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religiosos”para uma variedade de confissões

Da “Igreja dominante” e dos “novos movimentos religiosos” a uma variedade de confissões

Manuela Georghe*

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Na Roménia país de dominante ortodoxa, onde 87,8% do total da população – de acordo com o recenseamento de 2002 – declarava pertencer a esta religião, a Igreja ortodoxa romena beneficiou, ao longo de toda a sua história, duma situação privilegiada em relação às outras religiões ou confissões minoritárias. Este estado de coisas explica-se não apenas pelo argumento do número, mas também por uma série de factores históricos, da tradição e das mentalidades.

Após 1989, entretanto, as iniciativas efectuadas com vista à adopção duma legislação rigorosa, em conformidade com os princípios da democracia, criaram as premissas dum pluralismo religioso autêntico, caracterizado por uma diversificação permanente e uma pluralização religiosa, e sobretudo por uma “redefinição das relações de forças” entre os principais actores da cena religiosa romena, as quais, implicitamente, parecem remeter em questão o monopólio religioso tradicionalmente detido pela Igreja Ortodoxa.

O pluralismo religioso – condição da transição pós comunista nos países da Europa central e oriental.

Este fenómeno não é singular; ele caracteriza igualmente, em graus diferentes, os outros países da Europa central e oriental que, até 1989, se encontravam sob o domínio de regimes totalitários de tipo comunista e cuja democratização supõe antes de tudo a liberalização da vida religiosa. Este processo tem por pano de fundo a secularização, definida em geral por uma diminuição contínua de influência e da autoridade social das Igrejas históricas tradicionais. “Mais os regimes democráticos conseguem consolidar-se, estimava recentemente José Casanova, mais a Igreja perde as suas razões de existência e é remetida para a esfera privada1”

________ *Investigadora CientÍfica, principal, do Instituto de Sociologia da Acedemia Tomena, em Bucareste

A “Igreja dominante” e os “novos movimentos religiosos”...

Em todos estes países, a aplicação de normas e regulamentações democráticas, inclusive no domínio da religião, tem deixado inevitavelmente caminho livre às tendências/forças sobre a área das crenças religiosas e implicitamente contribuído para redefinir a posição das Igrejas tradicionais em relação aos outros actores religiosos. Por conseguinte, na Roménia, assim como nos outros países ex-comunistas, assiste-se a uma recomposição da paisagem religiosa onde, “actualmente, as religiões mais diversas estão em concorrência – senão em manifesta hostilidade. Trata-se de religiões enraizadas ao nível territorial ou étnico na região, mas também de comunidades mais recentes que esperam ter descoberto um território fértil para os seus esforços missionários – empenhando-se todas em atrair um número tão grande quanto possível de adeptos2”

Duas tendências comuns, maiores, manifestam-se nestes países europeus que não se envolveram nesta via da democracia senão após 1989. A primeira consiste em colocar as Igrejas tradicionais maioritárias numa posição privilegiada, superior à das outras religiões minoritárias. A segunda reside nos esforços que desenvolvem estas Igrejas maioritárias afim de conservar o seu estatuto privilegiado.

Mas antes de identificar alguns elementos parecendo manter a Igreja ortodoxa romena numa posição privilegiada em relação a qualquer outra confissão e religião, mesmo após 1990, desejamos voltar à história dos relacionamentos Igreja/Estado, tais como foram instituídas ao longo dos tempos, no caso específico da Roménia. Partamos da premissa segundo a qual “as duas tendências que acabámos de mencionar vão se acentuar, em particular no caso dos países ortodoxos, e isto, porque as Igrejas ortodoxas contribuíram, de modo mais acentuado, para a tradição secular de cesarismo papista estático e ainda contribuem para tal.”

As relações Igreja/Estado na Roménia; uma “sinfonia dos poderes”

No caso da Roménia, as relações entre o Estado e a Igreja foram marcadas pelo princípio bizantino da “sinfonia dos poderes3”, isto é a sobreposição do poder terrestre e temporal, incarnado pelo imperador Bizantino, e do espiritual representado pelo patriarca. Na Roménia, por exemplo, ao longo da sua história, uma relação de colaboração e interdependência existiu entre líderes políticos e líderes religiosos, o que valeu à Igreja ortodoxa um “statu-quo” privilegiado de monopólio em relação às religiões minoritárias. Por um lado, o religioso estava investido da missão de ungir o político na sua qualidade de mestre, as autoridades religiosas exercendo assim igualmente responsabilidades civis. Por outro lado, entretanto, “o clero esteve sempre submisso, nos principados romenos, à autoridade laica/terrestre representada pelo líder religioso4”, beneficiando este

