” (PALLASMAA, 2017, p. 48).
Estabelecer uma atmosfera de lar em um ambiente tão complexo e paradoxal é um grande desafio. Enquanto no lar tudo é familiar e identificável, a cidade lida a todo momento com a tensão familiaridade x estranhamento. Segundo Suurenbroek (et al, 2019), os moradores da cidade podem familiarizar-se com os ritmos da cidade e seus habitantes através da criação de “domínios públicos”. Trata-se de locais específicos que são usados por uma diversidade de pessoas, de vários grupos, classes e estilos de vida. Para entender esse conceito, usa-se frequentemente a metáfora da cidade como teatro, onde os habitantes são, ao mesmo tempo, público e performers. Determinados grupos usam o espaço urbano em suas interações internas e mostram inconscientemente a outros grupos quem são por meio de seu comportamento e estilo. Da mesma forma, esse grupo que se expos, visualiza outros grupos e suas relações. Esses pequenos intercâmbios de fundo fazem com
Os habitantes da cidade são simultaneamente o público e os performers
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FENOMENOLOGIA X INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
da cultura do consumo”. Para Pallasmaa (2018), “as construções humanas têm a tarefa de preservar o passado e nos permitir experimentar e compreender o continuum da cultura e da tradição”.
Muitos discursos de base fenomenológica na arquitetura são contrários ao uso excessivo da tecnologia digital, pois operam de forma alienante ao indivíduo, destituindo deles experiências corpóreas, significativas e poéticas. Atos carregados de significado existencial são sintetizados em um click. Pode-se exemplificar isso através da imagem poética do fogo: entendido como esse elemento que aquece nossa pele, com essências primitivas, e ao preparar um alimento, compreendemos seu modo de operação, as relações de causalidade que nos elucidam o funcionamento do mundo e das coisas. O fogão elétrico nos priva do contato direto com o fogo e suas essências ao automatizar experiências (GRÜNKRANZ, 2010).
Diante dessas desavenças que a fenomenologia tradicional estabeleceu com a tecnologia e a inovação, o intuito deste trabalho encontra obstáculos sérios uma vez que a arquitetura responsiva trata justamente de inovação e incorporação de tecnologia digital. Para ser possível essa associação, é necessário recorrer a uma atualização da metodologia fenomenológica que admite o uso da inovação digital denominada “Pós-fenomenologia”.
“De modo geral, a arte possui uma relação dual com a tecnologia. Diversas formas artísticas aceitam e fazem uso de inventos tecnológicos, mas, ao mesmo tempo, dão as costas à racionalidade e à utilidade tecnológica.
A
técnica
de
construção
mais engenhosa permanece sendo mera habilidade de engenharia se a estrutura for incapaz de iluminar o enigma da existência humana subjacente à racionalidade técnica, e incapaz de criar uma metáfora para nossa existência.
Fundamentalmente,
a
arte
sempre termina por constatar a inutilidade da
tecnologia
e
da
racionalidade.”
(PALLASMAA, 2017, p. 67)
Há uma postura crítica dos teóricos da fenomenologia arquitetônica quanto a essa “obsessão” pela novidade e originalidade da pós-modernidade, como uma “necessidade estratégica 15
Pós-Fenomenologia
A
ao mundo . Somos capazes de criar, recriar, mudar e adaptar as condições de nossa própria existência e evolução por meio do tecnologia . Dessa forma, entende-se que pessoas e coisas estão inseparavelmente interligadas e co-constituídas (IHDE; MALAFOURIS, 2018, p . 197) .
visão avessa às inovações tecnológicas dos fenomenólogos tradicionais foi sendo questionada por teóricos posteriores . Como é o caso de Dom Ihde, que inaugura a chamada “Pósfenomenologia” em 1990 em seu livro “Tecnologia e o mundo da vida: do jardim à terra” . Esse novo conteúdo filosófico passa a admitir a tecnologia e a considera-la o cerne da condição humana (BOZATSKI, 2017) .
O homem é um fabricante autoconsciente que se modifica durante o processo
Segundo Ihde, o homem é um fabricante autoconsciente que se modifica durante o processo de fabricação . Trata-se de uma característica que evidencia a singularidade humana, uma vez que os animais somente manipulam os objetos de forma utilitária e em
Don Ihde classifica em quatro modalidades a forma como as tecnologias mediam a experiência humana: corporeidade, hermenêutica, alteridade e de fundo (READ, 2013) . Tais modalidades se diferenciam de acordo com o
contextos de coleta extrativa, não sendo fabricantes autoconscientes . Nossa espécie tem a capacidade única de fazer as coisas e ao mesmo tempo ser feita por elas, ao transformar como vivenciamos e damos sentido 16
artefato” . Exemplo é a bengala do cego, citada por Merleau Ponty, que assume um papel de extensão do próprio corpo, onde a percepção tátil é estendida à extremidade da bengala em contato com o ambiente externo (IHDE; MALAFOURIS, 2018; IHDE, 2005; ALMEIDA, 2010) .
modo como estão situadas dentro do diagrama homem-interaçãomundo, pelo qual a fenomenologia tradicional opera . Dentro deste diagrama, “as tecnologias podem, e freqüentemente o fazem, ocupar posições dentro e através da variedade de relacionamentos dentro, para e com o ambiente” (IHDE, 2005) .
Nas relações de incorporação, eu percebo o mundo através das tecnologias e por meio da transformação reflexiva da minha percepção e sentidos físicos . Para elas se estabelecerem, é necessária uma apreensão ou constituição . No caso da bengala do cego, por exemplo, é preciso um tempo para assimilar o funcionamento e a formar de operar da tecnologia (BOZATSKI, 2017) .
RELAÇÕES DE FUNDO Nas relações de fundo, a tecnologia não se encontra explícita, declarada, parte da nossa plena atenção . Trata-se do termostato, por exemplo, que opera mais ou menos automaticamente . De acordo com Grünkranz (2010), a visão heideggeriana assumiria uma posição de conflito quanto a essas relações, por entender que a tecnologia, nestes termos, opera uma desconexão com as atividades que trazem mudanças a um ambiente vivido . Abandona-se o ato romantizado de coletar madeira, armazena-la e queima-la para aquecimento das casas, contrastando com a operação liga e desliga de um termostato .
HERMENÊUTICA Designa as relações de leitura ou ação interpretativa especial junto a tecnologia . Trata-se de uma representação do mundo pela tecnologia . É através dela que percebemos o mundo, mas diferente da incorporação, ela tem caráter representacional . Um exemplo dado por Ihde é a “Nebulosa do Caranguejo” . Não conseguimos vê-la nitidamente a olho nu, sua visualização só foi possível pelo uso de raios-X Chandra . A tecnologia, nesse caso, torna esse fenômeno visível ao
INCORPORAÇÃO Já as relações de incorporação, segundo Ihde (2005, p . 3), tratam-se de um “senso imediato de habilidade corporal, estendido por meio de um 17
transformar os dados que coletou em uma imagem criada, utilizando cores falsas . Dessa forma, percebemos o mundo através de uma representação tecnologicamente criada (BOZATSKI, 2017) .
e também de afeições triviais por objetos . Os autômatos, por exemplo, sempre causaram fascínio nos homens há séculos por serem dotados de uma quase animação (BOZATSKI, 2017) .
ALTERIDADE
O vídeo game, além das dimensões de incorporação e hermenêutica, pode nos fornece um exemplo bem rico das relações de alteridade . Nele, “há um senso de interagindo com alguma coisa outra que não eu, o competidor tecnológico . Na competição há uma espécie de diálogo ou permuta . Isto é a quase animação, a quase alteridade da tecnologia que fascina e desafia” (BOZATSKI, 2017, p . 64) .
É quando a tecnologia assume o papel de um “outro” que interage com o homem . A alteridade tecnológica “é uma quase alteridade, mais forte que a mera objetividade, mas mais fraca que a alteridade encontrada junto ao reino animal ou humano” . Pode ser exemplificada pelo antropomorfismo, quando incorpora-se características próximas as humanas a artefatos,
Imagem 3: Síntese das classificações das formas como a tecnologia media a experiência
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NOVAS EXPERIÊNCIAS PERSEPTIVAS Nilsson (2017) defende que esse argumento de que a tecnologia é fonte de alienação deixa de lado o potencial do homem de absorver o novo e incomum dentro de sua estrutura simbólica, entendendo a adaptabilidade como inerentes ao ser humano. A tecnologia bem projetada, portanto, consegue superar a alienação.
