revista da ordem dos solicitadores e dos agentes de execução EDIÇÃO N.º 33 / QUADRIMESTRAL / JUNHO – SETEMBRO 2022 / €2,50
Marc Schmitz Presidente da International Union of Judicial Officers
ENT R E V I S TA
R E PO R TAG E M
E N T R E V I S TA
Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais
Marinha Portuguesa
Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução
Fernando Esperança
Heróis do Mar
Duarte Pinto
FICHA TÉCNICA
SOLLICITARE EDIÇÃO N.º 33 / JUNHO – SETEMBRO 2022
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor Paulo Teixeira Editor Francisco Serra Loureiro Redatores principais André Silva, Dina Teixeira, Joana Gonçalves Colaboram nesta edição: Débora Riobom dos Santos, Diana Andrade, Edna Nabais, Eva Justiça, Juan Carlos Estévez Fernández-Novoa, Lucília Antunes, Marcelino Costa Santos, Miguel Ângelo Costa, Nicolau Vieira, Rafael Parreira, Susana Antas Videira, Tânia Ângelo e Tiago Vitória Carvalho Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Sustainable Printing Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes. Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
Bastonário Paulo Teixeira Assembleia Geral Presidente: Aventino Lima (Lisboa) 1.ª Secretária: Elizabeth Costa (Lisboa) 2.º Secretário: Pedro de Aguiar Fernandes (Setúbal) Conselho Geral Presidente: Paulo Teixeira (Matosinhos) 1.ª Vice-Presidente: Edite Gaspar (Lisboa) 2.º Vice-Presidente: Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) 3.ª Vice-Presidente: Elisabete Guilhermino (Batalha) 1.º Secretário: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) 2.ª Secretária: Diana Silva Queiroz (Vila Franca de Xira) Tesoureira: Alexandra Ferreira (Porto) Vogais: João Coutinho (Figueira da Foz), Gabriela Antunes (Leiria), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira), Joana Bonifácio (Mirandela), Tânia Fernandes (Albufeira) Conselho Superior Presidente: Fernando Rodrigues (Maia) Vogais: Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira), José Guilherme Pinto (Maia), Rosária Rebelo (Rio Maior), Valter Jorge Rodrigues (Moita), Beatriz Tavares do Canto (Ponta Delgada), Rafael Parreira (Leiria), Isabel Carvalho (Vila Nova de Famalicão), João Reduto (Guarda), Cláudia Cerqueira (Viana do Castelo), João Soares Rodrigues (Oliveira de Azeméis) Conselho Fiscal Presidente: Lídia Coelho da Silva (Porto) Secretário: Alberto Godinho (Tomar) Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores Presidente: Delfim Costa (Barcelos) Vice-presidente: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) Vogais: Leandro Siopa (Pombal), Carina Jiménez Reis (Linda-a-Velha), Marcelo Ferreira (Covilhã) Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução Presidente: Duarte Pinto (Porto) Vice-presidente: Filipa Gameiro (Alcanena) Vogais: Marco Santos (Trofa), Tânia Mendes Silva (Alcobaça), Emanuel Silva (Águeda) Conselho Regional do Porto Presidente: Nicolau Vieira (Gondomar) Secretária: Cecília Mendes (Paredes) Vogais: Marta Baptista (Santa Maria da Feira), Paulo Miguel Cortesão (Maia), Mariela Pinheiro (Barcelos) Conselho Regional de Coimbra Presidente: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) Secretário: Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Vogais: Edna Nabais (Castelo Branco), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Bruno Monteiro Branco (Condeixa-a-Nova) Conselho Regional de Lisboa Presidente: Débora Riobom dos Santos (Odivelas) Secretário: João Pedro Amorim (Lisboa) Vogais: José Jácome (Lagos), Carla Matos Pinto (Torres Vedras), Marina Campos (Queluz)
EDITORIAL
Paulo Teixeira Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Marc Schmitz, presidente da International Union of Judicial Officers e da European Union of Judicial Officers é capa da 33.ª edição da Sollicitare. Na entrevista que nos concede, fala-nos da tendência de digitalização da Justiça e da necessidade de acompanhar esse progresso. Admite que esta é uma oportunidade única para reinventar a profissão de agente de execução, não deixando de destacar o exemplo da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) como uma mais-valia pela sua proatividade e inovação. Quanto às restantes entrevistas, especial ênfase para a de Fernando Esperança, Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais, que nos revela as recentes alterações introduzidas no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e os desafios que marcam o presente e o futuro desta classe profissional. Não perca também a entrevista a Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, que nos faz uma análise detalhada do panorama da ação executiva portuguesa. Neste número, destacamos ainda o artigo de Juan Carlos Estévez. O Presidente do Consejo General de Procuradores de España dá-nos a conhecer todos os requisitos e competências necessárias para o exercício da profissão de Procurador em Espanha. Com o propósito de conhecer um novo ramo das Forças Armadas, a nossa equipa partiu à descoberta da Marinha Portuguesa. Nesta reportagem, é desvendada a sua missão e as atividades que tem vindo a desenvolver no país há já mais de sete séculos. Uma reportagem a não perder. E porque acompanhar a atualidade é para nós imprescindível, fomos falar de temas marcantes com os nossos profissionais. No ano em que arrancam as comemorações dos cinquenta anos do 25 de Abril de 1974, conversarmos com Silva Queiroz, Solicitador desde os tempos de ditadura, e Diana Queiroz, que exerceu sempre a profissão em democracia. Duas perspetivas únicas e enriquecedoras para descobrir na reportagem “O País e a Solicitadoria. Antes e Depois do 25 de Abril.”. Igualmente relevante é a reportagem “Esperança sem fronteiras”, que nos faz um retrato de três solicitadoras, três mulheres, três histórias de vida: Helena Bedlinska, Tetyana Popilevych e Oksana Maia. Todas elas ucranianas. E a exercer a solicitadoria em Portugal. Conheça as suas experiências e as suas perspetivas sobre a guerra na Ucrânia. Gostaria de deixar ainda um especial agradecimento ao Centro Nacional Bahá’í, por nos ter guiado pelos fundamentos da Fé Bahá’í, no âmbito da rubrica ‘especial religião’, e aos Sons do Minho, que não hesitaram em partilhar gentilmente connosco o seu percurso na música portuguesa. Faço votos de que as temáticas que dão corpo a esta edição continuem a contribuir para a difusão de conhecimento e o enriquecimento cultural dos nossos leitores. Boas leituras. SOLLICITARE 1
ÍNDICE
SOLLICITARE 33 / JUNHO – SETEMBRO 2022
4 Marc Schmitz
Entrevista com o Presidente da International Union of Judicial Officers Fotografia capa UIHJ
12 Heróis do Mar
Reportagem sobre a Marinha Portuguesa
As histórias de três solicitadoras ucranianas que também escrevem Justiça em português Helena Bedlinska, Tetyana Popilevych e Oksana Maia.
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Fernando Esperança
Duarte Pinto
Entrevista com o Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais
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Entrevista com o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE
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Fé Bahá’í, Unidade na diversidade
O país e a Solicitadoria. Antes e depois do 25 de abril
Silêncio, que se vai cantar o Fado!
A mais recente das religiões mundiais.
Conversa com Silva Queiroz, Solicitador desde os tempos de ditadura, e Diana Queiroz, a exercer a profissão num país que só conheceu em democracia.
Reportagem sobre o Museu do Fado, género musical elevado à categoria de Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2011.
Labor Improbus Omnia Vincit EDITORIAL OSAE OSAE marcou presença no XXII Congresso Internacional de Direito Registal OSAE e Procuradores de Espanha reuniram em Madrid Conselho Regional do Porto Conselho Regional do Coimbra Conselho Regional do Lisboa PROFISSÃO O reforço das Garantias e a proteção da Habitação Própria e Permanente O fim das dívidas aos condomínios? O exercício da profissão de Procurador em Espanha A mediação familiar e o papel do Solicitador A justiça e a inversão da pirâmide etária
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11 19 38 40 42
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Solicitadores ilustres: Brás Afonso Tecnologia. O papel do Solicitador no mundo da web 3.0
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CULTURA Sons do Minho
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SUGESTÕES Leituras
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ROTEIRO GASTRONÓMICO Cabra Preta Nunes Real Marisqueira
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VIAGENS Serpa Santiago de Compostela
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ENTREVISTA
Presidente da International Union of Judicial Officers e da European Union of Judicial Officers
MARC SCHMITZ
“a osae é, definitivamente, um exemplo a seguir para todos nós” Somam-se 25 anos desde que começou a trilhar os caminhos da Justiça e do Direito na International Union of Judicial Officers (UIHJ). Empenhado em desenvolver e promover a profissão de agente de execução além-fronteiras, assume hoje a presidência desta união internacional e também da European Union of Judicial Officers (UEHJ). No início do seu segundo mandato como presidente da UIHJ, fomos conhecer os seus objetivos, expectativas e os desafios que marcam a atualidade, sobretudo no que se refere à digitalização da Justiça. Acompanhando, desde sempre, o percurso da OSAE nesta matéria, assume: “Há muitos anos que os agentes de execução portugueses nos mostram que estão sempre um passo à frente no que diz respeito à tecnologia”, sublinhando que, neste processo de evolução e adaptação constantes, “a nossa união é a nossa força!”. Conheça Marc Schmitz. ENTREVISTA DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA UIHJ
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É presidente da UIHJ desde 2018, tendo sido reeleito em 2021. O que representa para si este cargo? Desde 1997 que estou ativamente envolvido nas atividades da UIHJ. Comecei como delegado da Belgian National Chamber of Judicial Officers. Em 2012 tornei-me membro do conselho executivo, tendo sido eleito como primeiro vice-presidente da UIHJ em 2015. Sempre permaneci confiante nos propósitos da UIHJ e estive muito envolvido no trabalho desenvolvido por esta organização, por isso ter sido eleito presidente foi, para mim, um sonho tornado realidade. Durante o meu primeiro mandato como presidente tive de enfrentar uma pandemia – a da Covid-19 - sem precedentes, que nos obrigou a evoluir para permanecermos o mais proativos possível. Apesar do contexto pandémico, conseguimos dar continuidade às nossas atividades, principalmente por meio de reuniões e conferências online e ficámos surpreendidos com a quantidade de coisas que conseguimos fazer. Organizámos mais 40% de reuniões do que o normal devido à redução de viagens. Também desenvolvemos webinars de formação que se mostraram muito eficientes e às quais daremos continuidade no futuro. Apenas três meses após o início do meu segundo mandato, deparei-me com outro acontecimento terrível e trágico e que nos afeta a todos: a guerra na Ucrânia. Esta é a prova de que quaisquer que sejam os nossos planos e intenções, temos de enfrentar a realidade e adaptarmo-nos constantemente se quisermos continuar a alcançar os nossos objetivos. Isto é o que eu acho que tenho de fazer enquanto presidente da UIHJ. Quais são os objetivos para os próximos anos de mandato? Temos muitos objetivos na UIHJ. O desenvolvimento de contactos com organizações e instituições internacionais é algo que temos vindo a trabalhar nos últimos anos e será para continuar. Considero que isto é fundamental porque nos dá uma grande visibilidade, para além de ser a melhor forma de assegurar a promoção da profissão e
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a defesa dos nossos interesses. As nossas principais prioridades são focarmo-nos no desenvolvimento de tecnologias de informação e adaptar a nossa profissão a essa evolução, ou devo dizer revolução: inteligência artificial, e-Justice, criptomoedas, smart contracts, tecnologia de blockchain, penhora de ativos digitais, etc. É nisto que reside o futuro da profissão de agente de execução e temos de ser pioneiros nesse campo. Devemos encarar este desafio como uma oportunidade para reinventar a nossa profissão e garantir assim o seu futuro. Em novembro de 2021 publicámos o Global Code of Digital Enforcement, que certamente se tornará uma referência em relação à penhora digital e à penhora de ativos digitais. Pretendemos também estar sempre presentes na Europa e desempenhar um papel fundamental na União Europeia e no Conselho Europeu. Além disso, queremos continuar muito ativos em África, onde temos 30 países membros, essencialmente no que diz respeito à formação ou à informatização dos gabinetes dos agentes de execução. Embora sejamos, provavelmente, a maior organização internacional jurídica do mundo em termos de membros (100 membros de 96 países), queremos ter a certeza de que continuamos o nosso desenvolvimento na Ásia, América Central e do Sul e, agora, na Oceânia. A formação e o conhecimento são centrais para a evolução da profissão, para garantir credibilidade e confiança, assim como para permitir o surgimento de novas atividades. Neste sentido, iniciámos um conjunto de webinars sobre como penhorar nos países membros da UIHJ e considero que as nossas atividades devem ser colocadas cada vez mais num patamar prático. A equipa de inovação da UIHJ está a fazer um ótimo trabalho para assegurar a máxima visibilidade nas redes sociais e recolher informações sobre a profissão, informações estas que constituem uma base de dados única e de grande volume. Por fim, gostaríamos ainda de promover a nova categoria de membros individuais da UIHJ, convidando agentes de execução de todo o mundo a se tornarem membros individuais da nossa associação para nos apoiarem nas nossas atividades.
ENTREVISTA COM MARC SCHMITZ
Hoje, o agente de execução precisa de ser mais do que um simples profissional do Direito. Deve ser multitasking e ter profundos conhecimentos em novas tecnologias se quiser “sobreviver” nesta área.
Como descreve a evolução da profissão de agente de execução nos últimos anos? Há, inegavelmente, uma tendência de digitalização. Por exemplo, em África, os nossos colegas estão a acompanhar de perto os desenvolvimentos em outras partes do mundo. E não haverá como voltar atrás nesta questão. É, por isso, nosso dever estar na vanguarda deste processo. Hoje, o agente de execução precisa de ser mais do que um simples profissional do Direito. Deve ser multitasking e ter profundos conhecimentos em novas tecnologias se quiser “sobreviver” nesta área. A organização da formação contínua é, mais do que nunca, imprescindível e as diferentes Câmaras nacionais ou Associações de agentes de execução são obrigadas a ser proativas. Observamos também que a atividade de execução de sentenças está em constante declínio e, neste sentido, precisamos de procurar atividades adicionais como, por exemplo, apuramento de factos, mediação ou cobrança extrajudicial de dívidas para garantir a rentabilidade dos nossos escritórios, pelo menos nos países onde o agente de execução trabalha por conta própria sob um estatuto liberal. Ao mesmo tempo, a profissão está sob ataque em vários países, principalmente no que diz respeito aos honorários. Estamos muito preocupados com este problema,
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Presidente da UIHJ recebeu, em Paris, Bastonário da OSAE e Presidente do CPCAE visto que pode levar ao fim da profissão nestes países. Faremos tudo o que está ao nosso alcance para combater isso. Por outro lado, verificamos que, em muitos países, há cada vez menos respeito pelo agente de execução. Este é um fenómeno que ocorre a nível global e não apenas em relação aos agentes de execução, envolvendo também a autoridade estatal em geral. Cada vez mais colegas são agredidos verbal ou fisicamente no exercício das suas funções e a assistência da segurança pública torna-se cada vez mais importante. Isto é inaceitável e estamos empenhados em fazer os possíveis para solucionar esta situação. A OSAE desenvolveu já várias plataformas informáticas, como o PEPEX, o GeoPredial e o e-Leilões para agilizar o trabalho dos seus profissionais. Que retrato faz do caminho trilhado por esta associação? É exatamente assim que as entidades nacionais devem proceder: ser proativas, desenvolvendo ferramentas que assegurem que o agente de execução permanece um parceiro de confiança para a Justiça e que está pronto para o futuro. Nós, como agentes de execução, não podemos esperar que os orçamentos do Estado ajudem no desenvolvimento da profissão. Devemos assegurar esse desenvolvimento por nós próprios, fazendo os investimentos que sejam necessários. O projeto da OSAE
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O Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, e o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE), Paulo Duarte Pinto, foram recebidos, no passado dia 5 de maio, por Marc Schmitz, Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ). O encontro de trabalho decorreu em Paris, na sede da UIHJ.
acompanha a digitalização da Justiça e é importante promover essas plataformas. Estou convencido de que as Câmaras nacionais ou Associações devem aprender umas com as outras e seguir o exemplo daquelas que são as mais inovadoras e que já desenvolveram plataformas e ferramentas digitais com sucesso. A nível europeu, e até a nível global, temos de encontrar formas de garantir que estas ferramentas se tornem o mais interoperáveis possível, o que é um verdadeiro desafio. Quando se trata de digitalização, as fronteiras deixaram de existir. Nesse caso, pode-se dizer que esta Ordem Profissional está a um passo à frente no que diz respeito à ação executiva? Pode Portugal ser um exemplo para os restantes parceiros? Há muitos anos que os agentes de execução portu-
ENTREVISTA COM MARC SCHMITZ
O projeto da OSAE acompanha a digitalização da Justiça e é importante promover essas plataformas. gueses nos mostram que estão sempre um passo à frente no que diz respeito à tecnologia. A OSAE é, definitivamente, um exemplo a seguir para todos nós. A organização de visitas de estudo para colegas do estrangeiro seria, provavelmente, a melhor maneira de assegurar a promoção do exemplo português. Acredita que a Justiça e o cidadão têm saído beneficiados destes desenvolvimentos? A resposta é, definitivamente, sim, mas temos de garantir que o fator humano prevalece sempre. Durante a pandemia, ficámos muito felizes por poder contar com a tecnologia, mas, convenhamos, nada pode substituir o contacto humano. Considera então que o lado humano da missão dos Agentes de Execução poderá estar comprometido? Uma preocupação que temos é a questão do desenvolvimento da inteligência artificial. O principal risco que está a ser considerado por muitos especialistas é, por um lado, o desaparecimento do contacto humano e, por outro, a padronização de todos os processos, o que poderá impedir o desenvolvimento de novas soluções, melhores e humanas. O fator humano do agente de execução é o que este profissional deve salvaguardar para garantir seu futuro. Este garante o respeito e o justo equilíbrio dos direitos de ambas as partes: credor e devedor. Isto faz do agente de execução uma figura indispensável de segurança jurídica e de garantia do Estado de Direito. Para
muitos devedores, este profissional é o único contacto que tem com o poder judiciário. Ele é o rosto deste poder e isso é algo que nenhuma máquina ou algoritmo pode substituir. Acha que o facto de os agentes de execução terem hoje muito mais valências e mecanismos de trabalho tem contribuído para um maior reconhecimento da profissão? As competências e os mecanismos de trabalho não devem ser vistos de forma negativa. Alguns até podem pensar que esta complexidade é um fardo e que deve ser combatida. Mas a verdade é que todos vivemos num mundo complexo e precisamos sempre de nos adaptar. Para responder a esta necessidade, todos os profissionais tornam-se especialistas: advogados, médicos, académicos, técnicos, etc. Isto também se aplica à profissão de agente de execução. Tal como as tecnologias, a lei está sempre a evoluir. É por isso que o mundo precisa dos especialistas de execução que somos e essa é a razão pela qual não podemos ser substituídos. Como vê a colaboração da OSAE com a UIHJ? A colaboração entre OSAE e UIHJ sempre foi perfeita e após ter tido um primeiro encontro com o novo Bastonário, Paulo Teixeira, estou convencido de que o nosso relacionamento vai continuar no mesmo nível e até crescer. Há alguns anos, um dos nossos países membros estava
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ENTREVISTA COM MARC SCHMITZ
responsável por organizar o Conselho Permanente de primavera da UIHJ, mas, duas semanas antes do evento, fomos informados de que não poderiam organizá-lo. Após um telefonema para a OSAE, fomos imediatamente convidados para realizar o nosso Conselho Permanente em Lisboa, onde todas as delegações da UIHJ tiveram os melhores momentos. O que mais posso dizer e esperar do futuro? Para além de assumir a presidência da UIHJ, é também responsável pelas mesmas funções na UEHJ. Como encara o desafio de liderar duas associações de tamanha importância? Em primeiro lugar, é necessário clarificar que a UEHJ foi criada dentro da UIHJ, principalmente para cumprir os requisitos da União Europeia (UE) em termos de representação. Além disso, a UEHJ está oficialmente inscrita nos registos de transparência da UE, o que nos permite ser considerados lobistas no Parlamento Europeu e abordar os diferentes partidos políticos e representantes quando está em causa a nossa profissão. Em segundo lugar, refira-se que mesmo que a UIHJ tenha muitos membros, o número total de agentes de execução, em comparação com o número de advogados, por exemplo, é bastante baixo. É por isso que, nos nossos Estatutos, se o Presidente da UIHJ for europeu, ele torna-se também Presidente da UEHJ. O mesmo acontece com o tesoureiro da UIHJ, que é também tesoureiro da UEHJ. Esta é a melhor maneira de garantir que as duas organizações seguem o mesmo caminho e falam numa só voz. Criada em 2016, a UEHJ veio assegurar os interesses dos agentes de execução na União Europeia. Que balanço faz destes seis anos de atividade da UEHJ?