A “Igreja dominante” e os “novos movimentos religiosos”... último duma influência decisiva na designação ou a demissão do líder político e da alta hierarquia eclesiástica,

A Igreja ia ficar ao lado da classe política (voïvodat), uma instituição primordial na sociedade romena durante todo o seu período pré-moderno, seja até aos primeiros decénios do século XIX. E isto, porque nenhuma das grandes mutações históricas que marcaram a sociedade ocidental – a Renascença, a Reforma ou as Luzes – chegaram a influenciar ou a ter efeitos decisivos sobre a ortodoxia romena, em particular. Entretanto, à medida que a sociedade romena avançava irremediavelmente para a modernidade, a instituição eclesiástica perdia, pouco a pouco, as suas prerrogativas tradicionais e a separação entre o Estado e a Igreja ia-se acentuando. Isto foi um processo longo e penoso, estando o princípio da “sinfonia dos poderes” sempre consagrado pela Constituição de 1866, assim como pela de 1923. As duas proclamavam a Igreja ortodoxa religião “dominante” no Estado. Os bispos viam atribuirse-lhes o estatuto de senadores de pleno direito e os descendentes do rei Carol 1º deviam ser baptizados segundo os ritos da religião ortodoxa. A Igreja ortodoxa romena beneficiou continuamente de privilégios e “foi sempre, em todo o tempo, desde que a vida estatal existe entre os Romenos (…) uma Igreja nacional e de Estado5”.

Na Constituição de 1923, a Igreja ortodoxa conservava o seu estatuto de Igreja “dominante” enquanto que o “primado” era reconhecido à Igreja greco-católica entre os outros cultos ditos “históricos”. A partir desse momento, a qualidade de senador de pleno direito foi atribuído, não somente aos bispos ortodoxos, mas, igualmente aos grego-católicos, católicos romanos, reformados, unitaristas, luteranos, judeus e muçulmanos. A lei para o regime geral dos cultos de 1928 garantia a liberdade de crença e de prática religiosa, mantendo, ao mesmo tempo, o estatuto desigual das comunidades religiosas que estavam divididas em três categorias: 1. A Igreja ortodoxa “dominante”; 2. Os cultos “históricos” greco-católico (que tinha o primado), católico-romano, reformado-calvinista, evangelistaluterano, arméno-gregoriano, judeu e muçulmano; 3. As associações religiosas “toleradas”ou autorizadas. Estas últimas, frequentemente chamadas “seitas” funcionavam nos termos da lei nº 21/1924 sobre as pessoas jurídicas. Inscreviamse nesta terceira categoria: Os baptistas, os cristãos segundo o Evangelho e os adventistas do sétimo dia. Outras formações religiosas eram “absolutamente interditas”; Os nazarenos, estudantes da Bíblia, os milenaristas, os adventistas reformistas, os ceifeiros, os pentecostais, os inocentes. A 1 de Dezembro de 1918, a Grande Assembleia de Blaj proclamava a criação do Estado nacional unitário romeno pela união das províncias históricas romenas – a Bessarabia, a Transilvania e a Bucovina – com o antigo reino, a

O patriarca Teocista, da Igreja Ortodoxa romena (à esquerda) e Ioan Robu, bispo da Igreja Católica Romana da Roménia. Foto Viorel Dima

Valachia. Este acontecimento histórico crucial ia envolver mudanças significativas na estrutura demográfica e religiosa, inclusive por causa da presença massiva de crentes neo-protestantes. Por conseguinte, a política religiosa do Estado romeno tornou-se cada vez mais restritiva em relação às presumidas “seitas”, A Igreja ortodoxa começou a impor uma política sempre cada vez mais clara visando “combater as seitas” e a literatura de propaganda anti-sectária tomou sempre maior amplitude6, Mesmo a ratificação da concordata com o Vaticano, em 1929, ia ser encarada com descontentamento e inquietação pela Igreja ortodoxa, porque um tal acto encorajava o proselitismo da Igreja católica “sempre opressivo face ao povo romeno7”.