A tecnologia bem projetada supera a alienação
Existem potenciais na arquitetura digital para ressoar com as práticas sociais e cognitivas dos corpos humanos, “para produzir novas experiências espaciais que cortam a separação entre percepção e ação e apontam para a possibilidade de algo mais do que o consumo visual do espaço representacional - a possibilidade de invenção e reinvenção entre arquiteturas e corpos" (NILSSON, 2017, p. 4).
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Responsividade
A
As interfaces digitais operam sob várias formas influenciando o espaço construído, proporcionando diferentes conformações espaciais . Esses sistemas podem promover mudanças de natureza topológica, tipológica e tectônica . Alterando e redefinindo funções, percepções espaciais, temporalidades, e experiências (JAMES e NAGASAKA, 2011) .
arquitetura responsiva é aquela com a capacidade de alterar sua forma em resposta a condições ambientais e interferências humanas (HENRIQUES, 2015) . Essa nova modalidade de espaços, desafia a natureza estática da arquitetura tradicional, possibilitando transformações que diversificam e enriquecem as experiências do usuário no ambiente . A característica maleável, fugaz e líquida das relações socioeconômicas contemporâneas, pautada na diversidade, transformações aceleradas e condições efêmeras, convoca uma arquitetura dinâmica e adaptativa . Por isso o tema responsividade no espaço construído se mostra tão pertinente . Além disso, acompanha a progressiva utilização das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC’s) presente em grande parte das relações produtivas e cotidianas, trazendo-as para o âmbito da arquitetura .
Em parte da literatura, os conceitos de arquitetura responsiva e arquitetura interativa aparecem como sinônimos . Alguns autores, no entanto, diferenciam essas duas expressões, tratando a arquitetura responsiva como um sistema que necessita de estímulos exteriores para obter uma resposta . Nesses termos, a arquitetura interativa se apresenta como uma instância da responsividade, acrescida de um “diálogo de aprendizado entre usuário e sistema, podendo este ser criado também a partir de diversas
Imagem 4: Funcionamento típico de sistema responsivo e de instalação multimídia (retirado de JAMES e NAGASAKA, 2010)
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(JAMES e NAGASAKA, 2010)
interações anteriores” (STOFELLA e VAZ, 2018, p . 2) . Na interatividade, a arquitetura servirá pró-ativamente, “através de alterações espaciais criativas relativas ao conhecimento continuamente reunido, atualizado e validado” (JASKIEWICZ, 2012, p . 185) . Isso vai além de uma aplicação funcional imediata, tornando esses sistemas capazes de elaborar e coreografar novas formas de interação social e lúdica nos lugares (AL FALEH, 2017, p . 3) .
O elemento multimídia funciona como um sistema em si, cujo núcleo básico é formado por 3 componentes: sensores, núcleos processadores e atuadores, como mostra a figura 2. Tais nomenclaturas são atribuições genéricas para um número grande de elementos cuja composição e complexidade variam significativamente (CARNEIRO, 2012).
SENSORES
FUNCIONAMENTO
Os sensores são dispositivos responsáveis pela coleta de informações que serão enviadas ao sistema (input) . Eles agem na tradução do mundo físico para o digital, sendo sensíveis a energias ambientais e informações do usuário
O uso de mídias digitais no ambiente construído é constituído por um sistema que consiste na multimídia implementada, no espaço de instalação e no público que vivenciam e interagem esse espaço (imagem 4)
Imagem 5: Figura 2: Sensores de luz e de som conectados a um microcontrolador conversor analógicodigital. As informações recebidas são processadas e o resultado deste determina o controle de um LED e de um motor. Além disso, pulsos ritmizados enviam (tx) e recebem (rx) informações (retirado de CARNEIRO, 2012)
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relacionando-as a grandezas físicas mensuráveis como: temperatura, pressão, aceleração, posição, velocidade, etc (STOFELLA e VAZ, 2018).
PROCESSADORES Os processadores são os responsáveis por receber e processar as informações obtidas através dos sensores. Em seguida, tomam decisões conforme instruções pré-estabelecidas através dos processos de programação de softwares. Essas decisões são enviadas aos atuadores, responsáveis pela ação de resposta no espaço (output) (CARNEIRO, 2012).
ATUADORES Atuadores são os dispositivos responsáveis por executar as ações processadas e determinadas pelos processadores. Assim como os sensores, agem como transdutores, intermediando as conversões físicoeletrônicas, mas nesse caso atuam de forma inversa, transformam um sinal elétrico em grandezas físicas. Como representantes dos atuadores estão motores que desempenham algum tipo de movimento, sistemas de áudio, equipamentos eletrônicos em geral e dispositivos de mídia. As mídias que podem ser usadas em sistemas responsáveis podem ser classificadas em quatro grupos principais: tecnologias mecânicas, de projeção, de iluminação e de telas (CARNEIRO, 2012).
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Síntese
P
Suurenbroek (et al, 2019) diz que ela pode ser uma importante ferramenta na criação de “domínios públicos” e nesse reforço da sensação de lar em diferentes maneiras:
odemos identificar a classificação trabalhada por Dom Ihde sobre as relações homem-tecnologia nos objetos responsivos para entendermos como eles podem atuar nas experiências humanas.
- As instalações de mídia digital podem encorajar a interação entre diferentes usuários do espaço, tanto reforçando o engajamento do espaço público como operando um confronto e mistura de diferentes “domínios paroquiais” – que é o domínio ocupado pelo “mesmo tipo de pessoas".
As relações de incorporação podem ser operadas na responsividade quando os sujeitos juntamente com a tecnologia estabelecem relações e significados próprios, que só ocorrem graças a esse encontro. A alteridade tecnológica está presente em grande parte dos sistemas responsivos por conta de serem frutos das atribuições antropomórficas que homem concede aos tecnofatos, como a animação e a resposta. A visão pós-fenomenológica “não enquadra a experiência por meio de uma mentalidade ou subjetividade interior, mas leva a experiência para fora do interior do sujeito”. Desse modo, esse “outro” se torna “parte integrante da situação humana e uma parte integrante de uma estrutura de experiência embutida no próprio ambiente construído” (READ, 2011, p. 196).
- Uma interface pode também revelar um domínio paroquial ou realidade específica, contribuindo com as relações espectador-performer. - Pode reforçar o sentido de lugar através de emoções que o lugar evoca. - Pode propor uma forma mais consciente e responsiva de caminhar, operando uma desaceleração e um olhar, estimulando os sentidos e despertando a curiosidade das pessoas. Isso pode ser promovido com uma interrupção breve que pode encorajar a caminhada como um exercício espacial criativo e como uma experiência urbana (SUURENBROEK et al, 2019, p.32).
Os sistemas responsivos assumem as relações hermenêuticas quando se referem ao mundo por meio de representações, tais como displays, luzes e mostradores que interagem com o homem.
Todos esses itens podem ajudar a formar embriões na construção de “domínios públicos” e no reforço do “senso de lugar”, que exige uma análise participar do lugar e de seu caráter.
Entendendo todos esses poderes da responsividade sobre o homem, 23
PARTE II
Referências Projetuais
LOZANO-HEMME NOX E LARS SPUYBR
DILLER SCOFIDIO +
Pavilhão de água doce DESCRIÇÃO: Retirada retirada de Schielke (2016) “NOX alimentou a discussão sobre a fluidez da água e da luz com a sua exposição de água real e virtual na HtwoOexpo em Neeltje Jans, Holanda, em 1997 . Aqui, em uma estrutura amorfa e sem janelas, Lars Spuybroek atribuiu à água de verdade o papel de ser não-interativo, criando uma névoa pulverizada drenada ao longo dos andares . Como contraponto, NOX introduziu a água virtual através de projeções interativas com sensores, que transformavam os padrões de ondas em ondulações e bolhas culminando em experiências fascinantes para os visitantes” (Schielke, 2016, p . 2) Arquitetos: Grupo Nox e Lars Spuybroek Localização: Ilha artificial de Neeltje Jans, Holanda Ano: 1997 DISCUSSÕES: O projeto é um exemplo de como o uso da virtualidade no projeto de arquitetura pode contribuir e potencializar a presentificação no mundo, não excluindo e sim agregando a noção plena do corpo . O sujeito fenomenológico na obra se funde ao espaço físico e a virtualidade formando uma unidade intrincada de relações e significados. O espaço não está pronto sozinho, ele se configura através da ação, em uma emergência de comunhão contínua (ALMEIDA, 2010) . As percepções singulares multissensoriais se comunicam com nossa memória e imaginação, criando atmosferas, estados novos de consciência do estar no mundo . A tecnologia aqui estabelece relações principalmente de incorporação e alteridade de acordo com as classificações de Don Ihde (1990).
