Revista ESCRITORES DO BRASIL - Edição 11 - Agosto/2021

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LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO Florianópolis, SC – Agosto/2021 – Número 11 – Edições A ILHA – Ano III

GRAMÁTICA ASSASSINADA REVISTAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS VENCEDOR DO JABUTI 2021

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO: VIDA E HUMOR “O LIVRO DOS PRAZERES” DE LISPECTOR, NO CINEMA


SUMÁRIO PRESENÇA.........................................................4

NOS TEMPOS DO COLÉGIO .......................38

NOSSAS DORES TÊM MAIS CORES............5

TERNURA.........................................................40

POEMA DE SETE FACES.................................7

JUSTIÇA PARA VINICIUS.............................41

ENTREVISTA BEM HUMORADA: LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO......................8

FRATERNIDADE.............................................43

CONHECENDO LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO MELHOR...................................16 MINHA MEDIDA.............................................18 GRUPO LITERÁRIO A ILHA: 41 ANOS DE LITERATURA...................................................19 ALVORECER....................................................20 ATAHUALPA....................................................21 ONDE MORAS, LIBERDADE?.....................22

O BADALAR DAS HORAS...........................44 POEMAS AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO........................................46 “O LIVRO DOS PRAZERES, DE LISPECTOR, NO CINEMA......................47 ESTAÇÃO DESTERRO...................................49 TERNURA.........................................................49 A AMAZÔNIA BRASILEIRA.........................50

DIANA...............................................................23

ANITA GARIBALDI: SEM MORDAÇA.............................................52

INEFÁVEL........................................................25

ANITA, PLENA E SAGAZ..............................52

VOAR ALTO.....................................................26

PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO-SEDE BAIXADA DO MACIAMBU-PALHOÇA................................53

LIBERTAS QUAE SERA TAMEN (II)...........28 A GRAMÁTICA ASSASSINADA..................29 CANÇÃO DO EXÍLIO.....................................31 REVISTAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS...32 TIMIDEZ...........................................................34

FUMAÇA DE INCENSO.................................55 NÃO SEI............................................................55 VENCEDOR DO JABUTI 2021......................56 EMBRIAGUEZ.................................................60

JUSCELINO KUBTISCHEK DE OLIVEIRA..................................................35

MIMOS..............................................................60

SAUDADES SEM FIM....................................37

“A MULHER NA SOCIEDADE E NA CULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS”.........61

PARQUE LAGE................................................37

A LUZ DOS OLHOS TEUS.............................62

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EXPEDIENTE Literatura brasileira para o mundo Edição número 11 – Agosto/2021 Publicação das Edições A ILHA Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: lcaescritor@gmail.com revisaolca@gmail.com Grupo Literário A ILHA na Internet: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelos endereços: lcaescritor@gmail.com revisaolca@gmail.com Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCR I TO R ES D O B R AS I L no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.

EDITORAL A PANDEMIA E OS LIVROS Como já disse em alguns artigos, o único lado bom da pandemia é que a gente está lendo mais. Ainda não podemos sair por aí e, ficando em casa, temos muito tempo para tudo e também para ler. Já li quase tudo o que eu tinha em casa, quando estava em Portugal li tudo o que a filha tinha e ainda compramos mais. E a gente aproveita o tempo, ainda, para escrever, que quem é escritor, está produzindo mais e publicando mais. Não estamos imprimindo os livros novos, estamos publicando em e-book na Amazon ou no Clube de Autores. Mas mesmo quem não está escrevendo muito, está revendo o que estava engavetado e publicando. De maneira que as revistas literárias do Grupo Literário A ILHA não podem parar, por causa da pandemia: elas têm que continuar, até porque, como disse, estamos lendo mais e escrevendo mais, então é preciso divulgar o que de novo está escoando. Nesta edição, contos, crônicas, poemas, ensaios, reportagens, artigos, entrevistas, resenhas, muita informação literária e cultural, com um time de escritores dos melhores. Temas como “Tudo sobre Luis Fer nando Veríssimo”, “Gramática Assassinada”, “Revistas literárias brasileiras”, “Justiça para Vinícius”, “O Livro dos Prazeres de Lispector, no cinema”, “A Amazônia Brasileira”, “Vencedor do Jabuti 2021”, além de homenagens poéticas a Cruz e Sousa e Anita Garibaldi, e muito mais. Leia e dê feed-back, diga o que achou, sugira conteúdo, dê a sua opinião na página do Grupo Literário A ILHA no Face ou no e-mail revisaolca@gmail.com. O Editor

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GRANDE POETAS BRASILEIROS

MARIO QUINTANA PRESENÇA É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas, teu perfil exato e que, apenas levemente, o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos… É preciso que a tua ausência trescale sutilmente, no ar, a trevo machucado, as folhas de alecrim desde há muito guardadas não se sabe por quem nalgum móvel antigo… Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela e respirar-te, azul e luminosa, no ar. É preciso a saudade para eu sentir como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida… Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista que nunca te pareces com o teu retrato… E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

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RESENHA

LUIZ CARLOS AMORIM NOSSAS DORES TÊM MAIS CORES Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, Jornalista, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completou 41 anos em junho de 2021. Http://luizcarlosamorim. blogspot.com.br / http:// www.prosapoesiaecia.xpg. com.br Já li vários volumes da obra de Eloah, a maior parte de poesia. E é um prazer ler a escritura desta autora, pois tudo nela é poesia, ela consegue extrair poesia de tudo o que a cerca. E é original, criativa, sensível, romântica e lírica, tem estilo próprio e não precisa de métrica ou rima para imprimir poesia na sua prosa poética. Seu estilo está definido e ele privilegia a poesia, seja com rima ou sem ela, seja com ritmo ou simplesmente com o ritmo natural da prosa. Transbordando de poesia, sempre. Dá gosto de ler e reler a prosa poética de Eloah. Suas

figuras de linguagem, espontâneas e naturais, dizem de maneira única os sentimentos e emoções de uma grande poeta. Eloah sabe exprimir o seu sentir, construir a sua poesia, de maneira que o leitor possa recriar o seu sentimento, o seu lirismo, a sua emoção. Numa época em que se escreve muita “poesia”, mas em contrapartida, infelizmente, muito poema não contém poesia, a poeta nos presenteia com poesia de verdade, poemas pejados da verdadeira poesia, que é a essência de tudo, fecundando em nós a semente deste gênero literário que mais tem a ver com a alma e o coração do ser humano. O novo livro de Eloah, AS CORES DAS NOSSAS DORES, é um livro de amor. A mor em tod as as su as formas, amor que é o mais perfeito sinônimo de poesia. “É a luz e as dores que são a face de todas as quimeras que atravessam o silêncio para derramar-se em poesia”, nas palavras dela própria. E não é mesmo? Como

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já disse, este novo livro de Eloah é uma obra cujo tema central é o amor: amor por alguém, amor pela natureza, amor pelo próximo, amor de verdade, como bem sabe sentir a poeta. Sou um admirador da prosa poética dela e, neste livro de poesia romântica, talvez mais do que nos outros, mas não só, os versos mais longos, prenhes de poesia, dividem espaço com os poemas de versos mais curtos, mas não menos repletos do estilo lírico tão característico de Eloah. Definir o amor é uma coisa difícil, muitos já tentaram


mas nem todos conseguiram. E Eloah é certeira, vai direto à essência e nos dá lição: “Amar é uma arte; é o doce da vida! Faz parte do universo que nos toca, que se achega e se aconchega por inteiro à procura da nossa alma.” É “Musicar o sentir, como a harpa, a lira e o violão e, como qualquer poeta, abrir totalmente o coração.” Para deixar o amor entrar, como tão bem a poeta o faz. E nos induz a cuidar desse sentimento maior, i r mã o gêmeo d a poesia, pois há que se ampará-lo, para que nunca nos deixe: “E nós, transeuntes da vida, vamos aprendendo todo os dias os caminhos do amor, porque todo e qualquer sentimento necessita de amparo e de canção.” E não podemos, também, perder os sonhos e o encantamento pela vida, não é? Eloah também nos lembra disso, pois sem encantamento não há sonho, não há canção: “Ando perdida nos meus quereres. / Empresta-me por instantes os teus sonhos. / Sonhos que tenham desaf ios, beleza, alegria e pedaços da alma para encantar.” Não sei se os meus tem tudo isso, mas eu lhos emprestaria, de bom grado. E com sonhos, canções e sentimentos, segue a poeta

pela vida, espalhando poesia, como sempre. E nos oferece também a música, a poesia do som, que suaviza os nossos caminhos: “Música nos gestos, / asas aquareladas no coração / lá vou eu...” Música e cores, pois a poesia dá cor à vida. E música, luz, cores e sentimentos são a poesia de nossos olhos e ouvidos, da nossa alma e do coração. A poesia, o amor, o sonho, a

música e as cores de Eloah nos conduzem à felicidade, a eterna busca do ser humano: “Deixem-se levar pelo tempo, pois a felicidade é a efemeridade que sopra os sonhos. / É o acalanto que faz música no coração e dá força nas tempestades e provoca o sentir.” E Eloah é uma poeta feliz: “A felicidade perambula no meu coração sonhador de

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poeta como uma profunda sensação que vai e volta, tamanha a ânsia de manusear o tempo e o destino. Sou canto, sou música, sou vento, sou brisa. / Riso solto, deixo meu coração falar...” E o coração de Eloah fala e nos traz felicidade. E a felicidade pode vir em pequenas ou imensas alegrias, mas é preciso que a encontremos, que saibamos recebê-la. E o sonhar e o sentir p o de m no s leva r a ela . “Temos alegrias gigantes, / sorrisos ensolarados /e um coração amoroso, / que se faz belo e eterno para transformar-se em poesia / e dar à vida o encanto que buscamos no sonho que habita em todos nós…” Então, Eloah nos convida a cantar a vida, neste novo livro de luz, um hino de amor a Deus, às pessoas, a tudo que nos cerca: “Bendita és tu, vida! / Que como uma carícia dos ventos / no acaso e no tempo incerto / ignora a loucura e a falta de abraços.” Li e reli “AS CORES DE NOSSAS DORES” e ainda vou ler outras vezes, pois vale a pena recriar as cores de Eloah, mesmo que sejam de nossas dores, pois são cores vivas, que amenizam qualquer dor e podem substituí-la por alegria e felicidade.


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode.

As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.

Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.

O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte.

Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.

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ENTREVISTA

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO ENTREVISTA BEM HUMORADA: LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Ele diz que não é ele quem fala pouco, são os outros que falam demais. Luís Fernando Veríssimo é e s c r i t o r, h u m o r i s t a , car t u nista, t radutor, ro teirista de televisão, autor de teat ro e também tem u ma veia mu sical. Em seus textos, o escritor diz muito, mas pessoalment e, ele é con he cido por ser introvertido e até um p ouc o t í m ido. Fi l ho de um dos maiores escritores do país, Érico Veríssimo, Luis Fer nando constr uiu u m a t r aje t ó r i a t ã o b r ilhante quanto a de seu pai e conquistou o público, não com romances, e sim com crônicas e histórias cheias de ironias e bom humor. Ele costuma dizer

que começou a escrever t a r d e , p oi s foi c o m 31 anos que começou a trabalhar como jornalista no jor nal Zero Hora. Logo c onqu ist ou u m a c olu n a assi nad a com seu nome e, em 1973, seu primeiro liv ro “O Popula r ”, u ma coletânea de textos já publicados nos jornais onde trabalhava. Entre as suas o b r a s m a i s c o n h e c id a s estão “Ed Morte e outras histórias”, “Comédias da vida privara” e “O Analist a de Bagé”. O autor escreve ainda para os jornais Zero Hora, O Estado de São Paulo e O Globo, e é criador dos personagens

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“As Cobras”, cujas tiras de quadrinhos são publicadas em diversos jornais. Luis Fernando Veríssimo concedeu sua maior entrevista para um grupo de jornalistas, tanto em número de perguntas como de respostas. De quebra driblou, com brilho, não apenas o Bolsonaro como a m al ícia dos e nt rev is tadores. Enf im, todos saímos ganhando, exceto o governo. Esta entrevista foi feita em janeiro de 2020, antes da pandemia, mas abaixo dela publicamos parte de outra, feita e m me a dos de 2020, já durante a pandemia.


Ayrton Centeno – Lembro que, lá na virada do milênio, no auge do neol ib e r al ismo, vo cê d isse que estávamos ent rando em um novo século só não se sabia qual. E agora, já descobriu? Luis Fernando Veríssimo – A gente só conhece o futuro quando ele chega, e aí não é mais futuro, é presente, e irreversível. Quem diria que o século em que estávamos entrando, no Brasil, era o 19? Ernani Ssó – Quando Bolsona ro disse “I love you” ao Trump não deveria estar vestido de rosa, confor me or ient ação d a ministra Damares? Veríssimo – Dizem que o mais constrangedor foi o Bolsonaro pedir uma mecha do cabelo do Tr ump e ofe r e c e r, e m t ro ca , a Petrobras.

