O início, fim e o meio

Page 26

HISTÓRIA A economia do país – e de São Paulo, em específico – cresceu em descompasso com a capacidade de gestão dos problemas gerados pelo aumento da concentração de pessoas em meio urbano. Inicia-se então uma intensificação dos conflitos dentro do tecido urbano: onde jogar os dejetos? Como lidar com a nudez nas várzeas, frente a nova moralidade pública? O que fazer com animais soltos? Todas estas questões foram títulos de atas da câmara municipal da cidade, em meio ao século XIX. O equilíbrio social anterior da cidade, baseado na estrutura patriarcal e escravocrata foi rompido, uma vez que a cidade crescia não só com população local, mas imigrante. Mauro Calliari escreve em sua tese de mestrado um comentário que ilustra bem o posicionamento da elite econômica e política, em relação ao conflito de modos na São Paulo do fim do século XIX: A atitude da elite talvez tenha deixado de lado a construção da noção de civilidade para toda a cidade, e se deu por outra via. O caminho escolhido acabou sendo o do isolamento: a demarcação do território para as áreas de fruição burguesa foi construída a partir de vários instrumentos, com aval da legislação. (CALLIARI, 2016, P.107).

Um ponto importante que o autor traz na sua reflexão é o respaldo legislativo às ações da elite, se tornando também um instrumento de dominação da mesma. Uma ferramenta importante para a segregação espacial na época foi o Código de Posturas, promulgado em 1875 e revisado em 1886. “Posturas”, como referido no código, fazia jus a edificação, arruamento, higiene, segurança, lazer e vida cotidiana. Dentre diversas seleções, o código proibia que as portas abrissem para fora, gritaria nas ruas, e investiu pesadamente contra os cortiços, construções ocupadas por famílias além do seu limite salubre, sendo alvo de diversas investidas “sanificadoras”. Calliari completa: Em que pese a preocupação com as condições sanitárias, é possível também entender a lei como uma maneira de isolar as habitações mais ricas do convívio com habitantes das casas mais modestas, que, com as leis sanitárias, foram obrigados a deixar as regiões centrais onde moravam. Separadas, as classes sociais perderam as oportunidades de contatos diários, tão importantes para a consciência e respeito pela diversidade. (CALLIARI, 2016, P.108)

Pontuo aqui o Código de Posturas e a forte política governamental contra os cortiços – e consequentemente, contra a existência das rendas mais baixas em terrenos e lotes centrais da cidade – como o início da política excludente territorial da cidade de São Paulo. A partir disto e, impulsionado pelo desenvolvimento

26


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.