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Nós, como UIHJ e UEHJ, não só vamos garantir que, ao longo desta jornada, não perderemos o comboio, mas também que viajaremos em primeira classe e não em classe económica. A UEHJ simplesmente assumiu as ações anteriormente realizadas pela UIHJ no âmbito da UE. Desde 2016, tem sido mais fácil aceder aos projetos europeus, bem como comunicar com as instituições europeias. Todos os profissionais jurídicos (notários, advogados, juízes, entre outros) estão representados no contexto europeu há décadas. Portanto, fazia todo o sentido que os agentes de execução também tivessem essa representação a nível da UE. O que falta ainda alcançar para desenvolver a atividade dos agentes de execução além-fronteiras? Formação e flexibilidade são a solução. A formação e a flexibilidade permitem a possibilidade de realização de novas atividades. A esse respeito, quando analisamos as diretrizes da CEPEJ (European Commission for the Efficiency of Justice) sobre execução, de 17 de dezembro de 2009, adotadas pelos 47 países do Conselho Europeu, e que incentivam muitas atividades secundárias para os agentes de execução (apuramento de factos, cobrança de dívidas amigáveis e judiciais, leilões de venda de bens móveis e imóveis, citação ou notificação de atos, etc), só posso dizer que ainda há um longo caminho a percorrer. Nós, como UIHJ e UEHJ, não só vamos garantir que, ao longo desta jornada, não perderemos o comboio, mas também que viajaremos em primeira classe e não em classe económica. Nunca devemos esquecer: a nossa união é a nossa força!
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OSAE marcou presença no XXII Congresso Internacional de Direito Registal
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Porto acolheu, de 16 a 18 de maio, o XXII Congresso Internacional de Direito Registal IPRA-CINDER. O Centro de Congressos da Alfândega foi o palco de uma agenda de trabalhos que debateu o Direito Registal, com foco nos assuntos mais relevantes do registo imobiliário mundial. Destaque para a função do conservador dos registos no cumprimento da legalidade; o valor jurídico da informação registal, tanto no âmbito da justiça preventiva ao serviço da segurança do comércio jurídico, como na vertente judicial como meio de prova privilegiado; a proteção dos direitos dos titulares e de terceiros; a confiança nas transações imobiliárias e a transição para modelos de funcionamento e organização de base tecnológica, a par com novas potencialidades das bases de dados registais, sobretudo na perspetiva ambiental ou na de combate ao branqueamento de capitais. O programa foi composto por duas sessões plenárias, duas mesas redondas, com convidados representantes de instituições registais e de organizações profissionais relevantes para a atividade registal, e 14 sessões paralelas. No dia 16 de maio, a sessão solene de abertura do Congresso contou com uma intervenção vídeo-gravada do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e foi presidida pela Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro. Na conferência inaugural foi convidado Nicolás Noguerloes, anterior Secretário-Geral do IPRA-CINDER, que abriu o Congresso com uma reflexão sobre “Porque falham os sistemas registais?”. Por sua vez, no último dia, 18 de maio, a sessão plenária final contou com a moderação de Gabriel Sima, representante da Direção-Geral de Justiça e Consumidores da Comissão Europeia. O encerramento esteve a cargo do Secretário de Estado da Justiça, Pedro Tavares. Já nas sessões plenárias marcaram presença professores universitários e altos representantes de organizações nacionais e internacionais, que abordaram questões cruciais para a compreensão do papel dos registos no funcionamento da sociedade e da economia, numa abordagem atual e vanguardista dos desafios que se colocam à atividade registal. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) também se associou a este evento através da presença do seu Bastonário, Paulo Teixeira, que integrou, como convidado, uma das mesas redondas.
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REPORTAGEM
HERÓISDOMAR Contribuir para que Portugal use o mar. É esta a missão que vem acompanhando a MARINHA PORTUGUESA desde a sua criação há mais de sete séculos. Para a cumprir estão mulheres e homens que trabalham incansavelmente para servir este país virado para o oceano. Para a cumprir estão eles, os verdadeiros Heróis do Mar, que num mundo em constante mutação garantem a segurança de todos nós, protegendo a última fronteira externa que Portugal tem no espaço europeu – a marítima – e os recursos que as águas nos dão. Mas será que realmente conhecemos este ramo das Forças Armadas? REPORTAGEM JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA MARINHA PORTUESA
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“A
“Um jovem que queira candidatar-se a militar da Marinha deve ter um conjunto de valores que passam pela disponibilidade, lealdade, integridade, coragem, camaradagem e justiça.” MARINHA
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configuração arquipelágica do território português, a dimensão do espaço marítimo sob soberania e jurisdição nacional, os interesses e as alianças exigem que Portugal seja dotado de uma Marinha oceânica, capaz de ocupar e dissuadir interesses e atuações não legítimas/contrárias ao direito internacional e aos interesses nacionais e aliados nesse espaço, assim como de contribuir para a segurança coletiva na vizinhança exterior, nomeadamente no Atlântico Sul, Mediterrâneo e Mar do Norte”, afirmou o Almirante Gouveia e Melo, atual Chefe do Estado-Maior da Armada, em 2019. A localização do nosso país é, portanto, um fator decisivo quando questionamos o porquê da existência da Marinha. Se pensarmos que “pelo espaço aero-marítimo português circulam: (i) mais de 60% dos fluxos comerciais do mundo ocidental por via marítima; (ii) os grandes fluxos de dados que ligam a África ocidental e as Américas à Europa (por via de cabos submarinos com mais de 90% do tráfego digital); (iii) as principais rotas de navegação aérea Norte-Sudoeste”, conforme acrescenta Gouveia e Melo, rapidamente percebemos as razões. No fundo, a Marinha existe para “proteger e promover os interesses de Portugal no e através do mar”, tanto por atuações militares, como por atuações não militares. Trata-se de um “modelo de duplo uso” que permite que este ramo desempenhe seis funções chave: três de índole operativo – presença, dissuasão e projeção - e três de suporte, multiplicadoras das primeiras: comando e controlo, ciência e cultura marítima. Conjugadas entre si, fazem com que Portugal se afirme internacionalmente pela participação ativa e útil ao serviço da comunidade das nações, sobretudo no âmbito da NATO, ONU e da União Europeia. “A Marinha participa no reforço da presença nacional nessas organizações, ao empenhar navios e unidades de fuzileiros e de mergulhadores, bem como militares em estados-maiores internacionais, num vasto conjunto de operações”, pode ler-se na página institucional da Marinha. “Deste modo, no seu contributo para a proteção e promoção dos oceanos, a Marinha Portuguesa mantém em ação diária cerca de 1000 militares e 13 navios com missão atribuída”, tanto em Portugal como em diversos locais do mundo, nomeadamente no Golfo da Guiné, na África subsaariana, no Mediterrâneo e na Europa de Leste”. Além de tudo isto, e apenas para dar um exemplo da amplitude da ação da Marinha, só durante o ano de 2021, sob coordenação deste ramo, foram realizadas 420 ações de busca e salvamento marítimo, das quais resultaram 562 vidas salvas. E já no primeiro trimestre de 2022 contam-se 107 ações e 141 vidas salvas. Impressionante, não?
Como fazer parte da Marinha? Fuzileiros. Mergulhadores. Médicos navais. Cozinheiros. Músicos. Administrativos. Condutores mecânicos de automóveis. Técnicos de armamento. Eletromecânicos. Na Marinha há carreiras para muitos gostos, habilitações literárias e idades, nas categorias de Praças e Oficiais, em regime de contrato e/ou quadros permanentes. Comuns a todas elas são os valores que deve ter quem se queira alistar: “Um jovem que queira candidatar-se a militar da Marinha deve ter um conjunto de valores que passam pela disponibilidade, lealdade, integridade, coragem, camaradagem e justiça”. Questionada sobre a evolução do recrutamento de jovens para a vida militar, a Marinha informa: “Os desafios são transversais a toda a sociedade, visto assistirmos a uma demografia cada vez menos jovem. A Marinha continua a ser uma organização que gera atratividade, mas que trabalha diariamente para a continuar a melhorar, não só para recrutar, mas também para reter os seus melhores e mais capacitados quadros”. Pertencer à Marinha não é, portanto, para todos. Os candidatos a ingressar na Marinha em regime de contrato têm de cumprir com uma série de condições de admissão que passam por ter nacionalidade portuguesa; possuir, no mínimo, 18 anos de idade; possuir aptidão psicofísica adequada; não ter sido condenado criminalmente em pena de prisão efetiva e ter situação militar regularizada. Além disso, consoante a classe escolhida, há
requisitos específicos. No caso dos fuzileiros, por exemplo, as provas físicas implicam realizar, com sucesso, cinco elevações na barra; 30 flexões abdominais no tempo máximo de um minuto; correr 2400 metros em terreno plano no tempo máximo de 12 minutos; nadar 25 metros, em piscina, sem apoio nem paragens; mergulhar e recolher uma peça de 0,2 a 0,5 quilogramas de peso, colocada a uma profundidade entre 2 e 2,5 metros, entre muitos outros. Importa salientar que não são permitidos piercings, tatuagens ou outras formas de arte corporal que sejam visíveis no uso dos uniformes. Depois de completar, com sucesso, estas provas, os jovens frequentam a instrução militar básica e a complementar, sendo, depois, movimentados para as diversas unidades onde irão desempenhar as suas funções. A instrução básica tem a duração de 25 dias úteis e a complementar 160 dias úteis. No entanto, a formação e o treino não podem, naturalmente, terminar aqui: “Existem momentos de formação constantes e que acompanham a evolução da carreira, nomeadamente cursos relativos a especialização, entrada nos quadros permanentes, de condição para promoção e outros que poderão ser pontuais e de atualização relativa a novos equipamentos, funções, entre outros”, explicam. A Marinha é, também, responsável pela Escola Naval, estabelecimento de ensino superior público universitário militar destinado a formar os Oficiais da Marinha.
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Fragatas, submarinos, corvetas, patrulhas oceânicos, lanchas, veleiros e helicópteros compõem os meios operacionais da Marinha.
Dos meios operacionais à investigação científica A Marinha faz-se muito de pessoas, mas também são os meios que tem ao seu dispor que determinam a sua capacidade de atuação. Um dos mais conhecidos - e o mais antigo – é, sem dúvida, o imponente navio-escola Sagres. Há mais de seis décadas a formar navegadores, o Sagres já fez o equivalente a 25 voltas ao mundo. Mas há mais, muito mais. Fragatas, submarinos, corvetas, patrulhas oceânicos, lanchas, veleiros e até helicópteros compõem o leque de meios operacionais da Marinha, “permitindo fazer face aos múltiplos desafios colocados por uma envolvente internacional muito dinâmica e imprevisível”. A Marinha conta, também, com o apoio de duas bases – a Base Naval de Lisboa e a Base de Fuzileiros -, no Alfeite, em Almada, que funcionam como principais plataformas de apoio logístico da Marinha. Já no campo da investigação científica, há a salientar o papel que desempenham o Instituto Hidrográfico e o Centro de Investigação Naval, órgãos da Marinha Portuguesa cuja missão fundamental passa por assegurar atividades relacionadas com as ciências e técnicas do mar, tendo em vista a sua aplicação na área militar, e contribuir
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para o desenvolvimento do país nas áreas científica e de defesa do ambiente marinho. “O projeto da extensão da plataforma continental foi realizado com o apoio dos navios da Marinha”, destacam, como exemplo de sucesso. A preservação do mar é, também, uma das grandes bandeiras da Marinha e a sua promoção faz-se muito pelo contacto com a população civil. Talvez o leitor seja uma das 290.000 pessoas que visitam anualmente o Museu de Marinha, o Planetário de Marinha, o Aquário Vasco da Gama ou a Fragata D. Fernando II e Glória. Pois saiba que todos estes espaços estão sob alçada deste ramo da Forças Armadas: “Na área cultural, estes vários órgãos têm permitido levar ao público uma história de séculos, mas também a cultura naval, marítima e até a própria ciência. Assim, a Marinha mostra aos portugueses e a todos os que têm interesse em conhecer-nos a riqueza de uma cultura portuguesa que tem o mar como denominador comum”. Esta abertura da Marinha aos cidadãos faz-se, ainda, através da Banda da Armada e dos seus mais de 70 concertos anuais por todo o país, “com a finalidade de dinamizar a abertura da Marinha à sociedade e aos cidadãos”. E, de acordo com a Marinha, os portugueses parecem reconhecer esta instituição como fundamental no país: “Os portugueses mostram diariamente o carinho, respeito e admiração que têm à sua Marinha e aos seus marinheiros através das mais diferentes manifestações de apoio, seja pessoalmente, seja através das diferentes plataformas digitais onde a Marinha marca presença, com especial destaque para as redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e Youtube).
Cabe-nos também a nós, Marinha, continuar a mostrar o trabalho realizado diariamente, para que os portugueses continuem a acompanhar o nosso desempenho e possam conhecer ainda mais e melhor a missão e os resultados obtidos pela Marinha Portuguesa nas mais diversas e diferentes áreas de atuação”. Um mar de desafios No âmbito da sua atuação militar e não militar, “a Marinha desenvolve as suas capacidades para enfrentar um largo espectro de ameaças que passam pelas disputas dos espaços e fronteiras marítimas, pelo ataque a Portugal ou a um país aliado – onde se incluem os ciberataques –, ou pelas ameaças à segurança marítima, como terrorismo, criminalidade organizada, proliferação de armamento, exploração ilegal de recursos, migração irregular, catástrofes naturais, pandemias e outros riscos ambientais e sanitários”. Assim, para responder a estes crescentes desafios, a solução passa por possuir recursos materiais “adaptados ao nível de ambição do país e às características que as missões exigem”. Por outro lado, e de acordo com a Marinha, importa não esquecer o capital humano, “as mulheres e os homens que servem na instituição e que constituem o ativo mais valioso da nossa organização”. As oportunidades de desenvolvimento têm, portanto, uma característica comum com o nosso mar: imensidão. Tal como imensa tem sido a atividade da Marinha Portuguesa. Por isso, só poderíamos terminar dizendo: siga a Marinha!
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PROFISSÃO
O reforço das Garantias e a proteção da Habitação Própria e Permanente
Susana Antas Videira Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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A
Constituição da República Portuguesa eleva a habitação a direito fundamental de natureza social. Como tem sido enfaticamente sublinhado pela jurisprudência constitucional, a habitação funda-se na dignidade da pessoa humana, naquilo que a pessoa realmente é – um ser livre com direito a viver dignamente. Ora, afirmar a dignidade da pessoa humana significa atentar em cada homem e em cada mulher, enquanto seres únicos, irredutíveis e insubstituíveis, cujos direitos fundamentais a Constituição vem proteger. Efetivamente, como lembra Jorge Miranda, o ser humano não pode ser desinserido das condições de vida que usufrui e, na nossa época, anseia-se pela sua constante melhoria e, em caso de desníveis e disfunções, pela sua transformação. Neste contexto, perante a redução drástica da atividade económica potenciada pela pandemia e, agora, pela guerra no leste europeu importa não descurar o impacto direto que tal situação tem na liquidez da generalidade dos agregados familiares. Por consequência, o cenário de crise em presença e que previsivelmente num futuro próximo se agudizará demanda que o ordenamento jurídico continue a configurar, em termos particularmente garantísticos, a habitação própria e permanente, prosseguindo o esforço iniciado após a emergência do surto pandémico. A este propósito, cumpre recordar o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março – objeto de sucessivas alterações, a última das quais operada pelo Decreto-Lei n.º 119-A/2021, de 22 de dezembro – que veio estabelecer um conjunto de medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia COVID-19. Concretamente, foi aprovada uma moratória abrangendo operações de crédito à habitação própria e permanente contratadas por residentes em território nacional. Atenta a atual conjuntura, assume, pois, especial acuidade, sobretudo em termos sociais, ponderar o robustecimento das soluções já existentes no sentido de reforçar a tutela da casa de primeira habitação, em especial, do executado. Assim, por alteração não muito distante ao Código de Processo Civil, a penhora da casa de habitação própria só é admissível em execução de
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valor igual ou inferior ao dobro da alçada do tribunal de primeira instância se a penhora de outros bens não permitir, presumivelmente, a satisfação integral do crédito exequendo no prazo de trinta meses (alínea a) do n.º 4 do artigo 751.º). E, em execução de valor superior ao dobro do valor daquela alçada, o imóvel que seja habitação própria e permanente do executado somente pode ser penhorado se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de doze meses (al. b)). Em particular, este reforço de proteção visa evitar, nas palavras do legislador expressas na nota expositiva inicial, que o credor reclame o seu crédito na execução, mesmo que o executado não esteja em mora com os pagamentos a esse credor, o que redundaria na perda da habitação para satisfação de uma dívida que nem sequer se mostra vencida. Não obstante, o prenunciado desígnio pode, ainda, não estar suficientemente materializado na lei em vigor, sobretudo se considerarmos a conjuntura desfavorável e que a habitação própria permanente do executado pode consubstanciar o único bem a penhorar. Nestes termos, poderia ser relevante passar a prever que a penhora da habitação própria permanente do executado onerada com hipoteca só seja possível, no caso em referência, depois de obrigatoriamente efetuada citação. Ao mesmo tempo seria de equacionar a consagração de uma moratória para a perda do benefício do prazo prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 780.º do Código Civil.
OSAE e Procuradores de Espanha reuniram em Madrid Decorreu no dia 7 de abril, em Madrid, a pedido do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), Paulo Teixeira, uma reunião entre o Bastonário da OSAE, o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Duarte Pinto, e o Presidente do Consejo General de Procuradores de Espanha, Juan Carlos Estevez. Durante este encontro, os representantes da OSAE quiseram transmitir aos congéneres espanhóis três assuntos fundamentais: – A necessidade de fazer renascer o Comité dos Postulantes Europeus, que, nas palavras de Paulo Teixeira, “precisa de ser dinamizado tendo em conta a extinção dos avoués franceses. Mas isso não quer necessariamente significar que não possa existir um comité ibérico com os Procuradores espanhóis e os Solicitadores portugueses”; – A completa disposição da OSAE para ajudar a implementar, em Espanha, a figura do Agente de Execução; – A necessidade de ser criada uma união ibérica das ordens profissionais. “Estes foram os principais motivos/razões que nos trouxeram a Madrid e o balanço não poderia ser melhor, tendo em conta a recetividade que estas nossas ideias tiveram no seio dos Procuradores espanhóis”, considerou, no final, o Bastonário da OSAE.
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ENTREVISTA
“O administrador judicial é um servidor da Justiça e do Direito”
FERNANDO ESPERANÇA Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais
Foi constituída em 21 de março de 1996 e tem, ao longo destes 26 anos, trilhado um caminho de luta e perseverança no que concerne ao ordenamento jurídico e ao domínio normativolegislativo em prol da afirmação da classe. Falamos da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ). O seu Presidente, Fernando Esperança, explica-nos todos os contornos desta profissão, os desafios do presente e os objetivos para o futuro, não deixando de referir as alterações recentemente introduzidas no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro. Descubra tudo nesta entrevista. ENTREVISTA DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
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Qual é a missão da APAJ? A APAJ tem como principal missão defender os interesses dos administradores judiciais e dignificar a classe profissional, garantindo que estes atuam de forma profissional e competente e que honram o serviço da Justiça e do Direito. Dependendo do processo, o administrador judicial pode designar-se de administrador da insolvência, administrador judicial provisório ou fiduciário. Como distingue estes diferentes papéis? Quando se trata de um processo de insolvência, o administrador judicial é designado por administrador da insolvência. Se for nomeado para Processos Especiais de Revitalização (PERs) ou Processos Especiais para Acordo de Pagamento (PEAPs), passa a ser administrador judicial provisório. E pode ser ainda designado de fiduciário quando fica responsável pelo período que decorre da fidúcia, isto é, o período de cessão (que anteriormente era de 5 anos, mas que, com a nova lei, foi reduzido para 3), de modo a verificar se o insolvente cumpre com as obrigações a que ficou obrigado por despacho do Juiz e se houve ou não rendimentos que devam ser cedidos para distribuição posterior pelos credores. Este profissional fiscaliza e orienta processos de insolvência, nomeadamente PERs e PEAPs. Fale-nos um pouco sobre esta atividade e as suas formas de atuação. Temos de distinguir processos de insolvência dos PERs e PEAPs. Na insolvência, o administrador é responsável pela elaboração da lista de credores reclamantes e recolhe um conjunto de informações que deverá fazer constar em relatório a apresentar ao Juiz e aos credores, relatório este que, normalmente, confirma a sua condição de insolvente. Elabora ainda plano de liquidação, se for o caso, ou, dependendo do devedor, pode propor a elaboração de plano de recuperação (plano de insolvência). Na grande maioria dos casos, o processo segue para liquidação e o seu produto é distribuído pelos credores. No caso de insolvência de pessoas singulares, o devedor dispõe da possibilidade de beneficiar da exoneração do passivo restante, que lhe permite, após o período de cessão, retomar a sua vida normal. Esta oportunidade que a justiça lhe concede deverá servir para corrigir os seus hábitos de vida por forma a adequar-se em função dos seus rendimentos. Nunca poderá esquecer que os credores saíram prejudicados e é natural que estes esperem que o devedor corrija o seu comportamento. Nos PERs ou PEAPs, dependendo se se trata de pessoa coletiva ou singular, o objetivo é acompanhar o processo negocial entre o devedor e os credores, garantindo que estes prosseguem diligentemente e que o processo culmina na apresentação de um plano de recuperação/ pagamentos, que é submetido a votação dos credores.