Centeno – Além do amor trumpiano, não lhe parece contraditório que o presidente, u m homofóbico explícito, insista em tiradas como aquela quando d isse querer “cont i nu a r t r a n s a ndo” c om o A le xandre Frota ou declarar que “casou errado” com o vice Mourão e deveria ter “casado” com o príncipe? Veríssimo – O presidente estava obviamente usando li ng u agem f ig u rad a , como quando af ir mou que mataria um filho que aparecesse namorando um bigodudo, ou o mandaria para um exílio na nossa embaixada em Washington. Só não ficou claro o que o presidente tem contra bigodudos. Ernani – A propósito, é verdade que o Carlucho se tratou com o Analista de Bagé? O senhor teve acesso ao diagnóstico? Veríssimo – O A nalista aceitou analisar o Carlu-

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cho e o recebeu com um joelhaço, causando inveja em grande parte da população. Fraga – Pra fazer arminha, Bozo usa um marco evolutivo, o polegar opositor, e o indicador, o dedo mais acusatório de todos. Como o Analista de Bagé interpretaria esse gesto? Veríssimo – O dr. Freud diria que tem alguma coisa a ver com a tal inveja do pênis. S a nt i a go – No e m b a lo em que vamos, achas que chegaremos a um estado teocrático evangélico com obrigatoriedade de saias maria-mijona para mulheres e proibição de Darwin nas escolas? Veríssimo – Deus criou o mundo em seis dias e aproveitou a folga do sétimo para calcular quanto as igrejas lucrariam não tendo que pagar impostos, não Lhe sobrando tempo para fazer a Terra redonda


e m vez de pla na , como era no projeto original. Se você não acredit a nisso prepare-se porque a I nquisição vem aí. Fraga – Bozonaro morre (eba!) e, p or e nga no qualquer na passagem da alma pro além, ele vai pro céu. Imagine o seguinte: como Ele receber ia ele? O que Bozonaro ouviria de Deus? Veríssimo – Deus cobrar ia do presidente: “Q ue ministério é esse, seu Bolsona ro? Assi m, nem Eu posso ajudar, o que dirá o dr. Olavo”. Er nan i – Q ue me d id a s podemos tomar para que o rei no miliciano - evangélico saia do Velho Test a mento e cheg ue, pelo menos, ao Novo? Veríssimo – Não sei qual seria a vantagem. O Velho Testamento tem pelo menos personagens mais interessantes e variados. O Novo é só Jesus, Jesus, Jesus… Enjoa. F r a g a – Va m o s s u p o r o clássico clichê com o B o z o n a r o: q u e u m d i a ele fosse, de espontânea vontade, pr uma ilha deserta. Que livros, discos e f ilmes t u achas que o deprimente da república levaria? Veríssimo – Gibis do Capitão América.

Er n a n i – Po r f a l a r e m clichê, digamos que você, nu m desses acasos tão comuns nas anedotas, está em um elevador com o Bolsonaro, o Moro e o G ue de s e a jo ça t r a nca entre dois andares. Você d a r ia u ma bolacha em cada um e depois alegaria escusável medo, surpresa ou violenta emoção? Veríssimo – O difícil seria decidir em quem bater primeiro. O Guedes não, porque só ele sabe como fazer o elevador funcionar, ou diz que sabe mas não conta? O Moro porque

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nem registraria o golpe, continuaria com a mesma cara de “o que é que eu e st ou fa z e ndo a qu i? ” e saudade de Curitiba. Ou o Bolsonaro por qualquer razão? Centeno – Como um amante da natureza, você também segue aquela incrível receita presidencial – um dia sim, outro não – para preservar o meio-ambiente? Veríssimo – Dias intercalados para fazer amor, é essa a receita para preservar a natureza? Se der para acumular os dias de abstinência da semana para dar seis seg uidas no sábado, sou a favor. E ainda dizem que este governo não tem ideias! Schröder – No teu entendimento, qual o ministro realiza melhor o projeto d e ge s t ã o i nt ele c t u a l e t é c n ic a a nu ncia d a p elo Bolsonaro? Ver í s s i mo – A c om p e -


t iç ã o e nt r e m i n i st ro s e secretários de governo é grande e fica difícil escolher o pior. No momento a liderança está ent re o novo chefe da Funarte, segundo o qual o rock leva ao satanismo, e a conselheira cultural que disse que dois minutos de sexo ba st a m p a r a i mp r eg n a r uma mulher e mais do que isso causa dependência e socialismo. Centeno – Paulo Guedes de cla rou que os p obre s não sabem poupar. Como m a is d a met a de d a p o pulação vive com até R$ 413 mensais, parece que o ministro da economia fez faculdade sempre colando na prova de matemática. Ou não? Veríssimo – Guedes tem razão. Se todos os pobres do Brasil poupassem seu di n hei ro nossos proble mas estariam resolvidos, sem necessid a de de u m m i n i s t r o d a E c o no m i a .

Mas os pobres i nsistem em gastar seu dinheiro em supérf luos, como comida. Assim não dá. Ernani – Li que só nos p r i m e i r o s 2 71 d i a s d e gover no, Bolsonaro, enquanto repetia o versículo bíblico de que devemos saber a verdade porque a verdade nos libertará, deu 360 declarações falsas ou i nc on sist e nt e s. Se Bolsonaro fosse o Pinóquio, quantos metros de nariz teria? Veríssimo – O nariz do n o s s o P i n ó q u io e s t a r i a dando a volta na quadra. Centeno – Agora, falando mais sér io: você alg u m dia na sua vida imaginou que o Brasil se transformaria nisso daí? Veríssimo – Sou otimista. Ainda acredito que acordaremos e descobriremos q ue foi t u do u m s on ho ruim, e estamos na Dinamarca. Centeno – Tem gente que

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acha que Bolsonaro e sua t r upe nos prestaram um ser viço: dest amparam a face mais estúpida, sórdida e violenta do país que nunca havia af lorado até então. Você acha que devemos dizer “Obrigado” para ele? Veríssimo – A estupidez não é novidade no Brasil, t emos u ma h ist ór ia de ódio e violência que vai longe. A novidade é a estupidez com acesso às redes sociais. Fraga – Faz de conta que d á pr a fa z e r u m a m igo secreto com o povo todo e tu, por imenso azar, é sorteado com o nome do Bozonaro. Considerando o clima natalino, que presente t u escolher ias pra ele? E por que justamente esse? Veríssimo – Um presente de amigo secreto para o Bolsonaro? Se o preço não for empecilho, uma passagem de ida. Para onde? Se a passagem for só de ida, quem se interessa? Centeno – A socied ade brasileira está, como nun-


ca , pola r i z a d a . A m igos rompem relações, famílias se dividem. Pior é que pessoas que você pensava que con hecia, de repente, aparecem falando em terra plana e votando em B ol s o n a r o. Vo c ê v ive u esta experiência? Ver íssi mo – Sei que já tem gente usando faixas na testa com os dizeres “Estou com o Bolsonaro”, “Sou contra o Bolsonaro” e “ Não quero falar de política”, sem as quais nenhum tipo de vida social será possível. Centeno – Voltando àquela outra questão: lembra daquele clássico B de ficção científ ica, Invasores de corpos, do Don Siegel? Aquele onde as pessoas, ao dormirem, são substituídas por vagens vindas do espaço e se transformam em cópias sem empatia alguma. Não lembra algo familiar? Ve r í s s i m o – E s t a m o s nos t r a nsfor ma ndo em

vagens. Hm m m… De certa maneira é um futuro menos assustador do que a reeleição do Bolsonaro com o A lexa nd re Frot a como vice. Er nan i – Se o gover no Bolsonaro tem razão e a Ter ra é mesmo plana, o que será dos antípodas? Veríssimo – Pois é. E não explicam como os ursos brancos do Norte e os pinguins do Sul ainda não se encontraram no vortex da Terra plana, para confraternizar. Centeno – Durante muito tempo, nossas elites sent i ram-se af ront ad as por Mar x, homem do século 19. Hoje, pa rece que se sentem af rontadas por Copér nico, homem do século 16, que comprovou que nosso planeta gira em torno do Sol. Qual será a próxima conclusão secular da ciência que iremos afrontar? Veríssimo – Dizem que Copérnico, Galileu, Dar-

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win e todos os opositores do criacionismo serão banidos dos livros escolares brasileiros e substituídos pela nova teoria do evolucionismo militar, segundo a qual toda a raça humana começou como soldados r a s o s e foi s u b i n d o d e grau. Sant iago – A lg u n s humor ist as da Aleman ha avaliaram, no pós-Segunda Guer ra Mundial, que a s c r ít ica s mais folclo rizaram o führer do que diminuíram sua imagem junto ao povão. Corremos também esse risco? Veríssimo – Há esse perigo. Não dou duas gerações para que “bolsonaro” vire adjetivo, como elogio ou danação, dependendo de quem o usar e da memória de cada um. Ernani – Todo gover no mente, claro, mas o caso do rei nado Bolsona ro é especial: os ment i rosos não apenas mentem como pa recem, eles própr ios,


acreditar nas mentiras que dizem… Veríssimo – No caso do Bolson a ro o r ei n ã o só está nu como desfila com uma radiografia computadorizada do seu interior, e mesmo assi m poucos, curiosamente, gritam “Ele está nu!” F r a g a – Boz on a r o t e m u m a f r a q u eja d a e p e d e aos cidadãos cartas com suge st õ e s pr a mel hor a r seu modo de gover nar o Br a si l. Tu t a mb é m f r aquejas e atende ao pedido. Quais enviarias? Veríssimo – “Renuncia!” Katia Marko – Não tem u m mome nt o e m q u e a gente olha ao redor e pensa que virou personagem de um novo gênero literário, a comédia de horror? Veríssimo – É verdade. E o pior é que ninguém nos perg u ntou se quer íamos estar no elenco. Ernani – Como se explica que o anticomunismo tenha sobrevivido ao comunismo? Ve r í s s i mo – Vê - s e t ã o poucos comu nist as hoje em dia porque estão todos embai xo d as camas dos anticomunistas, como urinóis esquecidos. Centeno – “Agora é guerra” você escreveu recentemente sobre a loucura que estamos vivendo. O

problema é que, do outro lado, estão as milícias… Veríssimo – O nosso lado está com a razão mas o la do dele s e st á c om o s AK 154, certo? Mas lembrem-se que o David não precisou de mais do que um estilingue. Fraga – Dá pra imaginar como são as reuniões do condomínio do Bozo, com ele presente? Qual seria

uma pauta típica? Veríssimo – Discutiriam, certamente, a contratação de porteiros mais confiáveis. E d g a r Va s que s – S e r á que a sala de reuniões lá no condomínio do capitão tem detector de metais? Ve r í s s i m o – A l é m d e detector de metais e câmeras, a sala de reuniões do condomínio deve estar

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cheia de gravadores, esperando a hora de serem ouvidos na hipotética comissão que um dia investigará tudo isto, ao menos em sonho. Santiago – Millôr disse que nós, humoristas, somos mu it o i mp or t a nt e s para ser mos presos, porém não tão importantes pa r a que nos solt e m. E então? Veríssimo – Humoristas presos e humoristas soltos são uma tradição no Brasil desde o Barão de Itararé. Infelizmente, humoristas, jornalistas e intelectuais presos e mortos também são uma tradição, menor mas não menos lamentável. Entre presos e soltos ninguém deveria estar nessa estatística tétrica num país civilizado. Fraga – Quando o Bozo chega tarde em casa, por causa de um dia problem át ic o no p a lá cio, q ue tipo de desculpas ele daria pra Michele? Ou ele contaria tudo que se passa lá? Ve r í s s i m o – “ O C o n gresso me sacaneando de novo, a imprensa não largando meu pé, e você pergunta se o meu dia foi bom, Michele? Você anda vendo seriado da TV americana demais, querida”. Schröder – Entre o Cabo Anselmo, o Tenente Bol-


sonaro e o General da Banda, quem representa melhor a tradição militar brasileira? Veríssimo – Sem dúvida o General da Banda, que nos impede de desesperar por completo dos nossos militares. Ernani – Bom, Bolsonaro não criou a estupidez que se vê do O iap o que ao Chuí, apenas levou as pessoas a ostentarem ela na rua e baterem no peito com orgulho. A pergunta é: depois disso a espécie tem alguma defesa, apesar da pasta de dente com listinha? Veríssimo – Além de Shakespea re, do Taj Ma hal e da pasta de dente com listinha eu teria uma enor me relação de justificativas para a passagem do homem sobre a Terra, começando pelo pudim de laranja e terminando pelo Charlie Parker. A espécie não é culpada pelos seus

dementes e torturadores. Edgar Vasques – Como imagina que os historiad o r e s d e s c r e ve r ã o e s t e período que enfrentamos? Que começou em 2016 e virou demência em 2018? E qual o papel da mídia na abertura das portas do inferno? Ver íssimo – A Histór ia terá dificuldade em entender o fenômeno Bolsonaro, mas talvez desenvolva u m a lóg ic a p a r a ex pl icá-lo. Para a História, o tempo acaba explicando até o ilógico. Quanto ao papel da mídia, não existe uma mídia só. Entre coniventes, subser vientes, bem e mal-intencionados, heroicos e bandidos, tivemos de tudo. Acho que com o tempo a Histór ia t a mb é m nos c ompr e e nderá. Centeno – A propósito, o jornalista H. L. Mencken tinha uma def inição implacável do jornal médio

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dos EUA. Diz que tinha “a inteligência de um carola caipira, a coragem de um rato, a imparcialidade de u m f u nd ament alist a, a informação de um porteiro de ginásio, o gosto de um cr iador de f lores a r t if iciais e a hon r a de um advogado de porta de cadeia”. E os nossos? Veríssimo – Mencken era um misantropo genial. O que ele pensava da espécie hu mana se multiplicava quando comentava a imprensa do seu país. Não sei se a nossa imprensa merece um rancor parecido. Ou talvez não mereça outra coisa. Ernani – Bolsonaro quer transformar todas as escolas em escolas militares. Mas, considerando o nível intelectual do general Heleno, do general Mourão e do própr io Bolsonaro, não é de se pensar que a inteligência militar é uma cont rad ição em ter mos, como dizia Gore Vidal? Veríssimo – Escolas militar izadas são a consequência natural do espírito que se instalou no país, com a eleição do Bolsonaro. Vamos ver qual será a primeira a receber o nome Coronel Ustra. Centeno – Admitindo-se a hipótese criacionista – o que parece ser questão de


tempo nas escolas públicas ou não – onde Deus errou ao criar o Brasil? Veríssimo – Deus criou u m p a r a d oxo , u m p a í s g ig a nt e s c o e m e n o r a o mesmo tempo. Outra entrevista, esta já na pandemia: Pe r g u n t a – H á q u a t r o anos, escreveste que faltava o cadáver, o primeiro mor to na g uer r a aber t a pela direita.
 Veríssimo – Se eu disse isso, retiro. Um cadáver já é demais, ainda mais nestes tempos de peste e intolerância. Pergunta – O que é bom e o que é ruim na quarentena?
 Veríssimo – O bom é o pretexto para ar r umar os livros, o ruim é a impressão de que estaremos fazendo isto pelo resto da vida. Per g u nt a – Te m mu it a gente desaf iando a clausura. Qual foi a arte que fizeste na quarentena?
 Ve r í s s i m o – S o u c a rdíaco, diabético e velho, quase u m garoto propaganda para a necessidade de quarentenas. Sigo r igoros a me nt e t o d a s a s instruções para driblar o corona. Perg unt a – O mu ndo ficará pior ou melhor depois da pandemia?

