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Diplomas suspeitos
from CDM 59
O expansivo comércio de trabalhos acadêmicos gera consequências legais e profissionais
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André Festa, Guilherme Kruklis, Laura Luzzi, Rafael Coelho e Romano Zanlorenzi
Ocomeço do ano letivo traz de volta o tema da comercialização de trabalhos acadêmicos. Esta prática tem sido uma saída entre os estudantes que não conseguem dar conta de tudo. A fim de ter mais tempo livre, não ficar sobrecarregado ou, simplesmente, por preguiça, muitos optam por não realizar suas pesquisas e trabalhos acadêmicos e acabam comprando de outros estudantes. Assim, acreditam ter a garantia de uma boa nota sem muito trabalho e tempo gasto. Porém, além de crime, há a perda do aprendizado que o trabalho levaria o estudante a obter. Apesar de garantir sua nota, o aluno terá lacunas em sua formação, prejudicando sua vida profissional.
De acordo com a pós-doutora e coordenadora do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Vivian Valle, tanto vendedor quanto comprador podem responder judicialmente por crimes como falsidade ideológica e estelionato.
Apesar das contraindicações, o comércio de trabalhos acadêmicos não é novidade no meio universitário. Na era digital, as transações ocuparam a internet, dando espaço para a criação de projetos como o marketplace “Deixa Que Eu Faço”. A página de Instagram que trabalha conectando estudantes dispostos a pagar por trabalhos e redatores que os fazem está em operação desde 1º de março. O criador e administrador da conta, Enrico Silvestri, observa um crescimento simultâneo dos dois públicos atingidos desde o início do projeto. “A gente enxerga nossa empresa como uma segunda chance, um benefício para o universitário”, argumenta Silvestri, ao citar redatores em busca de renda extra e alunos que estariam sem tempo ou desmotivados com o curso escolhido.
O descomprometimento com matérias do currículo de Engenharia de Produção foi o que levou um aluno, que não quis se identificar, a apelar pela compra de trabalhos. “Me aproximei de profissionais, até de um que trabalha em multinacional na área de engenharia, e perguntei sobre (a disciplina) Cálculo: ‘Quantas vezes você usou isso na tua vida?’ - Todos me responderam que nunca usaram em nenhum momento”. O estudante, próximo da formação, conta ter delegado avaliações em ao menos três matérias, incluindo exames para aprovação do semestre. Apesar de ver importância na posse de um diploma, avalia que o título de engenheiro não seja determinante para a vida profissional que almeja.
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Um estudante de Direito, também anônimo, admitiu que vende trabalhos da universidade. De acordo com ele, as pessoas nem sempre têm tempo
para fazer tudo, e acabam buscando essas alternativas para não reprovar. O aluno também comenta que é bom para a formação dele. “Não é algo que me cansa, sabe? É minha profissão, estou revendo conteúdos, aperfeiçoando minha capacidade, e ainda ganhando por isso. Pô, super vale a pena”, ressalta o estudante. O aluno ainda fala que, durante o começo das aulas online, a demanda aumentou, mas agora as pessoas se adaptaram e está mais fácil de colar. O vendedor explica que o preço da compra de atividades acadêmicas pode variar de acordo com o tamanho e dificuldade.
Um trabalho de duas laudas, por exemplo, custa cerca de R$ 70.
Segundo a advogada Heloise
Jory, a pena por falsidade ideológica pode chegar a três anos de reclusão mais multa em documentos particulares, já nos documentos públicos pode acarretar em cinco anos de prisão. Outro crime passível no momento da compra de um trabalho é o de plágio. Neste caso, segundo o artigo 184 Código Penal, a pena para comprador e vendedor pode ser de multa e até detenção de três meses a um ano, além da punição acadêmica, na qual o trabalho se torna passível de ser zerado e invalidado, inclusive trabalhos de conclusão de curso. A argumentação dos representantes da “Deixa que Eu Faço” considera que os crimes só se comprovam com vendas de provas e TCC’s, não negociados pela empresa, e ainda declara que todos os documentos vendidos são autorais, tendo passado por “sistema anti-plágio”.
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A advogada e professora da Universidade Tuiuti do Paraná, Juliana Brambila, fala dos sentimentos de revolta e tristeza ao flagrar um trabalho que não foi escrito pelo aluno, “O professor sente revolta por se ver enganado pelo aluno que, na ânsia de tentar levar vantagem em sua aprovação, resolve pagar para que outro faça o trabalho em seu lugar. E tristeza por saber que todo o seu trabalho para repassar o conhecimento está sendo em vão, já que o aluno opta por não realizar o trabalho e paga para que outro faça em seu lugar”.
A professora comenta como distingue um trabalho comprado: a forma de escrever, o vocabulário e a técnica linguística são aspectos identificáveis. Também existem programas de computador que auxiliam o professor, mas considera que a melhor forma é questionar o aluno sobre o trabalho, já que a maioria não é capaz de ler o trabalho que comprou. Juliana lamenta que o estudante esteja abrindo mão do próprio aprendizado e conhecimento verdadeiro, o que fará diferença ao entrar no mercado de trabalho.
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