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Durante o exercício das suas funções, o administrador judicial não está ao serviço da empresa, dos insolventes, dos credores, nem dos serviços de Finanças. Podemos então considerar que este profissional é uma espécie de “agente do bem comum” ao serviço da Justiça e do Direito? O administrador judicial é um servidor da Justiça e do Direito. É um profissional liberal, absolutamente autónomo, que não depende de nenhuma estrutura hierárquica, mas que tem direitos e deveres que estão consagrados na lei e deve respeitá-los. É supervisionado pelo juiz e pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), o organismo responsável por controlar e fiscalizar a atividade dos administradores judiciais. Em termos práticos, se um cidadão ou empresa está em situação de insolvência, o que pode fazer e que meios tem ao seu dispor? Acha que os particulares e os empresários estão devidamente informados e consciencializados para a questão da insolvência e tudo o que esta acarreta? Relativamente às empresas, parte-se do princípio de que devem ter conhecimento dos meios de que dispõem para fazer face à situação de insolvência. Todavia, estas, por norma, só reconhecem o seu estado de insolventes já demasiado tarde, embora a lei seja muito clara nisso: ao fim de três meses de incumprimento generalizado, as empresas estão insolventes e têm 30 dias para se apresentar em tribunal. Mas poucas são as que cumprem. O que muitas delas fazem é elaborar um plano de recuperação, em PER. No entanto, na altura em que, segundo o plano, a empresa deveria começar a proceder aos primeiros pagamentos, esta normalmente encerra, o que significa que está insolvente e que já não consegue gerar meios para assumir os seus compromissos e que, provavelmente, deveria ter-se apresentado à insolvência ao invés de ter requerido o PER. Este é um problema de natureza cultural que assola o nosso tecido empresarial. Raramente um plano de recuperação em PER tem um resultado positivo. Quanto aos singulares, a situação é um pouco mais complicada, porque a grande maioria nem sequer sabe bem o que é a insolvência e que meios existem para responder a este problema. Antes de mais, os particulares devem ter a noção de que se os seus rendimentos são insuficientes para honrar todos os seus compromissos e se não tiverem bens que possam liquidar para garantir o pagamento dessas dívidas, estão em situação de insolvência. Isto significa que o seu património mais os seus rendimentos (ativos) é inferior ao conjunto dos seus bens e das suas obrigações (passivos). O cidadão deve, nestas circunstâncias, apresentar-se em tribunal para negociar com os credores, mas muitas das vezes não tem a formação necessária para isso, pelo que o melhor a fazer é constituir um mandatário.
ENTREVISTA COM FERNANDO ESPERANÇA
É um profissional liberal, absolutamente autónomo, que não depende de nenhuma estrutura hierárquica, mas que tem direitos e deveres que estão consagrados na lei e deve respeitá-los. Na fase pré-insolvência, o administrador judicial pouco ou nada pode fazer para prestar auxílio aos particulares e empresas. Este profissional apenas é nomeado para o processo quando a sentença é decretada, momento em que já poderá prestar todos os esclarecimentos necessários, de modo a conduzir o processo da forma mais rápida e eficaz. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) foi recentemente alterado pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro. Que principais mudanças se verificaram? As mudanças incidiram sobretudo nos aspetos da recuperação, pressupondo que esta servirá melhor os desígnios da economia portuguesa. O Estatuto do Administrador Judicial teve algumas alterações muito significativas, nomeadamente no que diz respeito às tabelas remuneratórias, tendo-se atribuído formas de cálculo de remuneração variável em PER e em PEAP. Para além disso, nos processos de insolvência, os credores passaram a ser classificados, ou seja, em vez de termos um conjunto de credores muito diversificados, passamos a ter classes de credores muito específicas (bancos, Estado, trabalhadores, fornecedores, entre outros).
Regulou-se também sobre as situações de morte e invalidez do administrador judicial, que era uma das nossas reivindicações mais antigas. Em caso de morte deste profissional, o que acontecia é que muitas vezes os direitos dos herdeiros não eram suficientemente acautelados. Outra das alterações importantes passa pela obrigatoriedade de os administradores judiciais terem de se pronunciar sobre os planos apresentados em sede de PER e PEAP, bem como a elaboração de parecer de qualificação quando a sentença é decretada ao abrigo do Artigo 39.º do CIRE, isto é, com caráter limitado. Que aspetos mais positivos salienta na nova legislação? Uma alteração muito positiva foi a criação de mecanismos de defesa e incentivos para os credores que, em processos de recuperação, financiem a atividade das empresas. Anteriormente, isso não estava bem definido e sabemos que muitos credores visavam apenas regularizar os seus créditos, independentemente da recuperação ou não da empresa. Agora, com a nova legislação, os credores estão mais protegidos, na medida em que a prossecução do processo de recuperação para a insolvência garante-lhes que pelo menos 25% dos créditos,
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no caso de financiarem a recuperação do devedor, são constituídos sobre a massa insolvente. Esta é uma forma de assegurar que alguns credores, sobretudo os financiadores (bancos), possam ajudar na recuperação das empresas, vendo esta como uma solução mais vantajosa do que a liquidação na satisfação dos seus créditos.
administradores judiciais para que estes possam aderir em pleno a esta plataforma. Todavia, não há dúvidas de que esta se tem revelado uma ferramenta muito importante para o nosso trabalho, diria até a mais importante no caso de bens comuns (imóveis, automóveis, máquinas, entre outros).
Parece-lhe que esta revisão foi adequada? Ou o diploma carece ainda de melhorias? Esta revisão legislativa poderia e deveria, em muitos aspetos, ser mais esclarecedora. Dá a sensação de que foi pouco ponderada e que apenas quis cumprir com a diretiva europeia de 2019. Em alguns casos complicou certas matérias, como fica bem patente na revisão do Estatuto do Administrador Judicial. Não há dúvida de que esta revisão pretende valorizar o princípio da recuperação das empresas, que prevalece sobre a liquidação, dando uma maior proteção aos credores envolvidos. Contudo, penso que deveria ir mais longe. Não se compreende porque é que o Estado continua a não disponibilizar os seus créditos para negociação, em igualdade de circunstâncias, sabendo-se que essa condição, muitas vezes, é o principal impedimento do sucesso da recuperação.
Tomou posse em janeiro deste ano como presidente da APAJ. Que trabalho espera poder desenvolver à frente desta Associação? Uma das minhas maiores preocupações é fazer com a classe seja reconhecida junto do poder político, do poder legislativo, dos tribunais e da sociedade em geral. Para isso, temos de investir na formação contínua e permanente. Os administradores judiciais trabalham com assuntos muito peculiares e que requerem uma formação técnica muito especializada. A CAAJ é responsável pela nossa formação, mas a sua oferta formativa nem sempre se adequa às necessidades reais destes profissionais. Precisamos de formações práticas, por exemplo no âmbito da consulta de bases de dados ou do funcionamento do e-Leilões, assim como de ações que abordem as alterações legislativas para que estes profissionais se mantenham atualizados. A APAJ vai trabalhar também no sentido de fazer com que os tribunais, em cumprimento da lei, considerem todos os administradores judiciais em igualdade de circunstâncias nas nomeações. Além disso, é preciso melhorar a perceção pública que existe sobre os Administradores Judiciais. Existe, por um lado, a ideia de que este profissional exerce um conjunto de funções, de natureza mais ou menos complexa, mas que é muito bem remunerado por isso, e, por outro, a de que poderia fazer mais pelo devedor e que a sua intervenção se reduz ao encerramento da empresa e subsequente liquidação, quando na verdade apenas cumpre a lei e age de acordo com os credores. Não negamos que nem sempre o nosso trabalho é feito de forma perfeita. Contudo, como em qualquer outra classe de natureza liberal, estes constituem casos isolados e excecionais que mancham a imagem de uma classe que, na sua grande maioria, é competente e profissional. É essa imagem e perceção pública que temos de melhorar, defendendo que quem prevarica deve ser sancionado. Outro dos nossos objetivos passa por assumir com clareza as nossas debilidades e enaltecer o nosso trabalho junto das diversas instituições com quem estamos relacionados. Queremos também trabalhar junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social, de modo a estabelecer parcerias conducentes à resolução de alguns problemas aparentemente simples, mas que muitas vezes se tornam complexos e penalizadores para os administradores judiciais.
A plataforma e-Leilões é amplamente utilizada pelos administradores judiciais no desempenho da sua atividade. Quais considera serem as vantagens desta plataforma? O administrador judicial, dependendo das especificidades do bem, do tipo de mercado a que se dirige e da rapidez com que quer vender, tem autonomia para escolher os meios que melhor se adequem à venda de determinado bem, na tentativa de maximizar a sua rentabilização e satisfazer, dessa forma, os créditos aos credores. A plataforma e-Leilões tem, reconhecidamente, uma enorme vantagem: a sua forte visibilidade nacional. Quem pretende vender um bem, se o fizer a partir de uma plataforma cuja visibilidade é de âmbito nacional, tem inegavelmente mais condições do que se o vender por outro meio que seja mais restritivo. Tem-se verificado que muitos desses bens, que em situações análogas tinham 3 ou 4 ofertas, no e-Leilões têm entre 10 e 20 ofertas. Contudo, penso que, em alguns casos, embora esta seja uma situação que já tenha vindo a melhorar, o processo do e-Leilões não é tão rápido quanto gostaríamos. Esta plataforma foi criada para a liquidação de bens dos agentes de execução, cujo procedimento tem características diferentes do que é exigido a um administrador de insolvência. Este profissional tem, por norma, muito pouco tempo para vender um bem, para além de que está sujeito a uma vigilância muito apertada – por parte dos juízes, credores e CAAJ - no que diz respeito à liquidação. Por isso, o e-Leilões tem de ser adaptado aos
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ENTREVISTA COM FERNANDO ESPERANÇA
Por fim, mas não menos importante, temos que atuar no sentido de alterar as regras que impõem a subscrição de um seguro de Responsabilidade Civil, cujas condições estabelecidas por portaria impedem o exercício concorrencial entre as diversas seguradoras e sujeitam-nos a custos absurdos. Existe apenas um operador a nível mundial que aceitou fazer esse seguro, o que significa que pode cobrar o que quiser, independentemente do valor do prémio, e seremos sempre obrigados a subscrevê-lo.
A plataforma e-Leilões tem, reconhecidamente, uma enorme vantagem: a sua forte visibilidade nacional. Quem pretende vender um bem, se o fizer a partir de uma plataforma cuja visibilidade é de âmbito nacional, tem inegavelmente mais condições do que se o vender por outro meio que seja mais restritivo.
Como vê o panorama de insolvências nos últimos anos em Portugal? Entre 2008 e 2013 houve um grande aumento do número de insolvências devido à crise económica. Nos anos que se sucederam, em 2014 e 2015, começou um processo lento de recuperação da economia, mas as insolvências ainda estavam num patamar muito elevado. Existiam cerca de 22.000 por ano. Desde então, as insolvências têm vindo a decrescer a um ritmo na ordem dos 15% a 20% ao ano e hoje temos menos de metade das insolvências que tínhamos em 2015. Com a alteração legislativa do CIRE, há uma situação que nos preocupa muito: o fim das restrições do acesso à profissão. Nós somos cerca de 300 profissionais em atividade e se os processos forem distribuídos de uma forma aleatória e equitativa, o que nem sempre acontece, cada profissional pode gerir entre 30 e 35 processos por ano. Logo, temos imensa dificuldade em sustentar esta atividade, o que significa que se agora entrassem, vamos supor, 1000 novos administradores, era a destruição completa da classe, porque cada administrador não teria mais do que dois ou três processos por ano. Esta é uma alteração que não conseguimos compreender. Na sua opinião, associações como a APAJ podem ajudar o cidadão a sentir-se mais seguro e confiante no sistema judiciário português? A APAJ é importante nessa área naturalmente, porque podemos disponibilizar as nossas estruturas para ajudar a formar e a informar a população, de um modo geral, e sobretudo os agentes económicos. Mas essa é uma obrigação que compete aos organismos do Estado. E do futuro: o que se espera? Espero que a APAJ e o seu grupo de profissionais consigam sobreviver bem dentro do quadro insolvencial atual e que se possa, essencialmente, garantir a sustentabilidade da sua estrutura (e até desenvolvê-la, se for necessário, ou diminuí-la, se for excessiva), tendo nomeações aleatórias e equitativas que garantam a continuidade do trabalho dos administradores judiciais. Para além disso, temos de tentar assegurar que todos os profissionais têm entendimentos semelhantes, isto é, não podemos ter alguns profissionais com uma visão da lei diferente da dos restantes.
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PROFISSÃO
O fim das dívidas aos condomínios?
Francisco Serra Loureiro 2.º Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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bservando algumas notícias que, ultimamente, circulam em alguns meios de comunicação social, bem como em diversas redes sociais, ficamos com a ideia de que as alterações legislativas promovidas pela entrada em vigor da lei nº 8/2022, de 10 de janeiro, resolveriam todas as questões relacionadas com as dívidas ao condomínio que, em altura de alienação de frações autónomas, ficavam, não raras vezes, numa situação de incobrabilidade por falta de uma clara compreensão de a quem as mesmas deveriam ser imputadas: se ao anterior proprietário ou ao adquirente. De facto, surgiu a ideia de que, com a alienação da fração autónoma, teria de o alienante requerer ao administrador do condomínio declaração em como não existiam dívidas por parte da fração objeto do contrato, o que levaria a que estas tivessem de ser regularizadas antes da alienação e, subsequentemente, o imóvel fosse transmitido sem qualquer dívida ou encargo. Mas, em bom rigor, tal não é totalmente verdade. Com a entrada em vigor desta alteração normativa, o condómino que pretende alienar a fração da qual seja proprietário deve, de facto, requerer ao administrador a emissão de declaração escrita, na qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fração, bem como a eventual existência de dívidas para com o condomínio. Com esta declaração, afere-se a responsabilidade da dívida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada, responsabilizando o anterior ou o novo proprietário em função da data da mesma ser, respetivamente, anterior ou posterior à outorga do documento que formalize a alienação da fração. No fundo, conseguimos estabelecer uma responsabilidade adequada ao tempo em que cada um usufrui da fração, assim como permitir ao novo proprietário ter uma real noção de encargos que venham a vencer em data posterior à transmissão do imóvel, pese embora tenham sido constituídos anteriormente, o que nem sempre sucedia e que se convalidava, não raras vezes, em desagradáveis e, por vezes, incomportáveis despesas para quem recentemente adquirira uma fração. Sem prejuízo da obrigatoriedade de apresentação desta declaração, a lei prevê que o adquirente possa prescindir da apresentação da mesma desde que o declare expressamente no título, sabendo que, com essa decisão, ficará responsável não somente pelas dívidas e despesas de encargos que venham a vencer após a aquisição, mas também por qualquer dívida que o alienante observasse anteriormente para com o condomínio. Não obstante a clarificação que referimos supra, algumas dúvidas ainda se levantam quanto a esta nova realidade, nomeadamente quanto à exigência de declaração em âmbito de venda judicial. De facto, parece-nos que a especificidade de estarmos perante uma venda coercitiva, por vezes de caráter urgente, pode levar a que a obtenção da referida declaração não seja possível, mas a ausência da mesma, salvo melhor opinião, não poderá levar a que o adquirente seja onerado com as dívidas existentes, o que iria contra o princípio subjacente a qualquer venda judicial de uma transmissão livre de quaisquer ónus ou encargos. Concluindo, e pese embora ligeiras questões a serem limadas, estamos perante uma alteração já há muito desejada e que garante uma maior segurança a todos os intervenientes.
PROFISSÃO
O exercício da profissão de Procurador em Espanha Juan Carlos Estévez Fernández-Novoa Presidente do Consejo General de Procuradores de España
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este artigo, vou distinguir duas questões diferentes: os requisitos necessários para o exercício da profissão e as competências dos Procuradores no âmbito do seu exercício profissional. Os Procuradores em Espanha têm uma organização piramidal. Existem 67 Colégios de Procuradores que se agrupam em Conselhos Autónomos (regionais) e Conselho Geral (nacional). Para exercer a profissão é preciso estar inscrito, pelo menos, num destes 67 colégios (sendo possível estar inscrito em mais do que um). E, para isso, é necessário ter um diploma universitário em Direito. Depois de obtê-lo, devese concluir um mestrado específico numa escola de prática jurídica ligada a uma universidade. Uma vez finalizado o mestrado, com duração de dois anos, é necessário passar por um exame do Estado, convocado anualmente pelos Ministérios da Justiça e da Educação. Quanto às competências dos Procuradores, estas têm vindo a evoluir ao longo do tempo. Os Procuradores fazem representação processual, recebendo as notificações dos Tribunais e apresentando as ações e documentos processuais perante os mesmos. A representação processual é exclusiva do Procurador e obrigatória em quase todos os processos civis, criminais e contencioso-administrativos. Aquele que vai aos Tribunais de Justiça pode representar-se a si mesmo e, desta forma, prescindir do Procurador em ocasiões muito limitadas, como dita a Lei, e cuja história excederia o conteúdo deste artigo. Além disso, os Procuradores realizam todo o tipo de procedimentos fora do âmbito do Tribunal, perante entidades públicas e privadas, para obtenção de documentos de prova ou para alcançar uma melhor execução das sentenças. Nesta linha, temos vindo a reivindicar maiores poderes na referida execução, que já estamos a exercer, em grande medida, mas aspiramos a que sejam ampliados e reconhecidos pela Lei. Também é da nossa competência a prática de todo o tipo de atos de comunicação para citar, requerer ou notificar as partes no processo, bem como os terceiros que tenham algum tipo de relação com o mesmo. Por fim, os Procuradores estão ainda encarregues da gestão económica do processo, realizando todos os pagamentos em nome do seu cliente (peritos, entidades, etc.) e recebendo os valores em nome dos mesmos, a serem devolvidos ou pagos em cumprimento da sentença. Para uma melhor documentação sobre este assunto, sugiro ao possível interessado que consulte o seguinte QR Code que explica, de forma dinâmica, as funções do Procurador.
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Юсти́ція (Justiça)
As histórias de três solicitadoras ucranianas que também escrevem Justiça em português Nasceram na Ucrânia, mas cedo se mudaram para Portugal à procura de melhores condições de vida. De mais oportunidades. E conseguiram. Encontraram na Solicitadoria a profissão de sonho e uma carreira que muito as orgulha. Mas foi cá, também, que, no dia 24 de fevereiro, descobriram que o seu país estava a ser atacado. Que, passados tantos anos de paz, tinha começado uma guerra na Europa. Helena Bedlinska, Tetyana Popilevych e Oksana Maia. Três ucranianas, três solicitadoras e três histórias. E, hoje, falam de medo, de angústia, mas, também, de esperança. De muita esperança num futuro em que a paz volte a reinar. Por ANDRÉ SILVA
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Comecemos, desta vez, pelo fim. Pela esperança e pelo futuro. Tetyana não hesita na resposta quando lhe pergunto como vai terminar todo este tormento. “O meu povo tem uma coragem e uma força sem limites. A vitória, sem dúvida alguma, será a nossa.” Oksana, embora mais receosa quanto ao dia de amanhã, também guarda uma certeza: “Sinceramente, hoje em dia, torna-se difícil falar do futuro, não sabemos como vai terminar esta guerra, mas acredito que a Ucrânia vai vencer e ultrapassar este pesadelo”. Helena, otimista por natureza, também mantém a fé na vitória do seu país, mas finaliza com um único desejo: “Conseguir trazer os meus avós para Portugal. Já são pessoas com alguma idade, ainda não conseguiram atravessar a fronteira face a todos os constrangimentos internos que existem no país, mas vai surgir a oportunidade e conseguirei proporcionar-lhes a segurança e a tranquilidade que atualmente lhes faltam”. O dia 24 de fevereiro de 2022, uma quinta-feira, não ficará marcado apenas na memória do povo ucraniano, mas, sim, na de todos aqueles que defendem a liberdade, a democracia e a paz. Em dias como estes, todos sabemos onde estávamos e como recebemos a notícia. Oksana, solicitadora com escritório na Póvoa do Varzim, recebeu, de madrugada, uma chamada da sua família na Ucrânia. “Ao lado da minha cidade, em Ivano-Frankivsk, foi bombardeado o aeroporto. As pessoas estavam todas em pânico. A minha prima pegou no filho de 5 anos e, no mesmo dia, começou a fugir. Demorou mais de vinte e oito horas para atravessar a fronteira.” Tetyana o mesmo. Foi informada, pela mãe, do terror que estava a começar. Já Helena, foi obrigada a descobrir pelas notícias. Não conseguiu ser contactada, nem contactar os seus avós na Ucrânia. “Foi um choque, não acreditei no que estava a acontecer, liguei de imediato para os meus avós, mas sem
sucesso… Ninguém atendeu. Entretanto, os meus pais conseguiram ter notícias deles. Estavam muito assustados, mas, dentro de todo o panorama, estavam bem.” A viverem num país que se orgulha de ser solidário e que se empenha por causas que considera justas, meteram mãos à obra e, mesmo a milhares de quilómetros de distância, fizeram chegar ajuda e esperança. Helena, com escritório em Vila Real de Santo António, conseguiu juntar todo o tipo de bens alimentares, de higiene, de saúde… Tudo aquilo que pode fazer falta quando é preciso recomeçar, quando é preciso curar feridas e seguir em frente. “Na minha família, entre todos, fomos alternando de forma a ajudar a distribuir, selecionar e empacotar todas as doações que as instituições dos Bombeiros e da Cruz Vermelha foram recebendo.” Mais a norte, Okasana organizou um grupo de amigos e fizeram, também, recolha de alimentos, de bens de primeira necessidade e de material médico. Orgulhosa, conta-nos que conseguiram enviar vários camiões para a sua terra natal. “É de enaltecer o apoio da comunidade portuguesa que apareceu em massa para nos ajudar, tivemos centenas de voluntários e apoio de diversas entidades.” Mas não ficou por aí. Arregaçou ainda mais as mangas e, neste momento, ajuda refugiados com traduções, consultas jurídicas, autorização de saída de menores e, ainda, registos no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Voltando, novamente, ao Sul e ao escritório de Tetyana, em Silves, o movimento de ajuda ao seu povo não foi diferente do descrito pelas colegas. Juntou alimentos e medicamentos. Fez donativos, através da compra de bilhetes, em diversos locais na Ucrânia. “Por exemplo, comprei vários bilhetes para o zoo de Kiev, para ajudar a comprar comida para os animais”. Mas não só, abriu as portas de sua casa e recebeu a família que fugiu da guerra.