Veríssimo – Ficará certamente diferente, só não sei como. Vai unir a humanidade, consciente, pela primeira vez em gerações, da sua fragilidade e da necessidade de uma repaginação moral da espécie, ou vem aí mais barbárie? Não tenho a mínima ideia. Pergunta – Alguns estão prevendo que todos t raba l h a r ã o e m ca s a , c om exceção dos entregadores de pizza. Isso é bom?
 Veríssimo – Tenho a impre ssã o que o pr i mei ro impulso da turma depois do cativeiro forçado será cada um cor rer para um lado e só se reencontrarem quando der saudade, ou nunca mais. Perg unt a – As pessoa s a i nd a se ag lome r a m n a orla do Guaíba ou nas praias da Europa. Isso é só negacionismo ou tem

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mais alguma coisa?
 Ver íssimo – Se não for u m í m p e t o d e s u ic íd io coletivo, é falta de informação. É impossível saber d a s m o r t e s p elo v í r u s , que diminuem, mas nos Estados Unidos e no Brasil ainda estão em nível de massacre, e achar que só vai acontecer com o vizinho. Per g u nt a – E s c r eve s t e e sse s d ia s que e st a mos proibidos até de ver o sorr iso das pessoas. O que veremos quando tirarem as máscaras?
 Ver íssi mo – As máscaras são miniburkas, que realçam os mistérios e as promessa dos olhos sem o resto do rosto para atrapalhar. Talvez vire moda quando tudo isto passar. Por enquanto sua função é impedir a propagação de perdigotos, claro. Pergunta – Há uma exibi-


ção nas redes sociais de novos talentos pessoais, de gente que aprendeu a c oz i n h a r ou a t r ic ot a r. Qual foi a tua habilidade descober ta na quarentena?
 Veríssimo – Tenho exercitado muito o dedão para trocar o canal da televisão. Não sei se vale como contribuição à sociedade. Pergunta – E a sensação de viver sem futebol?
 Veríssimo – O lado bom d a proibição do f utebol é que o Inter não perdeu nen hu m jogo até agora, este ano. Pergunta – Está saindo o Veríssimo Antológico, em e-book, pela Objetiva, com meio século de

crônicas. Qual é a sensação de ver tantos textos de tanto tempo reunidos?
 Veríssimo – Muitas crônicas eu já tinha esquecido, out ras eu gost ar ia que ficassem esquecidas. Mas a seleção não fui eu que fiz. Sou inocente. Pergunta – Quais f icariam esquecidas?
 Ve r í s s i m o – M u i t a s , muitas. Per g u nt a – Por que os teus personagens ficaram de fora da antologia?
 Veríssimo – Foi uma decisão editor ial. Não dei nenhum palpite. Perg unt a – O que t u a cha s que nu nca esc re veste, o tema que nunca foi abordado?
 Ver íssi mo – Cer tos as-

suntos a gente evita, até por u ma quest ão de escr úpu lo pessoal. Ma s aí entra a velha questão: o humor deve ou não ter li m ites? Uma discussão que vai longe. Pergunta – E aquele pers on a ge m q ue q u a s e foi criado? Ver í ssi mo – Eu sou do tempo em que a gente escrevia o que queria, na esperança sempre reno vada que o próprio jornal n ã o d e i x a r i a s a i r. M a s às vezes se d ist raia m e d e i x a v a m p a s s a r. U m a vez censuraram um texto meu sobre o Dar win. A t e o r i a d a e vol u ç ã o e r a proibida, ju nto com o Br izola e o dom Helder Câmara.

CONHECENDO LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO MELHOR Luis Fernando Veríssimo (1936) é um escritor brasileiro. Famoso por suas crônicas e contos de humor, é também jornalista, tradutor, roteirista de programas para televisão e músico. Nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 26 de setembro de 1936. Fi l ho do e sc r it or Ér ico Ver íssimo e de Mafalda Halfen Volpe viveu parte de sua infância nos Estados Unidos, época em que

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seu pai lecionou literatura brasileira nas universidades de Berkeley e de Oakland, entre 1941 e 1945. Em 1953 a família retornou aos Estados Unidos quando seu pai assumiu a direção do Departamento Cultural da União Pan-Americana, em Washington, e só retornaram ao Brasil em 1956. Nessa época, estudou no Roosevelt High School, em Washington. Desenvolveu o gosto pelo Jazz, chegando a ter aulas de saxofone. De volta a Porto Alegre, Luis Fernando Veríssimo começou a t rabal ha r na Editora Globo, no departamento de artes. Em 1960 passou a integrar o conjunto musical Renato e Seu Sexteto. Em 1962 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como tradutor e redator publicitário. Em 1963

ca sou-se com a ca r ioca Lúcia Helena Massa, com quem teve três filhos. Em 1967, retor nou pa ra Porto Alegre e ingressou no jornal Zero Hora, trabalhando como revisor de textos. A par tir de 1969 passou a assinar sua própria coluna diária. No mesmo ano começou a redigir para a agência de publicidade MPM Propaganda. Entre 1970 e 1975 trabalhou no jornal Folha da Manhã, escrevendo sobre esporte, música, cinema, literatura e política. Seus contos eram sempre bem humorados. Em 1973, Veríssimo publicou O Popular, uma coletânea de textos já publicados nos jornais onde trabalhou. Em 1975, retornou ao jornal Zero Hora e passou também a escrever para o Jornal do Brasil. Nesse mesmo ano publicou A Grande Mulher Nua.

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Em 1979 publica Ed Mort e Outras Histórias, livro de crônicas, cujo personagem viria a ser um dos mais populares de sua obra. Entre 1980 e 1981 morou em Nova Iorque, época em que escreveu Traçando Nova Iorque. Em 1981, Luis Fer nando Veríssimo lança, na Feira do Livro de Porto Alegre, o livro de crônicas O Analista de Bagé, que se esgotou em dois dias. Entre 1982 e 1989, foi redator semanal, com artigos bem humorados, para a revista Veja. Em 1994 publica Comédias da Vida Privada, que foi adaptada para uma minissérie na televisão. Em 1995, Luis Fernando Veríssimo passou a integrar o grupo Jazz 6, que lançou os CDs Agora é Hora (1997), Speak Low (2000), A Bossa do Jazz (2003) e Four (2006).


GRANDES POETAS BRASILEIROS

FERREIRA GULLAR MINHA MEDIDA Meu espaço é o dia de braços abertos tocando a fímbria de uma e outra noite o dia que gira colado ao planeta e que sustenta numa das mãos a aurora e na outra um crepúsculo de Buenos Aires Meu espaço, cara, é o dia terrestre quer o conduzam os pássaros do mar ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil o dia medido mais pelo pulso do que pelo meu relógio de pulso Meu espaço — desmedido — é o nosso pessoal aí, é nossa gente, de braços abertos tocando a fímbria de uma e outra fome, o povo, cara, que numa das mãos sustenta a festa e na outra uma bomba de tempo.

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DIVULGAÇÃO

LUIZ CARLOS AMORIM GRUPO LITERÁRIO A ILHA: 41 ANOS DE LITERATURA Por Luiz Carlos Amorim – Escritor, editor e revisor – Cadeira 19 da Academia Sulbrasileira de Letras. Fundador e presidente do Grupo Literário A ILHA, que completou 40 anos em 2020. Http://luizcarlosamorim. blogspot.com.br O SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA completou, no mês de junho de 2021, 41 (quarenta e um) anos de existência, resistência e persistência e está com a edição de junho no ar, com 72 páginas de pura literatura. A revista, publicada pelas Edições A ILHA do Grupo Literário A ILHA, circula ininterruptamente há mais de quatro décadas e é a publicação do gênero mais perene aqui no sul do Brasil, quiçá em todo o Brasil. Mas a publicação é lida em todo o mundo. Não comemoramos condignamente os quarenta anos do Grupo Literário A ILHA e da revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, no ano passado, por causa da

pandemia. A intenção era publicar uma antologia de prosa e poesia com o maior número possível de escritores do grupo, mas ficou inviável. E este ano também não vai dar, pois a pandemia ainda está aí e pior do que no ano passado. Então fica

para o próximo ano. Mas não há pressa. Mais cedo ou mais tarde estaremos reunindo nossos escritores em mais uma coletânea. Na nova edição do SUPLEMENTO LITER ÁR IO A ILHA, um time enorme de bons poetas e prosadores e

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artigos e reportagens bem interessantes sobre leitura, literatura, cultura, história, escritores e leitores. A s s u n t o s c o m o “ Pe d r o Bandeira: o grande nome da Literatura Infanto-juvenil”, “Grupo A ILHA: 41 Anos de Literatura”, “Desigualdade Racial na Literatura Brasileira”, “Mia Couto e a Pandemia”, “As Livrarias de Rua na Pandemia”, “Projeto O Escritor e Sua Obra” e muita poesia e informação literár ia e cult u ral. E o leitor, claro, é a parte mais importante da nossa revista. É pra ele que fazemos a revista e ele pode ler, comentar, criticar, sugerir pautas. Nosso e-mail é revisaolca@ gmail.com e o leitor pode comentar também na página do Grupo Literário A ILHA no Facebook, onde o link do e-book da revista está. O Suplemento Literário A ILHA continuará por mais outras décadas registrando o crescimento da literatura de Santa Catarina e do Brasil, da lusofonia, enfim.


POESIA

LORENA ZAGO ALVORECER Mais uma vez amanhece! Pássaros acordam felizes, Cada qual com a sua canção. Um madrigal, um coral, um vocal e Um canto individual, Afinados com o melhor diapasão.

Os seus egos preencher E, as suas vidas, Com os benefícios prover.

Os acordes estendem alegria ao seu entorno, Contagiam o Sol Que, garboso, inf iltra-se por entre a mata. Sorridente, Estende sua luz à amplidão do universo, Compartilha a exaltação à vida.

Tampouco percebem o esplendor Dos dias, das noites, do alvorecer... Tampouco lembram, ao universo E ao Arquiteto Maior, agradecer!

Constitui-se um ato de magnif icente magia! A natureza está exultante, Aguarda um olhar gratificante. Contudo, os seres... Tão poucos observam e absorvem O espetáculo da vida, Ocupados em alcançar suas ambições. O tempo urge, A vida passa, A preocupação maior é vencer, Consumir e ter,

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CRÔNICA

URDA ALICE KLUEGER ATAHUALPA Quando Atahualpa veio para a minha vida, ele não era mais do que um bifezinho, e logo nos primeiros dias eu me tornei sua delícia: com aqueles dentinhos de agulha, ele adorava ficar me mordendo o tempo todo, enquanto rosnava mais ou menos assim:
- Grrrhhh grrrhhh grrhhh...
Minha vida mudou inteiramente. Agora havia alguém que me tomava todo o tempo, que sempre queria alguma coisa, que sempre estava disposto a brincar e a fazer todo o tipo de artes, energia inesgotável a correr ao meu redor sempre pronto a me morder e a rosnar...
Ele veio no dia 06 de dezembro de 2007, magrinho e fraquinho, e só entendi que ele estava quase morrendo de fome (a ração que viera com ele estava estragada) na véspera de Natal, e depois que ele passou a comer de verdade, não havia quem o parasse. Não sei dizer quando foi, mas era verão, pois os meus braços estavam mordidos de cabo a rabo, e ele estava do tamanho, diria,

de um porquinho da Índia, já gorduchinho e explodindo de energia. Numa sexta-feira à noite eu estava tão cansada, mas tão estressada por conta daquele bichinho incontrolável, que lhe disse:
- Chega! Hoje eu quero ver o Globo Repórter! – ia passar um Globo Repórter sobre as onças

brasileiras e eu estava muito curiosa. Deitei-me no sofá e o bichinho subiu sobre mim, fazendo g r r rh h h g r rh h h grrrhhh e querendo me morder aonde conseguisse. Eu tentava segurá-lo enquanto o programa começava, até que a primeira onça fez:
- GRRROOOUUUHHH!!!

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Foi o primeiro choque da vida de Atahualpa! De imediato, ele esqueceu-se de me morder, me escalou, protegeu-se atrás das minhas costas e passou a prestar a maior atenção na televisão! Assistiu o programa atentamente, escondendo-se um pouco mais a cada vez que uma onça rosnava, e no final, estava tão cansado daquela tensão toda que queria ir dormir. Foi nesse dia que o meu porquinho da Índia descobriu a televisão. Teve todo um namoro com ela, conforme crescia. Houve um dia, quando, bem esticadinho na ponta dos pés ele já podia ver a televisão sozinho, que passou um filme de verdade, onde os atores eram porcos, cachorros e carneiros. Havia legenda para os humanos, mas ele entendeu tudinho sem precisar ler. Ficou esticado vendo o filme até o final, tendo reações em diversos momentos, e eu fiquei parada todo o tempo, para não perder aquilo! Fomos grandes companheiros, nós dois. Pergunto-me agora: como viver sem ele?


POESIA

ELOAH WESTPHALEN NASCHENWENG ONDE MORAS, LIBERDADE? Onde moras, liberdade? Estás perdida na verdade escondida, ou entre as vontades que passeiam ao redor? És prisão de porta entreaberta, ou é dentro do coração que te acobertas? És a força da alma sábia ou os grilhões que te acorrentam? És a emoção, ou a grande aventura que se procura? És o vento que amaina e cobre de ternura tuas asas, ou os sonhos firmados na dádiva do querer? És o fruto do amor, ou das escolhas que estancam a fome? Miragem da fantasia, escolha ou não, como água na corrente, hás de ser sempre o ideal criado na alquimia rasa do cotidiano.

