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que se reuniu em Lovaina, Bélgica, de 9 a
implícita de religião civil tal como é aceite no seio da sociedade civil. IV. Técnicas de reconciliação entre a liberdade religiosa e a segurança
Nas linhas que se seguem, evocarei duas técnicas possíveis sobre a relação entre a liberdade religiosa e a segurança. A primeira técnica é, acima de tudo, global e sintética, assim como a segunda, com a atenção que presta aos detalhes, mostra-se bem mais analítica.
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1. Primeira abordagem: o abuso do Direito
Nesta abordagem, a ideia principal não é a limitação da liberdade religiosa por razões de segurança. A linha condutora é muito mais a seguinte: a liberdade religiosa permanece intacta; não é ameaçada, porque ela não é realmante, visada. A noção de liberdade religiosa funciona como fachada, a fim de cobrir as formas de acção que, finalmente, na verdade, não são inspiradas pela religião. Dito de outra forma, não há comparação entre a liberdade religiosa e a segurança. A acção limita-se à desmantelamento daquilo que é apresentado ao mundo exterior como a liberdade religiosa.
Um exemplo pode ilustrar esta ideia. Imaginemos que numa mesquita, o iman incita à guerra santa. Pois bem, este apelo não implica forçosamente a liberdade religiosa. Pode acontecer que o contexto religioso seja escolhido para facilitar o apelo, porque tudo o que pertence ao religioso é bem protegido nas democracias ocidentais.
O abuso do Direito tem raízes profundas na cultura jurídica. No Direito Civil continental, onde durante muito tempo a propriedade foi entendida como um direito quase sem limites, a noção de abuso do Direito teve a sua origem no século XIX. Eis um exemplo. O proprietário de um terreno que construísse um muro enorme apenas com a intenção de impedir o seu vizinho de aproveirar plenamente de luz, não estaria a utilizar o seu direito uma vez que o seu único objectivo era o de prejudicar o seu vizinho. Há aqui, portanto, uma questão de abuso do Direito.
Um outro exemplo é dado pela simulação total, no quadro do Direito Canónico católico. O princípio é o mesmo. Sob a aparência de um casamento, pretende-se atingir um objectivo bem diferente, como, por exemplo, a obtenção de uma nacionalidade ou de um título de nobreza.
É bem claro que há pontos de convergência entre o abuso do Direito no Direito Civil e a simulação total no casamento canónico, por um lado, e a desconstrução aparente da liberdade religiosa, por outro lado. No entanto, coloca-se um problema não negligenciável; a definição da noção de religião permanece difícil. Onde se situam os limites desta noção? Mesmo aqueles que não partilham da opinião italiano, Colajanni, que considera que são os próprios grupos visados que determinam se formam, ou não, um
grupo religioso11, os critérios radicais desenham claramente, os limites da noção de religião estão completamente ausentes. Frequentemente somos inclinados a definir a religião, a partir do contexto no qual nos encontramos, a saber, o cristianismo agindo num quadro esclarecido pela razão moderna.
Devemos manter-nos conscientes do facto de que nem todas as religiões foram esclarecidas pela época das Luzes e de que nem todas as religiões são favoráveis à liberdade religiosa. Por outras palavras, um apelo à violência pode ser inspirado pela religião. Isto não é ontologicamente excluído.
2. Segunda abordagem: os detalhes e a análise
A liberdade religiosa tem ligações com outras liberdades, como a liberdade de consciência, a liberdade de expressão, a liberdade de associação, a liberdade de imprensa. A religião não é apenas uma actividade fácil de gerir. Bem pelo contrário. Trata-se de um conjunto de numeorsas formas de acção ou de conduta, diferentes. Assim, a liberdade religiosa ocupa um lugar particular entre os direitos e liberdades em geral. Podemos comparar a liberdade religiosa a uma colecção de selos postais, muito especial. As colecções tradicionais dizem respeito a países. Os coleccionadores especializam-se, concentram-se na Argentina, na Espanha, ou na Bulgária. A abordagem é unívoca, um pouco como o caso da liberdade de expressão, ou de associação. Mas é possível fazer outras colecções de selos, como as colecções de selos sobre pássaros, ou flores, etc. A colecção pode dizer respeito, por exemplo, a selos que representam flores originárias de todos os países do mundo. Ora a liberdade religiosa pode ser comparada a uma tal colecção. Os laços entre os direitos referidos, é a religião – como o laço entre os selos é constituído pelas flores – mas, muitos direitos bem diferentes – liberdade de expressão, de consciência, de associação, etc. – fazem parte da colecção. Dito de outra forma, a liberdade religiosa não é um simples direito, mas uma colecção de direitos, um trust of rights.