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AS HISTÓRIAS DE TRÊS SOLICITADORAS UCRANIANAS QUE TAMBÉM ESCREVEM JUSTIÇA EM PORTUGUÊS
E como surgiu a solicitadoria? As histórias são todas diferentes, mas a paixão que nasceu pela Solicitadoria é a mesma. Tetyana descobriu a profissão quando comprava a sua casa em Portugal. “Tendo estado envolvida com várias entidades para que o processo se desse, entendi o quão interessante é a área e como me fazia sentir realizada e motivada. Desde então, a paixão surgiu e comecei a explorar esta opção, de trabalhar como solicitadora, o que me levou a tirar o curso superior de Solicitadoria no IP Beja”, conta-nos. Já Oksana, assume o fascínio que sempre teve pela área jurídica e o seu sonho de trabalhar com emigrantes. Encontrou isso na Solicitadoria. “Eu já era licenciada em criminologia e o meu marido incentivou-me a conhecer a área onde agora trabalho. Consegui cumprir o meu sonho: trabalhar na área do direito e com emigração”. Já a história de amor entre Helena e a Solicitadoria começa nos tempos de secundário e graças ao seu interesse pela área do Direito. Contudo, o seu sonho não era passar a vida fechada num tribunal. Pesquisou e encontrou o que procurava desde sempre. “Quando ingressei em Solicitadoria no ISCAL, no primeiro ano, ainda não tinha a certeza de que era mesmo o que queria seguir. Mas, à medida que o tempo ia passando, percebi que era exatamente o que queria para a minha vida profissional. Simplesmente, apaixoneime pela profissão”.
E são milhões os que fogem da guerra. Só Portugal, aquando da escrita desta reportagem, já havia acolhido praticamente trinta e sete mil ucranianos. Uma terra que, como dizem as três solicitadoras, “é completamente diferente da Ucrânia”. A complexidade da língua, em primeiro lugar, a comida, o clima, mas, também, culturalmente muito diferentes. Contudo, para estas trinta e sete mil pessoas, garantem: “O que nos fez ficar [quando se mudaram para Portugal] foram algumas semelhanças, como a simpatia das pessoas e o facto de nos sentirmos bem-vindos. Bem como algumas diferenças, como, por exemplo, a maior estabilidade económica, mais oportunidades a nível laboral e, no geral, o conforto e a comodidade na vida que aqui temos o privilégio de experienciar”. Se a adaptação a uma língua tão diferente pode ser uma adversidade, o acolhimento português é algo que estas três mulheres nunca vão esquecer. Tetyana, inscrita como Solicitadora desde março de 2021, conta-nos que
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“A escola foi um pilar importante nesta jornada em Portugal, tive um enorme apoio dos professores e da escola, consegui integrar-me, aprender a língua portuguesa e construir amizades. Foi tudo tão fácil e natural”. HELENA BEDLINSKA
foi muito bem recebida e ajudada por todos. “No meu primeiro emprego, eu nem falava português e o que senti foi que todas as pessoas à minha volta faziam um esforço para me entender e para que eu aprendesse a língua o mais rapidamente possível. Sendo que este não é o único exemplo.” Helena recorda esses dias. Corria o ano de 2011 quando chegou a Portugal. Era verão e era suposto apenas ficar de férias. Mas não. O acolhimento português, diz, aconteceu “da melhor forma que alguma vez imaginei”. E faz referência ao ensino: “A escola foi um pilar importante nesta jornada em Portugal, tive um enorme apoio dos professores e da escola, consegui integrar-me, aprender a língua portuguesa e construir amizades. Foi tudo tão fácil e natural”. Oksana concorda com a colega de profissão: “Tive uma professora de geografia que, após as aulas, de forma voluntária, ficava comigo a fazer trabalhos de casa e a ensinar-me a língua”. As suas histórias e a sua experiência de adaptação a um novo país são um calmante e um aconchego para os corações que fogem do medo.
“Sinceramente, hoje em dia, torna-se difícil falar do futuro, não sabemos como vai terminar esta guerra, mas acredito que a Ucrânia vai vencer e ultrapassar este pesadelo”. OKSANA MAIA
“Tenho muita esperança de que tudo ficará bem, embora não saiba como se resolverá a situação. Apenas sei que tenho muito orgulho nos meus compatriotas. E sei, também, que agradecemos, do fundo do meu coração e em nome do povo ucraniano, a Portugal.” TETYANA POPILEVYCH
Todo o país se uniu na ajuda a um povo em sofrimento. Até na área em que Helena, Tetytana e Oksana trabalham, a Justiça, se prontificou a dar a mão a todos os que, neste momento, tanto precisam. Por exemplo, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, assim como outras ordens profissionais ligadas à Justiça, ofereceram apoio jurídico gratuito. Helena, inscrita desde 2019, afirma que a posição de Portugal foi muito positiva. “Foi um dos primeiros países a oferecer condições para acolher os refugiados, desde alojamento a apoio jurídico. Houve uma onda de solidariedade entre a OSAE e vários colegas que se disponibilizaram, de imediato, para prestar serviços jurídicos sem custos”. Tetyana concorda e reafirma que a OSAE ofereceu toda a ajuda possível. Um facto muito “aplaudido e apreciado”. Porém, aponta alguns contratempos: “O processo burocrático na obtenção de ajuda financeira é bastante complexo e vejo que há muitas pessoas a tentar reorganizar a vida deles por meios próprios. Com isto quero dizer que há limites no que toca à ajuda na obtenção de alojamento, por exemplo. Não existem alo-
jamentos suficientes para todos e os preços também não são apelativos. O que faz com que algumas das famílias não saibam onde vão passar a noite seguinte, porque não dispõem de meios necessários para arrendar uma casa”. Três solicitadoras que nasceram num país que agora luta pelo direito a renascer: a Ucrânia. Três solicitadoras que, com saudade e expectativa na bagagem, rumaram a outro país e reencontraram uma casa: Portugal. Três solicitadoras, três mulheres, três histórias de vida. E uma só voz na defesa do que é universal e inquestionável. Sim, é certo que o mundo voltou a mudar. Está a mudar. Mas, para quem defende a paz e a liberdade, há algo que nunca se perde: a esperança. “A guerra que está a acontecer, neste momento, na Ucrânia tem consequências a nível mundial e, certamente, já mudou a história do mundo. Tenho muita esperança de que tudo ficará bem, embora não saiba como se resolverá a situação. Apenas sei que tenho muito orgulho nos meus compatriotas. E sei, também, que agradecemos, do fundo do meu coração e em nome do povo ucraniano, a Portugal.”.
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ENTREVISTA
Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
DUARTE PINTO
“a pessoalização é absolutamente indispensável na tramitação da ação executiva” A solicitadoria e a ação executiva apareceram na sua vida por vocação, vocação essa que se denota a cada palavra que é solta. De trato fácil e piada sempre pronta, depressa enverga um ar mais sério quando o assunto passa para os profissionais que representa, os desafios que enfrentam e os objetivos para o mandato que iniciou em janeiro. Duarte Pinto, atual Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, acredita que a existência de um equilíbrio entre o recurso à tecnologia e o contacto pessoal é absolutamente indispensável na tramitação da ação executiva e é isso que faz com que os profissionais portugueses sejam um exemplo a nível internacional. Já quanto ao futuro, oportunidades parecem não faltar, não estivéssemos perante “uma classe de profissionais fortemente preparados, motivados e detentores das melhores ferramentas para prossecução do seu trabalho”. ENTREVISTA JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
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Está inscrito na OSAE desde 2009. Como começou este percurso na solicitadoria e na ação executiva? Começou, sobretudo, por vocação. Em 2004, com a publicação da lei dos atos próprios, considerei a atividade de solicitadoria, nomeadamente no âmbito da recuperação de créditos, como uma saída profissional que se adequava a mim, àquilo que eu gostava de fazer (sobretudo pela mediação envolvida), bem como o trabalho por objetivos específicos, concretos. E foi desde esse ano que fui acompanhando a evolução da profissão, tendo começado a trabalhar com um solicitador de execução, pouco tempo depois, quando ainda frequentava a licenciatura em Solicitadoria na ESTG, em Felgueiras. Os cargos que exerceu antes, enquanto Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução e Presidente do Conselho Regional do Porto, tornam o exercício do atual cargo diferente? Sem dúvida rigorosamente alguma. O âmbito decisório é, sobremaneira, muito alargado e o nível de problemas para resolver bastante mais desafiante. Mas aquilo que melhor nos prepara é a nossa vivência, a nossa experiência com esses problemas. Por outro lado, obriga-nos a ter uma perspetiva muito mais abrangente para a resolução daqueles problemas, que não a solução imediata, que mais nos convenha individualmente. Quais as metas que traçou para este mandato? A principal meta é a inclusão de todos os Agentes de Execução nos processos decisórios. Foi a estes que fomos e vamos continuar a beber aquilo que fundamentalmente nos propomos conseguir, sem deixar de cuidar da nossa missão principal: a defesa intransigente da Justiça e dos direitos dos cidadãos, sendo, por isso, necessário garantir o exercício da profissão de Agente de Execução com a maior dignidade. Podemos apontar, desde já, a questão dos honorários como um dos problemas emergentes. Não devemos continuar a viver com uma tabela de honorários “parada no tempo”, uma vez que a unidade de conta se mantém inalterada desde 2009. Para tanto, iremos elaborar uma proposta, séria e realista, que vise alterar a indexação dos honorários dos Agentes de Execução para o valor referente ao do salário mínimo nacional, uma vez que este último vem refletindo o aumento do custo de vida e da inflação. Enquanto classe profissional fortemente capacitada técnica e academicamente, com resultados demonstrados ao longo de duas décadas, os Agentes de Execução deverão desempenhar estas funções sempre que o exequente beneficie de apoio judiciário na modalidade de atribuição de Agente de Execução ou sempre que o Estado seja o exequente. Iremos propor, também, que a liquidação do patrimó-
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A principal meta é a inclusão de todos os Agentes de Execução nos processos decisórios. Foi a estes que fomos e vamos continuar a beber aquilo que fundamentalmente nos propomos conseguir, sem deixar de cuidar da nossa missão principal: a defesa intransigente da Justiça e dos direitos dos cidadãos, sendo, por isso, necessário garantir o exercício da profissão de Agente de Execução com a maior dignidade.
nio nos processos de insolvência, enquanto verdadeiros processos de execução global, seja reservada aos Agentes de Execução, seja pelo know-how adquirido, seja pela própria natureza das suas funções, seja ainda pelos mecanismos e ferramentas informáticas de que dispõe. Outra das medidas que introduzirão mais equilíbrio e aumento da eficácia do PEPEX é o da sua distribuição, desde logo aquando da Fase 1 – a nível nacional, aleatoriamente – devendo apenas ser distribuído de acordo com as regras atuais, geográficas, quando seja necessário realizar a notificação do requerido. De igual modo, sempre que o Agente de Execução identifique bens móveis penhoráveis na diligência de notificação, na eventualidade de convolação do procedimento em processo executivo, não pode deixar de ser este o profissional nomeado para conduzir o processo, premiando-se assim a sua eficácia. Dissemos no nosso programa e vamos continuar a reafirmar: é absolutamente inconcebível que, num Estado de direito democrático, seja permitida a coexistência do regime da livre substituição do Agente de Execução pelo exequente, colocando em crise o princípio basilar da “igualdade de armas” processual, enquanto manifestação do equilíbrio entre as partes e que não pode, nunca, deixar de existir na ação executiva, bem como a substituição não poder deixar de ser fundamentada na violação de qualquer dever processual ou deontológico, a ser fiscalizada pelo órgão disciplinar competente e sempre sob o escrutínio do juiz do processo. É inconce-
ENTREVISTA COM DUARTE PINTO
bível esta concessão de um poder sobrenatural (leia-se da possível mera vontade injustificada de substituição) ao exequente. No que concerne à figura do Agente de Execução contratado, a manter-se esta figura, apoiamos as alterações estatutárias que se mostrem necessárias e que visem conferir maior dignificação e desempenho das suas funções, conferindo-lhe um papel diferenciado e diferenciador do de mero funcionário forense, salvaguardando-se a sua independência e habilitações profissionais. Também a ampliação das competências consignadas à assembleia de representantes do colégio profissional – que passará por uma revisão estatutária – é um dos nossos objetivos. Quanto ao leilão eletrónico, estamos já a trabalhar no seu aperfeiçoamento, com a introdução de novos mecanismos e funcionalidades, passando pela incorporação da plataforma e-Leilões com o SISAAE/GPESE. Propusemo-nos – e estamos já também a trabalhar nesse sentido, em estreita colaboração com o Instituto de Formação Botto Machado – a realizar ações de formação contínua e permanente no âmbito da atividade do Agente de Execução. Como analisa a evolução da ação executiva? Insuficiente. Se, por um lado, o Estado dispõe de uma classe de profissionais fortemente preparados, motivados e detentores das melhores ferramentas para prossecução do seu trabalho – os Agentes de Execução – por
outro lado esse mesmo Estado parece não querer, poder ou conseguir acompanhar a evolução conseguida e necessária para o futuro. Ação executiva portuguesa é, hoje, uma referência a nível internacional. Como se pode manter este patamar? Com a permanente aposta nas novas tecnologias – sem nunca se despersonalizar a tramitação executiva. Esta é a grande pedra de toque. As pessoas, isto é, nós, os Agentes de Execução, somos quem mais se destaca a este nível. Não são os dirigentes do Conselho Profissional, nem do Conselho Geral, nem de qualquer outro órgão. São os Associados desta Ordem, em especial os Agentes de Execução, que se destacam a nível internacional. É verdade que a permanente revisão e adequação das plataformas informáticas às necessidades da tramitação sejam importantes, mas são os Agentes de Execução portugueses que a tornam excelente. Como se consegue garantir um equilíbrio entre o recurso à tecnologia e o contacto pessoal, tão premente nesta atividade? Na sequência do que dissemos antes, a pessoalização é absolutamente indispensável na tramitação da ação executiva. Os executados são mais do que meros números de identificação fiscal, de segurança social ou contas bancárias. São pessoas como nós, que padecem dos mesmos problemas, que sofrem as mesmas agruras, que
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se alegram como nós, que choram de alegria, que têm fome, sono, ficam doentes, respiram e vivem como nós. O recurso às tecnologias não poderá servir para mais do que facilitar o nosso trabalho, garantindo mais segurança, certeza e o aumento dos direitos daquelas pessoas enquanto executados. Recusamos qualquer futuro distópico em que os profissionais sejam substituídos por robots limitados ao trabalho programado por algoritmos. A alma é algo de muito importante e que nos distingue enquanto seres humanos.
Um dos fatores mais inquietantes que atualmente assombram o exercício da profissão de Agente de Execução (a par do da livre substituição) prende-se com a questão da nomeação deste profissional através da escolha direta por banda do exequente, sistema que é defendido por quem afirma ser esta a forma que melhor serve quem mais interesse tem na ação executiva. A distribuição aleatória de agentes de execução para processos de ação executiva tem sido uma bandeira defendida pela OSAE. O que falta acontecer para que tal seja realidade? Um dos fatores mais inquietantes que atualmente assombram o exercício da profissão de Agente de Execução (a par do da livre substituição) prende-se com a questão da nomeação deste profissional através da escolha direta por banda do exequente, sistema que é defendido por quem afirma ser esta a forma que melhor serve quem mais interesse tem na ação executiva. Por outro lado, são muitos os defensores da distribuição dos processos executivos de forma completamente aleatória, enquanto garante absoluto da indispensável independência do Agente de Execução. E tanto assim é que se chega a comparar este raciocínio com a natural inexequibilidade de escolha do juiz no processo ou, acrescentaríamos nós, igual impossibilidade existe na escolha do oficial de justiça que desempenhe as funções de Agente de Execução nos processos executivos em que o exequente beneficie de apoio judiciário nessa modalidade. Todos sabemos – ou pelo menos a maioria sabe e tem-no dito – que a solução atual não serve, mas também temos a consciência de que o modelo inicial não
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serviu e ainda vamos lidando com algumas das suas mais nefastas consequências. Ao longo destes primeiros meses de mandato, vimos fazendo referência e apelando à participação dos Colegas na reflexão sobre aquilo que queremos para o futuro da profissão, futuro esse que não se pode resumir aos próximos 4, 10, ou 20 anos, e que passa, inelutavelmente, pela forma de nomeação dos Agentes de Execução, sendo este um tema que nos preocupa bastante, bem como os diversos mecanismos introduzidos para a limitação de atribuição de processos, reduzidos a esparsas medidas, vazias de qualquer ratio e que em nada beneficiaram a classe dos Agentes de Execução, a ação executiva ou mesmo desembaraçaram os milhares de processos que carecem de ser liquidados. Julgamos que esta matéria deve ser devida e aprofundadamente apreciada com os diversos atores judiciários, a começar pela vontade política, mas pugnando-se, acima de tudo, para que a imparcialidade do Agente de Execução seja um valor intocável e que não possa nunca ser posto em causa. Relativamente ao e-Leilões: depois de uma quebra na atividade devido à suspensão das penhoras e venda de bens, em resultado da pandemia de Covid-19, podemos dizer que já houve uma retoma? Analisada a questão dum ponto de vista estatístico, podemos dizer que sim. Entre os meses de março e maio de 2020, o valor das licitações rondou os 50 milhões de euros; no período homólogo de 2021, esse valor foi de 100 milhões e, em igual período deste ano, de 150 milhões. Por outro lado, temos que assinalar que a ação executiva esteve suspensa em largos períodos nos dois últimos anos, motivo pelo qual os números não podem deixar de ser inferiores aos de 2022, havendo ainda que registar uma certa instabilidade resultante da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, por esta altura. Tudo isto junto, ainda que os números de 2022 sejam três vezes mais que os de 2020, leva-nos a concluir que em retoma os números seriam substancialmente maiores. Muitos profissionais questionam a OSAE sobre a abertura de um novo estágio para agentes de execução. Há alguma novidade que nos possa adiantar? A questão da abertura de novos estágios para Agentes de Execução deve ser, desde já, analisada com muito rigor, de modo a serem afastados quaisquer ímpetos mais populistas. Reconhecemos que a classe carecerá de ser, paulatinamente, renovada, uma vez que não há novos estágios desde há alguns anos, mas uma dessas análises poderá passar por alguma excessiva concentração de trabalho, assim fazendo com que muitos Agentes de Execução – que legitimamente esperavam poder trabalhar no seu métier – vejam o trabalho que em tese lhes
ENTREVISTA COM DUARTE PINTO
Entre os meses de março e maio de 2020, o valor das licitações rondou os 50 milhões de euros; no período homólogo de 2021, esse valor foi de 100 milhões e, em igual período deste ano, de 150 milhões.
competiria, a ser feito por quem não o é. Sou da opinião – que é só minha e só a mim vincula – de que deverão existir limites para o que é humanamente possível ser realizado com o rigor, independência e dignidade que a profissão merece e que – sob pena de ser aniquilada – não poderá nunca ser abordada de forma mercantilista. À tese de que não deverá haver limites no número de processos a ser tramitados, opõe-se a antítese daqueles que, não tendo trabalho, não lhes falta a capacidade. Note-se que muitas vezes os próprios Agentes de Execução não se referem à forma como fazem o seu trabalho, mas como o “seu escritório” o realiza! Este é um sinal daquilo que venho dizendo. Quanto aos Agentes de Execução contratados, que não podem deixar de contar na equação, é uma matéria que diretamente se relaciona com o tema e, ainda que os haja que não querem – seja por que motivo seja – ter a responsabilidade de gestão e se sintam mais confortáveis em serem trabalhadores por conta de outrem (ainda assim, esta relação merece ser regulamentada de uma outra forma), a problemática reside naqueles que o são de forma compulsiva, por não terem oportunidade de trabalharem de forma independente devido a artificiais fatores de distinção. Se a tudo isto juntarmos o trabalho disponível e a latente necessidade de renovação da classe, ficamos mais próximos do número de vagas necessárias, mas de gestão muitíssimo complicada de fazer, uma vez que, talqualmente aquilo que agora é previsto no estatuto, inexiste obrigatoriedade de realização de exame de acesso ao estágio, mas apenas à profissão, ou seja, deverão ser admitidos todos aqueles que preencham os respetivos requisitos de acesso ao estágio e, apenas a final, realizar-se-á a referida prova de acesso à profissão. Isto poderá originar uma compreensível frustração nas justíssimas expectativas dos candidatos que, depois de um longuíssimo período de estágio com os custos inerentes, poderão ver-se fora daquilo para o qual se andaram a preparar. Uma coisa é acabar o estágio e entrar na profissão desde que se obtenha aprovação em exame, outra bem distinta e de estranha justeza, é a de que a classificação obtida permita ficar colocado acima de uma determinada posição no número de vagas que venha a ser fixado. Por onde acredita que passará o futuro da profissão de agente de execução? Naturalmente que se pretende a aquisição de novas competências, que se adequem ao nosso ADN e com a garantia da excelência do nosso trabalho (assente numa permanente vontade de formação contínua que os agentes de execução demonstram), mas que dependem sempre da vontade política, a quem devemos demonstrar – incessantemente – sermos merecedores da sua confiança.
