Jornal Psicologia em Foco Nº 45 - ISSN 2178-9096
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Gabriela Françoso Eburnio Acadêmica de Psicologia (Unifamma) e idealizadora do @libertepsi.
GAMBIARRA Em um dia qualquer de supervisão fui colher hortelãs para fazer chá enquanto minha avó colhia cebolinhas verdes, eu disse a ela o quanto as hortelãs que estavam plantadas em uma bacia eram murchas e pequenas, e as que estavam plantadas diretamente na terra estavam mais bonitas. Minha avó respondeu: “As hortelãs da bacia estão murchas porque estão presas e as da terra estão livres”. Esse diálogo me levou a pensar sobre as consequências que o isolamento acarreta nas pessoas em tempos pandêmicos. Cada um de nós lida com esse fato de forma singular, e acompanha a morte de milhares de brasileiros e pessoas em todo o mundo, noticiadas diariamente. Quis perguntar a minha avó o que era isolamento para ela. A resposta foi que isolamento é estar longe da família, ser abandonada. A solidão é um dos maiores dilemas do isolamento, como coloca Tatit e Rosa (2021), é a presença de ausência do outro da qual pode simbolizar a falta e nos revelar uma posição de desejo, e é justamente esse desejo que podemos ver atuante em nossas relações virtuais. Diante das gambiarras que fazemos nas condições atuais, tentamos fazer das chamadas de vídeos um encontro com colegas, com a família e com pessoas das quais convivemos, seja de trabalho ou de estudo. Fazemos gambiarras com a falta, reelaboramos as nossas condições utilizando das nossas possibilidades, mas o adoecimento vem por falta de espaço, de investimento e de lugar, de troca. A gambiarra nada mais é do que tentar criar algo que “quebre o galho” quando não existe o ideal, mas, nesse caso, a falta ideal é o mínimo das relações humanas que nos foi tirado, como a terra que deixa a hortelã livre para ela crescer dentro de todas as suas próprias limitações e possibilidades possíveis. Dessa forma, conseguimos entender melhor quando Lacan nos diz que a angústia é a falta da falta. É na relação com o outro que nos constituímos, na função de investimento de um outro que nos reconhecemos enquanto sujeitos e nos autorizamos a vir a ser. Um mundo onde telas começam a ocupar esse lugar, não há investimento que atravesse. É na relação com a presença do olhar do outro que o sujeito se humaniza. Nós conseguimos continuar, assim como as hortelãs no balde; crescemos em meio a trancos e barrancos dentro de um espaço de isolamento. Mas são as hortelãs livres, conectadas diretamente com a terra e que conseguem se ocupar dos nutrientes necessários para se desenvolver, porque existe o mínimo oferecido. É difícil dizer o que nos faz continuar estando dentro do balde para que possamos sobreviver, a esperança por dias melhores nos faz insistir nas telas, ansiosos pelo dia em que finalmente nos sentiremos seguros para nos encontrarmos com aqueles que escolhemos nos constituir, repletos de sintomas e faltas para serem trabalhadas. Já o sentimento de abandono, como disse minha querida avó, é o retrato diante de um país esquecido por seu líder criminoso, de um povo largado para morrer por negligência, por falta de vacina e pela falta do mínimo. Referências ANJOS, A. dos. Saudade. In: ANJOS, A. dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, TATIT, Isabel; ROSA, Miriam Debieux. Pra não dizer que Freud e Lacan não falaram da solidão. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande,v. 5, n. 2, p. 136-146, dez. 2013.