War Requiem: como representar a guerra? Bruno Carmelo
War Requiem (1989) desenvolve-se ao longo de 92 minutos – duração prevista para acomodar a composição musical de mesmo nome, de autoria de Benjamin Britten, apresentada pela primeira vez em versão integral em 1962. Como diz o título (“Réquiem para a guerra”, em tradução literal), trata-se de uma evocação lírica e operística da Segunda Guerra Mundial, pelos olhos de um poeta que se recorda dos horrores do confronto, e pela enfermeira que o acompanha. Não há efeitos sonoros ou diálogos – ou melhor, o som das falas é suprimido –, deixando espaço apenas para a execução integral da peça de Britten . Alternamse imagens teatrais de enterros, simulações de trincheiras em locais fechados e corais com projeções reais de guerras ao fundo. Multiplicam-se os ritmos, as formas, os suportes. Este parece ser o conflito principal de War Requiem, e também de diversos filmes recentes tendo como foco as atrocidades da guerra: como representar a dor dos outros? Como ser justo à memória das pessoas envolvidas, sem glorificar nem acusar, sem idealizar nem exagerar? Seria melhor escolher o espetáculo, capaz de dar conta da grandiosidade da vida humana, ou talvez o registro documental, aparentemente menos propenso a manipulações discursivas da mise en scène? Muitas obras têm encontrado no hibridismo de registros a melhor maneira de expor essa dificuldade, fazendo do próprio questionamento sobre a representação o tema do filme. A imagem que falta (2013), docudrama de Rithy Pahn sobre o massacre no Camboja, associa material de arquivo a ilustrações voluntariamente amadoras, utilizando bonecos de argila na representação das vítimas. A ideia, no caso, é sugerir que a verdadeira imagem da violência precisa ser construída, porque jamais poderia ser apreendida naturalmente, em toda a complexidade de seu contexto. No cínico documentário O ato de matar (2012), Joshua Oppenheimer convida os próprios responsáveis pelo genocídio na Indonésia para recriarem os seus crimes, dirigindo as cenas do filme-dentrodo-filme. Desta vez, as imagens grotescas destes diretores amadores conferem o recuo necessário para recriar o sentido de absurdo, de irrealidade da matança. Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman, capta depoimentos de pessoas ligadas à primeira Guerra do Líbano para recriá-los posteriormente com o lirismo do cinema de animação. Em todos esses casos, as imagens e memórias reais foram associadas a elementos claramente artificiais e fictícios, destinados a eliminar a ingênua
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