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OSAE
CONSELHO REGIONAL DO PORTO “Queremos criar uma ligação mais próxima com os associados” Pela equipa do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
O atual Conselho Regional do Porto (CRP) só pode fazer um balanço muito positivo dos recentes três meses de mandato! Desde que este Conselho tomou posse, no passado dia 12 de janeiro, no Seminário de Vilar, junto aos jardins do Palácio de Cristal, na cidade do Porto, de imediato colocámos mãos à obra, tendo começado por relançar os laços de proximidade com os colegas. Em apenas três meses, desenvolveram-se as Reuniões Descentralizadas, sendo as mesmas o início do retomar da “normalidade” através de encontros unicamente presenciais, nos quais os colegas puderam discutir diversos assuntos. Mas para além da componente formativa, o mais importante foi a possibilidade que os colegas tiveram de, depois de longos meses de afastamento e ausência, poderem conviver um pouco, estarem cara a cara com colegas que não viam há já bastante tempo, quem sabe se até… matar saudades de “um bom abraço”. Uma organização do CRP, com o apoio das Delegações Distritais, nomeadamente Aveiro, Vila Real e Braga. Os temas abordados, para além da sua atualidade para as nossas profissões, foram ao encontro dos desejos dos nossos colegas, desde o BUPi ao Combate à Atividade Financeira Não Autorizada (para os Solicitadores) e da discussão sobre a Portaria 282/2013, de 29 de agosto, à nomeação vs indicação (para aos Agentes de Execução), contando com a colaboração de Delfim Oliveira, Conservador da Conservatória do Registo Predial de Murça, de Pedro M. Santos, Delegado Distrital do Porto, e dos presidentes dos Conselhos Profissionais dos Colégios dos Solicitadores, Delfim Costa, e dos Agentes de Execução, Duarte Pinto.
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Procuramos, com estas reuniões descentralizadas, aproximar os associados ao CRP, isto é, damos a conhecer in loco, aos associados, o modo de funcionamento do Conselho e procuramos perceber de perto os anseios e problemas que estes vão sentindo nos distritos e concelhos onde têm o seu domicílio profissional. Sendo estes os primeiros meses de mandato do CRP, muitos têm sido os desafios que todos os dias encontramos pela frente. Se, anteriormente, tínhamos uma visão do lado de fora, apenas e só enquanto associados, agora vivemos o dia a dia dos problemas de cada um dos nossos colegas. E porque foi e é a nossa bandeira, queremos criar uma ligação mais próxima com os associados, garantindo uma maior e mais célere resposta aos pedidos destes, ao mesmo tempo que é garantido um maior acompanhamento da situação apresentada e da respetiva solução. Este conselho tem o desejo de fazer diferente e fazer a diferença! Com o propósito de fazer mais, cada meta proposta foi e é rigorosamente analisada passo a passo por toda a equipa que compõe o Conselho, de forma a alcançarmos com sucesso os objetivos propostos. Organização, planeamento, muito trabalho e dedicação. Esperamos que estes elementos essenciais sejam suficientes para o bom desenvolvimento do nosso trabalho neste Conselho Regional e para este Conselho.
Já na nossa primeira Assembleia Regional, realizada no passado dia 25 de março, com uma sala cheia e participativa, para além da eleição da Mesa da Assembleia Regional foi ainda emitido parecer favorável ao Relatório de Atividades e Contas de 2021, o que nos deu mais alento pela confiança dos colegas. Mas ainda há muito trabalho pela frente, uma vez que existem projetos que não saíram do papel e queremos, o quanto antes, que os mesmos sejam realidade, nomeadamente quanto à formação, um dos pilares fundamentais para o melhor desempenho da nossa profissão. Em diálogo aberto e franco com o IFBM, propusemos a criação, descentralizada de sessões de formação, quer sejam de cariz permanente, quer sazonal, em diversas matérias conexas à nossa atividade, garantindo uma real cobertura das necessidades dos associados de cada Distrito, que aguardamos que muito brevemente deixem de ser um simples esboço nas nossas agendas e se tornem realidade com o anúncio das mesmas pelos distritos que compõem este Conselho Regional. A jornada está apenas a começar. Este foi apenas o primeiro trimestre e muitos outros desafios nos aguardam ao longo dessa trajetória. Mas temos a certeza de que faremos o melhor possível para que seja um mandato exemplar, que honre a renovação e a esperança depositada nesta equipa do CRP. Nicolau Vieira, Presidente Cecília Mendes, Secretária Paulo Miguel Cortesão, Vogal Marta Baptista, Vogal Mariela Pinheiro, Vogal
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OSAE
CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA inicia ciclo de atividades de proximidade Edna Nabais Vogal do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
O Conselho Regional de Coimbra (CRC) propôs-se, neste mandato, a dar seguimento ao projeto de proximidade que tem vindo a desenvolver desde há quatro anos. No mandato anterior, o CRC percorreu os distritos da sua área de atuação com o tema “Itinerário de Proximidade” e, nesse seguimento, lança agora as “Conversas de Proximidade”. O objetivo desta iniciativa é a partilha de experiências, dificuldades, anseios e soluções, não esquecendo nem descurando também o convívio e a alegria. As “Conversas de Proximidade” tiveram o seu início em Castelo Branco, no dia 8 de abril, nas instalações da Biblioteca Municipal, gentilmente cedidas pelo Município de Castelo Branco. Este encontro contou com a presença de todos os membros do CRC e dos associados do distrito, que se juntaram em mesa-redonda numa conversa aberta e franca sobre temas tão importantes para a profissão como as dificuldades encontradas nas Conservatórias, as diferentes formas de atuação dos vários serviços e o direito de preferência em prédios rústicos. A maioria dos colegas salienta como grande dificuldade o facto de não existir uma uniformização dos procedimentos nas diferentes Conservatórias, pelo que entendem que a OSAE deveria pugnar junto do IRN pela uniformização de procedimentos, o que facilitaria o trabalho diário de todos os Solicitadores. Além disso, é motivo de preocupação o facto de não ser possível, em muitos casos, a comunicação do direito de preferência no que se refere aos prédios rústicos. Muitos colegas salientam que nem sempre é possível obter as moradas dos confinantes através dos proprietários do prédio a vender, uma vez que, em muitos casos, o prédio pertence a heranças ou houve já sucessivas transmissões e não se conhece a residência dos confinantes. Além disso, após deslocação aos serviços de Finanças, é-lhes alegado sigilo fiscal, não sendo facultada a informação solicitada. Esta é a norma
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comummente praticada e que, mais uma vez, dificulta o trabalho diário aos Solicitadores. Assim, entendem os colegas que deve a OSAE pugnar pela modificação desta situação junto da Autoridade Tributária, de forma a que esta informação passe a ser facultada aos Solicitadores e que todos possam fazer bem o seu trabalho e cumprir a lei, evitando problemas futuros para os seus clientes. Como podemos constatar, as “Conversas de Proximidade” em Castelo Branco foram um sucesso, correram de forma amena e juntaram vários colegas, tendo terminado com um agradável jantar na Quinta da Dança, onde foi possível trocar experiências em simultâneo com a degustação gastronómica. O CRC agradece a presença dos presentes neste evento, bem como à Delegação Distrital de Castelo Branco por todo o apoio na organização. No dia 25 de maio, as “Conversas de Proximidade” seguiram para Coimbra. Neste encontro estiveram presentes todos os membros do CRC, em comunhão com os colegas do distrito. O evento iniciou-se com um agradável almoço de trabalho no restaurante “O Nacional”, seguido das “Conversas”, francas e frutíferas, numa das salas do 7.º piso dos Juízos Cíveis de Coimbra, gentilmente cedidas pela Comarca de Coimbra. Esta iniciativa contou com o apoio da Delegação Distrital de Coimbra. Previamente ao almoço de trabalho decorreu, ainda, a cerimónia de compromisso de honra dos novos associados, devidamente articulada com as Delegações Distritais. Este momento permitiu que os novos associados conhecessem as instalações do CRC, bem como a interação com os dirigentes e seus colaboradores, por forma a lhes serem dadas as boas-vindas e a integrá-los naquela que também será a sua casa e a sua profissão. As “Conversas de Proximidade” continuarão e têm já data marcada para dia 22 de junho na Guarda, 28 de outubro em Leiria e 25 de novembro em Viseu.
Para além desta iniciativa, e pretendendo consolidar a proximidade construída nos últimos anos, o CRC tem também preparado o Dia Regional do Solicitador, que irá decorrer a 12 de junho. O CRC desafia os colegas a estarem presentes e a fazerem-se acompanhar pelas respetivas famílias, de forma a que possam aproveitar uma fabulosa visita guiada às ruínas e ao Museu Monográfico de Conímbriga, seguido de um almoço convívio no restaurante do museu. Terminado o almoço, os colegas poderão desfrutar de uma tarde bem passada ao ar livre, em harmonia com o passado e com a natureza. Este será um formato diferente dos Dias Regionais anteriores, que resulta da necessidade de estreitar relações que se esfriaram com a pandemia vivida. Já a 29 de junho acontecerá um Evento Regional, em colaboração com o Conselho Geral de OSAE. O CRC elegeu a cidade da Figueira da Foz para receber todos os associados e desafia os colegas a inscreverem-se, prevendo-se o debate de temas de extrema importância para a classe e para o futuro de todos. Não menos importante, no dia 8 de julho, os Solicitadores da região Centro terão o privilégio de visitar a Assembleia da República e o Museu da Presidência, em Lisboa, sendo posteriormente recebidos pelo Bastonário da OSAE na sede da nossa Ordem. Aqui será feita uma visita às instalações, para que os associados conheçam os diferentes departamentos. A viagem, organizada pelo CRC, decorrerá de autocarro para que os colegas possam desfrutar não só das visitas, mas também da viagem que se prevê animada e diferente. Como sempre, o CRC está disponível para todos. Esperamos por todos e por cada um de vós, partilhando experiências e alegrias.
“Conversas de Proximidade” em Castelo Branco
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OSAE
CONSELHO REGIONAL DO LISBOA “Este Conselho estará sempre de braços abertos” Por Débora Riobom dos Santos, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Estes têm sido meses desafiantes. Desde a tomada de posse que todos os dias o meu pensamento me devolve a mesma questão: vai ser possível conjugar a vida pessoal, a função de Solicitadora e de Formadora com esta nova responsabilidade associativa? Ainda não sei responder, nem sei se serei bem-sucedida, mas tentarei. Estou a aprender grande parte das minhas novas funções com o apoio das colaboradoras do Conselho Regional de Lisboa (CRL), que são incansáveis… a Carla Coutinho, a Anabela Botinas, a Filipa Silva e a, como eu, recém-chegada a este Conselho Regional, Dília Sousa. São elas que estão na linha da frente do CRL e que sabem tudo sobre os procedimentos, processos, que ouvem os associados e todas as suas preocupações e que tentam de todas as formas ajudá-los. E não é fácil gerir emoções. E, por isso, uma das minhas principais preocupações é garantir que terão todas as ferramentas e condições para que possam desempenhar o seu trabalho de forma exemplar – apoiar os associados – e para que se sintam realizadas e apoiadas pela equipa dirigente do CRL. Espero que, em conjunto, possamos criar novas dinâmicas, melhorar procedimentos e introduzir inovação. Estamos a trilhar um caminho. Tem sido também preocupação desta equipa apoiar os Delegados Distritais na sua organização e nas cerimónias de compromisso de honra. Nesta matéria, o João Pedro Amorim e o José Jácome têm sido preponderantes, sempre com o apoio da Marina Campos e da Carla Matos Pinto. Vivemos já momentos muito marcantes, que ficarão gravados na nossa memória e dos novos associados. É gratificante assistir à emoção do momento em que recebem as cédulas profissionais e assinam os compromissos de honra, na presença dos seus patronos e familiares. É
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o momento em que conhecem os seus dirigentes mais próximos e que têm a possibilidade de conversar e expor os seus anseios e, em alguns casos, a primeira vez que visitam as instalações da OSAE e deste Conselho Regional. Não tenho dúvidas de que é assim que se começa um processo de integração. Todos queremos ser bem acolhidos. Este Conselho estará sempre de braços abertos. Conseguir a aproximação dos colegas não tem sido tarefa fácil. Não sei se esta sensação de afastamento se deve à vasta área de abrangência do Conselho Regional ou se tem outros fundamentos. Irei decerto descobrir. Depois de um período pandémico, em que não foi possível reunir os associados no tradicional Almoço de Natal, urgia realizar um evento que proporcionasse o convívio entre associados e promovesse uma das nossas regiões. E, assim, no passado dia 28 de maio, realizou-se, em Évora, o nosso primeiro evento Regional, presencial e descentralizado, que permitiu conhecer a região através de um passeio pelos principais monumentos históricos da cidade, associado a um momento bastante divertido de geocaching, ao qual se seguiu um almoço de confraternização dos associados e das suas famílias, regado com boa música e muita animação. Fizemos questão de que os associados do CRL tivessem ainda a oportunidade de conhecer mais de perto os novos dirigentes Regionais e Nacionais, que foram nossos convidados e que marcaram presença nesta iniciativa. No evento estiveram cerca de duas centenas de participantes, num dia quente, em que o entusiasmo e as brincadeiras dos mais novos eram visíveis e a animação e o riso dos nossos associados contagiantes. Foi também importante integrar as nossas famílias no seio profissional e dar a conhecer o rosto das pessoas de quem muitas vezes falamos em casa. Além do registo
fotográfico, muito aquém do que poderia ter sido feito pelo nosso André Silva, que por bons motivos não pôde estar presente, penso que este dia ficou marcado na nossa memória e no nosso coração. Não posso deixar de agradecer à nossa Delegada Distrital de Évora e Portalegre, Carla Franco Pereira, por todo o empenho e disponibilidade na organização deste evento. E aos nossos colegas, que solidariamente contribuíram para a Associação de Amigos da Criança e da Família “Chão dos Meninos”, uma instituição particular local de solidariedade social, sem fins lucrativos, que presta apoio a crianças, jovens e suas famílias, cuja missão envolve a prevenção de situações de maus tratos e as respetivas respostas sociais. Os Solicitadores e Agentes de Execução foram chamados a colaborar e fizeram ofertas de material escolar, por ser uma necessidade identificada pela instituição. Obrigada! O convívio entre os associados de cada região é essencial, como são as iniciativas conjuntas dos Conselhos Regionais em prol de todos os colegas. E, de facto, tem havido bastante cooperação entre Conselhos Regionais. É certo que já sabia que poderia contar com o apoio incondicional da minha amiga e colega Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra, que tem sido essencial na minha integração, mas os três Conselhos têm estado em sintonia na resolução de problemas, harmonização de procedimentos e preparação de eventos. O nosso primeiro evento conjunto, realizado em 10 de março, foi o “Workshop para Solicitadoras e Agentes de Execução | Profissionais Ativas”, que visou assinalar o Dia da Mulher, abordando temas diferentes dos habituais, como a gestão de stress e de tempo, o coaching e a liderança. Tivemos um bom feedback não só das mulheres, mas também dos homens que assistiram. O nosso próximo evento, com realização conjunta, é o “OSAE por perto” e tem como objetivo proporcionar momentos formativos de debate e de atualização dos associados, conciliando temas que interessam tanto a Solicitadores como a Agentes de Execução. Em Lisboa, o “OSAE por perto” estará no próximo dia 07 de julho na minha cidade: Odivelas. À Câmara Municipal, em particular ao seu Presidente, Dr. Hugo Martins, agradeço penhoradamente por ter disponibilizado, gratuitamente, o Pavilhão Multiusos, nas Colinas do Cruzeiro. Desejo que seja um evento participado, produtivo e do agrado dos nossos profissionais. Continuaremos a estar por aqui, a tentar resolver as preocupações dos nossos associados e a proporcionar oportunidades de aprendizagem e convívio. O CRL, cumprindo o objetivo de melhorar a sua comunicação, lançou, no passado dia 28 de abril, as suas páginas de Facebook, que conta já com mais de 500 seguidores, e de Instagram. Sigam-nos!!!! Até já.
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PROFISSÃO
A mediação familiar e o papel do Solicitador
Tiago Vitória Carvalho Finalista da Licenciatura em Solicitadoria no ISCAL
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mediação familiar vem trilhando o seu caminho em Portugal numa espécie de alvorada serena. Nessa jornada, o Solicitador é detentor de um potencial capaz de alicerçar e alavancar a mediação na nossa sociedade e ordenamento jurídico, sendo este um profissional indispensável à administração da justiça, que saberá encaminhar o seu cliente para o método mais adequado e eficaz à resolução dos seus litígios. Após o Solicitador proceder a uma triagem à disputa do cidadão e considerar que a mesma será oportunamente tratada em sede de mediação familiar, este alarga a esfera de hipóteses do cidadão no desenlace dos seus conflitos e contribui para uma humanização do Direito que urge ser cimentada e operada no domínio do Direito da Família e das Crianças. Ora, sendo a mediação familiar um meio de resolução alternativa de litígios (MRAL), que opera baseando-se e privilegiando os interesses e não os direitos das partes, o carácter da intervenção do Solicitador, no âmbito da mediação, deverá ser distinto daquele que presta ao abrigo do mandato forense. Isto é, o Solicitador não representa o mediado, adota sim uma postura e espírito conducente ao sentido da mediação, privilegiando a harmonia do processo em apanágio dos interesses dos mediados. Esta postura (de salvaguarda) por parte do Solicitador, passa essencialmente por entender que as personagens principais da mediação são os mediados, devendo intervir oportunamente (ou, aquando de solicitação), sobretudo no zelo pelos direitos inalienáveis dos mediados. O seu papel é indispensável à garantia dos interesses e direitos do constituinte que acompanha, uma vez que, no desenrolar do processo de mediação, inevitavelmente serão levantadas questões de Direito que carecem de devido esclarecimento por parte de um profissional habilitado para o efeito. Dessa forma, é garantido que a vontade do mediado, explanada no acordo de mediação, será esclarecida e ponderada. A função do Solicitador e sua presença nas sessões de mediação também assume especial relevância no que concerne ao monitoramento do mediador, tanto em termos de Direito, como do prisma da ética e deontologia, na medida em que, encontrando-se o mediador vedado por lei de prestar aconselhamento jurídico aos mediados, é fundamental o crivo jurídico de um profissional apetrechado de conhecimentos sólidos no âmbito do Direito das Crianças, Família e Sucessões, capaz de prevenir que eventuais acordos corram o risco de não serem homologados e deslindar as suas consequências jurídicas (para o mediado que acompanha). Portanto, o busílis da intervenção do Solicitador na mediação prende-se com o facto de este blindar o processo de mediação contra a carência de conhecimento do quadro jurídico da disputa submetida, evitando a admissão de acordos que ofendam direitos indisponíveis dos mediados e elucidando o que esses acordos representarão na esfera jurídica dos mesmos, dando assim lugar a uma mediação mais musculada.
PROFISSÃO
A justiça e a inversão da pirâmide etária
Diana Andrade Jurista
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m “Portugal Country Fiche on Pensions Ageing Report 2021” conseguimos confirmar algo que já adivinhávamos: daqui a cerca de cinquenta anos, em Portugal, a esperança média de vida feminina subirá de 84,8 para 90,4 anos e a masculina ascenderá de 78,6 para 85,7 anos. Em 2070, cerca de um terço da população terá mais de 65 anos e a força laboral decrescerá de aproximadamente 5 milhões para 3,6 milhões. Algo terá de mudar em todos os setores. A justiça não será exceção. Podemos principiar esta caminhada pela proteção que a lei portuguesa dá aos idosos. A mesma não nos deixa dúvidas sobre o seu direito à participação, à saúde, à autorrealização, à dignidade, à informação, à alimentação, ao seu acesso à justiça, aos direitos sociais, à independência, ao trabalho e à assistência. Todavia, cumpre indagar se esses mesmos direitos se encontram efetivamente acautelados e se não devemos reforçar a sua proteção, sobretudo quando sabemos que a pirâmide etária inverte de forma galopante. É verdade que esta faixa etária tem específico respaldo constitucional. Se olharmos para o artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - referente à segurança social e solidariedade – ou para os artigos 64.º e 67.º, relativos à saúde e à família, respetivamente, percecionamos a vontade do legislador quanto à promoção da política de terceira idade. Aliás, o seu artigo 72.º dedica-lhes toda a atenção, remetendo-nos precisamente para a importância de se proporcionarem às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação ativa na vida da comunidade. Todavia, note-se que ao abrigo do disposto no artigo 13.º da CRP, referente ao princípio da igualdade, a idade não é considerada como fator potencialmente discriminatório, ao contrário do que sucede com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E isto merece ser revisitado e alterado. Cumpre, também, cogitar sobre o próprio conceito de idoso. Com o envelhecimento da população fará sentido falar-se em idoso se estivermos perante uma pessoa com 65 anos? E se quisermos avançar para o campo penal, aquilo que parece carecer de análise mais aprofundada é a eventual tutela diferenciada e integrada dos idosos dependentes ou especialmente vulneráveis. Para estas pessoas, faria sentido a existência de direitos especiais, tais como o direito a uma proteção efetiva diferenciada, o direito à assistência, o direito à informação e o direito à indemnização. Outra questão que pode ser suscitada é a (des)proteção dos futuros arrendatários idosos e a oportunidade legislativa para tentar saná-la. Repare-se que a idade do arrendatário, maior ou igual a 65 anos, que foi considerada pelo legislador como fator preponderante na relação de arrendamento habitacional, deixará de ser relevante à medida que os contratos antigos se forem extinguindo. Ora, num momento em que se sabe que haverá uma população idosa crescente, dever-se-ia apostar exatamente em sentido oposto. Encaremos o futuro com realismo: se temos a certeza de que daqui a muito pouco tempo a pirâmide etária portuguesa estará completamente invertida, isso leva-nos a reajustar o panorama da justiça desde já. Há um longo caminho percorrido nesse mesmo sentido, mas a conduta cirúrgica que aqui se advoga será certamente crucial. As políticas públicas deverão acompanhar esta tendência e a justiça tem um papel importante neste processo.