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CONTO

LUIZ CARLOS AMORIM DIANA Encont rei Diana ainda b eb ê, ca mba le a ndo nos trilhos da estrada de ferro, per to de casa. Pequen i n a , br a nca e aba ndo nad a , t alvez a t ivessem deixado ali para mor rer sob o trem que passaria logo em seg uida. Sem saber exat amente o que fazer, levei-a comigo. M a m ã e t a mb é m go s t ou dela , m a s qu a ndo ve r if icou que t r at ava-se de u ma men i na , mudou de ideia: - Acho bom não f ica r com ela, f ilho. Enquanto for p e que n a , n ã o have rá problemas. Mas é só crescer e teremos toda a cachor rada da vizinhança fazendo algazar ra por aqui. Leve-a de volta ao lugar onde a encontrou. - Mãe, ela não vai crescer. Eu cuido dela – insisti, pois já tin ha ado tado Diana. Já lhe tinha dado até nome... Acabei convencendo mamãe e pude f icar com ela. Passaram-se quat ro me-

ses e Diana não crescera realmente quase nada. Ela deveria ser de alguma raça pequena, eu não sabia qual, mas não tinha impor tância. Ela era lind a . Tr a n sfo r m o u - s e n a mascote da casa. Todos a amavam como se f izesse par te da família. Era tão pequena que f icava sen-

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tada na palma da minha m ã o. E m i n h a m ã o e r a pequena, naqueles bons tempos de menino. Seu pelo branco e macio convidava a lhe fazer um carin ho. Manchando o branco, o preto cobria metade da sua cabeça, tor nando-a ainda mais bonita. Era muito viva e


em pouco tempo aprendera a andar em duas p at i n h a s , c omo s e for a ge nt e de ve rd a de. Seu s latidos alegravam a casa e era o primeiro som que eu ouvia, ent rando pelo por tão, ao voltar da escola. Era uma festa ambulante vindo em minha direção. Aos p ouc os , t o d a a v izin hança f icou con hecendo Diana, pela sua beleza, pelo seu tamanho diminuto e pela singeleza com que conquistou a nós e a todos que a viam. - Garoto, você não quer v e n d e r a c a d e l i n h a? –

várias pessoas perguntavam. E insistiam. - Não – eu respondia sempre, categor ica mente. Ja mais a vender ia. Como vender alguém que a gente ama? Um dia – sempre há um dia – ao voltar da escola, não ouvi o latido alegre quando ent rava em casa e el a n ã o ve io a o m e u encont ro. Pensei que e s t ive s s e d or m i nd o e m algum lugar e a procurei por tod a a casa. Est ava f icando preocupado, qu a ndo a lo cal i z ei e m baixo de um ar mário. - A h , vo c ê e s t á a í ... –

pu xe i- a p a r a fo r a e f iquei desesperado ao ver D i a n a c o n t o r c e r- s e e m espasmos, a boca espumando. - Mamãe, Diana está d o e n t e! – s a í g r i t a n d o pela casa , à procu ra de minha mãe. - Leve-a depressa ao veterinário e cuide para não encostar em sua boca – só mais tarde entendi: mamãe decer to temia que Diana tivesse contraído raiva. L evei- a a o vet e r i n á r io, mas não havia nada a fa zer. Dia na for a enve n e n a d a . A lg u é m q u e a queria, quem sabe, em não podendo tê-la, dera-lhe veneno. Por vingança, por maldade, sei lá... Lembro-me ainda, como se fosse hoje, de que a coloquei dent ro de u ma pequena caixa de sapatos e fui até o rio, não muito longe de casa, as lág r imas pingando no pelo macio de Diana, para soltá-la na cor renteza...

Visite o Portal PROSA, POESIA & CIA. do Grupo Literário A ILHA, na Internet, http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br • 24 •


GRANDES POETAS BRASILEIROS

CRUZ E SOUSA INEFÁVEL Nada há que me domine e que me vença Quando a minha alma mudamente acorda… Ela rebenta em flor, ela transborda Nos alvoroços da emoção imensa. Sou como um Réu de celestial sentença, Condenado do Amor, que se recorda Do Amor e sempre no Silêncio borda De estrelas todo o céu em que erra e pensa. Claros, meus olhos tornam-se mais claros E tudo vejo dos encantos raros E de outras mais serenas madrugadas! Todas as vozes que procuro e chamo Ouço-as dentro de mim porque eu as amo Na minha alma volteando arrebatadas

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CRÔNICA

MARIA TERESA FREIRE VOAR ALTO Os sonhos sempre permeiam as nossas vidas. Alguns realizados. Outros não, que permanecem no nosso imaginário. Sonhos de criança, de adolescentes, sonhos de adultos. Às vezes perseguidos, mas impossíveis de serem concretizados. Então, outras realizações são buscadas para apaziguar a desilusão de não ter concretizado seu sonho. Sei de uma pessoa cujo sonho, ainda que tardiamente, conseguiu realizar com muito esforço, empenho e persistência. Mas, também com o apoio de uma amizade forjada na convivência diária, na dificuldade dividida, na compreensão estabelecida, na confiança alimentada. A impossibilidade de se preparar para alcançar o sonho na época correta não aplacou nem apagou seu desejo contido no mais íntimo do seu ser. Sem a ninguém confiar seu segredo, ele vê, no momento presente, a possibilidade de buscar condições para estar apto a fazer o que sempre quis e que sempre lhe foi negado por várias

circunstâncias. Agora, será possível. Entretanto, não se realiza quase nada sozinho. Então, a ajuda necessária, especializada precisava ser encontrada. E assim aconteceu. Difícil no início. Aos poucos foi se formando mais íntima, mais segura, até o ponto de um ser para o outro o baluarte, ainda mais, a catapulta que atira longe, que possibilita voar alto. E voaram, os dois! Entretanto, antes deste voo o trabalho foi árduo. Muito suado e esforçado. A dança,

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principalmente o ballet, exige tempo integral do corpo, da alma e da mente. Exige muito amor. A dedicação do sonhador e da pessoa que o apoiava, ou seja, seu professor, fundamentou-se no desejo de realizar o melhor possível. A convivência dedicada e entrosada transformou-se em amizade profunda, pois assim as idades permitiam. Treinos constantes, repetições, horas a fio fazendo o mesmo exercício para alcançar a perfeição ou próximo a ela. Nos intervalos, uma boa


conversa. Na saída, a companhia até parte do trajeto. Depois cada um seguia seu caminho. Todavia, os caminhos foram se entrelaçando, e a aulas ultrapassavam o simples ensinamento da técnica. Expandiu-se para uma entrosamento familiar e compartilhamento de outras atividades. Conviviam. Como consequência, os relatos de suas vidas tornaram-se constantes. As dificuldades que surgiam ao longo da existência de cada um foi sendo dividida. A experiência do mais velho ajudou a clarear a visão do mais novo em relação ao seu relacionamento familiar. Passou a entender melhor a luta de seu próprio pai contra injustiças sofridas. Compreendeu que ele também precisava de apoio e compreensão assim como ele mesmo ansiava por isso. Esta percepção de que am-

bos eram vulneráveis e que o suporte familiar facilitaria transpor obstáculos e vencê-los ganhou nova dimensão em suas reflexões. Ao entendermos com abrangência a angústia que nos aflige estamos na direção correta para extingui-la. Nesse caminhar o crescimento compartilhado da arte expandiu-se, aprimorou-se. Pronta para ser mostrada a outros. Ao público. E assim foi realizado. A dança que tantos sacrifícios e treinamento lhes custou foi apresentada. O ballet, na atuação dos dois juntos, foi impressionante na sincronização de dois corpos que se completavam, nos movimentos e nos sentimentos que demonstravam. Dançavam com o coração. O voo foi alto! Tão alto que perdurou em suas memórias infinitamente. Um sonho realizado. Um voo de vida!

O homem mais velho teve a doce recordação que lhe abrirá sorriso na face por conta da realização alcançada. A família relembrará com ele o momento de glória. Juntos reviverão o movimento nas imagens registradas. E quantas vezes lhes agradassem. O homem mais novo continuou seu voo. Teve o reconhecimento do seu talento entre o grande público. Tornou-se famoso. As reverências à sua graça e perfeição ao dançar eram sinceras e verdadeiramente calorosas. Todavia, a amizade, a admiração, o entendimento que os dois tinham um pelo outro mantiveram-se e foram mais fortes que qualquer distância imposta pelo sucesso e por demandas de apresentações. A alegria de se encontrarem, de dividirem novamente partes de suas vidas era incomensurável. E assim permaneceu enquanto a trajetória de vida do homem mais velho permitiu. A busca pela realização dos nossos sonhos deve ser mantida! Sonhos realizados! O voo pode ser alto! Nossos sonhos devem ser realizados! Sonhos realizados! O voo pode ser alto!

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POESIA

MAURA SOARES LIBERTAS QUAE SERA TAMEN (II) Liberta-te das amarras do teu passado Liberta-te das coisas que estão presas no teu íntimo Vive o presente, aqui e agora. O u ve a pala v ra , me smo que e scr ita , daquela que amas Sente o amor chegando ao coração Por que reviver o passado? O presente está ali, à frente. Vive! O que aconteceu, aconteceu, deixa estar, ficou para a História, ela é que vai contar. Liberta-te das algemas do passado que te impedem de livremente expressar teus sentimentos. Liberta-te, e deixa que teu sonho se torne realidade. Deixa que o amor entre em tua vida e que te sintas realmente livre para expressar o que te vai na alma. Liberta-te, antes que seja tarde, antes que alguém que muito te anseia também não possa se libertar. Lib e r ta - te , ne m qu e seja a t ra vé s d a POESIA!! (13 de maio de 2010)

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ARTIGO

NELSON MORAES A GRAMÁTICA ASSASSINADA O assassino em série gramatical Endauro Rebouça s, 26, cu mpre a m a io r i a d o s p r é - r e q u i sit o s p a r a o p e r f i l c r im i nal e m que st ã o: pe rsonalid a de f r ag ment a d a pela au sência d a f ig u r a pater na (que sempre foi s ujeit o i ndet e r m i n a do), m ã e d o m i n a d o r a (q u e o fazia tomar sopa de le t r i n h a s d e c o r e s a l tea do) e í ndole fa nát ica (a f i r m a o u v i r vo z e s verbais ativas, passiv a s e r ef le x iv a s q u e o i n d u z e m a o c r i m e), s ó ataca elementos gramaticais femininos: r egê n cia s , d e si nê n cia s , preposições — e sempre, seg u ndo ele, “com p r op ó sit o pu r i f ic a dor ”, seguindo um padrão todo peculia r: espiona a s v ít i ma s como sujeito o c u lt o e a s a t a c a r e c it a n d o d e s va i r a d a m e nt e orações coordenadas a ssi ndét ica s. Preso em f lag rante há dois meses, ao tentar violar uma regra de

concordância, Rebouça s nos concedeu — de pois de i nú mer a s nego ciações — a seguinte ent rev ist a: Perg unt a - Est a ten dência é manifesta de sde quando?

Re spost a – Desde a i nf â ncia , na escola. Levei b o m b a v á r i a s ve z e s s ó pelo prazer de assassinar a Gramática em sér ie. No ca so, a sét i ma s é r i e , q u e f i z o i t o ve zes. (Ajeit a o cabelo) E agor a volt ou com força total, quando comecei a f requentar redes sociais. Não há meio mais s e g u r o p a r a a s s a s si n a tos g r a mat icais. Perg unt a - Como ser ia

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e ste “ propósito pur i f i cador”, que você alega como i ndut or do s cr i me s? Re spost a – Fica só ent re nós t rês — eu e você —, ma s na verd a de v i m salvar a Gramática. Ao i nvé s d e m a n t e r- s e rest r it a à pud icícia d a s bi bl iot e c a s el a c a iu n a boca do povo: d aí à v u lg a r i z a ç ã o foi u m pu lo. Tr a n s f o r m a n d o p o i s a língua por tuguesa em língua morta eu cont r i bu o p a r a d i s s e m i n a r esse out ro dialeto indescr itível que toma conta dos jor nais, da telev isão e d a i nter net. (Assu me entonação m e s s i â n i c a) D e s t a fo rma ele acaba r á v i r a ndo o id ioma of icial do país, e a G r a m át ica pu r a re tor na r á à ca st id a de d a s e s t a n t e s d e b i bl io t e c a , d e o n d e n u n c a d e ve r i a ter saído. Pe r g u n t a - E x i s t e a l g um de sv io de condut a em sua fam í l ia? A lg um antecedente?


Re spost a – Si m. M i n ha mãe garante que meu p a i e r a u m nú m e r o o rd i nal. Perg unt a - A fr ieza de seus métodos chocou a opi n ião públ ica . Como era seu modus operan d i? R e s p o s t a – (S e m d e monstrar emoção alg u m a) E u v a r i a v a : à s vezes amputava com precisão cir úrgica a crase das preposições, ou fa z ia o cont r á r io: a ssed iava u ma let r a e i nt rodu z ia nela u ma c r a se indevida até o fim. Houve vezes em que i m obi l i z e i a s sí l a b a s e as separei indiscriminad a mente com h ifens cortantes. Gostava também de abreviar a vida das for mas pro n o m i n a i s . Já v iu c o m o o “ vc” se p opu la r i z ou?

É ma rca reg ist r a d a m inha. Ah, e não podia ver passar as nor mas d e e s t i l o. Aq u el a p o s e a r ist o c r át ica me dei xav a l o u c o. E r a ve r u m a nor ma e eu já af iava m i n ha ced il ha. Perg unt a - E você tentava conjunção com suas v ít i mas? R e s p o s t a – (Ac a b r u n h a d o) Nã o. M i n h a relação com elas era a p e n a s ve r b o - n o m i n a l . (Ajeit a nova mente o cab elo) Nu n c a e m m i n h a v id a eu t ive u ma expe r iência conju nt iva. P e r g u n t a - Vo c ê v a i cu mpr i r p e na no pre sídio ou no hospital psiqu iát r ico? Re s p o s t a – Me u a d vo gado alegou insanidade. A ssi m , deve rei pa ssar por várias sessões de a nál ise si nt át ica.

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P e r g u n t a - Vo c ê t e m a l go a d i z er à fam í l ia d e s u a s v í t i m a s? A r repende - se dos cr i me s que cometeu? Re spo st a – (A f rou xa a g o l a) S i m , e u p o d e r i a at é me de s c u lp a r ju nt o à família linguística i nd o - e u r o p e i a , d a q u a l nasceu o Por t ug uês. Mas como receio que ela fa ça u m a i nc orreta inter pretação do texto, vou poupar o meu latim. E quanto a ar rependimento, não, eu não ar rependo-me. ( Um repentino br ilho n o o l h a r) . N a v e r d a d e sim, mas não resisti a ut ili za r essa ênclise i napropr ia d a ment e! ( N e s t e p o n t o o s g u a rdas imobilizam o entrevistado com uma m o r d a ç a d e fo r ç a . Fi m d a ent rev ist a.)