A posição da Igreja em relação às outras religiões minoritárias consolidou-se durante o período entre-duas-guerras. Uma série de decisões do ministério dos Cultos declarou ilegais todas as “associações religiosas” e seitas, quer autorizadas ou interditas. Os seus membros eram considerados como “confessionais”, até que se “convertessem” a um dos cultos “históricos” cristãos protegidos pelo Estado. Uma decisão governamental de 1937 “interditou categoricamente” os cultos pentecostais, nazarenos, milenaristas e outros. Para poderem exercer a sua fé, os adventistas do sétimo dia, os baptistas e os cristãos segundo o Evangelho eram obrigados a observar restrições severas, quase impossíveis de respeitar: a obrigação de renovar, de seis em seis meses, a autorização de funcionamento; a actualização dos seus estatutos em função das alterações legislativas efectuadas. Por outro lado, qualquer nova filial devia contar com pelo menos 50 membros para ser aprovada; quanto às comunidades, deviam todas compor-se de cidadãos romenos maiores beneficiando de todos os direitos civis e políticos e que não podiam pertencer a nenhum outro culto. Cada ano, o ministério dos Cultos solicitava listas actualizadas dos membros. A impressão e a difusão de livros de culto e de propaganda religiosa não eram aceites senão num quadro restrito, no seio do culto, sem venda no exterior.

Para obter autorização de funcionamento da parte do ministério dos Cultos, cada associação religiosa independente devia apresentar uma “tese de reconhecimento” contendo a doutrina, as práticas específicas ao culto e os estatutos. Além disso, era necessário fornecer a prova dum lugar de culto adequado, situado na proximidade de outro lugar de culto, etc.

A Constituição de 1938, promulgada pouco tempo após a instauração do regime de autoridade real de Carol II (1938-1940), estipulava, no artigo 10 do capítulo II, intitulado “Dos direitos dos romenos”, que “a liberdade de consciência era absoluta” e que “o Estado garantia a todos os cultos liberdade e protecção”; “a Igreja ortodoxa cristã e a Igreja greco-católica são Igrejas romenas”; “a religião cristã ortodoxa é a religião da grande maioria dos Romenos, e é a razão pela qual a Igreja ortodoxa é a Igreja dominante no Estado romeno, e a Igreja greco-católica tem o primazia em relação aos outros cultos8”. Esta Constituição mantinha ainda os preceitos das Constituições precedentes (de 1866 e 1923) no que respeita o baptismo e a educação do rei na religião ortodoxa; o patriarca, os líderes religiosos e todos os outros responsáveis do culto detinham a dignidade de senadores de pleno direito. As certidões de actos civis não eram atribuídas senão após uma “bênção religiosa”. Dois exemplos ilustram a estreita ligação entre o Estado e a Igreja nesta época: o bispo Nicolae Colan exerceu a função de ministro dos Cultos e das Artes de 1938 a 1939 e o patriarca Miron Cristea a de membro do governo entre 1927 e 1930: este último também foi Primeiro-ministro de 1938 a 1939.

Esta política restritiva culmina a 14 de Setembro de 1940, quando a Roménia é declarada Estado nacional legionário. As liberdades religiosas foram progressivamente restritas, principalmente os direitos da comunidade judaica e das novas religiões, em particular as néo-protestantes.

A lei sobre os Cultos, que o Estado comunista votou a 4 de Agosto de 1948, reconhecia legalmente o estatuto de culto às seguintes confissões: Ortodoxa (84,45 %), católica romana (7,25%), reformada (3,97%), evangélica da Confissão de Augsbourg (0,76%), evangélica sínodo-presbiteral (0,8%), betanista (0,425%), unitariana (0,395%), cristã do ritual antigo (0,27%), adventista do sétimo dia (0,26%), muçulmana (0,25%), cristã segundo o Evangelho (0,16%), israelita (0,14%), armeno-gregoriana (0,01%)9. Todas as outras organizações religiosas foram declaradas ilegais: testemunhas de Jeová, adventistas reformistas, baptistas, estilistas, nazarenos, Exército de Deus, etc. Em 1948, a Igreja greco-católica foi suprimida e a Concordata com o Vaticano anulada. Todas as outras associações e fundações religiosas foram igualmente interditas.

Durante todo o período de 1948 a 1989, a Igreja ortodoxa romana teve de se submeter ao poder

A “Igreja dominante” e os “novos movimentos religiosos”... comunista “dando a César o que pertence a César e a Deus o que pertence a Deus”. Nas poucas aparições públicas sobre este tema, as hierarquias desta Igreja explicaram que esta táctica - aceitar um mal menor (concessões políticas) – tinha permitido evitar um mal sensivelmente maior. Com efeito, apesar das injustiças e horrores infligidos pelo Estado ateu (igrejas demolidas, mosteiros suprimidos, padres, monges ou simples fiéis presos e torturados, etc.), a Igreja pôde continuar sem interrupção a sua vida cultual, mesmo que a sua tarefa social tenha diminuído até praticamente desaparecer.