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REPORTAGEM / ESPECIAL RELIGIÃO A liberdade religiosa é fundamental num estado democrático. Mas o que acontece quando a lei civil e a doutrina apontam caminhos diferentes? Neste espaço, vamos revelar-lhe, ao longo de várias edições, os credos com maior representatividade em Portugal. Saiba o que defendem, no que acreditam, como vivem e qual o seu conceito de Justiça.
FÉ BAHÁ’Í
UNIDADE NA DIVERSIDADE “Que cada manhã seja melhor do que a sua véspera e cada amanhã seja mais rico do que ontem.” ESCRITURAS BAHÁ’ÍS
REPORTAGEM DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA RUI SANTOS JORGE
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É no n.º 17B, na Rua Cidade de Nova Lisboa, nos Olivais, que vamos descobrir a mais recente das religiões mundiais: a Fé Bahá’í. Somos recebidos no Centro Nacional Bahá’í. Quem nos guia por estes caminhos de fé são Victor Forghani Teruel, secretário da Assembleia Espiritual Nacional dos Bahá’is de Portugal, e Stella Xavier Rodrigues, secretária da Assembleia Espiritual Local dos Bahá’is de Viana do Castelo. Comecemos pelo princípio. Bahá’í é uma palavra com origem árabe que significa glória ou esplendor. Mas quando se terá iniciado esta corrente religiosa? Segundo os secretários, a fé Bahá’í nasceu na Pérsia e no Império Otomano durante o século XIX. “A primeira característica que a distingue de outras religiões é o facto de ter dois profetas fundadores. O primeiro foi Báb que, em 1844, Se proclamou como um novo Manifestante de Deus e que trazia consigo uma Revelação Divina destinada a transformar a espécie humana. Os seus ensinamentos baseavam-se no renascimento espiritual e moral da sociedade, na elevação da condição da mulher e dos destituídos, na importância da educação e das ciências”. Revolucionária na sociedade persa, a mensagem de Báb acabou por gerar muitos ódios e paixões, tendo muitos dos Seus seguidores sido perseguidos e chacinados. Mas, apesar da ameaça permanente, esta religião acabou por prevalecer através da figura de “Bahá’u’lláh, o Manifestante prometido por Báb. Ao longo de vários exílios a que foi submetido, “Bahá’u’lláh foi anunciando a Sua missão e expondo os Seus ensinamentos destinados a guiar a humanidade nos próximos séculos”, explicam. Faleceu em 1892 e o Seu filho mais velho, ‘Abdu’l-Bahá, sucedeu-Lhe. Este, viajando pela Europa e pelos Estados Unidos, onde já existiam pequenos grupos de Bahá’ís,
acabou por contribuir para uma expansão significativa da Fé Bahá’í. Após a sua morte, em 1921, deixou como sucessores o Seu neto, Shoghi Effendi, e a Casa Universal de Justiça, o organismo supremo da administração Bahá’í a nível internacional. São, assim, “os textos e as palavras destas três figuras centrais – Báb, Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá – que constituem o corpo das escrituras Bahá’ís”, referem. À medida que vamos avançando na visita, os quadros e cartazes com referências aos templos Bahá’ís captam a nossa atenção. Conta-nos Victor Forghani Teruel que “as Casas de Adoração, os templos Bahá’ís, são espaços abertos ao público, exclusivamente dedicados à oração e meditação”. Sublinhe-se que quando falamos de meditação não nos referimos a longas orações, mas sim ao exercício do intelecto, isto é, à capacidade humana para questionar, refletir e compreender o mundo que nos rodeia. Nestes espaços, “é proibido qualquer tipo de culto ou sermão. Somente é permitida a leitura de escrituras consideradas sagradas”, menciona. Contam-se, até à data, oito templos Bahá’ís em todo o mundo. Apesar dos seus estilos arquitetónicos díspares, todos eles partilham de certas características: jardins soberbos e nove entradas em nove lados. Não, não é por acaso. Para a fé Bahá’í, o número nove é o maior dígito e simboliza a unidade. Ainda focados na história desta religião, quisemos compreender o seu contexto em Portugal. Stella Xavier Rodrigues esclarece-nos que “as primeiras referências à Fé Bahá’í em Portugal surgiram em 1878, mas só a partir de 1946 se estabeleceram os primeiros Bahá’ís no nosso país”. Contudo, os desafios impostos pela ditadura salazarista não tardaram a chegar. “O Centro Nacional
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FÉ BAHÁ’Í
“Deus comunica com a humanidade através de um processo de revelação progressiva, que existe desde sempre e que continuará ao longo da nossa existência enquanto espécie” VICTOR FORGHANI TERUEL
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Bahá’í foi alvo de rusgas, muitos livros e panfletos foram apreendidos e vários crentes foram interrogados pela PIDE. Nas colónias portuguesas a repressão tinha um caráter ainda mais violento, havendo registo de crentes assassinados pelas autoridades coloniais”, refere. Com a Revolução de 1974, o cenário mudou. “Desapareceram as restrições às atividades da Comunidade Bahá’í e, no ano seguinte, esta foi reconhecida como Pessoa Religiosa Coletiva. Em 1999 foi autorizada pelo Ministério da Educação a lecionar aulas de educação moral e religiosa e, em 2007, reconhecida pelo Ministério da Justiça como Comunidade Religiosa Radicada”. Revelada a história, debrucemo-nos agora sobre os ensinamentos Bahá’ís. Segundo estes, existe apenas um único Deus. “Ele é transcendente, omnipotente, omnisciente, criador de todas as coisas. Ele faz surgir, no mundo da humanidade, os Seus mensageiros - Manifestantes de Deus – que nos transmitem a Sua vontade”, realça o secretário da Assembleia Espiritual Nacional. Desta forma, “Deus comunica com a humanidade através de um processo de revelação progressiva, que existe desde sempre e que continuará ao longo da nossa existência enquanto espécie”, acrescenta. “Neste aspeto, encontramos uma grande diferença entre a Fé Bahá’í e outras religiões: não acreditamos que qualquer religião seja a palavra final de Deus à humanidade”, aponta também Stella Xavier Rodrigues, afirmando ainda que “dentro de alguns séculos, o mundo será muito diferente, as pessoas terão outras necessidades e, certamente, surgirá uma nova revelação de Deus”.
Mas não é tudo. Nos ensinamentos Bahá’ís existem ainda princípios que merecem destaque: “o abandono de todas as formas de preconceito; a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres; o reconhecimento da unidade e relatividade da verdade religiosa; a eliminação dos extremos de pobreza e de riqueza; a obrigatoriedade de educação para todas as crianças; a livre e independente pesquisa da verdade; o estabelecimento de uma comunidade mundial de nações; a harmonia entre ciência e religião; e a adoção de uma língua auxiliar internacional”, mencionam os secretários. Muito mais há por desvendar no que se refere à essência desta religião. Uma essência que, de acordo com a secretária de Viana do Castelo, pode ser resumida em cinco palavras-chave: unidade, diversidade, maturidade, globalidade e racionalidade. “Unidade, porque um dos objetivos da Fé Bahá’í é a unidade da humanidade; diversidade, pelo dever de respeitar as culturas dos diferentes povos; maturidade, porque estamos a atingir a nossa maturidade coletiva; globalidade, pois temos de olhar para o nosso planeta como o nosso lar comum; e racionalidade, uma vez que a fé tem de estar em harmonia com a razão (considerada a maior dádiva de Deus ao ser humano)”, clarifica. Para Victor Forghani Teruel, “essencial nesta religião é o desenvolvimento de qualidades espirituais que nos
ajudam na nossa jornada eterna em direção a Deus”. Estas qualidades desenvolvem-se numa matriz de crescente amor e conhecimento. À medida que permitimos que Deus cresça nas nossas mentes e corações, evoluímos na nossa compreensão do universo físico, do ser humano, da sociedade e da vida espiritual. “O cultivo de tais qualidades é inseparável de um contínuo refinamento da nossa conduta, pois as nossas ações vão refletir cada vez mais a nobreza e integridade com que todo o ser humano é dotado”, afirma. E por falar em conduta, “não nos esqueçamos de dois conceitos primordiais para o padrão de vida em comunidade: serviço e adoração”, referem os secretários. Todos sabemos que o trabalho é um aspeto universal e essencial da existência humana. Porém, este “não pode ser reduzido a um mero meio de satisfazer desejos e necessidades. Ele deve encontrar constante expressão no serviço à humanidade”, revela Stella Xavier Rodrigues. ‘Abdu’l-Bahá ensina-nos que: “Todo o esforço, toda a função desempenhada pelo homem, de todo o coração, se for movida pelos mais nobres propósitos e pelo desejo de servir à humanidade, é adoração”. Assim, todas as realizações humanas representam serviço em espírito de adoração a Deus. Outro aspeto fundamental da doutrina Bahá’í é o facto de o ser humano possuir uma dupla identidade. Como nos explica a secretária de Viana do Castelo, “uma é a
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nossa identidade física, que se extingue no momento da morte do corpo físico. A outra identidade está na nossa alma, que está «ligada» ao corpo enquanto este está vivo e é neste mundo material que inicia o seu desenvolvimento”. ‘Abdu’l-Bahá explicou a relação entre corpo e alma, dizendo que o corpo humano “é como um espelho e a sua alma é como o sol e as suas faculdades mentais são como os raios que emanam dessa fonte de luz”. E acrescentou que a alma “pode descobrir as realidades das coisas, compreender as peculiaridades dos seres e perscrutar os mistérios da existência”. No momento da morte, a alma é separada do corpo e continua a progredir numa viagem eterna para a perfeição. Coloca-se, portanto, uma questão: será que podemos dizer que há «vida» depois da morte? “Sim, existe uma forma de existência após a morte do corpo físico”, menciona. De acordo com as Escrituras Bahá’ís, “o mundo do além é tão diferente deste mundo, quanto este mundo é diferente
daquele mundo da criança que ainda está no ventre materno”. Desta forma, “tal como o mundo fora do ventre materno é muito mais vasto, mais rico e mais interessante do que o mundo no ventre materno, podemos esperar que o mundo que a alma vai encontrar depois da morte do corpo físico também seja mais vasto, mais rico e mais interessante do que este mundo material”, remata. Quisemos também compreender qual a posição da comunidade Bahá’í relativamente à homossexualidade. “Para os Bahá’ís, a ética sexual baseia-se nos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Estes ensinamentos afirmam o valor do impulso sexual, rejeitam o puritanismo sexual, mas reconhecem a necessidade de expressão adequada e autocontrole. Bahá’u’lláh afirma que a família é a base da sociedade e da civilização, que o casamento é uma união entre um homem e uma mulher e que as relações sexuais
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“Todos os seres humanos têm capacidade para reconhecer um Manifestante de Deus, mas aceitar os seus mandamentos é um requisito para ser membro da comunidade Bahá’í” STELLA XAVIER RODRIGUES
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só são permitidas entre um casal”, realça o secretário da Assembleia Espiritual Nacional. “Note-se que a Fé Bahá’í não tem uma posição quanto às práticas sexuais de pessoas que não são membros da comunidade”, refere, sublinhando que “os Bahá’ís se esforçam para acabar com a discriminação e proteger os direitos humanos fundamentais de todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, sem promover nem se opor ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”. Prestes a terminar esta viagem pelo mundo espiritual dos Bahá’ís, levanta-se uma curiosidade: existem regras para pertencer à comunidade? “Todos os seres humanos têm capacidade para reconhecer um Manifestante de Deus, mas aceitar os seus mandamentos é um requisito para ser membro da comunidade Bahá’í”, explica Stella Xavier Rodrigues. Um Bahá’í deve pôr em prática um conjunto de valores éticos, bem como respeitar certas leis práticas: a oração diária, a não ingestão de bebidas alcoólicas e o jejum anual. “Para dar a conhecer a Fé Bahá’í realizamos várias atividades, nas quais apresentamos os princípios da nossa religião”, admite, frisando que “não
estamos obcecados com um forte crescimento numérico. É preferível ter 10 novos crentes bem conscientes do que significa a mensagem de Bahá’u’lláh, do que ter 100 novos crentes que não sabem bem no que se meteram”. E revela ainda que as crianças e os jovens têm um papel vital para a comunidade: “os bahá’ís consideram as crianças e os jovens como o mais precioso tesouro que uma comunidade pode possuir. Neles está a promessa e a garantia do futuro”. E é desse futuro que falaremos agora. Um futuro encarado com muito otimismo: “Se olharmos para a história das grandes religiões mundiais, percebemos que o processo de crescimento inicial foi lento e, por vezes, tortuoso. Estes primeiros dois séculos de história Bahá’í mostram exatamente isso. Um crescimento lento, mas sólido e consistente. Em algumas localidades, começamos a ver sinais de uma influência social significativa, com uma grande recetividade e interesse no contributo dos Bahá’ís. Claro que isso nem sempre se reflete no número de adesões à comunidade, mas percebemos que somos um agente social influente”, admitem.
Terminada a visita, levamos connosco uma certeza: a de que “se chegarmos ao fim da vida e tivermos a perceção de que contribuímos para fazer deste planeta um lugar melhor para os nossos semelhantes, então isso é sinal de que tivemos uma vida frutífera”. E, por isso, como dizem as Escrituras Bahá’ís, que juntos consigamos fazer com “que cada manhã seja melhor do a que sua véspera e cada amanhã seja mais rico do que ontem”. Encorajamos todos os interessados a conhecerem por si próprios a Fé Bahá’í.
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PROFISSÃO
SOLICITADORES ILUSTRES
BRÁS AFONSO Miguel Ângelo Costa Solicitador e Agente de Execução
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Brás Afonso, nosso escrivão, Solicitador de todos os feitos e coisas da Justiça na Corte e na Casa da Suplicação. Vila de Santarém, 10 de maio de 1468*.
as Cortes realizadas em Lisboa, nos meses de abril e maio de 1468, numa das 20 que o Rei Dom Afonso V (1432/1481) mandou realizar no seu longo reinado de 43 anos, os procuradores pediram-lhe “que moderasse nos gastos, pusesse mão firme nas cousas da coroa, em que sustivesse seu Estado como seus antecessores faziam e não os dê tanta soltura sem necessidade como dava” (1). Este conselho das pessoas mais avisadas do reino alertava para as benesses que o Rei concedeu a todos os que o acompanharam na batalha fratricida de Alfarrobeira, onde seu tio D. Pedro, Duque de Coimbra, viria a falecer. Ora, o soberano, dando razão aos avisos dos procuradores da Corte, procedeu a uma vasta remodelação da sua governação, visando principalmente a administração da Justiça, matéria de impostos, trabalho agrícola, lavramentos de moeda, etc (2). Para a reforma da Justiça do seu reinado nomeou o Doutor João Fernandes Silveira, conceituado embaixador em vários países europeus, hábil negociador das coisas do Estado com os países estrangeiros, que esteve até na negociação e preparativos do enlace matrimonial da irmã do rei, D. Leonor, com o Imperador Frederico III do Sacro Império Romano-Germânico e no casamento falhado entre D. Afonso V e Isabel Católica. Silveira trazia uma grande experiência, que foi formando ao longo da sua carreira enquanto embaixador em diversos países na área da NOTAS Justiça, tendo verificado, a certa * Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Chanc., altura, a existência de uma terminologia jurídica não aplicada ainda Af. V, L. 28, fol. 68v; 1 – Rui de Pina: “Crónicas”; em Portugal: o “Solicitador”. Palavra 2 – Veríssimo Serrão: esta que, na etimologia latina e, por “História de Portugal”, consequência, no português e casVol. II, pág. 229; 3 – Ver Solicitador: telhano, tinha várias versões, alguetimologia. Amélia mas pouco recomendáveis, mas já Polónia, pág. 69, Ed. C. Solicitadores;4 – Arquivo figurava naqueles países desde os Nacional da Torre do primórdios do século XIV, como Tombo - Chanc., D. o Procurador de Causas Judiciais, Afonso V, Livro 7; dando-lhe uma forma abrangente 5 – Idem pág. 53, 53 vº; 6 - Luís Miguel Duarte: no mundo jurídico . “Justiça e Criminalidade A primeira vez que a palavra no Portugal Medievo”, “Solicitador” surge no nosso ordenaVol. II.
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mento jurídico é quando se nomeia Brás Afonso como Solicitador de todos os feitos e coisas da Justiça e na Casa da Suplicação, no dia 10 de maio de 1468. Mas, afinal, quem era Brás Afonso? Nasceu em Lisboa, por volta de 1420. Aos 19 anos já era Clérigo e Bacharel em Direito Canónico. Em 1442, era bedel e escrivão da Universidade de Lisboa e Escolar em Leis em 1456. Foi Ouvidor da Corte por diversas vezes até 1466, assumindo o ofício de Terceiro dos Agravos. E, finalmente, a 10 de maio de 1468, é nomeado Solicitador de todos os feitos e coisas de Justiça da Corte e na Casa da Suplicação, recebendo, logo em junho, o mantimento anual de 4.200 reais brancos, que terá enquanto tenha este ofício, coberto pelas penas arrecadadas de armas e de sangue . Exerce este cargo até setembro de 1476, tendo desistido a favor de seu irmão Diogo Afonso, escudeiro de João Fernandes da Silveira (5), para ser nomeado Solicitador da Justiça e Ouvidor do Algarve nesse mesmo ano. Anteriormente, já tinha sido nomeado Juiz de Fora em Silves (1470), Juiz per nos em Faro (1471), Juiz de Fora de Tavira e Corregedor do Algarve (1474) (6), exercendo funções no poder régio durante 41 anos, que abrangeram todo o reinado de D. Afonso V e princípios do reinado de D. João II. O longo reinado de D. Afonso V foi bastante controverso. O monarca, com ambições da união ibérica, com batalhas ganhas e perdidas, guerras na Europa, em África e descobrimentos, encontrava-se muito tempo ausente do reino. Tinha, pois, de estar escorado por gente da sua confiança, a quem confiava o bom governo do país e de suas possessões além-mar. Um deles foi, de facto, o Solicitador Afonso Brás, que chegou a Corregedor e Juiz de Fora, não por ser um homem formado em Leis, para cujos cargos no equador da sua vida foi promovido, mas sim pela confiança que o Rei tinha nele, pelo seu saber, experiência e lealdade. Não esquecer que, na Idade Média, muitos dos que assumiam os cargos mais altos da magistratura não eram só os formados em leis pelas universidades, mas sim nomeados pelo próprio Rei, como prémio dos seus feitos, da sua experiência e lealdade. Foi o que aconteceu com Afonso Brás, o homem que proporcionou a certidão de nascimento da nossa Ordem.
BRÁS AFONSO – OFÍCIO Dom Afonso, vós Doutor João Fernandes da Silveira do nosso conselho e regedor por nós da justiça em nossa Casa da Suplicação e ao nosso Chanceler Mor Corregedor da nossa Corte e nossos Ouvidores, em quaisquer outros nossos Desembargadores e a todos os outros Juízes e Justiças Oficiais e pessoas dos nossos reinos a que a nossa carta for mostrada, saúde. Sabeis que confiando-nos da bondade distinção de Brás Afonso nosso Escrivão, perante o que o fará bem fielmente e como cumpre a serviço de Deus e nosso e bem da justiça o temos, por bem, damo-lo ofício e Casa da Suplicação para nosso Solicitador de todos os feitos e coisas e Justiça. E, porém, vos mandamos que daqui em diante, que o deixeis servir e usar do dito cargo e ofício que lhe por nós é dado segundo por nosso regimento que lhe é mandado e ordenado, que faça e haver mantimento por gastos e percalços, que ao dito ofício e cargo pertencia sem lhe sobre ele pordes dúvida nem embargo em alguma coisa, que seja o qual for à nossa Chancelaria e aos Santos Evangelhos, que bem e verdadeiramente obre e use do dito ofício segundo nosso regimento, que lhe assim para ele por nós é dado e guarde a nós nosso serviço e ao povo seu direito por mal não façam. Dada em nossa Vila de Santarém, a 10 dias de maio. Pero de Alcáçova a fez. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e sessenta e oito. Traduzido por Miguel Ângelo Costa
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REPORTAGEM
O PAÍS E A SOLICITADORIA. S I O P E D E S E T N A DO 25 DE ABRIL. “Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho, no Eurofestival de 74, ‘E Depois do Adeus’…”. A primeira senha ecoa nos Emissores Associados de Lisboa. Passaram pouco menos de trinta minutos. Era 00h20 do dia 25 de Abril de 1974. O programa Limite, da Rádio Renascença, transmite a música “Grândola Vila Morena”, de José Afonso. Os militares do Movimento das Forças Armadas tiveram a certeza. As operações militares estavam em marcha e eram irreversíveis. Hoje, e no ano em que arrancam as comemorações dos cinquenta anos do 25 de Abril de 1974, a liberdade leva a Sollicitare até Vila Franca de Xira para, sem censuras, conversarmos com Silva Queiroz, Solicitador desde os tempos de ditadura, e Diana Queiroz, a exercer a profissão num país que só conheceu em democracia. POR ANDRÉ SILVA
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“Esta nota fui eu, Silva Queiroz, quem a redigiu e afixou na porta, para os empregados e estagiários, a pedido do meu padrinho, Dr. Joaquim Gomes Mota, no seu escritório sito na Av. Fontes Pereira de Melo, n.º 47 – 2º esquerdo, em Lisboa, do qual era chefe de escritório, em virtude de ter recebido um aviso de um amigo sobre o início de uma revolução.”