GRANDES POETAS BRASILEIROS

GONÇAVES DIAS CANÇÃO DO EXÍLIO Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

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ARTIGO

FLÁVIA DENISE REVISTAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS

A cena literária tem um quê de arredia. Com tanta gente produzindo literatura em solidão e silêncio e tantas outras pessoas consumindo literatura, também na solidão e no silêncio, o mundo em torno dos livros acaba parecendo um tanto esvaziado para quem está de olho nele, talvez querendo se aproximar. E, por isso, são tão importantes os momentos em que esses autores e leitores encontram-se, seja no mundo físico, seja em locais mais virtuais, como nas páginas (digitais ou analógicas) das revistas literárias brasi-

leiras. Elas são muitas, mais do que é possível listar neste espaço, mas para quem está de olho no mundo da literatura, querendo conhecer mais e entender quem são seus atores (ou melhor, autores) há algumas que são consideradas essenciais. A começar pela “Serrote”. Com uma inspiração clara na mundialmente admirada “The Paris Review”, a revista, que mais parece um livro, é publicada desde 2009 pelo Instituto Moreira Salles. Com suas mais de duzentas páginas, ela é um ponto de encontro dos principais nomes que trafegam pela literatura mundial atualmente, com pitadas, aqui e ali, do melhor da literatura brasileira. Há também a novata “quatro cinco um”. Batizada em homenagem ao romance de ficção científica “Fahrenheit

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451”, de Ray Bradbury, a revista começou recentemente. A bem da verdade, quase não podemos falar que é uma revista literária, pois ela não publica literatura, mas resenhas e críticas de livros, formando um panorama mensal do que é publicado no país. Mas, já que o objetivo desta lista é indicar leituras para quem quer se aproximar da literatura, "quatro cinco um" cumpre bem seu papel de incansável inventário de livros em português. Impossível de deixar de fora desta lista é o “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Velho conhecido (afinal, com seus 51 anos, ele é a publicação literária mais antiga do país), ele é mais indicado para quem tem sede de poemas, narrativas e ensaios. Com um olhar atento ao nosso passado literário e uma vontade de revelar preciosidades contemporâneas, a pu-


blicação é boa porta de entrada para quem quer “achegar-se” e conhecer os tais autores da cena. Outra revista consagrada, talvez a segunda mais antiga do Brasil, com 41 anos de circulação, é o SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA, publicada em Santa Catarina. A revista do Grupo Literário A ILHA começou como um mimeografado, nos anos 80, e hoje é uma das publicações do gênero de maior sucesso, lida pelos quatro cantos do mundo. Publica autores brasileiros de todos os lugares e publica também autores de outros países da lusofonia. Publica novos e consagrados e gêneros como conto, crônica, poesia, ensaio, infanto-juvenil,

entrevista, reportagens, resenhas, etc. Revelou muitos dos grandes nomes da literatura catarinense atual. O Grupo Literário A ILHA publi-

ca, também, ESCRITORES DO BRASIL, nova revista literária de sucesso, com três anos de atividades. Agora, se o leitor quer um pouco de narrativas

salpicadas entre ensaios, críticas, resenhas e dicas de leitura, uma boa aposta é o “Suplemento Pernambuco”. Não têm a história do primo mineiro ou do catarinense (só começou a circular em 2007), mas sua juventude lhe permite ousadias gráficas que aquecem o olhar. A verdade é que há tantas revistas literárias quanto gente interessada em ver essa cena em movimento, mas são essas acima que vem seguindo e publicando literatura, crítica e informação literária e cultural, num movimento de resistência que vai transformando-se, aos poucos em documento da progressão e da resistência da literatura brasileira.

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

CECÍLIA MEIRELLES TIMIDEZ Basta-me um pequeno gesto,

Para que tu me adivinhes,

feito de longe e de leve,

entre os ventos taciturnos,

para que venhas comigo

apago meus pensamentos,

e eu para sempre te leve…

ponho vestidos noturnos,

- mas só esse eu não farei.

- que amargamente inventei.

Uma palavra caída

E, enquanto não me descobres,

das montanhas dos instantes

os mundos vão navegando

desmancha todos os mares

nos ares certos do tempo,

e une as terras mais distantes…

até não se sabe quando…

- palavra que não direi.

e um dia me acabarei.

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CRÔNICA

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA JUSCELINO KUBTISCHEK DE OLIVEIRA Fui a mais fervorosa das suas eleitoras. O meu primeiro voto para presidente da República foi para ele. Com que orgulho coloquei meu voto na urna! Já o acompanhava pela TV, a sua figura forte, firme e segura me fascinava. Eleito presidente da República Brasileira, nas eleições de 1955, assumiu a presidência em 31/01/1956. Em julho desse mesmo ano, eu iria mudar-me para São Paulo, onde estava marcada minha cirurgia no Hospital dos Comerciários, o instinto IAPC. Porém eu não poderia deixar o Rio de Janeiro sem conhecer o novo presidente “bossa nova”, como era chamado carinhosamente pelo povo que o elegera. Para tanto fui para o Palácio do Catete, no começo da tarde, com o intuito de vê-lo, abraçá-lo e dizer do quanto eu “torcia” por ele. Não fui feliz, o presidente já estava percorrendo o Brasil e planejando a sua meta principal: levar a

capital da República para o centro-oeste do país, como já havia preconizado Don Bosco há muitos anos. Mas acompanhei sua trajetória de vida, social e política até a sua morte em 20 de agosto de 1976, quando em um terrível acidente de carro na via Dutra. O Brasil e os brasileiros perdiam um dos mais importantes presidentes da nação. O fundador de Brasília que viria a ser a nova capital. Sua caminhada até a presidência da República foi longa e difícil. Perdera o pai João Cesar de Oliveira aos três anos de idade. Não eram ricos e com a morte do pai tornaram-se mais pobres (como relata no livro “MEU CAMINHO PARA BRASÍLIA”, editado pela Block em 1974). Sua vida escolar foi complicada, queria estudar, mas não tinha condições. A única saída seria apelar para o seminário, onde os alunos não pagariam a ma-

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trícula caso se candidatasse ao sacerdócio. Cursaria o seminário com o desconto que possibilitaria o pagamento por parte de sua mãe. Assim, estaria resolvido o problema dos estudos. Mas no momento da inscrição, não conseguiu mentir. Quando interpelado pelo funcionário do estabelecimento, respondeu com plena sinceridade sem medir as consequências: “Não tenho jeito para padre, quero ser doutor”, orientado por sua mãe que havia transmitido aos filhos que “a obrigação e a verdade estavam sempre em primeiro lugar.” E esta advertência, à força da re-


petição, fixou-se no subconsciente de seus filhos, tornando-se a base de suas filosofias de vida. Em 1914, entrou para o Seminário que, ao seu término, não conferia diploma algum. Mas para o jovem Juscelino, o Nonô, como era chamado, o importante era estudar. Sua trajetória política merece ser estudada, pois não caberia em uma simples crônica. Depois de passar o governo para o seu sucessor, o sr. Jânio da Silva Quadros, elegeu-se Senador por Goiás. Indicado pela convenção nacional em 1964 para disputar novamente a presidência, preparava-se para iniciar a sua campanha, quando eclodiu a revolução de 31 de março. Mediante ato de caráter estritamente político, o governo revolucionário cassou o mandato de Juscelino e seus direitos políticos por dez anos. Conta-se entre as inúmeras estórias que dele se conhe-

ce, que uma senhora em avançada idade, residente na Tijuca, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, tinha verdadeira adoração por ele. Seu grande sonho e o último desejo antes de morrer era apertar as mãos do ex-presidente. Quando de uma das suas visitas àquela cidade, a velha senhora estava para morrer e uma de suas filhas conseguiu comunicar-se com Juscelino, contando-lhe do último desejo da mãe. O ex-presidente mudou a agenda lotada, arranjou um tempinho e foi fazer a

visita tão desejada. Com a simplicidade de menino mineiro adentrou na casa da enferma e com o seu enorme sorriso iluminou os últimos dias da sua admiradora de noventa e três anos! Assim era Juscelino, cujo féretro fora acompanhado e embalado por milhares de vozes entoando sua canção favorita: “Como pode um peixe vivo, viver fora da água fria, como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia… “

Visite o Portal do Grupo Literário A ILHA:

PROSA, POESIA & CIA em Http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

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POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM

JOSÉ E. AGUALUSA / PIERRE ADERNE

SAUDADES SEM FIM

PARQUE LAGE

(para Vanessa)

Um anjo, você, tão esperada, chegou, de mãos dadas com a primavera, junto com as flores de jacatirão… As flores entraram pelo verão adentro, mas você foi embora, mal chegou… As flores de jacatirão caíram de saudade, cobrindo o chão que abraçou você. Passou o verão, o outono e o inverno e é primavera outra vez. De novo, desabrocham as flores de jacatirão, espalhando cores, anunciando você. Mas você, você não voltou… Saudade antiga, eterna!

A luz é lúcida O tempo não A vida é frágil O tempo, o tempo não O tempo é ágil A vida não Tanto ruído ruído e confusão O tempo é luz Lua, imensidão, clarão A vida é frágil O tempo, o tempo não. O tempo age sobre a vida, a vida assim: um Parque Lage, ruínas e capim! A luz desbota A vida já morta. Toda a derrota Tem seu próprio fim.

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CRÔNICA

TAMARA ZIMMERMANN FONSECA NOS TEMPOS DO COLÉGIO O som ecoava alto e as crianças já sabiam o que estava por vir. Dias antes, em nossos pequenos cadernos de brochura, a anotação feita por nossos professores, era bem clara: “Senhores pais, haverá vacinação na escola no próximo dia tal”. O alarme que ecoava na escola, era o aviso de que deveríamos sair da sala de aula e formar fila no corredor, por ordem de tamanho: os pequenos na frente e os mais altos em seguida. Eram muitas classes e muitos alunos, de todos os tamanhos. Nessa época de nossas vidas, a fase do crescimento não tem exatamente um padrão, uns esticavam do dia para a noite enquanto outros levavam mais tempo. O sinal da escola silenciou e deu lugar a um som mais baixo: tic tic tic tic tic tic tic. Quando uma fila acabava, a

outra já iniciava. Com um gesto da professora, deveríamos todos ficar com braços preparados e todos, ao mesmo tempo, levantavam as mangas da camiseta. Nossos bracinhos pequeninos lá, prontos para receber a “pistolada “, sem trocar agulhas , sem colocar bandeidezinho, apenas seguir em frente e tic tic tic tic. A gente nem sentia nada, tão rápido que era aquela pistola, mas gostávamos de

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encenar dor para assustar o coleguinha ... Ainda tenho fresca na memória as risadinhas escondidas por entre as mãos, os olhares, os gestos de alguns como passar o dedo pelo pescoço como nos filmes de pirata. Uns ostentavam indiferença, outros usavam seus dons artísticos e fingiam dor, quando saiam da fila, já com a manga da camiseta da escola levantada num braço e com a mão do


outro braço segurando um pedaço de algodão... Alguns outros arregalavam os olhos como se vissem um filme de horror. Sim, era um dia de festa para nós, pequenos alunos, não tínhamos a noção da importância da vacina, mas sabíamos que era para o nosso bem e nos protegia, não havia o questionamento de querer ou não querer, a gente levantava a manga e tic tic tic... Sempre tinha um que chorava de verdade, impressionado com a encenação dos mais engraçadinhos: sentia a vacina mesmo antes de tomá-la, enquanto que a moça da vacina não dava tempo, era tic tic tic. Anos se passaram e muitas outras doenças apa-

receram, e muitas vacinas foram descobertas para a felicidade de todos. Benditos sejam os pesquisadores, que se dedicam para que possamos nos defender. Aquela pistola acelerada, acreditem, era a mesma agulha para todos! Acreditem! Os cinquentões de hoje são aquelas crianças de ontem, das manguinhas erguidas, uma geração de coragem mesmo! Campanhas de vacinação sempre houveram, o mais antigo amigo delas e em atividade até hoje está aí: O Zé Gotinha! A ciência a nosso favor, a tecnologia a nosso favor, a cultura a nosso favor, os pesquisadores dedicando suas vidas ao nosso bem-estar. Que maravilha!

Sonho com o dia em que eu, alguns anos depois dos tempos do colégio, irei com sorriso no rosto, a manga da camiseta erguida, já com seringas individuais, tomar a vacina contra o vírus que impede crianças de irem à escola, proíbem a liberdade de abraços, beijos, risadas soltas sem medos. Estarei lá quando for chamada, aliviada, emocionada e principalmente grata. Tomarei a vacina contra a Covid 19 e continuarei a seguir com fé e esperança, de que essa descoberta da ciência chegue a todos os cantos do mundo. (Em dez de Junho de 2021, tomei a primeira dose da vacina! Agora é aguardar até setembro para ser imunizada totalmente.)