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Under scan DESCRIÇÃO: Retirada do site do artista “Under Scan é uma instalação de videoarte interativa para o espaço público . Na obra, os transeuntes são detectados por um sistema de rastreamento computadorizado, que ativa vídeo-retratos projetados em sua sombra . Mais de mil vídeos-retratos de voluntários foram feitos em Derby, Leicester, Lincoln, Northampton e Nottingham por uma equipe de cineastas locais . Para sua apresentação em Londres em Trafalgar Square, a Tate Modern filmou mais de 250 gravações adicionais. Como as pessoas eram livres para se retratar da maneira que desejassem, uma ampla gama de performances foi capturada . Na instalação, os retratos aparecem em locais aleatórios . Eles "acordam" e estabelecem contato visual com o observador assim que sua sombra os "revela" . Conforme o observador se afasta, o retrato reage desviando o olhar e, eventualmente, desaparece se ninguém o ativar (LOZANO-HEMMER, tradução nossa) . O sistema de análise de trajetórias posiciona imagem de corpos em movimento em locais estratégicos . Autor: Rafael Lozano-Hemmer Exibições / Ano: Bochum, Alemanha / 2012 . New York, EUA / 2008, 2009 e 2011 . University of California, Irvine, California, EUA / 2010 e 2011 . DISCUSSÕES: A instalação de Hemmer exemplifica como os sistemas digitais podem favorecer o engajamento das pessoas com espaços livres urbanos, criando novas condições de apropriação e potencializando experiências individuais e coletivas . O elemento surpresa é crucial nessa intervenção . Os transeuntes se deparam com imagens que surgem no piso ao caminharem que convidam as pessoas a interromper o percurso e admirar (ROCHA, 2015) . Relacionando com os apontamentos de Suurenbroek (et al, 2019), pode ser considerada uma pequena interrupção na maneira como os usuários andam e percebem, criando uma atmosfera de receptividade e surpresas que transforma o caminhar intencional em um caminhar discursivo . Isso articula uma atenção ao outro projetado que choca os domínios individuais, fazendo a presença dos diferentes seres humanos ser percebida e familiarizada, direcionando a um domínio público do espaço . Segundo Rocha (2015), a instalação apresenta elementos em referência aos Happenings, ao se firmar dentro da experiência vivida do lugar, participando de seu cotidiano e diluindo os limites entre real e imaginário . Observa-se a presença das relações de incorporação na obra, uma vez que a nossa própria sombra, parte de nós, é modificada pela tecnologia, causando um estranhamento, ao mesmo tempo que revela representações e confrontos com um outro ser humano que a tecnologia mimetiza, caracterizando uma alteridade tecnológica . 29
Body Movies DESCRIÇÃO: Retirada do site do artista “Body Movies transforma o espaço público com projeções interativas que medem entre 400 e 1.800 metros quadrados. Milhares de retratos fotográficos, anteriormente tirados nas ruas da cidade-sede, são mostrados por meio de projetores controlados por robôs . Porém, os retratos só aparecem dentro das sombras projetadas dos transeuntes, cujas silhuetas podem medir entre dois e vinte e cinco metros dependendo da distância ou proximidade das potentes fontes de luz posicionadas no solo . Um sistema de rastreamento por videovigilância aciona novos retratos quando todos os existentes forem revelados, convidando o público a ocupar novas narrativas de representação . A gravura de Samuel van Hoogstraten "The Shadow Dance" (Rotterdam, 1675) é a principal fonte de inspiração para este trabalho ( . . .) Body Movies tenta usar mal as tecnologias do espetacular para que possam evocar uma sensação de intimidade e cumplicidade em vez de provocar distância, euforia, catarse, obediência ou admiração” (LOZANO-HEMMER, tradução nossa) . Autor: Rafael Lozano-Hemmer Exibições / Ano: Warsaw, Polônia / 2011 . Québec, Canada / 2008 . Wellington, Nova Zelândia / 2008 . Hong Kong / 2006 . Duisburg, Alemanha / 2003 . Lisboa, Portugal / 2002 . Linz, Austria / 2002 . Liverpool, Reino Unido / 2002 . Rotterdam, Países Baixos / 2001 . . DISCUSSÕES: No projeto, a espacialidade se constrói em função dos corpos no espaço . Chama a atenção o aspecto teatral da obra: os pedestres passam a ser performers ao se movimentarem e projetarem suas sombras na parede; ao mesmo tempo são expectadores ao contemplarem as movimentações dos outros interagentes . Exemplifica a metáfora que Suurenbroek (et al, 2019) disserta ao tratar dos “domínios públicos”, onde os usuários interagem uns com os outros nos espaços e (inconscientemente) mostram uns aos outros quem são por meio de seu comportamento, roupas e outras práticas simbólicas, conformando esse espectador-performer . A instalação também confunde as noções de escala humana, aproximando o homem da escala dos edifícios .
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Permanent shadow DESCRIÇÃO: Retirada do site Designboom “A RENAZCA é uma iniciava para regenerar e melhorar os espaços públicos do AZCA . O projeto traz um par de esculturas ambientais responsivas: 'sol permanente' reflerá a luz do sol em áreas perpetuamente projetadas na sombra usando uma série de helióstatos giratórios; enquanto a 'sombra permanente' fornecerá uma área consistente de alívio do sol forte, usando um disco flutuante de 22 de diâmetro” (STEVES, 2021, TRADUÇÃO NOSSA) . Arquitetos: Diller Scofidio + Renfro , Gustafson Bowman + Porter , B720 Fermín Vázquezarquitectos . Localização: Madri, Espanha Ano: 2019 (não construído) DISCUSSÕES: O projeto cria espaços ligados a uma percepção do tempo . Segundo Norberg-Schulz (1976), as propriedades básicas dos lugares criados pelo homem são a concentração e o cercamento . A obra explora outras leituras de cercamentos que não possuem natureza sólida. Configura espaços completamente abertos ao exterior, mas ao mesmo tempo cria um interior . Pode ser lida como uma das formas mais primárias da formação de lugares . A sombra que não se move cria um local guardado continuamente, aproximase de uma sacralização e de um silêncio .
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PARTE III
Proposta projetual
CULTURA NOVA VIÇOSA
CIDADE-LAR
Escolha do lugar
V
VIÇOSA-MG
içosa- MG é uma cidade da Zona da Mata de Minas Gerais, ligada às rodovias BR 120, MG 280 e MG 356 . Possui uma população aproximada de 79 mil habitantes e abriga também uma população flutuante de cerca de 15 mil pessoas, formada basicamente por estudantes (CRUZ, 2014) . A cidade é reconhecida principalmente por sua vocação acadêmica, especialmente pela presença da Universidade Federal de Viçosa, inaugurada em 1926 pelo então presidente da República Arthur Bernardes, viçosense . A instalação da universidade proporcionou um acelerado e súbito crescimento demográfico. Isso gerou impactos significativos nas condições urbanas como a cristalização de um mercado imobiliário e uma expansão desordenada e segregacionista .