“O cansaço pela opressão em que o povo vivia, a manutenção da guerra, a negação da independência aos povos africanos e também a desolação da perda dos familiares que por lá morriam, motivou as Forças Armadas que surpreenderam não só o povo, como a Europa e o Mundo pelo sucesso da vitória que trouxe a liberdade ao povo”, conta-nos, emocionado, Silva Queiroz. A madrugada foi longa.
Ao fundo, o dia vai nascendo. Tal como a liberdade. Mas, devagar. À 00h30, começaram as operações para ocupar os locais estratégicos, de acordo com o plano. Às 03h45, o primeiro comunicado do MFA foi difundido pela Rádio Clube Português. Às 05h45, Salgueiro Maia chegou ao Terreiro do Paço. Às 10h00 em ponto, o Solicitador Silva Queiroz afixava, na porta do escritório, um simples papel, escrito a vermelho e com as próprias mãos. “Podem ir para casa. O escritório hoje está fechado. 25/4/74 – 10 horas”. Um papel que, em silêncio, gritava medo do desconhecido, do que poderia acontecer nas horas que se adivinhavam, mas gritava, também, esperança. Principalmente, esperança por um futuro diferente. Enquanto colava o simples papel para avisar os funcionários e estagiários, sentia uma emoção tão forte quanto a revolução que encheria as ruas. Aquele era, afinal, um momento tão desejado e, ao mesmo tempo, motivo de uma apreensão tão grande. “Foi um dia expectante, agarrado a tudo o que eram notícias e a aguardar o resultado final”. E o ‘resultado final’ foi a mudança. A mudança para o país e para a vida de cada cidadão. “(…) O dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos na substância do tempo”, escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen e, passados tantos anos, ainda é difícil descrever melhor o que foi este dia. O dia que, todos os dias, se faz sentir no dia a dia de cada um. “Foram tantas as conquistas. No entanto, as que me surgem de imediato e que talvez considere mais importantes são essencialmente na saúde, na educação e na liberdade de expressão”, diz-nos Diana Queiroz, nascida já depois da Revolução dos Cravos. Mas acrescenta: “Todos os cidadãos passaram a ter acesso à saúde. A educação e o acesso ao ensino superior passaram a ser algo natural e o número de mulheres
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Em tempos de ditadura, a própria Justiça estava “comprometida, amedrontada e era subserviente” SILVA QUEIROZ
com estudos e a frequentar o ensino superior aumentou bastante. Hoje, podemos dizer livremente o que pensamos sem qualquer censura. Foi criado um salário mínimo e temos melhor acesso ao emprego, nomeadamente no que diz respeito às mulheres. Na Justiça, houve também muitas alterações e uma grande e importante conquista a nível do Código Civil, igualando a mulher ao homem a nível de direitos, deixando esta de ser uma ‘doméstica’ e sem relevância na sociedade”. Tudo era diferente antes do 25 de Abril. Até mesmo nos escritórios. Austeros e inflexíveis. Principalmente para as mulheres. Silva Queiroz, que trabalhava, então, com o seu padrinho, advogado de profissão, relata como recorda essa época: “Era chefe do escritório e tinha de o reger por regras consistentes. Não chamo ditatoriais, mas eram obrigações e deveres exímios. Por exemplo, as funcionárias só passaram a poder entrar no escritório de calças algum tempo após. Dentro dos parâmetros que a sociedade vivia, só com tempo é que os hábitos e os sistemas se renovaram”. Diana, atenta às palavras e às memórias do pai, sublinha: “Dou muito valor a quem viveu a ditadura, principalmente às mulheres que sofreram muito, que deixaram de viver e de ser felizes por todas as restrições que lhes eram impostas. (…) Se fosse homem, até conseguia imaginar um percurso normal na educação e no ensino superior. Como mulher, seria difícil conseguir estudar e ingressar na universidade e, mesmo conseguindo, não sei se, como profissional, teria a credibilidade que era dada aos homens com a mesma profissão. Ser solicitadora naquela época seria certamente muito difícil”. Aliás, em tempos de ditadura, a própria Justiça estava “comprometida, amedrontada e era
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“Dou muito valor a quem viveu a ditadura, principalmente às mulheres que sofreram muito, que deixaram de viver e de ser felizes por todas as restrições que lhes eram impostas.” DIANA QUEIROZ
subserviente”, explica-nos o Solicitador Silva Queiroz. E são as memórias que mantêm bem despertas as prioridades, mesmo para quem não as viveu e só as escuta pela voz de outros. Para a Solicitadora, “para além do dia e da noite, pouco é o que podemos dar como adquirido. A democracia e a liberdade são exemplos disso mesmo. A vida e a sociedade estão em constante mudança e nós temos de nos adaptar e aprender a viver com essas mudanças. A democracia e a liberdade são conquistas demasiado importantes para não deixarmos de lutar por elas diariamente”. E ainda há muito para conquistar, principalmente quando pensamos “no feminino”. “É emergente continuar e não desistir da luta pela igualdade de género. Já conseguimos muito, é certo, mas a mulher tem de ser igualmente respeitada, considerada e valorizada pela sociedade e, acima de tudo,
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“É emergente continuar e não desistir da luta pela igualdade de género. Já conseguimos muito, é certo, mas a mulher tem de ser igualmente respeitada, considerada e valorizada pela sociedade e, acima de tudo, no mercado de trabalho, de forma a existir, designadamente, uma igualdade salarial.” DIANA QUEIROZ
no mercado de trabalho, de forma a existir, designadamente, uma igualdade salarial.” À nossa conversa e viagem no tempo juntou-se o elemento mais novo da família Queiroz. Maria Madalena. Filha de Diana e Neta de Silva Queiroz. Para quem nasce numa democracia com quase cinquenta anos, a palavra liberdade não terá, certamente, o mesmo significado. Não será menos valiosa, nem menos valorizada. Mas será, certamente, vista com outros olhos e sentida de uma outra forma. E, por isso, é preciso que as memórias continuem vivas e a perdurar. A mãe, sem hesitações, assume o compromisso: “Quando ela tiver idade para compreender, explicarei certamente o que é a liberdade, como era a vida antes da liberdade e o que aconteceu para que ela passasse a existir. Por agora, demonstro-lhe o quão bom é ser livre e ensino-a a ser feliz nesta sociedade que nos permite ser livres e viver com tranquilidade e qualidade”. Já o avô, conhecedor das amarras da ditadura, assume que preferiria não ter de explicar “algo tão pouco interessante e, até, nefasto”. “Prefiro entusiasmá-la para o conhecimento da independência do ser humano, para a importância da autonomia e, sobretudo, a ser livre na dignidade pela vida, agindo por si própria, consciente da responsabilidade dos seus atos e tendo em conta o respeito absoluto pelo seu semelhante”. De uma forma ou de outra, o 25 de Abril de 1974, a sua história e o que representa para a História do país continuarão, certamente, a fazer parte das histórias das gerações. Porque, independentemente do futuro que se construir, os alicerces do passado permanecerão.
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CULTURA
Uma entrevista… à desgarrada.
SONS DO MINHO Cantar música tradicional e popular portuguesa, sempre com “seriedade, paixão e profissionalismo”, e, assim, preservar a cultura nacional. É esta a missão assumida pelo grupo Sons do Minho, tão evidente a cada novo concerto, a cada novo trabalho. De Viana do Castelo para o resto do país – e, até, do mundo – Jorge e Pi, as caras do projeto, sobem ao palco e, hoje, falam-nos, de improviso, sobre quais as suas inspirações, sem esquecer, claro está, o ingrediente principal para uma boa festa: o público. E, por isso mesmo, é à desgarrada que terminam a conversa e saúdam os leitores da Sollicitare: “O cantar é tradição / Que em certas horas cai bem / De improviso é um dom / Que quem é cantador tem / Aos leitores, uma saudação / Boas leituras, passem bem!”. Escolha a banda sonora, aumente o volume e, numa época que faz lembrar folia e bailarico, entre no ritmo e fique a conhecer melhor os Sons do Minho. ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA SONS DO MINHO
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SONS DO MINHO
Como e quando é que a vida se cruza com a música? Eu, Jorge, comecei na música tradicional e popular portuguesa já com os meus 20 anos em contexto de borga e de amigos. Íamos cantarolando algumas músicas do cancioneiro português e íamo-nos desafiando em tom de brincadeira. Depois, fui conhecendo novos amigos e “companheiros das cantigas” e a arte foi ficando mais séria, até aos dias de hoje. Eu, Pi, tive o meu primeiro contacto com o folclore e com a música popular portuguesa aos 3 anos de idade por intermédio do Grupo Etnográfico de Areosa (localidade da qual sou natural). O meu tio era – e é – componente ativo desse mesmo grupo e, aos 3 anos, permitiu que eu o acompanhasse pela primeira vez. Desde então, nunca mais deixei de acompanhar o grupo, até 2010 praticamente. Em 2004, começo a ter aulas de concertina e a improvisar os primeiros versos, de forma autodidata. Qual é o segredo para o sucesso e para serem uma referência nacional na música popular portuguesa? Não cremos que haja algum segredo implícito e também não nos envaidecemos com estas simpáticas perguntas que frequentemente nos fazem e que nós agradecemos. Pautámos sempre o nosso trabalho por critérios de seriedade, paixão e profissionalismo. Estes talvez sejam alguns dos ingredientes mais importantes e contribuidores da aceitação do nosso projeto por parte do público de forma tão unânime. E isso, sim, deixa-nos imensamente felizes! Tudo isto, aliado a um grupo de trabalho fantástico e dedicado, composto por músicos de excelência, e uma postura humilde e motivada para facilitar logisticamente os eventos em que nos inserimos, têm permitido este crescimento constante e gradual que o Sons do Minho tem registado nesta sua primeira década de existência. Sentem que o vosso trabalho também é proteger e preservar a cultura portuguesa? Estamos num bom caminho para garantir essa preservação? Um povo sem cultura é um povo sem identidade e a música tradicional e popular portuguesa é uma parte fundamental da nossa cultura, das nossas raízes, da riqueza que o nosso país apresenta e que nos identifica enquanto povo. Ainda que a nossa proposta musical atual seja muito mais comercial e contemporânea do que era, por exemplo, no ano de fundação do projeto, é imperioso, para nós, que o nosso repertório inclua, sempre, temas de original popular e tradicional. E nesta perspetiva assumimo-nos também como agentes culturais e artísticos com responsabilidade em preservar e divulgar este nosso legado cultural.
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Atravessamos um período, de há uns anos a esta parte, em que os grupos musicais deste género proliferam, fazendo com que haja cada vez mais músicos dedicados a este género musical. Nesse sentido, acreditamos que teremos assegurada a preservação desta nossa cultura para as gerações vindouras. O nosso país é uma inspiração constante para as desgarradas? Tudo é uma inspiração constante para uma boa desgarrada! Sendo de improviso, os cantadores devem saber socorrer-se da sua astúcia e perspicácia para que qualquer contexto, produto, freguesia, evento se possam transformar em “matéria-prima” para uma desgarrada. Naturalmente que o nosso país, por esta ser uma tradição tão enraizada, potencia os seus contornos e dá-nos ainda mais motivação para as improvisações que fazemos. O povo português, as suas maravilhas, os usos e costumes, a gastronomia, as paisagens… tudo é mote para uma castiça desgarrada! Como é visto Portugal do palco e a partir do universo artístico? Aos nossos olhos, Portugal é um país onde o público acarinha e afaga o coração e o ego dos artistas de quem verdadeiramente gosta. Que sabe acolher e em que o espírito de festa e “romaria” se vivem de forma genuína e intensa. No entanto, sentimos também que deveria haver mais entrosamento, partilha e simbiose entre os vários artistas portugueses. À semelhança do que se faz em países como o Brasil, por exemplo. Em Portugal, cada artista vive a sua carreira de forma muito autónoma e distanciada dos demais. Acreditamos que a partilha de placo, a criação de duetos e a realização de produções conjuntas seria muito benéfica para a captação de novos públicos e para a aproximação de diversos géneros musicais. À semelhança, por exemplo, da produção que fizemos em Viana do Castelo, em 2019, para a gravação do nosso DVD “Tertúlia à Desgarrada”. Para esses momentos de improviso – há muito trabalho prévio ou é tudo espontâneo? A espontaneidade da improvisação não dispensa horas e horas de treino. Ainda que na hora improvisemos e versejemos sobre o que se nos é apresentado, sobre quem conhecemos naquele momento, sobre uma situação caricata que acontece in loco, é preciso estarmos dotados de “ferramentas” e processos de improvisação e articulação de ideias que requerem muita prática. Por vezes, em viagem, damos por nós a improvisar sobre o carro que nos ultrapassou, os cabelos da meni-
ESCOLHAS… Um livro: “Quando voltares para mim” de Margarida Rebelo Pinto. Um filme: “A Vida é Bela” Um programa de TV: SPA Autores Uma música: “Havemos de ir a Viana” Um sítio: Viana do Castelo
Um povo sem cultura é um povo sem identidade e a música tradicional e popular portuguesa é uma parte fundamental da nossa cultura, das nossas raízes, da riqueza que o nosso país apresenta e que nos identifica enquanto povo.
na que atravessa a passadeira, o nome da freguesia que surge escrito na placa, etc. São situações que nos dão desenvoltura de raciocínio, que nos ajudam a exercitar a mente e que, em alguns casos, aumentam o nosso campo lexical. No entanto, em nada retiram o mérito à improvisação que iremos ter que fazer no concerto do dia seguinte. Muitas vezes, a cantiga à desgarrada tem também momentos de escárnio. Acreditam que, em Portugal, ninguém leva a mal? Ou alguém já levou? Felizmente, não! Em todos estes anos em que já nos desgarrámos nunca tivemos situações desagradáveis ou em que alguém tenha reagido de forma ríspida a uma im-
provisação nossa. Para isso, consideramos que é fundamental que um cantador à desgarrada saiba “ser e estar”. É preciso adequar, sempre, a mensagem, a postura e os limites do humor/escárnio ao contexto onde nos inserimos e ao público que nos assiste. Ainda que o público português goste imenso de desgarrada e saiba que a este tipo de cantigas está implícito um segundo sentido e algum “mal dizer”, está no seu direito de gostar, mas também de reprovar ou se ofender. Por isso, cabe sempre aos cantadores fazerem uso das suas competências para que sejam “desejados e não aborrecidos”. O que é preciso para que seja sempre “Dia de Festa”? É preciso o ingrediente mais fundamental que uma festa ou romaria requerem: público! Sem público não há festa. Havendo público, meia festa está feita. A outra metade é feita com os ingredientes que nós levamos connosco a cada festa e romaria: o nosso repertório, a nossa alegria e boa disposição e, naturalmente, as desgarradas bem ao jeito alto-minhoto. Qual a sensação de, em palco, ver centenas de pessoas cantar e dançar temas como o um “Dá-me um beijinho”? É caso para dizer que basta terminarem a noite “Juntos”, com o vosso público, para poderem cantar, a plenos pulmões, “Ser Feliz”? É uma sensação única. Arrepiante e responsabilizadora. Ter o público a cantar os nossos temas a plenos pulmões é o melhor cachet de qualquer banda ou artista. Nós não somos exceção. É para isso que trabalhámos, que compomos, que ensaiámos. Temos sido bafejados por essa dádiva de reconhecimento por parte do nosso público ao longo dos últimos anos. Talvez por termos conseguido, de forma gradual e como eu referi acima, tornar-nos mais comerciais e contemporâneos, sem que com isso tenhamos perdido o nosso cariz popular e festeiro. Só poderemos retribuir com abraços e carinhos, pedir que continuem connosco de braços no ar e lado a lado, nesta feliz caminhada. Quais são os vossos projetos para o futuro? Atualmente, o nosso projeto prioritário é cumprir a generosa agenda que temos delineada para a tour 2022 “Recomeçar”. Temos muitas saudades dos palcos, das romarias e do nosso público e, por isso, urge o nosso regresso à estrada. À parte disso, continuaremos com as nossas emissões mensais, online, da “Tertúlia à Desgarrada” e, quiçá, a gravação de um segundo DVD ao vivo deste nosso projeto. Temos dois temas novos que farão parte do repertório desta tour e que serão lançados ainda este ano nas nossas redes sociais e nas plataformas digitais. Em suma, pretendemos dar continuidade ao trabalho que temos vindo a apresentar.
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PROFISSÃO
TECNOLOGIA
Rafael Parreira Solicitador
O papel do Solicitador no mundo da web 3.0 Estamos em 2022, já vivemos décadas de revolução tecnológica, mas a verdade é que se procurarmos antecipar o futuro a curto prazo, ficamos com a plena sensação de que aquela revolução foi, até agora, um mero aquecimento para o que aí vem! Se observarmos o que nos rodeia, a tecnologia invade o nosso quotidiano. O exemplo mais claro é a introdução de novos instrumentos de trabalho, cada vez mais digitalizados que, inevitavelmente, conduzem a novas formas de relacionamento com clientes, colegas e comunidade em geral. A distância física é cada vez menos um problema, banalizam-se reuniões por videoconferência, o teletrabalho ganha relevância, a administração pública apregoa a sua digitalização e os escritórios apostam objetivamente num novo posicionamento que permita a adaptação das suas relações com a comunidade em geral. A conexão permanente ao mundo digital é algo declaradamente introduzido nas nossas vidas. Dela novas oportunidades surgem e, correspondentemente, novos desafios se impõem, em especial para os profissionais do foro jurídico. Em meados da década de 80 assistimos ao surgimento da web 1.0, caracterizada por websites de parca ou nenhuma interatividade, em que a informação disponibilizada se destinava à mera leitura por parte dos utilizadores. Uma evolução natural trouxe-nos, em inícios dos anos 2000, até ao que agora bem conhecemos, a web 2.0, caracterizada por uma vertente mais sociável, uma web participativa em que o utilizador passa a ser gerador de conteúdo e na qual as redes sociais assumem ponto de destaque. Mas, nesta matéria, a evolução é contínua e a nova realidade introduz o conceito de web 3.0. A web 3.0 é o resultado direto do relacionamento social permitido pela sua antecessora 2.0, elevando
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agora os níveis desse relacionamento no que respeita aos meios e aos conceitos. Esta nova web privilegia a inteligência artificial (IA) e tem como principal objetivo viabilizar uma nova e melhor experiência para os utilizadores, com base na descentralização dos dados. É nesta web 3.0 que encontramos conceitos como Blockchain, criptomoedas, NFT’s, Metaverso ou Smart Contracts. É impreterível para os juristas do futuro, nos quais se incluem os Solicitadores, compreender esta nova linguagem e conseguir acompanhar a sua evolução. Se, por um lado, é sensacionalista afirmar que a IA irá substituir a figura do jurista, é ingénuo ignorar que este último tenha de se relacionar e saber integrar numa realidade em que a IA assume cada vez maior preponderância. Exemplos concretos e atuais dos desafios que se nos impõem com a web 3.0 são os criptoativos, cuja resistência muito se prende com o desconhecimento da tecnologia subjacente, ignorando o papel dos juristas e, em particular, dos Solicitadores, na sua regular integração no comércio jurídico-económico. Participar nesta integração vai muito além dos conhecimentos técnicos próprios da vertente tecnológica. Pelo contrário, os juristas têm um papel indispensável a desempenhar nos mais diversos níveis (que a IA não resolverá): qual o tratamento fiscal a aplicar?; qual a classificação jurídica dos ativos digitais?; como operacionalizar o comércio jurídico destes ativos?; de que forma poderemos introduzir a tecnologia blockchain na administração pública?. Num mundo em que reinará a web 3.0, cabe aos Solicitadores ser o que sempre foram: pragmáticos agentes do direito, com foco nas soluções, colaborando na operacionalização dos interesses legítimos de cidadãos e organizações.