VALE DAS ÁGUAS: O paraíso de água doce eBook Kindle por LUIZ CARLOS AMORIM

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R$ 12,00 para comprar na Amazon O VALE DAS AGUAS é uma seleção de crônicas sobre minha terra, a Cidade das Cachoeiras, no decorrer de toda a minha vida como jornalista e escritor. Sempre escrevi e publiquei crônicas em blogs, sites, revistas e jornais por todo O Brasil e em alguns países de língua portuguesa. Então aqui está um tributo a minha cidade natal, um registro de sentimentos e emoções, de falar de gentes, de lugares, de natureza, de beleza e de vida. De cantar o paraíso de agua doce. Não é a toa que "a natureza tem queda por Corupá"

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

VINÍCIUS DE MORAES TERNURA Eu te peço perdão por te amar de repente Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos Das horas que passei à sombra dos teus gestos Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos Das noites que vivi acalentado Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente. E posso te dizer que o grande afeto que te deixo Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas Nem as misteriosas palavras dos véus da alma... É um sossego, uma unção, um t ransbordamento de carícias E só te pede que te repouses quieta, muito quieta E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

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ENSAIO

IVAN JUNQUEIRA JUSTIÇA PARA VINICIUS Sempre que me toca reler a poesia de Vinicius de Moraes, mais me convenço de que até hoje não lhe fizeram a devida justiça, seja por indigência exegética seja por preconceito literário. É claro que não se pode situá-lo no mesmo nível de Cecília Meireles, Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Dante Milano e João Cabral de Melo Neto, mas é que Vinicius, quer pelo domínio da língua e das boas tradições da língua - quer pela pujança de sua linguagem poética, cultivou uma vertente lírica dentro da qual são poucos, ou muito poucos, os que dele lograram se aproximar. Há nos versos do autor uma tragicidade tão intensa e dolorosa que nem o humor nem a participação social de seus últimos poemas serão capazes de apagar. Vinicius de Moraes será sempre, e acima de tudo, o poeta do amor e da morte. E talvez por isso mesmo seja ele o poeta mais emblemático de sua época, assim como o foram Baudelaire e Dylan Thomas, aquele que com maior desassombro e autenticidade encarnou o mito de Orfeu, descendo aos infer-

nos da vida e da morte em busca de sua Eurídice, que foram muitas e talvez nenhuma. Seu trânsito tardio para a música não é, portanto, fortuito, mas uma destinação que, sob muitos aspectos, se confunde com a danação fáustica, como o atesta não propriamente o decisivo papel que desempenhou na evolução do nosso cancioneiro popular, mas a urdidura poético-dramática que sustenta o seu Orfeu da Conceição. Como todos os da sua geração de 1930, Vinicius de Moraes é um dos mais característicos herdeiros do Modernismo de 1922, tendo levado ao ápice, como bem assinala Sérgio Milliet, ''os vícios e as virtudes da escola''. Não será necessário muito es-

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forço para compreender por que Vinicius de Moraes é, até hoje, um dos nossos poetas de maior aceitação popular. Foi no soneto a forma em que ele alcançou talvez seus momentos mais altos e duradouros como poeta. A partir do momento em que, já dominados os segredos da linguagem poética de Vinicius de Moraes, aí por volta de 1940, cristaliza-se também sua concepção estética quanto ao soneto, até então hesitante e nebulosa. E aí chegamos ao primeiro dos sonetos integralmente resolvidos de Vinicius de Moraes, um dos mais belos de qualquer língua ou literatura, o ''de fidelidade'', cuja cadência decassilábica é no mínimo encantatória


e no qual se harmonizam todas as virtudes expressivas que o poeta conquistara em termos de linguagem poética, como nos tercetos seguintes: “E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.“

que se recebe no nível de uma língua comum. Aí a razão pela qual os sonetos de Vinicius fazem dele um clássico do nosso idioma. Ele morreu há 25 anos e, como poeta, - não como compositor popular - mergulhou naquela zona de silêncio e sombra em que costumam ser tragados os escritores após os dez ou vinte anos de sua morte. Durante esse tempo, muitos equívocos e incompreensões

Pergunte-se a qualquer modesto ou fugaz leitor de poesia se não lhe ecoam para sempre na memória esses dois últimos versos. E por quê? Porque neles o milagre da poesia ocorre não apenas graças à magia verbal que os anima, mas também a uma experiência amorosa que transcende o âmbito pessoal da sensibilidade do poeta para tornar-se um bem comum de que todos partilham, uma doação

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se acumularam e o autor das Cinco elegias não foge à regra. Chamá-lo, como hoje ainda o chamam, de ''poetinha'' não condiz em absoluto com a grandeza dos seus versos. Cumpre assim que resgatemos, já e já, sua condição de alto poeta, que transcendeu os limites do tempo e que, numa antevisão de sua trajetória rumo à posteridade, escreveu um dia: “Ando onde há espaço, meu tempo é quando.”


GRANDES POETAS BRASILEIROS

ADÉLIA PRADO FRATERNIDADE Um dia um padre que fazia milagres deu sua bênção pro povo: mulheres de cabacinha de ouro na orelha, homens de camisa cor-de-rosa, menino de todo jeito e de terninho. Galho de funcho, arruda, manjericão, cheiravam junto com o povo apertado no pátio. Tudo ótico, olfático, escatológico. A paciência de Deus sentou de pernas cruzadas na platibanda da igreja. Com uma mão pitava, com a outra segurava o joelho, piscando um código pra Murilo Mendes que rolava de rir.

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CONTO

SÔNIA PILLON O BADALAR DAS HORAS O relógio de parede antigo anunciava as horas pausad a mente, naquele r it mo ca dencia do e u n ifor me. As badaladas sempre t ransmitiam u ma sensação de constância e segurança. Marrom escuro, de madeira nobre, tinha um rococó esculpido na parte alta e contornos delicados que lembravam ondas. O pêndulo dourado era tão brilhante que parecia ser realmente de ou ro. Sem dúvida, uma peça genuinamente artesanal e com det al he s de m a rce n a r ia a r t íst ica , que ma rcou a infância e o início da adolescência de Maria. Seria o My precious!, se ainda estivesse com ela... Hoje, com o ritmo alucinado que vivemos no dia a dia, praticamente não há espaço para relógios de eng renagens mecânicas. G e r a l m e nt e a s p e s s o a s preferem os automát icos, digitais e high tech. Por isso, os nost álgicos se obr iga m a p e r c or r e r antiquár ios, ou fazerem

buscas minuciosas em sites de ra r id ades, pa ra f i nal mente encont rarem u ma preciosid a de como aquela. “São relíquias muito bem guardadas e, quando encontradas, estão disponíveis para poucos”, pensou Maria, enquanto apreciava o domingo de sol da varanda da fazenda. A inf ância f icou para

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t rás, mas as lembranças d aquela época vi n ham sempre na memória de Ma r ia-me n i na , com u m gostinho doce de saudade. Reminiscências de um tempo remoto, quando os cost u mes eram out ros e o passar das horas e dos dias aconteciam sem muitos sobressaltos. Ao v a s c u l h a r o p a s s a do, Mar ia record a que


ag uardava ansiosamente o badalar solene daquele relógio, tão solene na sala de estar. Às vezes sentava em frente, atenta ao lento girar dos ponteiros e ao v a i - e -ve m d o p ê n d u l o. Os ouvidos apurados apreciavam o leve tic-tac, que quebrava o silêncio do ambiente. Gostava de ver quando o Opa subia no banquinho e girava a chave para dar corda no relógio. Oma sentava na poltrona ao lado do relógio. Era ali que cont rolava o tempo e n q u a n t o t r ic o t av a c a sacos, blusões, coletes e cachecóis no inverno, e as roupas de fio no verão. Hoje Maria lembrou desses detalhes com uma certa melancolia. Os avós já se foram há muitos anos e a q uela c a s a hoje n ã o per tence mais à família. “A vida é assim. A gente cresce, amadurece, o tempo vai passando e tudo se modifica”. O sol come ça a bai xa r. Maria se levanta e fecha a s ja nel a s. L ogo cheg a o f r io e será preciso se a g a s a l h a r. D e p o i s e l a vai esquentar a sopa de ervilha, enquanto assiste o noticiário da TV. “Que m u n d o i n s a n o! Q u a n t a violência!”, diz baixinho para si mesma. Depois as-

siste a novela favorita e o cansaço chega. Maria deita a cabeça na almofada e fecha os olhos levemente. M i n u t o s d e p oi s , s e le vant a assust ad a. A sala está repleta de relógios de parede, de todos os tipos, cores e formatos. Alguns e st ã o com os p ont ei ros girando loucamente, como se o tempo estivesse cor rendo u ma ma ratona sem fim. Um relógio cuco está acionado sem parar. Mas há alguns que estão parados em horários diferentes, como que congelados em algum momento específico. De repente, o Coelho da Alice no País das Maravilhas apareceu correndo e

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gritando “Não tenho tempo! Não ten ho tempo!”. Com os olhos arregalados e sem entender mais nada, Maria diz para si mesma: “O que está acontecendo aqui?! O que é isso?!”. Maria esfrega os olhos e quando abre, a sala está com antes, com os quadros e retratos de família. “Ah, acho que fiquei tão mergulhada no relógio da Oma que acabei sonhando com o Tempo, que hoje a cele r a se m pa r a r, se m parar...” Maria olhou para o celular. O gato Mignon pulou no colo dela todo dengoso. Já estava na hora de se recolher. Amanhã será outro dia.


GRANDES POETAS BRASILEIROS

HILDA HILST POEMAS AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO Enquanto faço o verso, tu decerto vives. Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue. Dirás que sangue é o não teres teu ouro E o poeta te diz: compra o teu tempo. Contempla o teu viver que corre, escuta O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo. Enquanto faço o verso, tu que não me lês Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala. O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas: “Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”. Irmão do meu momento: quando eu morrer Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo: MORRE O AMOR DE UM POETA. E isso é tanto, que o teu ouro não compra, E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto Não cabe no meu canto.

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REPORTAGEM

CLARICE LISPECTOR “O LIVRO DOS PRAZERES, DE LISPECTOR, NO CINEMA “A mais premente necessidade de um ser h u m a n o e r a t o r n a r- s e um ser humano.” Essa é a premissa que guia o r o m a n c e U m a a p re n d i z a g e m o u O l i v ro d o s p r a z e re s , d e C l a r i c e L i s p e c t o r, p u b l i cado em 1969, em que a autora, mais uma vez, lança-se a desvendar as profundezas da alma. Ela escreve Lóri, uma professora primária do Rio de Janeiro, na casa dos 30 anos, que vive sozinha e m u m g r a n d e a p a rtamento à beira-mar que ganhou do pai e que não sabe se relacionar com os outros nem com o mundo. O mal-estar da existência é tudo o que lhe consome. E é essa crise existencialista que chega ao cinema pela m ã o e d i r e ç ã o d e M a rc e l a L o r d y, d i r e t o r a d e O l i v ro d o s p r a z e re s , um dos destaques da

44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Lordy, de 46 anos, que também dirigiu A musa impassível (2011), cumpriu a missão quase impossível de adaptar um livro quase inadaptável, uma vez que a obra literária transc o r r e q u a se que exclusivamente nos pensamentos de Lóri —por medo da d o r, a p e r s o n a g e m n ã o se permite sentir nada. “O maior desafio foi justamente criar dramaturgia, construir ações e sensações. Quis fugir da voz em

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off para explicar o filme”, diz a diretora, que trabalhou o projeto durante dez anos. A obra teve sua estreia nos festivais precisamente no ano do centenário de Clarice Lisp e c t o r, 2 0 2 0 . A o b r a está disponível para ser assistida online, no catálogo da Mostra d e S ã o P a u l o . Ta n t o o livro quanto o longa — que entrará em cartaz no segundo semestre de 2021— mostram a transformação de Lóri em uma mulher inteira (no sentido existencial e metafísico da coisa),


que se abre aos sentimentos, às sensações, alegrias e desgostos da vida. Um dos catalisadores dessa transformação é o professor de filosofia Ulisses (no filme, o argentino Javier Drolas, de Medianeras), que é o único homem com quem ela começa a construir uma relação para além de encontros de uma noite só e que a faz questionar os rumos de sua solidão. “É uma história de construção individual e, ao mesmo tempo, de desconstrução do amor romântico”, diz a diretora. Ela própria deparou-se com o livro pela primeira vez quando também tinha cerca de 30 anos e acabava de sair de um casamento de uma

década. Foi também dessa experiência que nasceu a vontade de contar a vida e os processos sentimentais de uma mulher que, pouco a pouco, vai tomando as rédeas de sua própria vida. No filme, o preenchimento do vazio no qual Lóri vive imersa acontece também de forma física, à medida em que ela vai mobiliando e decorando o grande apartamento que abriga seu corpo e mente. Outra coisa que atraiu Marcela Lordy a realiz a r O l i v ro d o s p r a z e re s f o i o u v i r d o c i n e a s t a Wa l t e r S a l l e s , e l a não se lembra quando, que Fernanda Montenegro diz que Lóri era a única personagem que ela gostaria de ter interpretado e não o fez. No longa, quem vive a protagonista é Simone Spoladore, cujo ar melancólico e distante casa perfeitamente com a atmosfera onírica da obra. “Acho que Simone até tem alguma coisa que lembra a Clarice, esses olhos profundos, uns olhos de onça”, comenta L o r d y. E e m b o r a a c â mera não se afaste de

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Lóri sequer por um minuto, são abundantes os planos que a mostram de perfil, sem que o espectador possa encará-la de frente e se veja resignado ante a impossibilidade de acessar o mundo dessa m u l h e r. A própria Clarice, uma autora que busca transcender o cotidiano e construir personagens sempre na iminência de um milagre, uma explosão ou uma descoberta, por mais singela que seja, parece ter tido dificuldade em acessar o subjetivo dessa mulher inalcançável. “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo d e d a r. E l e e s t á m u i to acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu”, escreve a autora na nota que abre o livro.


POESIA

IRATAN CURVELLO ESTAÇÃO DESTERRO

TERNURA Enquanto inicia a noite no escuro Das trevas, vem um coração sorrindo, E todos os segredos vem abrindo Declarando a este mundo, que é puro. E da reinante glória, da ternura O consolador vem assim sorrindo Abençoa toda essa terra ungindo, Concedendo encanto com a doçura.

Cruz e Souza! Foi nosso Cisne Negro Poeta simbolista que descrevia A terrível sina do esquecimento Enterrado vivo enquanto escrevia...

Com a sua ternura, imaculada, Resplandece a pureza da infância, Rompendo com flores a madrugada. Exalando toda a sua fragrância

E depois de morto este nosso vate Seu já tão sofrido corpo ao chão cai Lançado ao léu, de muito longe parte Num vagão de trem, solitário vai...

Trazendo uma auréola delicada, Mirando consoladora distância...

De Minas para o Rio de Janeiro, Queria apenas voltar ao torrão Para então poder descansar em paz Mas o trem da vida partiu tarde, Estação da sua real vontade Eis-me aqui! Desterro do coração!

