CRÔNICA
A SÍNTESE DE PIETÀ A imagem da mãe amparando o filho morto. Extraordinária síntese de bondade, proteção e dor. Tão perfeita que, na ânsia de exprimi-la, os escultores presentearam a humanidade com mais de uma versão da escultura que se chamou Pietà. Eu vi a mais impressionante delas na Basílica de São Pedro, em Roma. Ali e na Capela Sistina é onde mais se sente a pequenez do homem diante do Criador. É o universo de Michelangelo. Atormentado Michelangelo, das obras-primas e das esculturas colossais inacabadas. Angustiado entre a busca da afirmação do homem e a crença no poder de Deus sobre os seus atos. A cúpula monumental da Basílica de São Pedro, o fantástico Moisés, as expressivas pinturas da Capela Sistina, que variam do equilíbrio do Renascimento à dramaticidade do Maneirismo. Foi um tempo de ruptura aquele vivido na Europa do século XVI. O confronto entre a ideologia da razão e do humanismo com o misticismo do homem subjugado a Deus, reeditado pela Reforma de Lutero. O segundo Renascimento italiano foi bem um prenúncio do Barroco. O equilíbrio clássico cedendo lugar à dramaticidade das formas. Da serenidade ao nervosismo que beira o desespero. É a ruptura do equilíbrio que resulta em um momento ainda mais impressionante do que o Barroco, porque permite claramente perceber o tormento entre a razão e o irracional. O repouso cedendo lugar ao transe. Só Michelangelo consegue manter a expressão do tomento humano nos limites da beleza. Não são os rostos contorcidos da arte da Contrarreforma. É a dor que se insinua, misto de tristeza com doçura, a harmonia prevendo o caos, o olhar da “Sibila Délfica” que de repente se percebe num detalhe das pinturas a fresco da Capela Sistina. A mão do homem e o talento humano aproximam-se do eterno e criam Davi e Moisés que, frutos do sopro divino, são isso mesmo: obras divinas. No entanto, dentre todas as obras de Mi-
42 ITÁLIA 360º | N.3 | DEZEMBRO DE 2021
Lindolfo Paoliello
chelangelo, aquela onde sentimentos e contradições do homem mais estão presentes – angústia, dependência, dor, afeto – é nesta escultura que é como se fora o grito derradeiro do artista atormentado: Pietà! ||
Lindolfo Paoliello
é jornalista, cronista e consultor em Comunicaçao Empresarial. lindolfo@paoliello.com.br