POPULAÇÃO ESTIMADA (IBGE, 2020) 79 .388 pessoas DENSIDADE DEMOGRÁFICA (IBGE, 2010) 241,20 hab/km² ÁREA DO MUNICÍPIO (IBGE 2019) 299,418 km² GRAU DE URBANIZAÇÃO (IBGE 2019) 93,19% IDHM 0,775 (alto) BIOMA Mata Atlântica
NOVA VIÇOSA
seu escopo, trata-se de uma intervenção urbana responsiva que configure espaços de permanência e convívio, tendo como foco as experiências dos usuários . A escolha do bairro deve-se primeiro às carências apresentadas por espaços públicos de convívio e interação social, além da segregação socioespacial com relação ao Centro e suas infraestruturas, tornando o projeto pertinente . Segundo, ao desejo de criar um projeto apoiado em um senso comunitário, característico de Nova Viçosa e regiões periféricas que costumam apresentar características socioeconômicas mais homogêneas e
Nova Viçosa é um bairro localizado na região Sudoeste da cidade de Viçosa-MG . Em relação ao Centro urbano, encontrase a uma distância de 4 Km . Fundado no final da década de 1970, surgiu a partir de loteamentos destinados às classes populares . Hoje a localidade pode ser considerada um bairro dormitório, uma vez que a maior parte das pessoas trabalham ou estudam em outras partes da cidade . Escolheu-se o bairro para abrigar o projeto proposto neste trabalho . Retomando 36
meios digitais, além de projetos assim serem vistos como pouco urgentes em contextos com demandas mais imprescindíveis . No entanto, Nova Viçosa apresenta uma dimensão considerável de inclusão digital, suficiente para não causar qualquer estranhamento . Além disso, projetos nesse âmbito
uma população mais identificável entre si . O projeto, pela sua natureza tecnológica, pode levantar questionamentos quanto a sua implantação em um bairro com baixas condições socioeconômicas, pelo fato do estranhamento que pode causar a uma população com pouco acesso aos
va Viçosa o N
Imagem 1: Mapa de Viçosa
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acompanham uma inclinação universal para uso amplo de tecnologias digitais . Com relação ao segundo argumento, o presente projeto não objetiva suprir todas as demandas da população de Nova Viçosa, mas propor estratégias que focam em necessidades reais e igualmente importantes para a vida humana ligadas a cultura e convivência . Reforça-se ainda as benesses do uso de TICs como facilitadores de interações sociais, quando pensados para esse fim. O levantamento das principais características do bairro foi produzido com base em bibliografia de apoio e pesquisa qualitativa com moradores do bairro por meio de observação participante composta por conversas informais .
Imagem 2: Festa de Inauguração Nova Viçosa (COELHO, 2013)
Imagem 3: Primeiras casas de Nova Viçosa (COELHO, 2013)
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História
O
sobre o Prolongamento de Favelas nas áreas centrais e proibindo a construção de casebres no Centro. A justificativa era de que as habitações pobres e insalubres poderiam causar uma “má impressão” aos visitantes e aos novos moradores da emergente cidade universitária . Em outras palavras, era necessário “varrer” os pobres, para ceder lugar a classe média (COELHO, 2012) .
terreno onde atualmente se encontra o bairro de Nova Viçosa era ocupado, em meados dos anos 1970, por uma fazenda que se dedicava a cultura cafeeira, preservando uma extensa mata e animais silvestres (LIMA, 2005) . Com o processo acelerado de crescimento populacional ocasionado principalmente pela federalização da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), atual UFV, em 1969, as demandas habitacionais e de serviços rapidamente se intensificam na cidade de Viçosa . Logo, o Centro passa a ganhar grande disputa fundiária . A gestão municipal, com o interesse de valorizar a área central e aumentar os lucros do setor imobiliário, aprova a lei municipal de 31 de dezembro de 1971, nº 609, dispondo
Como alternativa às camadas mais populares sem acesso aos bairros centrais, o bairro de Nova Viçosa é lançado em 4 de maio de 1978 pela Construtora e Incorporadora Chequer . A área foi inicialmente parcelada em 3500 lotes que foram oferecidos a preços muito inferiores aos dos demais bairro da cidade (COELHO e CHRYSOSTOMO, 2015) .
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econômicas. Segundo relatos, no início da ocupação, o bairro era repleto de lavouras de café, milho, feijão e pasto. As estradas eram de terra e o deslocamento era feito através do caminho que o gado fazia. Em alguns trechos, cabritos e cavalos mantinham-se soltos, o que garantiu o apelido inicial de “Patrimônio dos Cabritos” ao bairro (COELHO, 2013).
A publicidade em torno do novo empreendimento foi ostensiva e prometia uma grande oportunidade. Os principais migrantes a aderirem eram oriundos de Viçosa (53%), demais locais da microrregião de Viçosa (27%), além de outras cidades pelo Brasil (19%). Eram, em sua maioria, profissionais com baixos salários, entre eles, domésticos (44%), lavradores (9%), serventes (17%), pedreiros (5%), entre outros (COELHO, 2013)
O processo de construção de Nova Viçosa ajudou a ascender uma figura emblemática como “herói” e “pai dos pobres”. Antônio Chequer era dono da Construtora e Incorporadora Chequer e por conta do marketing em torno do empreendimento vinculado a seu nome, o preço acessível e as doações de lotes feitas por ele, tornou-se o "defensor dos pobres e oprimidos". Essa era, no entanto, uma parte da verdade: os números de lotes doados pelo empresário foram menores do que o divulgado, as condições de habitabilidade no bairro eram precárias e as ações de Chequer eram motivadas por interesses econômicos e políticos, na prática do clientismo. O empreendimento foi de grande rentabilidade para o empresário e a imagem de “mito” garantiu a ele o título de prefeito por 3 mandatos, mesmo não executando grandes ações no bairro durante esse período. O poder simbólico e material exercido por Chequer é instaurado e disseminado através da glorificação de seus feitos na imprensa, os títulos e premiações alcançados por ele, além de logradouros batizados com seu nome. Tais elementos ajudaram a produzir uma memória hegemônica pela elite local, que “obstruiu as múltiplas possibilidades de entender as práticas sociais envolvidas no processo de construção do bairro” e invisibilizou o passado dos pobres (COELHO, 2012).
"As habitações dos pobres não eram adequadas para centro, era necessário 'varre-los' da área central, 'abrindo' novos espaços para a classe média" (COELHO, 2012) A inauguração de Nova Viçosa ocorreu em uma grande celebração no dia 17 de setembro de 1978 no próprio bairro promovida pela construtora. O evento contou com caminhões de chopp, bandeiras hasteadas, churrasco popular, missa de ação de graças, discurso de Antônio Chequer e prova de moto-cross com direito a troféus (COELHO, 2012). Ao se fixarem no novo bairro, os migrantes se depararam com um cenário precário: o loteamento se encontrava distante da cidade, sem alternativas de transporte, não possuía infraestrutura básica para ancorar a nova população, como saneamento, água, luz e pavimentação, como foi prometido pela construtora. As primeiras construções do bairro foram principalmente de pau a pique e sapê, por conta das precárias condições 40
Indicadores sociais População urbana por faixa etária
População total:
5.225 hab Os dados a seguir constam no arquivo 'Retrato Social de Viçosa V' (CRUZ, 2014). Os dados relativos a região urbana de Nova Viçosa, incluem o bairro Nova Viçosa e Posses. Sua população é a 7ª mais populosa, das 14 presentes em Viçosa. Representando 7,35% da população Viçosense. Nova Viçosa é a quarta região urbana com maior densidade de moradores por domicílio. É a região que apresenta a segunda maior quantidade de domicílios abrigando 6
ou mais pessoas (11,66%). Nesse primeiro gráfico, observa-se a predominância de crianças e poucos idosos.
Índice de famílias em vulnerabilidade social - regiões
Renda per capita - regiões com os
piores índices
urbanas com maior número
Pessoas sem instrução - regiões
24,5% das famílias de Nova Viçosa encontra-se enquadradas nos critérios estabelecidos pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social como vulnerabilidade social. Isso representa 354 famílias. É o maior índice entre as regiões urbanas de Viçosa. Observa-se que Nova Viçosa lidera os rankings dos piores indicadores sociais de Viçosa.