Assim, e sobretudo tendo em conta o problema da segurança como fonte potencial da restrição das liberdades, é útil fazer uma lista que inclua todos os aspectos da liberdade religiosa. É verdade que esta análise faz com que os detalhes eclipsem um pouco o carácter da liberdade religiosa como tal. Como quer que seja, a liberdade religiosa contém, pelo menos, seis elementos: - a liberdade de consciência, - a liberdade de fé, - a liberdade de culto, - a liberdade de expressão, - a liberdade de associação, - a liberdade de organização interna.
A compatibilidade destas liberdades perante o problema da segurança deve analisar caso a caso. Uma tal análise revela que a liberdade de consciência é ilimitada. A liberdade de fé encontra-se numa posição com-
parável. A segurança como elemento “perturbador” faz a sua entrada no plano do culto, de associação e de expressão. Isto é, uma abordagem cheia de variantes possíveis. Assim, a liberdade de culto não suscita problemas desde que permaneça limitada aos actos de culto num sentido estrito quando a cobertura ritual domina. Em contrapartida, quando a pregação entra em linha de conta, a situação torna-se mais complicada.
À primeira vista, a liberdade de expressão, envolvendo os apelos à violência lançados dos locais de culto, mostra-se assaz vulnerável quando se vê confrontada com as exigências da segurança. Todavia, a última liberdade mencionada na lista, isto é, a liberdade de organização interna está ainda mais fundamentalmente ameaçada. Porquê?
Porque ela se refere ao aspecto colectivo da liberdade religiosa, mais do que à liberdade individual. E é precisamente a liberdade religiosa colectiva que é, frequentemente entendida como particularmente perigosa. É o aspecto colectivo que dá à religião uma imagem perigosa. Em geral, a liberdade colectiva é agora menos estimulada do que a liberdade individual. Os problemas de segurança acentuam ainda esta ideia.
Eis duas abordagens concernentes à relação entre a liberdade religiosa e a segurança.
A primeira abordagem, mais global, tenta descobrir os locais onde, sob o pretexto de religião, têm lugar outras actividades. A segunda, com uma natureza analítica, faz a distinção entre os diferentes aspectos da liberdade religiosa. A importância crescente da protecção da segurança reflecte-se de forma diferente segundo as categorias consideradas. É, sobretudo, a liberdade religiosa colectiva que se vê ameaçada. Como conclusão, pode dizer-se que a abordagem analítica é, sem dúvida, a mais eficaz. Porque a fim de definir claramente o abuso, é necessário, desde logo, definir a religião como tal, uma tarefa bem difícil de cumprir. Dito isto, a abordagem analítica envolve também alguns riscos: poderá confirmar o declínio relativo da liberdade religiosa colectiva.
V. Segurança e política religiosa
Deverá, ou deveria o Estado desenvolver uma verdadeira política religiosa? Não há muito tempo, durante o mesmo fim-de-semana, a Bélgica e a França fizeram ouvir duas vozes diferentes sobre este assunto.
Em França, o ministro do Interior, responsável pelos assuntos religiosos, Nicolas Sarkozy, confirmou que a famosa Lei da separação de 1905 deveria permanecer em vigor, aceitando um papel para o governo no domínio da formação dos imams.
Ao mesmo tempo, na Bélgica, o Movimento Reformador, o partido do ministro dos Negócios Estrangeiros, Louis Michel, formulava, tendo em vista as eleições legislativas, o seu ponto de vista sobre os relatórios IgrejaEstado. O Movimento Reformador
desejava introduzir a separação na Constituição, para reafirmar, claramente, o papel do Estado como garante de um quadro neutro sendo o mesmo para todas as religiões.
As diferenças entre os dois países são importantes. A França, por razões psicológicas e culturais, jamais poderá abandonar a Lei de 1905, mas nos limites deste quadro formal, muito permanece impossível. A Bélgica, por seu lado, encontra-se sempre no regime dos cultos reconhecidos, na antiga tradição napoleónica. Este sistema exige uma capacidade de negociação, notável. O equilíbrio entre a separação e a cooperação, entre os privilégios e a legalidade, nem sempre é fácil de encontrar. Donde, sem dúvida, a disposição visando criar um quadro sem nenhuma ambiguidade: a separação.
Com toda a evidência, uma situação assaz paralela (no fim de tudo, a França e a Bélgica situam-se num mesmo quadro geográfico e cultural) conduz, ainda assim, a soluções bem diferentes.