Sagacidade, impossibilidade real de se opor a uma força política indomável ou simplesmente continuidade duma tradição tipicamente bizantina, longínqua no tempo, de gestão das relações com o poder secular? A questão das relações Igreja/Estado sob a ditadura comunista foi e continuará a ser um assunto delicado e turbulento.

Do monopólio religioso único ao “mercado livre” das religiões

No plano religioso, o ano de 1989 marcou, para a Roménia, o começo dum processo de adopção duma nova legislação religiosa, conforme aos princípios e regras democráticas, sendo criadas as premissas dum pluralismo religioso real. Ora, este pluralismo supõe, antes do mais, a reafirmação do princípio secular da separação da esfera laica da religião, mas também, implicitamente, uma reflexão sobre o monopólio religioso que a Igreja ortodoxa romena tradicionalmente exerceu em relação às outras Igrejas e religiões minoritárias. É certo que, no novo contexto acabado de ser criado, a Igreja ortodoxa não poderia aceitar facilmente a ideia de renunciar aos privilégios de que beneficiou desde há muitos séculos. Isto é o que demonstraremos no que se segue.

A nova Constituição da Roménia, adoptada por referendo em 8 de Dezembro de 1991, proclamava uma série de disposições respeitantes à igualdade em direitos dos cidadãos “sem diferença quanto à raça, a nacionalidade, a origem étnica, a língua, a religião, o sexo, a opinião, a filiação política, a riqueza, a origem social” (art.4(2)) reconhecia e garantia “às pessoas das classes minoritárias nacionais o direito de conservar, desenvolver e expor a sua identidade étnica, cultural, linguística e religiosa” (art.6 (1)). O artigo 29 estipulava uma série de procedimentos respeitantes ao quadro geral de manifestação da vida religiosa. “A liberdade de pensamento e de opinião, bem como a liberdade de religião não podiam ser limitados sob que pretexto fosse. Ninguém pode ser constrangido a adoptar uma opinião ou a aderir a uma religião que contrariem as suas convicções” (art.29(2)). “Ela reconhecia a igualdade em direitos de todos os cultos, assim como a sua plena autonomia em relação à instituição estatal10. “Os cultos religiosos são livres e organizamse em conformidade com os seus próprios estatutos, nas condições

fixadas pela lei” (art. 29(3)). “Nas relações entre os cultos, todas as formas, todos os meios, actos ou acções de discórdia religiosa são interditos” (art. 29/4)). “Os cultos religiosos são autónomos em relação ao Estado, contudo beneficiam da sua ajuda, notadamente, em lhe facilitando o acesso ao exército, aos hospitais, aos estabelecimentos penitenciários, aos lares de terceira idade e aos orfanatos”, para aí levar uma assistência religiosa (art. 29(5)). Entretanto, no que respeita às relações Igreja/Estado, o texto legislativo em questão não comporta disposições muito claras e determinadas, o que nos permite evocar antes uma separação – colaboração entre as duas instituições, na continuidade duma tradição consagrada à qual se não pode renunciar dum dia para o outro.

Testemunham disso uma série de actos normativos, despachos de urgência, decisões do governo pelas quais o Estado romeno concede à Igreja ortodoxa romena facilidades e suporte – assim como aos outros cultos, por solicitação e na base do princípio da proporcionalidade, dos quais eles hesitam, a maior parte das vezes, a reclamar. Eis alguns: – A contribuição do Estado respeitante a retribuir o pessoal de culto da Igreja ortodoxa romena pelo orçamento do ministério da Cultura e dos Cultos (lei nº 142/ 1999 sobre a participação do Estado na remuneração do clérigo); O Estado contribui, por meio de subvenções financeiras, na manutenção e no funcionamento dos lugares de culto sem receitas ou com receitas reduzidas, publicado no Boletim Oficial nº 225/19, Agosto de 1994). – A elaboração duma disposição segundo a qual os cultos beneficiam do direito exclusivo de produzir e comercializar os objectos necessários ao culto (lei nº 103/1999, modificada e posta em vigor graças à lei nº 2/2001). – Os lugares de culto são isentos de impostos financeiros para os cultos reconhecidos pela lei (lei nº 27/17, Maio de 1994. – As receitas realizadas e os serviços efectuados no seio dos cultos são isentos de impostos (lei nº 57/ 2003 (o Código fiscal)); –Aconcessãodeapoiofinanceiro da parte do Estado para a construção dos lugares de culto, para a conservação ou restauração do património, ou para as despesas de manutenção dos lugares de culto (lei nº 125/2002 para a aprovação do despacho do governo nº 82/2001 sobre a concessão duma forma de apoio financeiro aos lugares de cultos pertencentes aos cultos religiosos reconhecidos na Roménia). – A introdução, após 1990, de cursos de religião no ensino Público, como opção facultativa, pelo protocolo concluído entre a secretaria do Estado para os Cultos e o ministério da Educação, a 10 de Novembro de 1990, (lei nº 84/1995, art. 9 (1), modificado e completado pela decisão nº 72/18.07.1995). Uma lei que foi amplamente debatida pelos médias e qualificada, pela opinião pública, atentatória à laicidade do ensino. – A atribuição dum terreno agrícola indo até 10 hectares a

A “Igreja dominante” e os “novos movimentos religiosos”... cada paróquia, 50 hectares a cada mosteiro, 100 hectares a cada “éparchie” e 200 hectares ao centro patriarcal, (lei nº 18/1991, (art. 22) a cargo do fundo agrícola), – A excepção das obrigações militares para o clérigo, (lei nº 46/ 1996, art. 6, sobre a preparação da população para a defesa). – Os militares têm direito a uma assistência religiosa no exército, em função da sua filiação religiosa, e unicamente a seu pedido (lei nº 125/2000 sobre a constituição e a organização do clero militar). – O reconhecimento das altas hierarquias ortodoxas e dos outros dirigentes do culto, por decreto presidencial.

Ao observar as medidas legislativas adoptadas pelo Estado romeno após 1990, constata-se que o problema relacional entre as instituições estatais e eclesiásticas não está clara e definitivamente resolvido, pelo menos por enquanto. Isto ilustra a importância da Igreja, na qualidade de instituição ao mesmo tempo pública e simbólica, berço e depositária da espiritualidade romena através do tempo. Nada de admirar então que a Igreja ortodoxa romena se tenha tornado, após 1990, um actor público cuja ascensão não se compara com nenhuma outra instituição romena. Todas as sondagens de opinião realizadas após 1990 situam a Igreja no primeiro lugar, no que respeita à confiança nas instituições públicas; no outro pólo situam-se a justiça, os partidos políticos e o Parlamento, ou seja, precisamente as instituições específicas à modernidade. Não é raro que a religião sirva de instrumento político, sobretudo durante as campanhas eleitorais. Do mesmo modo, a Igreja ortodoxa romena, beneficia duma intensa visibilidade e privilégios na vida social. Todas as grandes manifestações oficiais – sessão parlamentar de abertura, juramento militar, entradas das aulas, festas nacionais – beneficiam da presença e da bênção do clérigo ortodoxo. O sucesso que as altas hierarquias eclesiásticas acabam de alcançar – pelo menos até ao presente – consistindo em obstar o que se chama “a acção de abertura dos dossiers de colaboração com a Segurança sob o regime comunista”, solicitada desde há anos pela sociedade civil, é eloquente neste sentido. A falta de firmeza do Estado na resolução do problema da devolução dos bens confiscados pelo Estado comunista à Igreja greco-católica, por exemplo, sugere sempre que a Igreja ortodoxa continue a ser, para a instituição estatal, um parceiro de diálogo forte e cujas opiniões tendem de qualquer modo a influenciar as decisão políticas ou suas aplicações. As relações ainda não clarificadas entre as duas instituições são igualmente ilustradas pela decisão do Estado de adaptar certos aspectos da sua legislação relevando dos direitos do homem, em conformidade com a legislação internacional – a homossexualidade e a prostituição não estão mais sob a incidência penal – o que suscitou vivos protestos da parte da Igreja ortodoxa.

Conclusões

Eis tantos argumentos que sugerem que a Igreja ortodoxa romena continua a beneficiar dum estatuto privilegiado ao qual ela não parece disposta a renunciar. Isto sugere também a sua dificuldade a se adaptar aos princípios e às exigências da democracia cujos desafios, sob o plano religioso, são a promoção do pluralismo e da livre concorrência religiosa11. A própria iniciativa da Igreja ortodoxa romena tendo em vista o ser reconhecida “Igreja nacional” na nova lei sobre o culto – lei ainda em estado de projecto – deve ser compreendida neste sentido. Nada menos que três tentativas de elaboração duma tal lei foram, consecutivamente, votadas ao fracasso. Num primeiro projecto de lei sobre o regime geral dos cultos religiosos, aceite pela Igreja ortodoxa romena, foi apresentado pelo secretariado de Estado dos Cultos em 1988, para ser retirado ao início do ano seguinte, a pedido da Comissão para os direitos do homem, os cultos e as minorias nacionais, porque ele atentava não somente contra a liberdade de consciência, da religião e das crenças, mas igualmente contra o princípio de autonomia dos cultos. O mesmo projecto foi proposto em 2001, sem melhor sucesso, por causa, especificamente, da oposição de representantes dos cultos baptista e adventista do sétimo dia. A iniciativa seria retomada no Outono de 2004 pela elaboração dum novo texto de projecto de lei sobre os cultos, mas as eleições legislativas de Novembro de 2004 bloquearam o seu percurso.

As disposições inscritas no projecto de lei sobre os cultos, especialmente: a) a que consistia em designar a Igreja ortodoxa como “a Igreja nacional” e qualificada de restritiva pelos cultos minoritários; b) a falta de firmeza do Estado sobre a questão da devolução dos bens confiscados às igrejas pelo regime comunista; c) o descontentamento de certos cultos religiosos minoritários sobre o desenrolar do recenseamento de 2002 e d) a ligeireza com que a Igreja ortodoxa romena qualifica de “seitas” certos grupos neo-protestantes, acusandoos de “proselitismo”. Certos casos isolados – de intolerância e de conflito religioso indicam, entre outros, que o caminho para a constituição dum “mercado livre” das religiões na Roménia não está efectivamente senão nos seus princípios. Entretanto, apesar das suas dificuldades e hesitações, não há nenhuma dúvida que após 1990, a sociedade romena envolveu-se sobre o caminho do suporte do pluralismo cultural e religioso, condição sin qua non da integração conseguida da Roménia na União e civilização europeias.

Notas

1 José Casanova, “A religião e a vida pública na Europa ocidental e oriental” em Carta Internacional, edição romena, Outono 1999, p. 118, 119 2 Idem, p. 119

3 Princípio emitido pela primeira vez pelo imperador Justiniano na Novela VII, sobre a base do dogma do Sínodo IV de Calcedo, respeitando a união sem separação ou mistura, entre divino e humano. 4 A.D. Xenopol, História dos Romenos na Dacie Trajane, vol. III, 4ª ed. 1988, p.515 517. 5 A Igreja ortodoxa e os cultos estrangeiros do Reino da Roménia, Ed. Carol Gobl. Bucareste, 1991, p. VIII 6 Eis alguns títulos sugestivos: “Os desviados sectários vão para o fogo do inferno”, Cernanti, Tipografia Crença ortodoxa, 1940; diac. Emanuel Hogas, “Limpando o Campo de Cristo das ervas daninhas; Desvios sectários, Combatê-los, Calati, 1928; J. Davidescu e C. Stanica, Guia para combater as seitas, Ramnicu Vâlcea, 1929 7 O Patriarcado ortodoxo romeno e a concordata, Tipografia dos Livros eclesiásticos, Bucareste, 1929, p. 23 8 Ion Alexandersen, Ion Fulai, Ion Mamina, (cootd.) Enciclopédia da história da Roménia, éd. Memória, Bucareste, 2001, p. 18, 19 9 A vida religiosa na Roménia, Apresentação sintética, volume impresso pelo Conselho consultivo dos Cultos da República socialista da Roménia, Bucareste, 1987. 10 Apud., secretariado do Estado para os Cultos, A vida religiosa na Roménia, edição Paideia. Bucareste. 1999, p. 99. 11 Isto poder-se-ia explicar pela própria especificidade da ortodoxia, que concede a prioridade à vida contemplativa e ao aperfeiçoamento espiritual do homem em vista da sua salvação e faz passar para segundo plano o melhoramento da vida terrestre “de cá debaixo”. Diferenciandose da teologia protestante, por exemplo, a teologia ortodoxa não focaliza o indivíduo mas a comunidade dos crentes (ekklisia) onde todas as individualidades se confundem na “participação em Cristo”. Por conseguinte, contrariamente ao protestantismo, a ortodoxia não desenvolveu a sua própria teologia dos direitos individuais do homem e não manifestou interesse por toda uma série de direitos civis, tais como a liberdade de expressão, da imprensa, da liberdade religiosa, etc.

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