SUGESTÕES
Leituras MISERY
Eva Justiça Colaboradora da Divisão de Gestão e Apoio ao Associado da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
de Stephen King
NÓS, OS ROMANOV
Stephen King é considerado o génio da escrita de terror e suspense. Podemos ter uma visão que justifica essa fama em livros como “Joyland” ou “Pet Sematary”, mas é em “Misery” que vamos encontrar o seu lado verdadeiramente macabro, o lado mais doentio da psique humana e que, em 1987, deu origem ao que hoje sabemos serem os stalkers psicopatas das celebridades. “Misery” conta a história de Paul Sheldon, um escritor de romances cor de rosa que, apesar de lhe garantirem fortuna e seguidores, não lhe proporcionam satisfação profissional. Assim, decide “matar” a sua personagem principal, Misery, e dedicar-se a um novo género de escrita. Um acidente de carro empurra-o para os cuidados médicos da sua fã n.º 1: Annie Wilkes. Sem conseguir movimentar as pernas, conforma-se que não terá alternativa senão confiar na sua salvadora. Annie é atenciosa, dedicada e, aparentemente, decidida a que o seu escritor favorito recupere… até ler o seu último livro e o manuscrito da nova história. Não só Paul Sheldon coloca um fim a Misery, como escreve um novo livro repleto de palavrões e personagens rudes. Annie, na sua complexidade psicológica e crueldade, decide, assim, que Paul Sheldon só voltará a andar quando Misery voltar a viver. Este é um livro que não conseguimos largar, nem ler sem pausar. E é esse sentimento ambíguo que faz dele um dos melhores livros de Stephen King. Foi imortalizado no cinema, em 1990, num filme com o mesmo nome que deu a Kathy Bates o merecido Óscar da academia. Para ler… e ver.
“Nós, os Romanov” não é um livro fácil de ler. Não é romanceado nem escrito para agradar. É um relato em primeira mão e um testemunho de quem vivenciou, na linha da frente, décadas que foram cruciais na história da Rússia, antes da 1.ª Guerra Mundial. Militar de renome, Aleksandr Mikhailovich escreveu esta autobiografia em 1931. Apenas 13 anos antes, a 17 de julho de 1918, os últimos czares da Rússia tinham sido brutalmente assassinados na cave da casa Ipatyev, em Ecaterimburgo. Primo, amigo próximo e, eventualmente, cunhado de Nicolau II (tendo casado com Xénia Alexandrovna, irmã do último czar, em 1894), Aleksandr descreve, de forma minuciosa, a sua infância como Romanov. Passamos de uma infância fortemente controlada por precetores, por vezes cruéis, a uma adolescência e entrada na vida adulta vocacionada para a Marinha e para os estudos militares, que são explicados de forma pouco complicada, tornando a leitura deste livro possível para quem não tenha conhecimentos militares. Esta obra oferece uma viagem histórica e geográfica pela Rússia, com detalhes e uma visão pessoal sobre os eventos que ocorreram até à grande Revolução de 1917. Não é apenas uma obra literária, mas sim uma herança para todos os amantes de história. «Não me arrependo de nada. Não estou desanimado. As mãos dos meus netos hão de chegar mais longe do que as minhas e talvez possam alcançar um mundo melhor.» Grão-Duque Aleksandr Mikhailovich
de Grão-Duque Aleksandr Mikhailovich
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REPORTAGEM CULTURAL
Silêncio, que se vai cantar o Fado! No Largo do Chafariz de Dentro, no típico bairro lisboeta de Alfama, com o rio Tejo aos seus pés, nasceu, em 1998, um museu único no mundo para ver, ouvir e sentir o Fado. Verdadeiro ícone nacional, elevado à categoria de Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO em 2011, o Fado é o mais português dos géneros musicais. Atravessando gerações, regimes políticos e, até, modas, está hoje mais vivo do que nunca e é no Museu do Fado que se celebra o seu valor excecional para a cidade e para o país. Venha conhecê-lo connosco. REPORTAGEM JOANA GONÇALVES / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
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SILÊNCIO, QUE SE VAI CANTAR O FADO!
oi no início do século XIX que Lisboa viu nascer uma nova forma de música. Tradicionalmente presente nos momentos de convívio e de lazer, o Fado sempre se manifestou de forma espontânea no quotidiano das gentes. Dentro ou fora de portas, cantava-se o que ia na alma: as preocupações, os desejos, a saudade, o destino. A palavra Fado, na sua origem, significa exatamente isso: destino. E o destino do Fado foi, e é, grandioso. Primeiro transformou-se no elemento representativo de Lisboa. Depois, de Portugal. Não satisfeito — não viesse de um país de Descobridores — saltou fronteiras e conquistou novos públicos que, mesmo sem entenderem uma palavra, o aplaudem de pé nas mais prestigiadas salas de espetáculos do mundo inteiro. Porque, como dizia Amália Rodrigues, “o que interessa é sentir o Fado. (…) O Fado sente-se, não se compreende, nem se explica”. É exatamente para que possamos sentir o Fado que foi criado o museu que lhe presta homenagem. Instalado na antiga Estação Elevatória de Águas de Alfama, este espaço é composto por três andares pensados para proporcionar uma experiência sensorial à medida que os visitantes os vão percorrendo. Desde logo encontramos a exposição permanente, que nos conta a história do Fado desde a sua origem à atualidade. O nosso olhar é imediatamente atraído para dois grandes murais preenchidos por rostos de artistas: no primeiro, cantores, compositores e músicos que notabilizaram, desde a sua origem, o Fado; no segundo, uma nova geração de cantores, compositores e músicos que hoje continuam o legado dos primeiros. Através de um sistema de audioguias, cada pessoa pode ouvir músicas e muitas curiosidades sobre cada um deles, ao seu ritmo, sem constrangimentos de tempo ou de pressão por parte de outros visitantes. Embalados pelas melodias, continuamos a visita e vamos tendo contacto com o diverso espólio do museu, que vai desde a grandiosa obra ‘O Fado’, de José Malhoa, ao tríptico ‘O Marinheiro’, de Constantino Fernandes, não esquecendo ‘O Mais Português dos Quadros a Óleo’, de João Vieira. Até uma representação em miniatura da ‘Casa da Mariquinhas’, um dos maiores êxitos de Alfredo Marceneiro, pode ser vista no Museu. Tudo isto convive lado a lado com inúmeros testemunhos do universo fadista: instrumentos musicais, repertórios, jornais especializados, partituras, troféus, trajes, grafonolas, vinis, livros… Há de tudo um pouco,
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Instalado na antiga Estação Elevatória de Águas de Alfama, o Museu do Fado é composto por três andares pensados para proporcionar uma experiência sensorial à medida que os visitantes os vão percorrendo. Desde logo encontramos a exposição permanente, que nos conta a história do Fado desde a sua origem à atualidade. O nosso olhar é imediatamente atraído para dois grandes murais preenchidos por rostos de artistas: no primeiro, cantores, compositores e músicos que notabilizaram, desde a sua origem, o Fado; no segundo, uma nova geração de cantores, compositores e músicos que hoje continuam o legado dos primeiros.
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Fotografias, jornais, discos, documentos, cartazes, instrumentos musicais, troféus, condecorações… há muito para ver no Museu do Fado.
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SILÊNCIO, QUE SE VAI CANTAR O FADO!
o que nos mostra que o Fado está presente nos mais variados aspetos da vida. Paralelamente, há postos de consulta interativa que permitem a consulta dos acervos documentais ou de biografias de intérpretes, músicos, autores e compositores, com audição e visionamento de videogramas. Mas a visita não acaba aqui. O Museu do Fado organiza exposições temporárias, numa média de três por ano, o que convida a voltar com regularidade. Neste momento, podemos usufruir de uma exposição dedicada ao músico, intérprete, colecionador e investigador José Pracana (1946-2016), reconhecido como uma das grandes figuras da história do Fado. Em exibição encontra-se o seu vastíssimo acervo pessoal: fotografias, jornais, discos, documentos, cartazes, instrumentos musicais, troféus e condecorações, sendo possível o visionamento de imagens de arquivo dos programas televisivos que dirigiu. Desta exposição faz também parte uma curiosa recriação do retiro de José Pracana em Ponta Delgada, que permite a aproximação ao ambiente singular das tertúlias fadistas que ali eram promovidas. Um museu com vida Se ainda pensa que o Fado está preso ao passado, dificilmente vai manter essa opinião depois de saber que as ofertas do museu não ficam por aqui: há uma escola com cursos de guitarra portuguesa e viola de fado, aulas para aprender a escrever Fado e para aprender técnicas de respiração e de dicção para o cantar, gabinetes de ensaio para profissionais e amadores, um arquivo sonoro digital único em Portugal (que disponibiliza, gratuitamente e através do site do museu, gravações de Fado desde o início da edição discográfica no nosso país) e um auditório com programação regular. Mas há mais: o Museu do Fado conta também com uma editora própria que, desde 2016, apoia novos artistas e lança os seus primeiros discos, dando a conhecer nomes que hoje têm uma brilhante carreira no mundo do Fado, como são exemplo os guitarristas José Manuel Neto, Armindo Fernandes ou Bernardo Couto. O Museu do Fado organiza, ainda, vários eventos fora de portas, como o ciclo “Há Fado no Cais”, que acontece desde 2012, numa parceria com o Centro Cultural de Belém (CCB), entre outras iniciativas espalhadas pelo país e, mesmo, no estrageiro. Por isso, já sabe: o Museu do Fado é um local simbólico a visitar em Lisboa. Quer seja porque quer dar os primeiros passos neste mundo, quer seja porque gosta de Fado e quer descobrir mais sobre o estilo musical e, no fundo, sobre a história de Portugal, siga o nosso conselho e parta à descoberta deste espaço. O Museu está de portas abertas para o receber de terça a domingo, entre as 10:00 e as 18:00 (últimas admissões às 17:30).
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ROTEIRO GASTRONÓMICO
Lucília Antunes Solicitadora
SU GES TÕ ES
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CABRA PRETA
Os sabores da terra no coração da cidade Os clientes não se deslocam ao “Cabra Preta” apenas para comer! Procuram um lugar de descanso, de convívio e de excelência em termos gastronómicos. Ponto de passegem obrigatório para quem visita Castelo Branco ou para quem aí reside, este restaurante icónico tem como lema principal a conservação das tradições Beirãs. As iguarias aqui servidas transportam os seus convivas para um ambiente quente e acolhedor, onde o reencontro com o passado é muito gratificante. A atmosfera vai-se construindo desde a entrada até ao último copo de vinho, preservando o sabor excecional dos produtos regionais. Desde queijos a enchidos, passando pelo pão e azeite da Beira, sem esquecer uma vasta seleção de vinhos e as doçarias mais tradicionais, nada é deixado ao acaso. Este conceito, nascido em 2016, alia-se também às necessidades atuais, tornando possível transportar todas estas iguarias para o conforto do seu lar. Eis uma sugestão de menu que poderá fazer crescer água na boca e despoletar a vontade de visitar este maravilhoso espaço: para começar, sugerimos um queijo DOP com mel e amênRESTAURANTE doas tostadas ou uns ovos com farinheira da aldeia; CABRA PRETA de seguida, ensopado de veado, maranho da Sertã ou Rua de Santa Maria, n.º 13, polvo com queijo da Serra. 6000-178 Castelo Branco Caso a carne e o peixe não façam parte da sua ali- Tel. 272 030 303 mentação, poderá ainda optar por um menu vegeta- e-mail: geral@cabrapreta.pt riano com os famosos cogumelos frescos salteados Aberto das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h00 (horário com ovos ou por uma belíssima salada de cenoura de verão) ou das 12h00 às com laranja e sementes de sésamo. 14h30 e das 19h00 às 21h30 Tudo isto regado com um excecional vinho regio- (horário de inverno). Encerra domingo ao jantar e nal algarvio Quinta da Tôr Syrah. segunda-feira todo o dia. Para terminar, rendemo-nos ao famoso crumble de manga e framboesas ou, para os mais gulosos, a um manjar do pastor.
Dina Teixeira Colaboradora do Gabinete de Comunicação e Relações Externas da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
NUNES REAL MARISQUEIRA
De petisco em petisco Se é fã de uma boa marisqueira, prepare-se para adicionar mais uma à sua lista. A Nunes Real Marisqueira. Para entrar neste paraíso do petisco, basta seguir as indicações do GPS até à Rua Bartolomeu Dias, em Belém, Lisboa. Aqui encontrará um serviço à moda antiga. À chegada, será recebido, com toda a atenção e gentileza, pelos funcionários da casa e poderá pedir para lhe estacionarem o carro, se preferir. O atendimento é personalizado e nenhum pormenor é deixado ao acaso, essencialmente no que toca à ementa: rica em pratos gastronómicos de excelência, preparados com os ingredientes mais frescos. Vamos, sem mais delongas, dar início a esta viagem sensorial por múltiplos sabores e texturas. E que tal começar por pedir umas entradas? O pão torrado com manteiga, azeite ou pasta de sardinha, o presunto pata negra e o queijo de ovelha da Serra da Estrela são ideais para abrir o apetite. Mas a especialidade deste restaurante é mesmo o marisco. Há variedades para todos os palatos: gambas à guilho, vieiras, perceves, camarão tigre grelhado, sapateira, lagostins, carabineiro, lagosta, lavagante, ostras, ameijoas à bolhão pato e muito mais. E agora… o prato principal. Os fãs de peixe poderão seguir a sugestão do chefe, garoupa no forno, ou antes optar por uma das restantes delícias do mar: robalo em cama de espargos do mar, filetes de peixe galo, açorda de gambas, camarão à brás, arroz de lavagante, lulinhas fritas à Algarvia, caril de lagosta e gambas, arroz de marisco, etc. Mas não é tudo. Os apreciadores de NUNES REAL carne que não se inquietem. O menu tem também pratos de carne perfeitos para MARISQUEIRA elevar o paladar: bife do lombo, entrecosto maturado, picapau, bife hamburguês Rua Bartolomeu Dias, n.º 112 e secretos de porco preto. 1400-031 Belém, Lisboa A refeição está prestes a terminar… e dizem os entendidos que devemos dei- Tel. 213 019 899 xar o melhor para o fim (e eu respeito muito isso!). Por isso, nada melhor do que Aberto de terça a domingo, experimentar as deliciosas sobremesas. E a lista é longa. Pode pedir mousse de das 12h00 às 24h00. chocolate, tarte de limão merengada, trouxa de ovos, tarte de gila, mil folhas, bolo de chocolate, sorvete de limão e pavlova de caramelo salgado ou de frutos silvestres, ou até optar por algo mais saudável, como manga, laranja e abacaxi. Seja lá quais forem as suas escolhas, uma coisa é garantida: não sairá desiludido desta experiência gastronómica! E depois de um belo repasto, porque não aproveitar para passear por Belém e (re)visitar os seus principais pontos turísticos? Fica a sugestão.
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Tânia Ângelo Solicitadora
SERPA
A “Vila Notável”
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Localizada no Baixo Alentejo, nomeadamente, na margem esquerda do rio guadiana, Serpa é uma cidade dotada de um enorme conjunto de características que marcam fortemente a sua identidade, desde logo a sua história, o património, a cultura, a gastronomia e o cante alentejano. Foi sob o domínio dos Romanos que se verificou um grande desenvolvimento do município, especialmente a nível agrícola. Contudo, foi D. Dinis, em 1295, que constituiu Serpa como concelho, mandou reconstruir o castelo e erguer uma cintura de muralhas. Diz-se Serpa “Vila Notável” e assim o é, porque foi em 1674 que o príncipe que seria o então rei D. Pedro II conferiu à vila tamanho título, justificado pelo número de moradores, pela nobreza do seu povo e pela posição militar estratégica que detinha em ocasiões de guerra. Serpa foi no ano de 2003 elevada a cidade. São vários os momentos históricos que aqui poderiam ser relatados. Neste sentido, o município, com vista à recriação e ao reviver de alguns desses momentos, define anualmente um tema da história que é base da Feira Histórica de Serpa, que decorre no final do mês de agosto. O município de Serpa é conhecido pelo seu vasto património, desde a velha muralha, às capelas, igrejas, ermidas e museus, como o Museu
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Municipal de Etnografia, o Museu Municipal de Arqueologia, o Museu do Cante ou o Museu do Relógio. O cante alentejano foi, no ano de 2014, classificado como Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal, tendo vindo, meses depois, a ser classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. No município de Serpa são hoje 12 os grupos que desenvolvem o Cante. Mas há muitos mais entusiastas, pois este género musical tradicional chega semanalmente aos mais jovens, desde o ano de 2008, quando foi implementado o projeto “Cante nas escolas”. A gastronomia e os vinhos são tentadores e fascinantes, desde o ensopado de borrego, a açorda, as típicas migas com entrecosto, a carne de porco à alentejana, a sopa de cação e o caldo de peixes do rio, sempre acompanhados pelos vinhos produzidos no concelho, como o icónico vinho de Pias. Divinais são também as queijadas e as tartes de requeijão que po-
derão finalizar uma refeição ou ser as rainhas de um pequeno-almoço ou lanche. Quanto aos produtos tradicionais, o queijo de Serpa é um dos mais conhecidos, encontrando-se certificado com denominação de origem protegida (DOP). É o anfitrião da Feira do Queijo que se realiza anualmente, em meados de fevereiro, promovendo-se assim o queijo, os produtos e o desenvolvimento locais. Para os amantes da natureza e da prática desportiva, em Serpa encontrará várias rotas de percursos pedestres, devidamente sinalizadas, rotas de BTT com diversos níveis de moderação, ciclovias e percursos de canoagem. Muito mais se poderia dizer sobre esta linda e acolhedora cidade que, para além da tranquilidade e do contacto com a natureza, é um destino que permite uma fuga à azáfama do dia a dia e que vos convido a conhecer.
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VIAGENS
Santiago do Compostela é uma cidade espanhola conhecida pela sua grande tradição no dito “Caminho de Santiago”, feito por milhares de peregrinos que todos os anos percorrem os mais variados (sim, existem vários) caminhos tradicionais em peregrinação em honra ao apóstolo Santiago, uns por fé e crença ligada à religião cristã, outros nem tanto… Quiçá sejam movidos pelo desafio ou apenas para conhecer os maravilhosos trilhos e paisagens ou mesmo pelas experiências que se podem ter durante a viagem até à majestosa Catedral de Santiago. Marcelino Costa Santos Em termos de localização, esta cidade situa-se no norte de Espanha, mais propriaSolicitador mente na região da Galiza, mesmo aqui ao lado do nosso Portugal (a pouco mais de 100 quilómetros de Valença). Foi distinguida como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO no ano de 1985. Apesar do propósito do artigo não ser o de relatar a minha experiência no Caminho de Santiago (desde a Sé do Porto até à Catedral de Santiago de Compostela, a pé!!), não posso passar sem deixar de dedicar pelo menos um parágrafo em memória dessa enriquecedora experiência que tive no pretérito ano. Embora não tenha sido planeada com muita antecedência, já estava pensada há uns largos anos, pelo que foi como um concretizar de um sonho. A peregrinação em si, o silêncio da natureza, as paisagens incríveis que descobri, as pessoas inacreditáveis e fantásticas que conheci durante a viagem, a superação do cansaço com o objetivo de alcançar a almejada Catedral e o sentimento de estar próximo chegou até a arrepiar. Por fim, a tão aguardada chegada à imponente, linda, bela, majestosa, sublime e soberba Catedral de Santiago de Compostela. É um sentimento simplesmente indescritível o de estar na Praça do Lugar especial Obradoiro a contemplá-la. É impagável e aconselho vivamente a experienciarem. Onde se caminha em busca de algo Sugiro também que entrem na Catedral pela E em que a Catedral fachada da Praça de Praterías, na qual se destaca Definitivamente é o teu destino a Fonte dos Cavalos e o pórtico do século XII, e no O tal… em que no matutino ou vespertino interior admirem o esplendor de todo o estilo românico aí presente. Antes de abandonar o templo, Ambicionaste chegar contemplem o majestoso Pórtico da Glória e desçam para a Praça do Obradoiro. É um espetacular cenário arquitetónico, com o Hospital Real (Hostal dos Reis Católicos), o Paço de Raxoi, neoclássico, partilhado pela Câmara Municipal de Santiago e pelo Governo Regional da Galiza, o Paço de San Xerome, com o pórtico do século XV, sede da reitoria da Universidade, e a própria fachada barroca da Catedral, obra de Fernando de Casas. Outros sítios e monumentos de interesse na cidade são a Casa do Cabildo, a Casa do Dean, a Porta Santa, o Pazo de Fonseca, o Convento de Mercaderias, entre muitos outros. Para os amantes da boa gastronomia, a Galiza, e em especial Santiago de Compostela, é um bom sítio para comer mariscos, sendo que o prato típico é o “Polvo à Feira”. Mas onde ir para apreciar estas tentações gastronómicas? Tem várias opções por toda a cidade, mas ali bem perto da Catedral aconselho que percorra as ruas Franco e Raíña, onde quase todas as portas são de restaurantes. Santiago de Compostela é uma cidade esplêndida. Mal nos despedimos e já ficamos com saudades. Na memória ficará sempre aquele vai e vem de peregrinos, as emoções naqueles rostos plenos devoção e compromisso e também as muitas e belas ruas da cidade. Para finalizar, deixo-vos algumas sugestões: caso ainda necessitem de mais motivação para fazer esta viagem, vejam o filme “The Way”, de Emilio Estevez, e leiam o livro do famoso peregrino Paulo Coelho, “Diário de Um Mago”.
SANTIAGO DE COMPOSTELA
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