Jornal Psicologia em Foco Nº 45 - ISSN 2178-9096
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Isabelle Maurutto Schoffen Psicanalista. Psicóloga e Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá. Idealizadora da Roda de Psicanálise. Mãe do Cae, Lis e Ivy. Mulher-mãe em constante movimento.
MATERNIDADE, SOLIDÃO E MEU ABISMO Tornar-se mãe. Está aí uma experiência que inevitavelmente afeta todos os lugares e sentidos da vida de uma mulher. Abalo sísmico, caldeirão de emoção, ambivalência, mudança, movimento, luto, solidão, abismo. Essas foram algumas palavras que me convocaram nessa vivência tão visceral da maternidade. Quando soube da minha primeira gravidez, adiei alguns planos profissionais, dentre eles o doutorado. Ouvi do meu futuro orientador uma frase que me impactou de forma afetuosa: “aproveite, será uma grande aventura”. Foi e continua sendo a maior aventura da minha vida. Gerar, parir, amamentar, cuidar, maternar, amar é mesmo uma grande aventura. Não somente pelo desconhecido que está por vir, mas pelo alto risco. Os poetas estavam certos, na vida e no amor não há garantias. O medo passa ser um companheiro incômodo. Você se distrai, mas ele permanece, está à espreita. Medo de morrer, medo de perder quem amamos, medo de não dar conta. Tornar-se mãe é um trabalho exigente, psíquico, complexo, com altas doses de repetição dos restos das nossas vivências de dependência e desamparo. Acrescentando a isso, ainda passamos por mudanças e processos subjetivos intensos: de filha para mãe, de menina à mulher, da infância à adultez. Muito trabalho psíquico inconsciente está no palco novamente, agora com outros personagens, atualizando cenas, construindo, encenando novos papéis e elaborando-os. Não, eu não sabia o que estava por vir desde que decidi ser mãe. A gestação logo me mostrou que o bebê e eu não éramos um, muito menos complementares. A placenta estava lá para ensinar e deixar os limites bem claros entre mãe e bebê – duas pessoas distintas mas ligadas profundamente. Fato que exigirá bastante da dupla, no jogo de presença e ausência, aprenderão a se separar e tornar-se um par e depois tornar a se separar e assim sucessivamente e por toda a vida, afinal – como diz Freud – o infantil permanece em nós. Isso eu já tinha aprendido com a psicanálise, mas ainda não tinha vivenciado. Gestar e cuidar de um bebê é potencialmente traumático. Tanto pelo impacto das transformações corporais e pelo novo que nos assusta, quanto pelo desamparo e solidão em que somos jogadas nessa experiência que inevitavelmente coloca nossos restos a exigir mais trabalho psíquico. Recentemente me deparei com o trabalho muito sensível da psicanalista Rachele Ferrari (2021), que traz a experiência da maternidade como um assombro, um susto, um trauma que insiste em tentar elaborar a experiência inquietante e conflituosa. A ideia do assombro foi desenvolvida pelo psicanalista Leopold Nosek (2017) – ele diz que o novo em si é traumático, aterroriza. Experiências inaugurais assombram, nos deixam atônitos, espantados ao mesmo tempo admirados. Rachele (2021) em sua pesquisa observou que artistas impactadas pela maternidade, sentiram a necessidade de expressar os excessos dessa experiência por meio da escrita, em uma tentativa elaborativa. Uma curiosidade é que essas mulheres utilizam palavras e ideias como abismo, profundidade, perda, parto-partir, para descrever as emoções e sensações do puerpério. A autora nos convoca a pensar que a capacidade de se abismar, é potencialmente elaborativa, na medida em que provoca espanto e ao mesmo tempo fascínio e encanto.