urbanas com maior número
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Uso e ocupação ZR 2 Predominância de uso residencial, restrição à verticalização e ao adensamento, sendo permitido instalar indústrias de pequeno porte, não
OBSERVAÇÕES: - Presença exígua de comércio e serviço (que se concentra no centro do bairro, nos arredores da praça) e áreas públicas exclusivamente de convívio e lazer; - Presença considerável de templos religiosos; - Muita presença de morros; - Muitos terrenos vagos pulverizados por conta de um método de ocupação mais distanciada;
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MAPA DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Elaboração: Geraldo Chaib 43
Segregação Socioespacial
O
bairro de Nova Viçosa desenvolve uma relação de segregação entre os demais bairros de Viçosa . O seu nascimento já foi fundado em uma agenda segregacionista de distanciamento das camadas populares do centro urbano . Essa condição se manifesta na topografia, no desenho urbano e na mobilidade . Ao adentrar em Nova Viçosa é fácil notar uma barreira topográfica que separa o bairro do restante da cidade por meio de altos morros . A imagem 4 traz um mapa axial da cidade de Viçosa baseado nas análises da sintaxe espacial . A medida analisada é a de integração, que trata da associação de uma linha com todas as linhas do sistema . Valores mais
integrados, representados por cores mais fortes (vermelho, laranja e amarelo), mostram espaços mais acessíveis, mais facilmente alcançados que os menos integrados, representados pelas cores verde, azul e ciano . Podemos notar como o bairro de Nova Viçosa encontrase marcado com um tom próximo ao ciano, que é a condição mais baixa na escala de integração, evidenciando um padrão segregacionista também no âmbito do traçado urbano . Os acessos ao bairro são muito complicados: os ônibus urbanos se comunicam apenas por uma ínfima parte do bairro, como demostrado na imagem 5 . Percorrer a pé ou de bicicleta os 4 Km de distância do centro torna-se uma tarefa exaustiva
Imagem 4: Mapa axial de Viçosa - Integração. Nova Viçosa em destaque (produzido por Arthur Dornellas)
Imagem 5: Trajeto do ônibus em Nova Viçosa (produzido por Geraldo Chaib)
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e perigosa considerando a topografia e os caminhos escuros e descampados. Filho (et al., 2017) aponta as hipóteses sobre o motivo das segregações socioespaciais nos bairros periféricos de Viçosa: a primeira diz que o problema é causado pela manifestação da renda fundiária, em que ricos ocupam terras com maior valor. Ocorre, no entanto, que classes mais abastadas também ocupam terras baratas nas periferias da cidade, o que nos leva a novas hipóteses: a pressão de poderes políticos e econômicos sobre o governo que opera distribuições desiguais de investimentos e infraestruturas; e disputa por localizações entre grupos sócias ou classes (FILHO et al., 2017)
A segração espacial de Nova Viçosa se manifesta na topografia, no desenho urbano e na mobilidade
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Educação
O
APOV
bairro possui 3 unidades educacionais, abrangendo creche, educação infantil, ensino fundamental, educação para jovens e adultos e cursos profissionalizantes:
Esse trabalho fará uma ênfase a APOV pela proximidade com o terreno de intervenção e pelo reconhecimento da instituição tanto no âmbito educacional, quanto no âmbito cultural. Tem como visão “formar indivíduos capazes ao exercício da cidadania com princípios de liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade, sustentabilidade e fé”. A associação atende especialmente crianças em vulnerabilidade social oferecendo programas educacionais e culturais de alta qualidade, propondo uma nova metodologia pedagógica baseado na autonomia e estrutura familiar. Apresenta 3 programas principais:
CMEI Leda Bitencourt Bandeira (Municipal) Creche e Ensino Infantil.
Escola Padre Francisco José da Silva
(Municipal) Creche, Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA.
Associação assistencial e promocional da pastoral da oração de Viçosa (APOV)
(ONG) 1º ano do Ensino Fundamental, projetos no contraturno para crianças de todas as idades, cursos profissionalizantes
Projeto Caminhar: atividades educacionais e culturais no contra turno do ensino básico das crianças. Hoje este projeto apresenta 90 alunos.
O Ensino Médio e o Ensino Superior não são oferecidos no bairro, fazendo com que os moradores a partir de 15 anos, aproximadamente, se desloquem da comunidade para continuar seus estudos.
Projeto de Capacitação Profissional: voltada para a população adulta. Oferece uma gama de cursos profissionalizantes como: garçom, atendente, artesanato, etc. As atividades acontecem no período da noite, enquanto de dia funciona os projetos voltados às crianças. Projeto Jovem Aprendiz: parcerias com empresas que oferecem cursos e estágios. 46
Centro de Educação Pequena Via: 1º ano do Ensino Fundamental – 36 alunos.
comunidade da Igreja Católica, com sede em Viçosa MG. Apesar do vínculo religioso, as atividades da associação são abertas a toda a comunidade independente das crenças individuais.
A APOV foi fundada em 1980 por Leda Bandeira, professora e pedagoga muito respeitada em Nova Viçosa. O início da instituição se deu com pequenos encontros de oração e conscientização quanto aos deveres de justiça social. Logo, passou a se transformar em uma organização com finalidade específica de prestar serviços assistenciais e promocionais.
Na comunidade de Nova Viçosa, a associação é muito bem vista, sendo sempre apontada, nas conversas com os moradores, como a maior frente de promoção cultural do bairro. Além disso, sua história está presente na memória afetiva dos moradores, por conta de suas ações filantrópicas que ajudaram muitas pessoas desde sua criação.
Após a morte da fundadora, em 2003, a APOV passou a ser dirigida pela Fraternidade Pequena Vida, uma
Foto da edificação sede da APOV
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Hábitos RUA-QUINTAL
- Praça: as crianças têm o hábito de usa-la para jogos de futebol improvisados. Não há um suporte adequado. Piso irregular, de terra, ressaltos, chão, espaço reduzido.
As ruas do bairro variam muito em sua conformação, ora de pedras, ora de asfalto e ora de terra, boa parte delas possui uma declividade bem acentuada e calçadas precárias. Mesmo com todas essas características, há algo que sempre é notado: a presença de pessoas sentadas a conversar, próximas a suas casas e até crianças brincando nas ruas com poucas movimentações de veículos. O hábito de retirar uma cadeira de casa e coloca-la para fora, como uma forma de extensão da própria casa, é bem marcante no bairro. Alguns locais até possuem bancos fixos nas calçadas rente a suas casas e nas esquinas.
- Terreno da “grota”: atualmente não está sendo utilizado por conta da pandemia. Encontra-se com muito mato, não há uma estrutura e há problemas com o alagamento e questões de cunho burocrático de concessão do terreno para a prefeitura. - Quadra da escola: é muito utilizada, mas está condicionada a gestão da escola, que opta por conceder ou não acesso ao público em geral, fora do horário das aulas. - Terreno da creche: era muito utilizado para esse fim, porém foi doado para a construção de uma creche.
FUTEBOL Ao pegar o ônibus para Nova Viçosa e descer na praça do bairro, provavelmente uma das primeiras coisas que você vai observar serão as crianças jogando futebol em espaços improvisados da praça. O futebol é uma parte importante na cultura dos moradores, além de um esporte, é uma oportunidade de contato, interação comunitária. Ao conversar com os moradores, o futebol foi unanimemente mencionado como parte importante do uso do espaço urbano e da vida dos moradores. Essa observação sempre vinha acompanhada de uma queixa quanto a ausência de locais apropriados para essa atividade. Locais onde a prática ocorre:
EVENTOS Entre os eventos culturais mais engajados do bairro estão: o dia das crianças que ocorre na praça ou em algumas ruas, a apresentação de crianças na APOV, a Semana Santa que envolve todo o território do bairro especialmente a Igreja, o aniversário do NV Rap e a festa Junina, ambas se instalando na praça.
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• Crianças ficam até a noite brincando nos equipamentos de academia da praça (que são inadequado a elas); usam também o parquinho que pertence a um bar; • Futebol nas ruas em geral; • Estudam nas escolas do bairro; • Fazem atividades na APOV e na creche; • boa parte já é muito ligada a tecnologia digital e se diverte em casa com TVs, videogames e internet.
• É comum frequentarem os bares e as igrejas; • Em sua maioria, trabalham fora da cidade; • Muitos cultivam o costume de sentar na calçada próximo a suas casas. • Boa parte são adeptos de forrós pela cidade.
• Atividades do PSF: caminhadas, exercícios ao ar livre, zumba, alongamento. • Boa parte tem hábitos caseiros; • Parte considerável frequenta as igrejas
• Jovens usam a praça e os bares, especialmente a noite; • Estudam ou trabalham fora do bairro; • Se locomovem muito para eventos fora do bairro.
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Apresentação do NV Rap
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Artes apresentações fora da comunidade.
