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Documentos Declaração e relatório de Asma Jahangir Relatora especial das Nações Unidas Carta da AIDLR à Relatora especial

Nações Unidas

Declaração e relatório de Asma Jahangir, relatora especial sobre a liberdade de religião ou de convicção, apresentada ao Conselho dos Direitos do Homem, a 21 de Setembro de 2006*

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Asma Jahangir sublinhou que perante o clima actual de desconfiança perante a universalidade dos Direitos do Homem, os esforços que visam aumentar a sensibilização para com os Direitos do Homem, assim como o respeito para com esses direitos é mais importante do que nunca. Insistindo sobre o carácter intrinsecamente sensível do seu mandato, fez notar que, desde os ataques do 11 de Setembro de 2001, as tensões e as sensibilidades sobre estas questões relativas à religião e à crença se exacerbaram.

Asma Jahangir indicou que como resultado das suas visitas a diferentes países, e baseada nas alegações que lhe foram apresentadas, está habilitada para poder afirmar que, perante todas as evidências, o direito à liberdade de religião ou de crença é frequentemente violado; parece que se mostra pouca vontade de proteger este direito. A Relatora especial sublinhou que no seu relatório ao Conselho, se concentrou sobre o debate que envolve os símbolos religiosos. Em diferentes partes do mundo, os indivíduos são impedidos de se identificar, através do uso de símbolos religiosos, enquanto que, noutros países, pelo contrário, é pedido aos indivíduos para se identificarem exibindo símbolos religiosos, especialmente nas vestes religiosas, em público. Exibir ou usar símbolos religiosos faz parte da manifestação da liberdade de religião ou de crença, como a Sr.ª Jahangir afirmou.

Ela afirmou, também, que qualquer limitação do direito de um indivíduo exibir ou usar símbolos religiosos não pode estar baseada senão em motivos de segurança, de ordem, de saúde, ou de moral públicas, ou nos direitos fundamentais de outrem. Além disso, continuou a Relatora especial, as leis que limitem o direito de exibir, ou de usar símbolos religiosos deveriam ser proporcionais aos objectivos específicos que elas procuram atingir. Perante isto, a Sr.ª Jahangir acrescentou, que é importante sublinhar que as atitudes morais públicas deveriam reflectir um ponto de vista pluralista da sociedade e não apenas uma cultura ou religião.

Continuam a ser cometidas atrocidades contra as comunidades religiosas ou de crentes, incluindo as que são cometidas em nome da religião, prosseguiu a Sr.ª Jahangir. Os dirigentes políticos devem permanecer neutros e

envolver-se colectiva e abertamente no combate contra a intolerância religiosa, sublinhou ela. Existem exemplos notáveis, onde diálogos e intensas negociações permitiram contribuir para a prevenção da violência e o fim das hostilidades, salientou a Relatora Especial. Ela colocou a tónica na necessidade da educação para conter a intolerância religiosa, fazendo notar que a falta de educação é, frequentemente, identificada como sendo uma das causas profundas da intolerância religiosa. É importante sublinhar que é mais especificamente a educação na área dos direitos do Homem – e não, simplesmente, a educação como tal – que pode desempenhar um papel crucial, para favorecer a harmonia religiosa. A Sr.ª Jahangir fez notar que, em alguns países que visitou, notou a vontade de muitos dos seus interlocutores em ligar a intolerância religiosa ao analfabetismo, até mesmo, à pobreza. Indicou ter efectuado, durante o período coberto pelo seu relatório, visitas à Nigéria, ao Sri Lanka e à França. Indicou, também, ter efectuado, durante o decorrer deste ano, visitas ao Azerbeijão (26 de Fevereiro a 5 de Março de 2006) e às Maldivas (6 a 9 de Agosto). Duas visitas sobre as quais entende apresentar relatórios a uma futura sessão do Conselho. Enquanto se espera a publicação destes relatórios, a Sr.ª Jahangir deu conhecimento do acesso das Maldivas ao Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e ao Pacto Internacional relativo aos Direitos Económicos, sociais e culturais. Felicitou o governo das Maldivas por terem tomado esta medida importante, mas lamentou que o país tenha achado necessário emitir uma reserva, para com o artigo 18 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, no que respeita à Liberdade de religião ou de crença; dessa forma, exprimiu a esperança de que o governo tome medidas para revogar esta reserva logo que possível.