Esta constatação, leva a uma outra questão. Qual deveria ser a política governamental logo que a segurança e a estabilidade social parecem estar ameaçadas? É evidente que não se apresenta nenhuma solução inatacável. Apesar disso, poderia mostrar-se eficaz, uma política em quatro etapas. 1. Numa primeira fase, a liberdade religiosa deve ser garantida a tudo e a todos. Aqui, a noção de segurança requer e implica a aceitação generosa de liberdade religiosa. Esta liberdade é incondicional. Na maior parte dos casos, a lealdade será o resultado da liberdade, em vez de ser uma condição. 2. O Estado deve ter a coragem de não promulgar leis penais que apenas digam respeito ao domínio religioso. Assim, a conduta excessiva dos novos movimentos religiosos merece ser sancionada. Isso contribuirá, certamente, para a subordinação e o abandono. Mas as sanções devem ser tomadas num quadro geral; devem estar baseadas sobre leis existentes que digam respeito, bem entendido, às religiões, mas também aos clubes de futebol, aos políticos, aos professores universitários e à máfia.
É necessário, também, evitar novas leis que protejam os grupos religiosos. Nos países em que existe o delito de blasfémia, não é necessário revitalizá-lo ou alargá-lo às religiões que não estão ainda cobertas pela legislação existente. O facto de um acto não ser punido pela lei, não atesta a sua qualidade moral. 3. O terceiro ponto vai muito além dos dois primeiros. O primeiro ponto diz respeito à protecção de liberdade religiosa. O segundo era mais defensivo e não visava senão o domínio “negativo” das leis penais específicas.
O terceiro ponto debruça-se sobre a interacção entre o Estado e as religiões. Não poderá ser abordado senão se os outros dois pontos estiverem
resolvidos. Com toda a evidência este terceiro ponto tanto diz respeito aos contactos Religião -Estado tanto como ao apoio eventual visado por este último.
Nos países em que a religião tradicional goza de uma posição legal de força, são possíveis duas estratégias. A primeira consiste em reduzir a posição jurídica da religião maioritária ao nível dos outros grupos. A segunda vai na direcção oposta: as religiões minoritárias acedem, pouco a pouco, aos privilégios da religião tradicional.
O nivelamento por cima ou o nivelamento por baixo: eis, em duas palavras, as duas estratégias possíveis. Pessoalmente, prefiro a segunda solução, que é, desde logo, o fio condutor de numerosos países, como a Itália, a Espanha, a Holanda, a Bélgica a até mesmo a França.
Uma vez mais, uma tal política religiosa activa não é aceitável senão se a liberdade para todos os grupos estiver claramente garantida. 4. O quarto ponto não está inteiramente sob o controlo do Estado e permanece frágil, o que, evidentemente, aumenta o seu interesse. Voltemos ao terceiro ponto. Qual é a verdadeira razão pela qual o Estado mantém contactos com os grupos religiosos? Esta razão é a integração. Os contactos com as autoridades fazem com que o grupo religioso visado se sinta em casa e aceite o quadro legal do Estado democrático moderno. Se este objectivo é alcançado efectivamente, os problemas de segurança tornam-se menos pressionantes.
Mas – e eis portanto o quarto ponto – o Estado não tem senão um papel limitado. O verdadeiro diálogo deve ser conduzido pelos grupos religiosos entre si. No entanto, o Estado pode desempenhar um papel construtivo ao nível do quadro jurídico e dos princípios gerais. Como? Um exemplo concreto pode ilustrar este conceito.
Na Holanda, existe um número não negligenciável de escolas muçulmanas financiadas pelo Estado. Na Bélgica, existe apenas uma. Porquê? Uma primeira razão situa-se no facto de que as escolas oficiais oferecem, para aqueles que o pedem, aulas de religião muçulmana. Mas não é tudo. Alguns muçulmanos preferem, às escolas oficiais, as escolas católicas, que, no fim de contas, trabalham também a partir de uma mensagem religiosa.
Donde, a minha pergunta: pode o Estado sustentar financeiramente as escolas católicas prontas a organizar classes de religião muçulmana? Agindo dessa forma, o Estado talvez evitasse o surgimento de escolas muçulmanas livres. Esse poderia ser um aspecto do dossier que diz respeito à segurança.
Mas uma tal parceria financeira implica uma política religiosa muito activa, muito clara, não muito neutra. Até onde pode ir o Estado na elaboração de uma política religiosa? Eis uma questão que permanece, sem dúvida fascinante.