Aí mano, deixa quieto, esquece. Curtir rap de esquema não resolve o problema Mas dá consciência, paciência com o sistema. Me entenda que isso, é só o início. Rap é como um míssil que explode seus ouvidos. O rap é compromisso, não é viagem Se pá fica esquisito, valeu Sabotage! Resumindo é isso, te dá informação Necessária pra se ter a conscientização, né não? Além disso, rap é o antídoto Pra quem pelo sistema, já foi mordido Medicina alternativa, meu truta, é a cura, me escuta Injeta na sua veia e vai pra luta
Juntamente com o rap, há uma inclinação pela dança urbana, tanto pela proximidade com gênero musical quanto pela presença de moradores que integram o Grupo Impacto, companhia de dança urbana de Viçosa, que costumam promover apresentações e oficinas no local. Além dessa modalidade, a APOV possui atividades de dança oferecidas para os moradores, como zumba e balé, sempre há muita procura e adesão. Para as gerações mais antigas do bairro, o forró possui lugar na memória afetiva. O arrasta pé do ‘Bar do Messias’ reunia grande parte da população nos anos 1980 e 1990. Hoje, ainda há alguns adeptos do ritmo, que costumam frequentar os encontros da Vila Giannetti no centro da cidade para dançar. Há poucas manifestações coletivas de forró atualmente no bairro.
(Trecho de “Quebrada Cabulosa”, NV Rap)
O
bairro possui uma tradição ligada ao rap, possuindo alguns grupos de cantores como o NV Rap com um bom engajamento no bairro, produzindo, ocasionalmente, eventos com apresentações e batalhas de MCs em alguns locais do bairro, como a própria praça. O ritmo, muito associado a manifestação política de populações marginalizadas, enquadrou os problemas específicos de Nova Viçosa, se consolidando como voz e denúncia da população. Segundo alguns moradores, o Rap tem se enfraquecido nos últimos anos no bairro por conta de conflitos internos dos grupos. Apesar da existência de alguns grupos, o consumo interno diminuiu e os artistas mantêm mais
Também durante os anos 1990, surgiu o Afoxé, um grupo de tambores afrobrasileiros que ganhou visibilidade no bairro e fora dele. Segundo os relatos, os artistas eram frequentemente convidados a tocar no centro e cidades vizinhas. Depois de algum tempo, o grupo se desintegrou, mas mantevese na memória de muitos moradores. No âmbito das artes cênicas, há um grupo de teatro da Igreja Católica que participa de grande parte dos eventos da comunidade e é convidado a se apresentar também fora. 51
Estigmas e lançando candidatos em troca de benefícios.
Putz! Que raiva! mano, que furada! Outra vez Nova Viçosa no jornal folha da mata Última página, assalto deu errado É fato, enquadro, se pá assassinato Eu to cansado, a cena se repete, reflete (...) Nova Viçosa, quebrada por muitos tachada perigosa Mas quem vive aqui sabe que não é bem assim (...) Nova viçosa, quebrada cabulosa Am, am, am,am am! (...)
Apesar da violência ser considerada parcialmente superada por grande parte dos moradores, a visão externa continua estigmatizada. Foi salientado que taxistas costumam se recusar a fazer corridas a noite dentro do bairro por conta do medo.
(Trecho de “Quebrada Cabulosa”, NV Rap)
A
música do NV Rap ilustra o que por tempos fez a fama do bairro: a violência e o tráfico de drogas. O rapper Quarta Letra, autor de “Quebrada Cabulosa”, diz que as coisas mudaram, em depoimento para o documentário “Viçosa é a gente que faz”. Segundo ele, o bairro não merece mais a fama que um dia teve de bairro violento e acrescenta que é formado por um “povo de bem e trabalhador que venceu na vida e superou aquelas dificuldades” (COUTINHO E FRAGA, 2014). Outros moradores reiteram essa visão. Segundo eles, o bairro está mais seguro, mas ainda preserva integrantes do narcotráfico em escala reduzida. Esses grupos ainda exercem algum tipo de controle na comunidade: interferem em conflitos de natureza criminosa para evitar acionamento de policiais e também nas eleições municipais, apoiando 52
Tensões
“
O que mais tem em Nova Viçosa é boteco e igreja”
Antigamente havia uma intensa rincha entre protestantes e católicos, que hoje se dissipou. Todos esses conflitos se refletem no uso do espaço público, onde cada grupo ocupa e, por vezes sem intensão, monopoliza e cria uma ‘micro’ e talvez temporária segregação socioespacial.
E
ssa é uma fala recorrente dos moradores de Nova Viçosa e demostra a existência de dois fortes grupos na comunidade: os religiosos e os boêmios. No bairro há aproximadamente 20 templos religiosos. Mais do que locais de devoção, são grandes antros de convívio social que reúnem várias pessoas ao final das celebrações para conversas e interações. Igualmente forte e cheia de adeptos, estão os grupos que gostam de frequentar bares e tomar bebidas alcoólicas. Escapando da visão maniqueísta, essas duas congregações, entendendo sua diversidade interna, podem ser vistas como conflituosas no uso do espaço e na interação. É um cenário que em muitos casos não ocorre interação social entre os lados. Em termos de espaço urbano, até inibe presenças, como o caso de um religioso evitar está em um local com grande presença de boêmios.
Tais tensões ocorrem também em outros âmbitos, como, por exemplo, a divisão social existente entre o lado do bairro mais próximo da praça e o lado mais próximo da escola, evidenciado por Lima (2005) e moradores entrevistados. Segundo eles, os moradores do lado da praça têm modos de vida mais urbanos, no sentido de agitação, presença maior de violência e diversidade, enquanto que os do lado da escola, possuem modos de vida rurais, pacatos e sossegados. Isso é justificado pela origem dos grupos que ocuparam tais áreas. De um lado há uma concentração de pessoas que vieram da zona rural por conta dos processos de empobrecimento do campo e do outro, aqueles que vieram da cidade por conta dos problemas de acesso à terra e também dos desmoronamentos ocorridos pelas fortes chuvas de 1986, que realocaram mais de 400 desabrigados em um conjunto habitacional próximo a praça. A área da praça concentra mais bares e igrejas evangélicas, além de ser apontada como mais violenta e caótica, evidenciando contrastes e conflitos típicos do complexo urbano. Já a área da escola, não possui nem muitas igrejas nem bares, mas é em sua maioria católica, seus moradores
É evidente que estas são classificações genéricas e estereotipadas, tendo em vista a infinidade de pensamentos e modos de viver presentes entre essas pessoas. Há influência de outros fatores como a denominação religiosa. Os moradores ressaltam que os católicos, em geral, têm mais flexibilidade em se relacionar e estar em ambientes boêmios. Inclusive no próprio grupo que aqui chamo de “religiosos” há divergências e conflitos. 53
entendem o outro lado como violento e agitado em demasia.
Todos esses conflitos se refletem no uso do espaço público, onde cada grupo ocupa e o monopoliza A diversidade e o confronto é algo que está na raiz de Nova Viçosa. Nos processos de ocupação do bairro, recebeu-se migrantes oriundos de realidades muitos distintas, que foram lançados no bairro como refúgio. Os moradores contam que foi preciso uma readaptação da vida social ao se instalarem ali, por conta do choque com várias culturas contrastantes.
A casa própria e construída com as próprias mãos simboliza conquista e superação da trajetória habitacional
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Moradias
A
A casa própria e construída com as próprias mãos simboliza conquista e superação da trajetória habitacional e condições de vida anteriores. Isso se manifesta na forma e tipologia das construções: cômodos amplos e número considerável de reformas e ampliações. Além disso, o anseio de construir um patrimônio para a descendência evidencia a expectativa dos moradores de que os filhos não passem pelas mesmas condições precárias de habitação (SOUZA, 2017). Prova dessas relações está nos dados do “Retrato Social de Viçosa” que indica que Nova Viçosa é a segunda região com maior número relativo de casas próprias (82,10%) em Viçosa, em detrimento de outros índices que colocam Nova Viçosa em uma condição socioeconômica inferior e distante da média geral viçosense (CRUZ, 2014).
arquitetura de Nova Viçosa tem uma forte presença da autoconstrução como característica da maioria das residências. Além disso, é comum edificações em condições precárias. As construções, desde a inauguração do bairro, foram empreendidas pelo próprio esforço dos moradores, com pouca participação estatal, apenas esporadicamente, nos períodos próximos as eleições. Os processos de criação das casas foram influenciados pelo conhecimento de construtores locais e as tradições individuais (SOUZA, 2017). Segundo Souza (2017), o histórico de luta por habitação e sujeição a moradias precárias e inseguras é um fator fundamental para determinar as relações simbólicas que os moradores estabelecem com a casa. 55
Escolha do terreno
P
1- Praça
ara o desenvolvimento do projeto urbano proposto nesse trabalho deseja-se um local que já tenha um viés de ocupação, para que o projeto possa potencializa-lo . É parte da metodologia da fenomenologia essa observação das inclinações dos lugares que já estão latentes e dados nos espaços, precisando serem iluminado através de um olhar sensível (NORBERG-SCHULZ, 2006) . Por isso foi analisado os locais onde já possuem focos de utilização . O esquema abaixo, apresenta um mapa com os lugares mais utilizados do bairro e as características dessa utilização .
O principal local de encontros do bairro . Idosos praticam atividades de manhã; crianças brincam o dia todo (futebol e academia ao ar livre); jovens utilizam a noite para reuniões . Parte mais conectada e integrada de acordo com a Space Syntax . Onde se passam mais pedestres, estabelecendo uma relação de centralidade dentro do bairro . O comércio local se concentra aqui, os 3 maiores mercados, bar, farmácia e a APOV .
Focos de atividades coletivas
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2- 'Campinho da grota'
8- Parquinho infantil
Onde se jogava futebol . Atualmente não está sendo utilizado por conta da pandemia . Encontra-se com muita vegetação, não há uma estrutura e há problemas com alagamentos e questões burocrático de concessão do terreno para a prefeitura .
Criado por uma moradora proprietária de um bar . O parquinho se localiza em frente ao bar, ilhado em uma espécie de rotatória de uma rua com grande tráfego de veículos . Para garantir a segurança das crianças, foi necessário o cerceamento através de correntes . Embora bastante utilizado pelas crianças, a seu uso está sempre condicionado a obtenção de algum produto do bar em frente .
3- Em frente aos bares 4- Ao redor das igrejas 5- Quadra da escola 6- Chácara Betânia Atividades religiosas; capela com missas as sexta feiras; pessoas responsáveis pela APOV moram lá; projetos da APOV (como a horta, que os pais dos alunos são responsáveis por cuidar)
7- Posto de saúde É um hábito de alguns moradores ir até o posto de saúde para interagir com as pessoas sem terem qualquer demanda médica
1
8
2 57
Inserindo mais uma camada de análise, recorremos a sintaxe espacial para nos fornecer subsídios para entender as configurações espaciais das ruas de Nova Viçosa . Busca-se uma rua bem integrada, conectada e com grande potencial de escolha . A imagem 6, apresenta um mapa axial analisando a integração . Observamos a região destacada por um círculo apresenta os melhores valores, tratase da região central do bairro que compreende a praça e a maior parte do comércio e serviço . O mapa da imagem 6 analisa a conectividade de cada linha, que é dada pelo número de linhas que a intercepta . Quanto mais quente a cor da linha, mas conectada a rua se encontra . Nesse quesito, também a região central ganha destaque, em especial a Rua Assad Nasar (destacada em vermelho), além de outras ruas esporádicas . O terceiro mapa (imagem 7), fornecesse resultados da medida de escolha das vias, diz respeito à frequência com que um espaço faz parte dos caminhos entre outros pares de espaços, isso
pode nos dar pistas do potencial de uma via tem de ser escolhida como caminho . O destaque está para a rua Cláudio José M Rocha (rua da praça) e Assad Nasar . A sintaxe espacial sozinha não dá conta de algumas variáveis importantes na análise da configuração espacial e para a escolha de um terreno de projeto, como topografia e relações humanas . A Rua Assad Nasar, por exemplo, embora tenha tido bons resultados nas medidas, apresenta pouco uso de pedestres, por conta da movimentação intensa de veículos e das condições das vias . Apesar de haver ruas esporádicas tendo bons resultados nessas análises, elas apresentam relevo declivoso, sendo somente a área central do bairro mais planificada. Tendo em vista todas essas análises, chegou-se a duas áreas de intervenção vizinhas: a praça Antônio Chequer e o terreno ao lado da APOV, de propriedade da instituição . A escolha
Imagem 6 Nova Viçosa, mapa axial: integração
Imagem 7 Nova Viçosa:, mapa axial conectividade
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se deu pelos seguintes motivos: •
Os terrenos encontram-se no local com mais fluxo de pedestre, o que proporciona uma maior abrangência e visibilidade para as intervenções;
•
A praça e sua imediação já possui uma vocação para a permanência e o convívio, não sendo um programa imposto por olhares externos, mas sim respeitando as condições familiarizadas e já cristalizadas da vida cotidiana do bairro;
•
Os outros locais que concentram pessoas para permanência não são adequados para esse projeto, por conta de empecilhos relacionados a dimensões, condições físicas, posses e localização;
•
Onde se localiza o comércio e prestação de serviços locais;
•
Há muitas igrejas e bares nos arredores, locais que atraem
grande número de pessoas e convivência social;
Imagem8: Nova Viçosa, mapa axial: escolha
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•
As ruas que cercam os terrenos apresentaram bons resultados nas análises de sintaxe espacial . Portanto, tem potenciais grandes para convergir pessoas;
•
Proximidade com a APOV: Associação educacional e cultural, referência no bairro, que pode ser contemplada com espaços pertinentes a suas atuações .
Terreno da APOV
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Praça Antônio Chequer
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Praça
A
praça Antônio Chequer é utilizada como espaço público urbano desde a inauguração do bairro. Seu nome homenageia a figura emblemática do empresário e político que recebeu o título de "mito" pelos moradores. Conta-se que, nos primeiros anos, não havia pavimentação na área e somente poucos mobiliários. Algo que marca a memória dos primeiros moradores foi a televisão dentro de uma caixa fixada no local, onde as pessoas se reuniam para assistir futebol e programas em geral, principalmente a população de baixa renda que não possuía o aparelho em sua residência. Só na gestão do prefeito José Américo Garcia (1983-1988) que o espaço recebeu a forma que tem hoje, através de um projeto modelo que foi replicado em praças de diversos bairros de Viçosa.
desconfortáveis, sujos e um pouco danificados; • O desenho dos espaços entre os canteiros muito linear em uma lógica de condução e não de permanência; • Utilizadores reclamam da ausência de grama e de espaços verdes tranquilos; • Pisos irregulares e inseguros; • A academia ao ar livre não é usada para esse fim, mas como parquinho para as crianças, mesmo não sendo adequado para isso; • A praça encontra-se em um platô, contendo pequenos taludes em duas de suas laterais, isso promove problemas de acessibilidade, integração com as vias e visibilidade da praça e o projeto não consegue contornar isso.
Concentra moradores de várias faixas etárias. No geral, predomina a presença de idosos e crianças no turno matutino, crianças no turno vespertino e jovens durante a noite, quando o bar coloca mesas no espaço. Ela apresenta muita arborização que permite uma sombra quase completa e uma sensação térmica agradável. A praça possui problemas de projeto e manutenção que repercutem em sua atratividade e qualidade de ambiência. Entre os problemas da praça estão:
Todos esses elementos fazem a praça não ser aproveitada para o convívio urbano com todo o seu potencial.
• A falta de um paisagismo belo e bem trabalhado; • A
presença
de
bancos 62
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Terreno da APOV
O
terreno ao lado da APOV encontra-se em uma esquina e pertencia à própria instituição. Também é vizinho da praça, podendo ser criada uma conexão terreno-praça-APOV. Com relação as suas características, possui duas testadas, enquanto as outras laterais fazem divisa com muros e casas sem afastamento, ao fundo, encontra-se uma igreja. O local possui uma leve inclinação. Em outro momento, a associação já havia desenvolvido um projeto para ser implantado na área, porém os planos mudaram. O projeto supria demandas prediais da época que foi desenvolvo, sendo que hoje tais necessidades não existem mais. Não se sabe ao certo quais os planos para ele, mas há uma predileção a proposição de espaços abertos verdes pedagógicos, culturais e artísticos, que incrementem as atividades educativas das crianças.
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Necessidades
P
ara um projeto que pretende trabalhar com experiências no ponto de vista fenomenológico, apoiar-se unicamente em um programa rígido e funcional pode trazer contradições. Um projeto dessa natureza deve se valer de uma leitura sensível do lugar e de suas potencialidades experienciais. Isso, no entanto, não nos impede de tentar compreender as carências de infraestruras e programas. Em conversas com moradores, foram expostas as seguintes necessidades: • Locais de atrativos;
permanência
mais
• Locais de lazer infantil; • Locais para a prática de futebol; • Espaços abertos (para a APOV);
pedagógicos
• Espaços para aulas e prática de dança e música.