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CRÔNICA

ENÉAS ATHANÁZIO A AMAZÔNIA BRASILEIRA O con hecido jor nalista Reis de Souza, do R io de Janeiro, cujos ar tigos aparecem em jo r n a i s d e n o s s o E s t a do, a c aba de ap r e se nt a r substanciosa comunicação como subsídio à c a m p a n h a e m d efe s a da Amazônia que, aos p o u c o s , t o m a v u lt o n o p a í s. E s se t r aba l ho e st á

n a me sm a l i n h a do s q ue ten ho publicado, conf i r m a ndo q ue s ã o r e a i s os riscos de perda daq u el a r eg i ã o, f a t o n e m sempre aceito pelas pessoas e que a mídia nacional não tem t rat ado com a relevância me r e cid a . A r eg iã o a m a z ôn ic a n acion a l é i nt eg r a d a p elo s

Jornalista Reis de Souza

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Estados do Amazonas, Pa r á , Acre, Rondôn ia , Ror a i m a , A m a p á e To cantins, totalizando a á r e a d e 3. 581 k m 2 . , o q u e e q u iva le a 42 ,0 7% d o t e r r i t ó r io n a c io n a l , ou seja, quase met ade d o t ot a l . Vive m n a r e g iã o 7.625.50 0 h abit a n t e s , p opu la ç ã o s up e r ior à de i nú me ro s p a í se s. A r e g i ã o a b r ig a 33% d a s f lorestas t ropicais do mu nd o, c om u m a f lo r a imensa e variada, em sua maior par te ainda não estudada, e cerca de 30% das espécies conhecidas da fauna. Os recursos minerais ex i s t e nt e s s ã o i nc a lc u láveis, a á rea própr ia pa ra o cult ivo propiciaria a produção de alimentos em quantid a de q ue fa r ia m dela o c elei ro do mu ndo e p or lá c or r e o m a ior r io do mundo, cent ralizando u m a ba cia h id rog r á f ic a s e m ig u a l , c o m i n c o n t ávei s a f lue nt e s , la go s , igapós e igarapés que


c ont ê m a m a ior r e se r va mu n d i a l d e á g u a d o c e. To d o s e s s e s d a d o s e muitos outros estão e x p o s t o s c o m m e r id i a na cla reza na refer id a c o mu n ic a ç ã o. Po r t u d o isso, a Amazônia é c on sid e r a d a “o pu l m ã o d o m u n d o ”, p a r a u s a r a su r rad a def i nição, e t e m sid o obje t o d a c o biç a i nt e r n a cion a l. Nã o é de hoje, p or é m , a ex plor a çã o de se n f r e a d a d a q uela r eg iã o, a g r avad a n o s ú lt i m o s t e m p o s pelo avanço i ncontido da fronteira agropecuár ia, substit uindo a f lor e st a p or lavou r a s e p a st a ge n s. A q u a nt id ade de fo c o s de i nc ê nd io n a s m at a s é i mp r e s sio n a n t e e a r e g i ã o p e rmanece muito tempo submersa em intensa nuvem de fumaça. A lé m de s s a ex plor a ç ã o pred atór ia , avent u rei-

ros de todos os tipos agem com liberdade, t r a f ic a ndo e s p é cie s ve getais e animais, pesq u i s a n d o e m b e n ef íc io p r óp r io e leva ndo p a r a fo r a o s r e s u lt a d o s s e m qualquer cont role. A i nc u r s ã o de c u lt o s exó ticos e seus pastores, quase sempre estrangeiros, é per manente. Tu d o i s s o c o n f i g u r a u m a d e s n a c io n a l i z a ç ã o c om a q u a l já se p r e o cupava o ju r ist a e esc r it or c at a r i ne n se O s ny Duar te Pereira, em l iv ro de 1948, e o b r avo jor nalista por tuguês Alfredo Nascimento, no s a no s 199 0, e m l iv ro e st a r r e c e dor. Por out ro la do, o v iole nt o at a q ue à f lor e st a p or meio d a s queimadas e da depredação tem aumentado sem cessar e os result ados são visíveis em t o d a p a r t e. Em m i n h a s

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andanças pela região, f iquei chocado com o q ue v i. Agora, porém, as coisas se agravam. Na e st ei r a d a s de cla r a ç õ e s pela internacionalização da região, subt r a i n d o - a d a s ob e r a n i a nacional, for mam-se gr upos pelo mundo a for a c om o objet ivo de coletar recu rsos com e s s a f i n a l i d a d e . Fa l a -se na criação de um “e s t a d o i a n o m â m i ”, adquirem-se vastas á r e a s p o r p a r t ic u l a r e s , c og it a- se d a c r ia ç ã o de c o n s ó r c io s p a r a s u p r i r nossa incapacidade de ad m i n ist ra r a reg ião. Tu d o é fe it o à s cl a r a s , aos olhos de todos, contando com a indife r e n ç a g e r a l e m u it a s vezes com o apoio de interesses políticos poderosos, propinas, subor nos, tráf ico de inf luência e outras mezinhas que tão bem c on he c e mo s. É u m b r a do c ont r a i s so t u d o q u e Re i s d e S o u z a fa z e c oa r p elo p a í s , e m defe s a de seu s m a i s le g ít i m o s i n t e r e s s e s , e que aqui tento reprodu zir como for ma de apoiá-lo pela iniciativa. Antes que seja t a rde.


POESIA

SALOMÉ PIRES ANITA GARIBALDI: SEM MORDAÇA

ANITA, PLENA E SAGAZ Rosas para seus difíceis caminhos Agora livres daqueles espinhos, Perfumando sua almejada paz. Ana Maria de Jesus Ribeiro, Aberta, aventurou-se por inteiro, Mulher bela, em plenitude, sagaz!

Intensidade de uma vida breve Eternizada em faces de aventura, Uma luneta indiscreta a observou, Ao Amor de Giuseppe a apresentou, Livrando da solidão e amargura!

Aninha que foi de todas as dores, Anita moça de grandes amores, Ela escolheu se envolver na batalha; Abandonou seu singular conforto, A segurança real do seu porto, Alou-se com as notas da mortalha!

Parecia um encontro programado, Mentes irrequietas e apaixonadas, Não quis ficar distante do seu homem, As distâncias os corações consomem, Não quer as vontades amordaçadas. Família, Farrapos, Legiões e fugas Juntos no amor, nas guerras e utopias, Anita e Garibaldi, um par valente Do tempo e das convenções, sempre à frente, Provaram muitas dores e alegrias! Imortalizada Anita em dois mundos Nada apaga uma mulher de valor Por ela temos orgulho e respeito, Heroína marcante por seus feitos, Também sofreu, mas viveu por amor!

De Laguna ela vislumbrou o mundo, E não hesitou sequer um segundo, Largou-se a viver imensa paixão, A paixão pelo sonho de igualdade, Embora tenha driblado a maldade, Entregou à terra o seu coração. Rosas para honrar a sua memória, Que lutando perfumou nossa história, De dois fortes mundos uma heroína, Deixou um recado para as mulheres: Tu podes viver tudo o que quiseres, Essa certeza alegra e nos anima! Salomé Pires, catarinense, escritora, intérprete, preside a ALBSC seccional de Águas Mornas, cuja patrona é Antonieta de Barros, membro do GPL, CAPPAZ, AJEB, FEBACLA, SAL. Autora dos romances: Sonhos Roubados e O Professor das Rosas. Autora do livro de poemas UNI/VERSOS. Participou de muitas antologias e coletânea, sendo que foi a organizadora de algumas delas.

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ENSAIO

NEUSA BERNADO COELHO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIROSEDE BAIXADA DO MACIAMBU-PALHOÇA Palhoça é um município privilegiado por suas beleza s nat u r ais. Re ce be grande quantidade de t u r ist as que, em sua maioria, tornam-se amantes desse tesouro verde. Quase 70% da superfície ter r itor ial do mu nicípio é compost a pela Mat a Atlântica, protegida pelo Parque Estadual da Ser ra do Tabuleiro, cujo nome or ig i n a- se de u m d o s c u m e s e m fo r m a t o tabular. Teve origem pelo Decreto n° 1.260/75, possui área de 84.130 hectares, correspondente a 1%

d a á rea tot al do Est ado S C . Te m c o m o p r i n c i p a l obje t ivo p r ot ege r a r ic a bio d ive r sid a d e , a s águas das superf iciais e subter râneas, haja vist a que abriga um dos mais i m p or t a nt e s c om plexo s de águas termais do mundo. Seus mananciais são responsáveis pelo abastecimento das cidades da G r a nde Flor ia nóp ol is e do Sul do Estado. Fonte: Plano de Manejo –IMA. O Parque Est adual da Ser ra do Tabulei ro est á presente em nove municípios, entre eles: Floria-

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nópolis, Pal hoça , Sa nto Amaro da Imperatriz, Ág uas Mor nas, São Bon i f á c io, Sã o M a r t i n ho, Imaruí, Garopaba e Paulo Lopes. Engloba também as ilhas do Siriú, dos Cardos, do Largo, do Andrade, do Coral, For taleza / A raçat uba, Papagaio, as Três Irmãs, Moleques do Sul e a ponta sul da Ilha de Santa Catarina. Cinco serras encontram-se dentro dos limites do Parque, tendo o ponto culminante o Mor ro do Ca mbi rela , c om seu s 10 43m de altura. Do topo é possível avistar a exuberante paisagem do litoral e as c id a d e s lo c a l i z a d a s n o e nt or no, c om p ond o u m dos car tões postais de Pal hoça. Nesse ecossistema rico e diversificado, encont ram-se ban hados, lagoas, restingas e manguezais, compreendendo as praias da Pinheira, Sonho, Papagaio, Guarda do Embaú, e as comunidades de Mor retes,


Palhoça e a 50km de Florianópolis. Administrado pela FATM A (Fundação do Meio Ambiente), recebe milhares de visitantes por ano. No percurso da t r i l h a i nt e r pret at iva d a restinga obser va-se animais da região e exuberante vegetação nativa. O horário de funcionamento do Centro de Visitantes é das 9:00h/16:00h/quarta/ domingo. Passagem do Maciambu, Se r t ã o do Ca mp o, Trê s Ba r r a s e A lba rd ão. A paisagem e a biodiversid ade d a Mat a Atlâ nt ica são recon hecidas pela U NESCO como Zona de Núcleo d a Reser va d a Biosfera. No Brasil, é a seg u nd a m a ior f lor e st a

em extensão, constituída de planaltos e serras. As ca r a ct e r íst ica s do solo, relevo e vegetação atuam como um importante regulador climático. A sede d o Pa r q u e d a S e r r a d o Tabuleiro está localizada na Baixada do Maciambu, a 35km do centro de

Parque Estadual Serra do Tabuleiro

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( Fo n t e s: h t t p:// w w w. fa t m a .g o v.b r;h t t p://s o l . s c . g o v . b r /;h t t p:// w w w . ima .sc.gov.br/inde x . php/e c o si ste m a s/u nid a d e s - d e - c o n s e r v a c a o/ parque-estadual-da-serr a - d o - t a b u l e i r o . F o t o: htt ps:// br.pinterest.com/ slaviero/palhoca-sc)


POESIA

HILDA CHIQUETTI BAUMANN FUMAÇA DE INCENSO Cobre-me com teu sorriso De beijos me afoga Borda com florzinhas azuis minha alma Com fumaça de incenso perfuma o meu ar Não importa a hora Insiste Veste de luxo meus olhos Remoça meu espírito Mata a minha fome Abocanha meus lábios Coagula meu sangue Me ordena, Rasga fronteiras, vence a guerra Me toma, tira-me de mim Faz festa no meu coração Me pega mulher Rompe os meus segredos Chama o meu nome confia em mim.

NÃO SEI O mar, vasto azul seria triste sem peixes sem ondas E o espaço Teria graça sem as estrelas? Penso que não! O tempo seria vazio sem o canto dos pássaros O trem ficaria triste sem apito Então sem tudo, até o infinito ficaria triste.

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RESENHA

JOANA OLIVEIRA VENCEDOR DO JABUTI 2021

Quando Bibiana e Belonísia nasceram, tinham outros nomes. O b a i a n o I t a m a r Vi e i r a Junior tinha 16 anos quando começou a escrever Torto arado (Todavia), que ganhou este ano o Prêmio Jabuti de melhor romance, e suas protagonistas tinham outras identidades. A essência da narrativa, no entanto, permaneceu inalterada: a história de duas irmãs, contada a partir de sua relação com o pai e com a terra onde viviam. O títu-

lo, retirado do poema M a r í l i a d e D i rc e u , d e To m á s A n t ó n i o G o n z a ga, tampouco mudou. O que veio depois foi a vontade de levar a história para o sertão da Chapada Diamantina, longe da capital ou do Recôncavo Baiano, onde a maioria dos seus conterrâneos ambientam suas narrativas. “A gente fala do sertão, do semiárido, parece que se trata de uma coisa só, mas o sertão da Chapada tem uma regularidade de chuva, uma diversidade de paisagem, de mato, que salta aos olhos”, conta Vieira Junior, hoje com 41 anos, por telefone. Profundamente influenciado pelas leituras de Graciliano Ramos, J o rg e A m a d o e R a c h e l de Queiroz, ele escreveu as primeiras 80 páginas da obra, mas o manuscrito se perdeu durante uma mudanç a d a f a m í l i a . Vi e i r a

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Junior só retomaria a história vinte anos depois, quando, formado geógrafo e funcionário público do INCRA, conheceu as realidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e assentados no sertão baiano e maranhense. “Ao longo de 15 anos, aprendi muito sobre a vida no campo e vi um Brasil muito diverso do que vivemos cotidianamente nas cidades. Existe uma vida muito pulsante no campo, uma vida que está em risco, porque essas pessoas vivem em constante conflito na defesa de seus territórios. Tudo isso reacen deu a chama de escrever To r t o a r a d o ” , c o n t a o escritor, que lembra que o Brasil é um dos países com maiores índices de violência no campo. No ano passado, foram re gistrados 1.883 conflitos, incluindo 32 assassinatos, de acordo com o levantamento anual


realizado pela Comissão Pastoral da Terra. Em 2017, quando escrevia a segunda —e definitiva— versão do romance, nove trabalhadores rurais com o s q u a i s Vi e i r a J u n i o r teve contato foram assassinados, seis deles em uma chacina. “Foi um ano brutal”, lembra. São as vidas e lutas dessa gente que estão contadas em sua obra, que acompanha a família das irmãs Bibiana e Belonísia no cotidiano de Água Negra, uma fazenda onde os trabalhadores aram a terra sem receber salário, tendo apenas o direito de construir casebres de barro que precisam ser reconstruídos a cada chuva, pois o fa-

zendeiro não autoriza construções de alvenaria. Quando não estão plantando e colhendo nas terras do patrão, cultivam roças nos próp r i o s q u i n t a i s p a r a c omer e ganhar um pouco dinheiro vendendo abóbora, feijão e batata na feira. São quase todos negros, descendentes de escravizados libertos havia poucas décadas, como é o próprio autor. Descendente de negros escravizados vindos de Serra Leoa e da Nigéria e de indígenas Tupin a m b á s , Vi e i r a J u n i o r construiu um sertão real, que tem vida e verde, graças, em parte, às histórias dos avós paternos, que viveram no campo, na região de Coqueiros do Paraguaçu,

