Agora
Isabel Lage “Depois o café esfria, Depois a prioridade muda, Depois o encanto se perde, Depois o cedo fica tarde, Depois a saudade passa, Depois tanta coisa muda, Depois os filhos crescem, Depois a gente envelhece, Depois o dia anoitece, Depois a vida acaba.” António Lobo Antunes
Cruzei a porta de vidro entrando no enorme hall da minha escola. Observei-me a caminhar até que estaquei no meio do nada procurando uma referência que tardava em chegar. O edifício da escola era recente com uma entrada imensa e impessoal, rodeada de vidro e de cimento armado onde ecoavam sons que, reverberando nas superfícies refletoras, enchiam de murmúrios silenciosos o espaço ainda vazio. Fui das primeiras a chegar. Ainda era muito cedo. Aproximou-se de mim uma mulher com uma vassoura e uma pá. Encontrei a D. Angelina atrás da máscara verde que lhe tapava o rosto. Tinha pouco mais de um metro e meio e os seus olhos, também verdes, perdiam-se entre as camadas de pele que pareciam ter espessado nestes três meses de confinamento. O seu cabelo abria-se numa estrada branca que acabava no centro da testa prolongando-se para os lados numa forma abobadada e mais escura nas pontas. Lançou-me um olhar rasgado de boas vindas: «cá estamos novamente», «pois estamos», «chegou cedo», «pois foi», «muita saúde é o que queremos», «pois é». Voltei a ficar sozinha naquela enorme entrada: de pé, a balançar as chaves na mão direita e, na esquerda, a carregar uma pasta pesada com cadernos e livros
120