“The rose has teeth in the mouth of a beast” – Wittgenstein no rizoma Jarman João Manuel de Oliveira
Escrever nervosamente. Como se o écran branco e desesperante nos fosse trair no momento seguinte. Não é fácil tocar em territórios profanados nas nossas experiências. Profanado aqui como antítese de sagrado, destruição de deus pelo extremo exercício da beleza, como diz o título da peça de Vera Mantero. Não quero sagrados no meu texto, na luminosidade que me trouxe o escuro de Jarman e nas horas que me envolvi com a escrita de Wittgenstein. Não é da ordem do sagrado, noção que laboriosamente se puseram ambos a destruir. Mais tarde, escutava os Matmos e o seu álbum homônimo do meu texto. Intertexto. A música dedicada a Wittgenstein feita com sons de rosas secas esfregadas, mais dentes do siso e sons de gansos. Estamos em rizoma, em tal emaranhado de redes, em que um já não é só outro. Somos multitude queer, avançando nas ruas, com os Jarmans e os Wittgensteins dentro de nós mais as outras que também somos. “Uma multidão de diferenças, uma transversalidade de relações de poder, uma diversidade de potências de vida.” Uma, um milhão. Como fizemos com a epidemia que nos levou tantos companheiros, como Jarman. Mas que gerou a contestação queer do mundo e para a qual as imagens, muitas vezes barrocas, de Derek Jarman, tanto fizeram. Mas o tema afinal não era o Wittgenstein de Jarman? E por que falas destas lutas? Wittgenstein é relato de uma luta que continua cá, da potência da visão do filósofo e da sua releitura pelo artista. “Na arte é difícil dizer algo melhor do que ficar calado”. Aqui devia acabar o meu texto. Atrevo-me a mais. O mesmo Wittgenstein criança que diz esta frase continua a sua história, voando com asas e balões, escutando as mil vozes que o levaram a necessitar de se libertar da sua educação. Como é que um queer, uma criança queer, chega à filosofia? Este filme trata de processos de reeducação, repensando as ficções das identidades, fazendo a reparação de um processo de treino. Um treino que necessita ser reprogramado, refigurado e ressignificado. Tal qual o treino que é dado a queers e para o qual necessitamos de curas de desintoxicação da heterossexualidade hegemônica, da qual sobram ainda restos, lixo, como o straight acting ou a misoginia de alguns gays. Este filme encerra uma visão punk sobre Wittgenstein, esse queer que nos trouxe um novo mundo de linguagem, cujos limites são os limites do nosso mundo. Jarman, na sua visão, traz-nos novas gramáticas políticas, chaves de leitura queer para pensar a estranheza deste desertor de si mesmo, que passa da lógica do Tractatus Logico-Philosophicus para a potência dos jogos de linguagem que propõe em Investigações filosóficas.
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