Tratando da visita que efectuou à Nigéria, a Sr.ª Jahangir indicou, especialmente, ter recebido um certo número de queixas sobre motins violentos e outros ataques em diversos locais do país. Estas violências têm diversas causas, especialmente factores políticos, económicos e étnicos; todavia, na maior parte dos casos, a violência tem contornos religiosos, segundo a Relatora especial indicou. As crenças religiosas não são apenas uma questão muito sensível na Nigéria; elas proporcionam, igualmente, um meio relativamente fácil e simples de identificar um opositor a perseguir. Ela afirmou que o aspecto mais impressionante da violência reside no facto de que a violência reside na resposta que as autoridades lhe conferem. Com efeito, a Sr.ª Jahangir precisou que, de acordo com a maioria das informações recebidas, não é feito nenhum inquérito, nem nenhum esforço, no sentido de perseguir os delinquentes.

A introdução da lei islâmica nos assuntos penais em doze dos Estados da Nigéria, polarizou a população que segue linhas religiosas, continuou a Relatora Especial. Uma característica comum a essas leis religiosas – argumento, muitas vezes utilizado para as apoiar – é que elas são aplicadas apenas aos muçulmanos, sublinhou. Um acontecimento particularmente alarmante sobre a aplicação dessas leis, foi a institucionalização de órgãos de aplicação conhecidos sob o nome de Hisbah, compostos por jovens civis, não formados e cujo papel é aplicar a lei da Charia tal como eles a entendem. As suas actividades têm-se saldado por um certo número de actos violentos, arbitrários e ilegais, em particular contra as mulheres não muçulmanas, equivalendo,

em numerosos casos, a violações dos Direitos do Homem. A Sr.ª Jahangir manifestou-se particularmente perturbada com as informações, segundo as quais, os membros das comunidades cristãs e muçulmanas estão a ponto de se armarem, seja para fins defensivos, seja com o objectivo de uma agressão futura.

A respeito da visita que efectuou ao Sri Lanka em Maio de 2005, Sr.ª Jahangir recordou, particularmente, que essa missão, visava avaliar as informações que indicavam haver ataques contra certos grupos religiosos assim como conversões abusivas. Estas alegações levaram à introdução de projectos de lei penalizando certos actos visando a conversão de um indivíduo a outra religião, como indicou a Relatora Especial. O Sri Lanka é um país com um elevado grau de tolerância e uma história de harmonia religiosa, recordou. Por outro lado, acrescentou ela, o governo geralmente respeita a liberdade de religião e de crença e tem permanecido, até agora, neutro perante as diferentes comunidades religiosas presentes no seu território. Se bem que já tenha havido no Sri Lanka preocupações concernentes a conversões abusivas antes do maremoto de Dezembro de 2004, estas preocupações têm-se acentuado em consequência de alegações, segundo as quais, alguns grupos utilizaram as provisões da ajuda humanitária para forçar a população a converter-se, indicou a Sr.ª Jahangir.

Tratando-se da sua visita a França, efectuada de 19 a 29 de Setembro de 2005, a Sr.ª Jahangir indicou ter concluído que, se a França, geralmente, respeita o direito à liberdade de religião ou de convicção, subsiste um certo número de temas de preocupação. A Relatora Especial mostrou-se particularmente preocupada com a Lei 2004-228 sobre o uso de sinais religiosos ostentatórios, nas escolas francesas. Esta lei que tem sido largamente apoiada pelo aparelho político, assim como grande parte da população, tinha por vocação aplicar-se, de forma igual, a todas as pessoas; no entanto, na prática, ela afecta, essencialmente, as pessoas que pertencem à fé muçulmana.

Por outro lado, acrescentou a Sr.ª Jahangir, o vasto apoio político a favor desta lei, passou uma mensagem desmoralizadora às minorias religiosas em França. A Sr.ª Jahangir indicou, por outro lado, ter recebido um certo número de informações sobre os actos de violência e de intolerância religiosa contra os membros de comunidades religiosas, em particular, judeus e muçulmanos. Ela congratulou-se pelo facto do governo francês ter levado esses actos a sério e por, raramente, subestimar a sua importância.

A Relatora Especial, por outro lado, indicou que no início de 2007, efectuará uma missão no Tadjiquistão.

No seu relatório sobre a liberdade de religião ou de convicção (E/CN.4/ 2006/5 e Ad. 1 a 4), a Relatora Especial nota com preocupação que para muitas pessoas no mundo, a liberdade de religião, ou de convicção, não é uma realidade. O aumento do número de países que não dirigem convites para as suas visitas in situ suscita reais inquietações, sublinha o relatório. Esta tendência é particularmente preocupante na medida em que os aludidos países são aqueles sobre os quais a Relatora Especial recebeu alegações substanciais sobre violações do direito à liberdade de religião ou de convicção. Perante isto, a Relatora Especial reitera o seu apoio a um mecanismo que permita

gerir, de forma adequada, a situação dos países que deixam regularmente de cooperar no quadro de procedimentos especiais. Ela encoraja os Estados e os outros actores a examinarem esta questão no contexto dos esforços relativos à reforma da ONU. Pediu, especialmente, que encarassem o fazer obstrução aos países que não cooperem com os titulares de mandato com o título de procedimentos especiais, quando se examinar a sua candidatura para pertencer ao novo Conselho.

A Relatora Especial definiu um conjunto de critérios gerais sobre os símbolos religiosos, especialmente os “indicadores neutros” e os “indicadores preocupantes” a fim de dar linhas orientadoras no que concerne às normas relativas aos direitos do Homem aplicáveis e ao seu uso. Ela queria sublinhar que não podem ser impostas restrições com fins discriminatórios nem de forma discriminatória, as restrições devem estar em directa relação com o objectivo específico que as inspira e proporcionais a estes. É sobre o Estado que repousa a tarefa de justificar uma restrição à liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção. A medida escolhida deve promover a tolerância religiosa e evitar estigmatizar uma comunidade religiosa em particular.

Por fim, os princípios do fundamento e da justa proporção da medida devem ser perfeitamente respeitados pela administração e durante o controlo jurisdicional se for caso disso.

Durante o período considerado, a Relatora Especial continuou a receber informações sobre casos, ou situações, de pessoas que deliberadamente ofendem a religião de outras pessoas. Ela reconhece que, em muitos casos, as declarações de outras formas de expressão, podem ter tido a manifestação do exercício do direito à liberdade de expressão. No entanto, inquieta-se com o facto de que essas formas de expressão podem, por vezes, revelar uma falta de tolerância para com a religião de outrem, que pode constituir uma ameaça para a paz confessional da sociedade na medida em que esta, muitas vezes, repousa sobre estereótipos e pode favorecer uma maior polarização. Ela prevê, durante o seu mandato, desenvolver, cada vez mais, este aspecto, nas suas actividades futuras. O resumo das comunicações enviadas pela Relatora Especial desde 12 de Novembro de 2004 a 30 de Novembro de 2005 e as respostas recebidas dos governos antes de 30 de Janeiro de 2006, figuram no anexo do primeiro relatório. Os anexos 2 a 4 são os relatórios sobre as visitas aos países, respectivamente, à Nigéria, ao Sri Lanka e à França.

No que se refere à Nigéria (Anexo 2) onde esteve de 27 de Fevereiro a 7 de Março de 2005, a Relatora Especial notou que as tensões e a incompreensão entre as comunidades muçulmana e cristã, que, até aí, tinham sido contidas e limitadas a algumas regiões, se tinham agravado nestes últimos anos. Em particular a adopção de uma legislação penal baseada na Charia por um certo número de Estados do Norte, desde 1999, provocou reacções negativas entre os membros das comunidades não muçulmanas, mesmo que sejam apenas os muçulmanos a serem submetidos a essas disposições legais. Por outro lado, mesmo que essas tensões se expliquem, também, por factores económicos políticos e outros, elas têm-se muitas vezes polarizado nas questões religiosas. Por estas razões, a Relatora Especial é de opinião que a fruição do direito à liberdade de religião ou de convicção não está suficientemente assegurada.

Receia, além disso, que o agravamento das tensões religiosas, entrave, ainda mais, o gozo deste direito no seio da população nigeriana.

No que diz respeito ao Sri Lanka (Anexo 3) onde esteve de 2 a 12 de Maio de 2005, a Relatora Especial indica que procurou avaliar a situação no que respeita à liberdade de religião ou de convicção, tendo em conta especialmente, informações recentes dando nota de ataques contra certos grupos religiosos, alegações de conversões abusivas e da apresentação de projectos de lei criminalizando certos actos que visam converter alguém a uma outra religião. Ela condena os ataques perpetrados contra os membros de minorias cristãs e critica a atitude passiva do governo; exorta, ainda, este último a tomar medidas sistemáticas, especialmente através do aparelho judicial, para pôr fim a esses ataques. Além disso, salienta que certos grupos religiosos recorreram a métodos impróprios para persuadir pessoas a mudar de religião, a Relatora Especial pede a esses grupos que respeitem a religião do outro e que não recorram a formas agressivas de proselitismo, que poderiam perturbar a harmonia religiosa e exacerbar as tensões. Procura, no entanto, chamar a atenção para a adopção de projectos de lei que criminalizariam certos actos visando a conversão de outrem a uma religião, porque a sua aplicação conduziria a violações dos direitos do Homem e porque não constituem uma resposta adaptada às actuais tensões religiosas.

Ao tratar da França, (Anexo 4), onde efectuou uma missão de 18 a 29 de Setembro de 2005, a Relatora Especial sublinha que o governo francês, de uma forma geral, respeita o direito à liberdade de religião ou de convicção, tal como está protegida pelos instrumentos internacionais pertinentes, mas que, apesar disso, existem certas zonas de sombra. Reconhecendo que a organização de uma sociedade, segundo o princípio da separação das Igrejas e do Estado, garante o direito fundamental à liberdade de religião ou de convicção, a Relatora Especial deplora que, em certas circunstâncias, uma interpretação selectiva e uma aplicação rígida deste princípio tenha levado a sacrificar o direito acima mencionado. Apesar disso, felicita-se pelo debate que se trava, actualmente, no seio da sociedade francesa sobre a Lei de 1905 que diz respeito à separação das Igrejas e do Estado e estima que uma avaliação aprofundada da sua aplicação, no contexto actual, marcada por uma diversificação crescente de religiões, é um processo necessário numa sociedade democrática baseada num Estado de Direito.

No que refere à questão das seitas, termo que designa grupos organizados em redor de um culto, mas também novos movimentos religiosos ou novas comunidades de convicção, a Relatora Especial é de opinião que a política do governo provavelmente contribuiu para o clima de suspeição geral para com comunidades que fazem parte de uma lista que depois foi estabelecida por um relatório parlamentar, e que atentou contra o direito à liberdade de religião ou de convicção de certos membros dessas comunidades, ou grupos. No entanto, ela observou que desde há alguns anos, as autoridades francesas abordam de forma mais equilibrada este fenómeno e têm ajustado a sua política, transformando a Missão Interministerial da Luta Contra as Seitas (MILS) numa Missão Interministerial de Vigilância e de Luta Contra as Derivas Sectárias (MIVILUDES). A Relatora Especial estima que a Lei de 2004 sobre o uso de sinais religiosos ostensivos nas escolas públicas se justifica na medida

em que ela está vocacionada, de acordo com o princípio do superior interesse da criança, a proteger a autonomia dos menores que correm o risco de serem pressionados a usar um véu, ou um outro sinal religioso, ou de serem forçados a isso. No entanto, esta lei priva dos seus direitos os menores que escolherem, com toda a liberdade, usar, na escola, um sinal religioso por convicção religiosa. Além disso, a aplicação desta lei pelos estabelecimentos de ensino levou, em muitos casos, a abusos que provocaram humilhações, particularmente entre os jovens muçulmanos. Além disso, a estigmatização do véu provocou actos de intolerância religiosa para com as mulheres que o usam fora da escola, na universidade ou no local de trabalho.

*http://www.droitshumains.org/ONU/conseilddh/rapp13.htm

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