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no Recôncavo Baiano. O torto arado que dá nome ao livro é um objeto que, usado pelos antepassados das protagonistas na lida com a terra, atravessa o tempo para representar essa herança escravocrata de tantas desigualdades. Narrado primeiramente por Bibiana, depois por Belonísia e, na terceira parte, por outra personagem, o romance já começa com o clímax de um acidente: crianças, as duas irmãs —filhas de Zeca Chapéu Grande, um líder comunitário e espiritual— encontram uma faca da avó Donana. A partir daí, a linguagem, central na narrativa desde a prosa melodiosa com que o autor escreve, torna-se ainda mais importante. O não dito é tão importante quanto o que está impresso no papel. Uma irmã torna-se a voz da outra, e, como estão descritos os g e s t o s , m a s n ã o a s p alavras das personagens, o leitor não sabe quem foi mutilada até chegar a um terço do romance. “Essa faca corta a vida das personagens muitas vezes, é um símbolo desse duplo que são as


irmãs, que se dividem para depois ser uma s ó ” , e x p l i c a o a u t o r, que participou da Festa Literária Internacional de Paraty (Flio) – no ano pandêmico de 2020, o principal encontro do gênero do país foi online. De fato, a dualidade é outra constante e m To r t o a r a d o : a v o z e o silêncio, o medo e a coragem, a fertilidade e a infertilidade, a cidade e o campo são alguns dos opostos que definem as irmãs. Enquanto Bibiana sonha em ser professora e foge para a cidade para se formar, regressando depois com uma família de muitos filhos, Belonísia é uma f o r ç a d a n a t u r e z a , p r ivada da maternidade e cuja única educação que lhe interessa são os ensinamentos do pai sobre a terra. Aos poucos, ambas desenvolvem uma consciência política ao seu próprio modo. Bibiana se aproxima de sindicatos e movimentos sociais para reivindicar seus direitos. Belonísia luta, quiçá sem saber que o faz, no campo, enfrentando a violência machista e a ganância dos poderosos. “Sua

consciência política se expressa quando o gerente da fazenda chega e quer levar os melho res produtos da colheita e ela diz não. Mesmo que colhesse mais do que precisava, dividia com a família e os vizinhos para não ceder o alimento aos donos da terra”, exemplifica o autor. Vi e i r a J u n i o r s e m p r e teve claro que a história deveria ser protagonizada por mulheres porque, primeiro, na sua própria família, os homens são coadjuvantes. “Depois, no meu trabalho, encontrei muitas mulheres ocupando o papel de liderança que os homens ocuparam no passado. Quase toda comunidade quilombola reconhecida pela Fundação Palmares é presidida por mulheres”, acrescenta. Sobre escrever com perspectiva de gênero sendo homem, o autor celebra a literatura como o lu gar da alteridade. “É um espaço mágico que nos permite escrever de uma perspectiva mesmo que ela não seja diretamente nossa”, diz. COSMOVISÃO Além da roça, do rio, do chão, outro cenário

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p r o t a g o n i s t a e m To r t o arado são as noites de Jarê, religião praticada exclusivamente na Chapada Diamantina, que mescla referências da umbanda, candomblé, catolicismo, xamanismo e espiritismo, e que é regida pelos encantados, entidades presentes no cotidiano da comunidade para além da dimensão sobrenatural. É em constante contato com os encantados que Zeca Chapéu Grande prepara remédios e realiza tratamentos para curar o povo de Água Negra e é com a bênção deles que ele intermedia conflitos entre os trabalhadores. Donana, a avó possuidora do fio de corte que marca a narrativa, também é um lembrete vivo do poder dessa dimensão espiritual. Falando s o z i n h a — o u c o m p e rsonagens que o leitor não vê—, ela perambula pelo quintal e pela mata alertando as netas sobre o perigo de uma onça que parece existir apenas em sua mente. Mais tarde, descobre-se que a onça pode ser outro tipo de animal, desprovido de compaixão e movido pela ganância.


Obediência e insubordinação guiam o romance, que conta um Brasil que manda e outro que obedece, e o Jarê aparece como uma resistência espiritual, cultural e política muito antes das lutas sindicais. “Para além de uma religião, trata-se de uma cosmovisão, é a forma como essas pessoas entendem o mundo e sua realid a d e ” , e x p l i c a Vi e i r a Junior. E essa realidade é da profunda desigualdade brasileira forjada na escravidão, a partir da escritura fundiária e de fenômenos como a seca. A mesma realidade já contada nos romances das gerações de 1930 e 1945, como O Quinze, de Rachel de Queiroz. A mesma realidade que o autor constatou, em estado de choque, que se perpetua no século XXI. “Absolutamente tudo que é narrado em ‘Torto arado’ ainda é presente no mundo rural brasileiro em 2020. Ainda há pessoas vivendo no campo em condições análogas à escravidão ou em regime de escravidão mesmo”, afirma. No seu trabalho, o geó-

grafo e escritor encontrou gerações inteiras d e f a m í l i a s d e s c e n d e ntes de escravizados que ainda hoje dão seu trabalho aos donos da terra em troca do direito de morada, de um prato de comida. “A escravidão nunca nos abandonou, só fez mudar de nome. A abolição não foi acompanhada de políticas reparatórias, apenas assinou-se um papel, muito por pressão internacional”, lamenta Vieira Junior, que lembra que a luta de alguns abolicionistas era para que a liberdade viesse acompanhada de uma reforma agrária que garantisse um mínimo de dignidade. “Depois da publicação do livro, perdi a conta de quantos leitores entraram em contato para dizer que os pais e avós v i v e r a m a q u i l o . Te v e até um leitor baiano de uns 30 anos que que escreveu dizendo que viveu essa realidade com os pais, mas não sabia o nome daquilo, que se tratava de uma herança escravocrata”, conta. Nesse contexto, a faca que decepa a língua de uma das protagonistas

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é o símbolo de um país também fraturado, dividido pela violência e pelo racismo. “E a língua ausente representa o silenciamento ancestral de mulheres que não são prioridade nas políticas públicas, que nunca apareceram na nossa literatura e não têm surgido com frequência em outras expressões artísticas no país”, acrescenta o autor, que pretende continuar colocando o dedo nessas feridas. “Sou um autor brasileiro que escreve a partir da Bahia. E a Bahia reúne muitas das referências que espelham o que é este país, então, meu próximo romance continuará voltado para as questões da terra. S e m p r e c o n c e b i To r t o arado como um projeto maior para falar dessa relação do homem com seu território”, diz ele. Já no ano que vem, Vi e i r a F i l h o p u b l i c a r á p e l a To d a v i a u m l i v r o de contos em que as mulheres voltarão a ter protagonismo, bem como as lutas relacionadas ao chão. Afinal, no Brasil de 2020, a onça continua à espreita.


POESIA

SELMA REIS SOUZA EMBRIAGUEZ

MIMOS Dias vistos através da vidraça. E eis que... O Sol. Um convite ao jardim.

A Bougainville... Ah, êxtase!!! Havia estendido gracioso tapete rosado. E, com pérolas escarlate, a aceroleira, generosa, nele produziu rico bordado em alto relevo. Faz-se noite Vários eram os tapetes, fui percebendo fora e dentro do poeta. à passagem. Em busca do ser amado, Um doirado, presente do ipê de jardim... de carona num raio de luar, Um outro tom de rosa do amor persegue seu rastro nos campos, vilas e agarradinho... A mangueira contribuiu com uma cidades, coloração pastel. num cais, à beira-mar... No convulso espocar das ondas na praia, No canteiro, entre as gramíneas, as rosas, garbosas, pareciam bailar. no cântico suave do riacho... Por fim, do cume da mais alta montanha, Plena de sentidos, grita seu nome. reverente, reclinei-me. O eco, solidário, faz-se cúmplice E qual flor à espera do colibri, e eis que o milagre acontece: receptiva me fiz o amor o aceita em seu reino. e acolhi o poema. Canta, então, o poeta. Encanta-se. Ruboriza-se. Colhe suspiros, sussurros... Voluptuosos gemidos. Mistura de hálitos. Estremecimentos. Embriaguez. Seu tempo expira. Faz-se dia fora de um coração que teima em sonhar.

Buganvília ou primavera

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“A MULHER NA SOCIEDADE E NA CULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS” O I NSTITUT CULTIVE SUISSE BRÉSIL está lançando o CONGRÉS CULTIVE INTERNATIONAL D E L A C U LT U R E D E LA FEMME com o tema: “A MULHER NA SOCIEDADE E NA CULTURA AT R AV É S D O S T E M POS”. O objetivo do Congresso Cultive internacional da cultura da mulher é fomentar a visibilidade da mulher focando a sua evolução social e artística. Ressaltando, assim, a mulher como ser integrante nos sistemas econômicos e cult urais no mundo atual. Ao trazer debates e discussões sobre a atuação e as conquistas femininas ao longo das gerações, o CC IC F c ol a b or a c om a conscientização sobre o fe m i n ismo c omo mov imento reivindicador dos direitos das mulheres. O congresso pretende trazer uma ampla seara de debates nas mais variadas esferas sociais onde a mulher atua. O CCICF é aberto à mulheres e homens desde que o tema apresent ado seja sobre a mulher. O congresso será do dia 26 ao 28 com número limitado de participantes, todos

os participantes receberão cer tif icado de par ticipação. A renda do congresso será revertida para a Rede de Combate ao Câncer de Pernambuco e da Paraíba. Out ra novidade, é o "PR ÊM IO VA LKY R I E” criado para laurear as mulheres que tiveram ou têm um grande e importante trabalho em prol do homem e da melhoria da sociedade. Mulheres que dedicam-se a escrever, às artes cênicas, à pintura, à escultura, às instituições

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cult u rais e sociais, ao ensino, a proporcionar o conhecimento, à história e à ciência, à defesa e o apoio à mulher serão prem ia d a s com a comend a “PR ÊM IO VA LKY R I E” - LAUREAT DU L'INSTITUT CULTIVE SUISSE - BRÉSIL durante o salão feminino. As inscrições para o cong resso podem ser feit as at r avés do e -mail: congressofemme@gmail.com ou e nt re no sit e: w w w. institut-cultive.com /congresso-da-mulher


POESIA

SELMA FRANZOI AYALA A LUZ DOS OLHOS TEUS Por onde anda teu olhar que a vida de outra vida em seu mistério levou, que o sonho de outra vida em seu delírio acalentou, que uma estrela cadente, tão distante iluminou?

de que dimensão espiritual cintilará misteriosamente a luz dos olhos teus? Em que dimensão espacial brilhará infinitamente a luz dos olhos teus?

Por onde anda teu olhar, em que hemisfério repousa agora o sonho teu? E que enigma esconderá essa estrela que, resplandecente, ilumina agora a vida de outras estrelas deste mundo meu?

Em algum tempo, em algum lugar… desvendaremos mistérios venceremos desafios e cantaremos pelos céus deste mundo teu onde sopram sublimes ventos outonais e as chuvas da primavera serão apenas lembranças etéreas… E assim, por esse universo infinito, muitas luzes irão se encontrar e nossas estrelas brilharão eternamente numa única CONSTELAÇÃO…

Por onde anda teu olhar,

(do livro OLHOS DO TEMPO)

Por onde anda teu olhar que este setembro não viu, que por entre descaminhos e ventos invernais se perdeu entre teus sonhos e teus ideais?

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O livro O VALE DAS ÁGUAS, seleção de crônicas sobre Corupá, a Cidade das Cachoeiras, com muitas fotos e cores ilustrando os textos, está à disposição, na Amazon. Veja no link https://amz.run/4LtO . Se você conhece Corupá, vai gostar de relembrar e rever as belezas da cidade. Se não conhece, vai gostar de conhecer as belezas do Vale das Águas.

O liv ro

P ORT UGA L , M I N H A

SAUDADE ,

seleção de crônicas sobre diversas viagens do autor à terra de Pessoa, também está disponível para compra no formato e-book na Amazon. Clique no link https://amz.run/4VFo Para ir direto à página do livro. Viaje por Portugal através das crônicas desta obra.

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O novo livro de poemas de Selma Franzoi Ayala, um lançamento das Edições A ILHA.


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A LUZ DOS OLHOS TEUS

1min
pages 62-64

“A MULHER NA SOCIEDADE E NA CULTURA ATRAVÉS DOS TEMPOS”

1min
page 61

MACIAMBU-PALHOÇA

2min
pages 53-54

VENCEDOR DO JABUTI 2021

8min
pages 56-59

A AMAZÔNIA BRASILEIRA

2min
pages 50-51

“O LIVRO DOS PRAZERES, DE LISPECTOR, NO CINEMA

3min
pages 47-48

DO NOSSO TEMPO

0
page 46

O BADALAR DAS HORAS

3min
pages 44-45

FRATERNIDADE

0
page 43

JUSTIÇA PARA VINICIUS

3min
pages 41-42

TERNURA

0
page 40

DE OLIVEIRA

3min
pages 35-36

REVISTAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS

3min
pages 32-33

A GRAMÁTICA ASSASSINADA

3min
pages 29-30

CANÇÃO DO EXÍLIO

0
page 31

VOAR ALTO

3min
pages 26-27

DIANA

2min
pages 23-24

INEFÁVEL

0
page 25

ONDE MORAS, LIBERDADE?

0
page 22

ATAHUALPA

2min
page 21

MINHA MEDIDA

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page 18

LITERATURA

1min
page 19

ALVORECER

0
page 20

POEMA DE SETE FACES

0
page 7

ENTREVISTA BEM HUMORADA: LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

15min
pages 8-15

CONHECENDO LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO MELHOR

3min
pages 16-17

PRESENÇA

0
page 4

NOSSAS DORES TÊM MAIS CORES

4min
pages 5-6
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