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Cidade-lar
P
ara esboçar uma proposta de projeto com base em experiência essenciais, foi preciso entender as caraterísticas sensíveis do lugar, relacionada a memórias, hábitos, cultura... Nova Viçosa é lar de tensões diversas, por conta da maneira como foi formada: refúgio para pessoas de várias localidades em busca de um teto. Rural X Urbano, Religioso X Boêmio, Agitação X Calmaria... Esses grupos formam “domínios paroquiais” que criam confrontos e segregações espaciais. A cidade por essência é lar da diversidade, onde culturas, mentalidades e estilos se sobrepõem. Orquestrar essas diferenças, para que convivam amistosamente no mesmo espaço é a ambição para a construção de “domínios públicos” e a uma atmosfera que se aproxime do lar. Tendo em vista a tensão forte e característica de Nova Viçosa, o conceito Cidade-lar aparece como uma importante e urgente diretriz para se projetar espaços públicos no bairro. As experiências pensadas para o projeto tentam conduzir a uma atmosfera de familiaridade, conforto, proteção, repouso, identificação e salvaguarda da memória.
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1- Espera lúdica 2- Tijolo por tijolo: Nova Viçosa é a gente que fez
Esse espaço terá o propósito de entreter e promover interações sociais entre as pessoas que esperam o ônibus . Consistirá em algum tipo de jogo para distrair as pessoas no meio da corrida rotina .
Instalação multimídia que propõe uma exposição e salvaguarda das memórias dos habitantes de Nova Viçosa simbolizadas por tijolos com autofalantes
3- Jardim intimista A experiência de um espaço de descanso no meio de um jardim mais fechado, intimista, com bancos como redes que permitem deitar e contemplar a copa das árvores . A ideia foi inspirada no padrão 176, "Banco de Jardim protegido", do livro "Uma linguagem de padrões" de Christopher Alexander (ALEXANDER et al ., 2013), sendo pensando como um lugar de refúgio e renovação da vida urbana corrida em contato com a natureza . Alexander diz que é impossível viver na cidade sem esse tipo de lugar . 68
O novo desenho busca a criação de áreas mais amplas, propícias a permanências, sob a forma de círculos . Cada um deles apresenta intensões com base em experiências que se deseja proporcionar ao bairro, com vistas a uma aproximação com o coceito de lar urbano . Escolheu-se manter as árvores por fornecerem uma excelente sobra . Optou-se pela remoção dos equipamentos e canteiros, por não atenderem bem a população .
4- Jogar conversa fora Um lugar que emoldure o ato cotidiano da conversa despreocupada, que faz parte da cultura dos moradores que a fazem na calçada próxima a suas casas . Pretende-se pensar esse espaço em analogia com as varandas e alpendres das casas coloniais .
5- Reunir ao redor da mesa Segundo Pallasmaa (2017) a mesa em uma casa ocupa um papel simbólico como centro organizar e estruturante das atividades domésticas . Pensando no conceito de lar urbano, procurase espaço com mesas para reunir os diferentes domínios paroquiais e facilitar as interações .
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7- Porta retrato Instalação multimídia que propõe a captura de fotos dos moradores a partir do sorriso e expõe por meio de projeção nos muros do terreno .
6- Música de fundo Espaço que abriga instalação multimídia que propõe autofalantes que permitem aos usuários a escolha de músicas para ouvir e compartilhar no espaço .
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8- Objetos lúdicos
9- Olhando para o tempo
Espaço pensado para abrigar objetos lúdios responsivos pensados principalmente para as crianças . Buscase objetos que divirtam e ao mesmo tempo enriqueçam coginitivamente e experiencialmente
Espaço inspirado na intervenção "Permanent Shadow" . Apresenta elemento responsivo que projeta uma sombra sempre no mesmo lugar do gramado . Uma experiencia de espaço primitiva e essencial para reuniões informais em um lugar protegido do sol sem suportes de mobiliários, enquanto o tempo passa e é evidenciado pelo movimento do elemento de sombreamento .
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Interfaces Tijolo por tijolo: Nova Viçosa é a gente que fez
políticos e econômicos em suas ditas boas ações e que pouco ajudaram na melhoria das condições da população . O nome de um deles, Antônio Chequer, batiza a praça onde a instalação será implantada .
O surgimento do bairro de Nova Viçosa partiu da luta por moradia de uma população vulnerável . Conquistaram seu pedaço de terra com a promessa de uma melhor qualidade de vida, mas se depararam com um local sem infraestruturas básicas para receber os novos moradores e essa condição se manteve assim durante anos . Desamparados pelos órgãos públicos, eles tiveram que erguer suas casas com o próprio esforço e com muita resistência . As construções têm grande valor simbólico pois representam conquista, superação e vitória .
“Tijolo por tijolo” referencia a clássica música de Chico Buarque, “Construção”, cuja temática passa pelo descaso, desamparo, negligência e indiferença a vida de trabalhadores pobres . A instalação trará uma cabine que possibilita que as pessoas registrem áudios, podemndo conter memórias afetivas, vivências, músicas etc . Em outra parte da instalação estará uma nuvem de tijolos suspensos por cordinhas . Em alguns deles, estarão instalados autofalantes que possibilitam que as pessoas escutem os relatos e interações da cabine . Essa composição representa os fragmentos de memórias que servirão para constituição do bairro de Nova Viçosa, onde cada morador tem
A instalação busca destacar os moradores como verdadeiros protagonistas da constituição do bairro e de suas próprias histórias . Subvertendo a memória produzida e implantada pela elite local, que coloca como heróis figuras consideradas ilustres, mas que possuíam interesses
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Porta retrato
papel importante no conjunto . Faz referência ao esforço empreendido pelos primeiros moradores, que com resistência, ergueram a comunidade a despeito da negligência municipal .
Pallasmaa (2017, p . 29) elenca os 3 principais elementos mentais e simbólicos envolvidos na concepção de um lar, são eles: “elementos fundamentais em um nível biocultural profundo e inconsciente”; “elementos relacionados com a vida pessoal e a identidade do habitante”; e “símbolos com o objetivo de passar certa imagem ou mensagem às pessoas” . O porta retrato é um objeto que cumpre a função simbólica de representar a vida pessoal e passar certa imagem às pessoas .
Escolheu-se desprender o tijolo para que ele se destaque e mostre sua importância na constituição do todo . Opera-se uma desconstrução ou explosão, para entender os componentes e seu valor individual . O conjunto, porém, é uma forma única, uma espécie de nuvem vazada que pode promover ambiências e interações particulares . O tijolo como material simples e rústico, tão presente na composição da paisagem urbana das frequentes casas sem reboco, pode trazer familiaridade .
Pensar um porta retrato em escala urbana significa representar a diversidade existente no bairro e seus aspectos próprios . Nesse sentido, a instalação 'Porta retrato' consiste na instalação de espaços para captura de fotos dos moradores, acionadas a partir de sorrisos . As fotos são projetadas no muro presente no terreno de projeto, mas de formas diferentes . Os retratos são sobrepostos, intercalados, criando novas composições, e promovendo proximidade entre pessoas com relações improváveis . As relações expectador-performer também se fazem presentes nessa instalação de um modo
Variações dessa instalação podem ser operadas ao dotarmos os tijolos de movimentos verticais como resposta a reproduções musicais, tornando-os performers junto aos emissores de sons, caracterizando uma relação de alteridade tecnológica .
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que as pessoas podem vislumbrar indivíduos socialmente distantes com simpatia ao vê-los sorrindo.
Música de fundo A música tem uma função para além de entretenimento individual, ela representa grupos sociais e identidades coletivas. As tensões entre diferentes coletividades em Nova Viçosa também se refletem em diversidades musicais: o Rap característico de certos grupos da parte “urbana” do bairro, o forró que carrega memórias afetivas entre os mais velhos; as músicas sacras dos mais religiosos... Na ideia defendida por Suurenbroek (et al, 2019), uma das operações para se buscar um espaço de “domínio público” é buscando a familiaridade entre os urbanos de diferentes nichos colocando-os como espectadores e ao mesmo tempo performers. Pensando nisso, propõem-se uma interface no meio urbano que permita que os moradores se façam aparecer através de sua música e ao mesmo tempo notar a presença do outro. Nessa instalação, as pessoas podem, democraticamente, escolher músicas para tocar nos ambientes de forma alternada entre os usuários. A reprodução das músicas seria com um volume reduzido de maneira que forme um plano de fundo para as relações do espaço.
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