4 minute read

1.1 “Tropicália ou Panis Et Circensis” (1968

textualidades confluem para traçar personagens que se opõe firmemente e com sucesso aos valores criticados em primeiro momento, ao contrário daqueles e daquelas personagens que fracassavam em suas tentativas de mudanças. Esta inclinação será referida adiante como “performance de afirmação”.

Por fim, no período entre 1973 e 1976, as textualidades não remetem a praticamente nenhuma performance de gênero de maneira direta – muito embora se possa argumentar que o não-falar também é discurso , 33 da mesma maneira que uma tentativa de não-performance seria também uma diferente performance. Nesse ponto, os e as personagens, assim como as figuras apresentadas nas imagens das capas, usualmente não têm gênero, sendo quase sempre tratadas de maneiras impessoais através de termos que remetem a coletividades. Esta performance será referida adiante como “performance impessoal”.

Advertisement

Tendo em vista as principais categorias de análise e estas quatro subdivisões da obra, é momento de voltar-se às fontes primárias, que neste capítulo são compreendidas por textualidades imagéticas e escritas da obra da banda, ou seja, as capas de discos e respectivos textos escritos que as acompanhem. Para tal, associar-se-á a cada uma destas inclinações performáticas de gênero uma capa de disco que de alguma maneira pareça-me representá-la de melhor forma.

33 O termo discurso refere-se aqui como elemento formativo do conceito de performance.

1.1 – “Tropicália ou Panis Et Circensis”

Para representar a “performance de crítica” característica do início da carreira da banda, opto por apresentar a capa do álbum “Tropicália ou Panis Et Circensis”, disco coletivo, concebido e apresentado por diversos dos tropicalistas em 1968 com intuito de ser o manifesto do grupo como movimento. Apesar de sua natureza coletiva, o teor das performances apresentadas na fotografia da capa do disco converge diretamente às que a banda então apresentava.

Articulando-a com a metodologia proposta por Napolitano, volto-me à “realidade histórica” que ela traz à abordagem aqui adotada – discursividades e performances de gênero. Por que esta capa representa um discurso de gênero constituído como “crítico social”?

O refrão da música título do disco, “Panis et Circenses”, refere-se diretamente às “pessoas na sala de jantar”. Da mesma maneira, a capa do disco retrata essas pessoas: em seu livro “a divina comédia dos Mutantes”, Carlos Callado a descreve da seguinte maneira:

A capa do álbum já dizia quase tudo. Parodiando a pose fotográfica de uma ‘respeitável’ família brasileira, os tropicalistas aparecem unidos no jardim de inverno de uma mansão, decorada por plantas tropicais. Gil e Caetano mostram retratos emoldurados de Capinam e Nara Leão; os Mutantes empunham suas guitarras elétricas; Tom Zé carrega uma valise de couro; Duprat segura um urinol como se fosse uma xícara de chá. 34

Dessa maneira, a capa estabelece diálogos que já foram diversas vezes apontadas para duas de suas referências estéticas mais evidentes, os Beatles – pelas similaridades com a capa do disco Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band – e o Movimento

34 CALADO, Carlos. Adivina comédia dos Mutantes. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 1996. p. 122.

Antropofágico da década de 20 – pelos motivos tropicais na mansão tradicional. Porém, além destas textualidades, traçam-se individualmente discursividades referentes a cada participante retratado na fotografia: é o caso de Tom Zé que, ao segurar sua sacola de couro típica das regiões áridas do Nordeste brasileiro, afirma sua identidade como nordestino em meio àquele ambiente que lhe é estranho. Da mesma maneira agem os Mutantes, que em meio a uma situação traçada de forma a representar uma família tradicional, empunham as guitarras que exprimem sua rebeldia e sua identificação com um meio alienígena ao que se encontram no retrato. Pode-se afirmar que os tropicalistas não estavam sós em suas opiniões acerca do papel da família tradicional no Brasil da década de 60. Fernando Novais discorre sobre as transformações sofridas pelas estruturas familiares tradicionais no Brasil do período em seu texto “Capitalismo tardio e sociedade moderna”:

Este quadro de transformações não poderia deixar de repercutir intensamente no seio da família. (...) Este desenvolvimento foi impulsionado, da classe média pra cima, pelo acesso mais amplo da mulher à universidade, pela aceleração de sua entrada no mercado de trabalho, pela disponibilidade da pílula anticoncepcional – já difundida nos países desenvolvidos a partir de 1960, mas que só chegou ao Brasil quatro ou cinco anos depois –, e pelo avanço do ceticismo e mesmo do ateísmo. Há, nestes ambientes sociais, uma valorização do prazer sexual e do amor-paixão; a educação dos filhos torna-se mais liberal. É evidente que essa tendência se articula à “revolução sexual” que estava ocorrendo nos países desenvolvidos nos anos 60. Dos estratos sociais “superiores” , a modernização da família e da moral sexual vai se espraiando para a base da sociedade. 35

Apesar de equivocado ao localizar cronologicamente a chegada da pílula ao Brasil em 1964 ou 65 – e este equívoco pode ser percebido conforme apontado por Joana Maria Pedro em seu texto “A experiência com contraceptivos no Brasil: uma

35 NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociedade moderna. Coleção História da vida privada no Brasil, volume IV, Companhia das Letras, 2000, p. 643.

This article is from: