Segurança e liberdade religiosa - algumas questões jurídicas
religioso é bem protegido nas democracias ocidentais. O abuso do Direito tem raízes profundas na cultura jurídica. No Direito Civil continental, onde durante muito tempo a propriedade foi entendida como um direito quase sem limites, a noção de abuso do Direito teve a sua origem no século XIX. Eis um exemplo. O proprietário de um terreno que construísse um muro enorme apenas com a intenção de impedir o seu vizinho de aproveirar plenamente de luz, não estaria a utilizar o seu direito uma vez que o seu único objectivo era o de prejudicar o seu vizinho. Há aqui, portanto, uma questão de abuso do Direito. Um outro exemplo é dado pela simulação total, no quadro do Direito Canónico católico. O princípio é o mesmo. Sob a aparência de um casamento, pretende-se atingir um objectivo bem diferente, como, por exemplo, a obtenção de uma nacionalidade ou de um título de nobreza. É bem claro que há pontos de convergência entre o abuso do Direito no Direito Civil e a simulação total no casamento canónico, por um lado, e a desconstrução aparente da liberdade religiosa, por outro lado. No entanto, coloca-se um problema não negligenciável; a definição da noção de religião permanece difícil. Onde se situam os limites desta noção? Mesmo aqueles que não partilham da opinião italiano, Colajanni, que considera que são os próprios grupos visados que determinam se formam, ou não, um
implícita de religião civil tal como é aceite no seio da sociedade civil. IV. Técnicas de reconciliação entre a liberdade religiosa e a segurança Nas linhas que se seguem, evocarei duas técnicas possíveis sobre a relação entre a liberdade religiosa e a segurança. A primeira técnica é, acima de tudo, global e sintética, assim como a segunda, com a atenção que presta aos detalhes, mostra ‑se bem mais analítica. 1. Primeira abordagem: o abuso do Direito Nesta abordagem, a ideia principal não é a limitação da liberdade religiosa por razões de segurança. A linha condutora é muito mais a seguinte: a liberdade religiosa permanece intacta; não é ameaçada, porque ela não é realmante, visada. A noção de liberdade religiosa funciona como fachada, a fim de cobrir as formas de acção que, finalmente, na verdade, não são inspiradas pela religião. Dito de outra forma, não há comparação entre a liberdade religiosa e a segurança. A acção limita ‑se à desmantelamento daquilo que é apresentado ao mundo exterior como a liberdade religiosa. Um exemplo pode ilustrar esta ideia. Imaginemos que numa mesquita, o iman incita à guerra santa. Pois bem, este apelo não implica forçosamente a liberdade religiosa. Pode acontecer que o contexto religioso seja escolhido para facilitar o apelo, porque tudo o que pertence ao 11