DEREK JARMAN: CINEMA É LIBERDADE

Page 168

Into the wide blue yonder Tatiana Monassa

Chegaria até ao ponto de dizer, levando a coisa a um ponto caricatural, que se um dia me mostrassem um filme no qual não houvesse imagens, ou, mais exatamente, no qual as imagens fossem apenas choques de luz sucessivos, mas acompanhados de um texto ritmado em função deles, que isso é cinema.1 Alain Resnais

O que é o cinema? Talvez essa pergunta, feita e refeita ao longo do século XX, tenha tantas respostas quanto filmes existentes. No entanto, algumas obras, por terem como base uma proposição reflexiva, nos confrontam imediatamente com questões sobre a natureza do meio. Blue (1993) é uma delas. Ao esvaziar a tela de formas sem no entanto abolir a narração – a exemplo de João César Monteiro em Branca de Neve (2000) –, Derek Jarman distancia-se resolutamente da conformação habitual do filme, reposicionando assim também o seu espectador. Ocupada pela projeção de uma banda de filme invariável – cuja integralidade dos fotogramas é preenchida pelo IKB (International Klein Blue), o famoso azul intenso criado e patenteado por Yves Klein –, a tela em Blue não oferece pontos de fixação para o olhar, que se depara com a monotonia de um vasto espaço plano e uniforme. O texto que compõe a trilha sonora, situado entre monólogo teatral e recital e ritmado com ruídos e música, instaura uma progressão que funciona como contraponto à imagem monocromática. Sem estarem explicitamente articuladas, estas duas instâncias encontram-se, no entanto, diretamente conectadas, fornecendo estímulos simultâneos à visão e à audição durante um tempo determinado – o que basta para qualificar Blue de cinema. Vemos, portanto, que, de saída, o problema da “natureza” do filme em Blue não responde aos critérios ligados ao caráter indicial da imagem ou aos sistemas de organização espaço-temporal, mas a parâmetros vinculados sobretudo à experiência do espectador: a configuração técnica da projeção, de um lado, e a narração organizada temporalmente, de outro. Por outro lado, ao solicitar a imaginação de forma fundamentalmente diferente do filme 1. Alain Resnais em entrevista a Guy Gauthier sobre Chris Marker, Image et Son, no 161-162, abril de 1963, p. 52. [Tradução da autora.]

168


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Into the wide blue yonder Tatiana Monassa

3min
pages 168-169

Anacronia e desejo em The Tempest de Derek Jarman Tales Frey

2min
pages 166-167

O rapaz do casaco vermelho Tiago Cadete

2min
pages 170-171

The Angelic Conversation Marcio Harum

2min
pages 164-165

Fértil melancolia Juliano Gomes

5min
pages 160-163

A história da arte como invenção Leo Felipe

6min
pages 156-159

Caravaggio Jorge Soledar

2min
pages 154-155

The rose has teeth in the mouth of a beast” – Wittgenstein no rizoma Jarman João Manuel de Oliveira

4min
pages 152-153

The Last of England, ou errar o desejo Cezar Bartholomeu

2min
pages 146-147

Glitterbug Carolina Alfradique Leite

4min
pages 142-145

O lugar do trono Francisco Camacho

5min
pages 148-151

War Requiem: como representar a guerra? Bruno Carmelo

4min
pages 140-141

O canto da memória Breno Marques Ribeiro de Faria

2min
pages 138-139

As imagens-sonho Bernardo Bäcker

4min
pages 132-133

Somos Sebastião: o porco e a dança do sol na água (ao nosso amor) Bernardo Mosqueira e Joaquim Leães de Castro

6min
pages 134-137

Documentando novos espaços: os vídeos caseiros de Derek Jarman Adriana Pinto Azevedo

3min
pages 130-131

Blue: a necrospectiva do cinema autoral do século XX. Marcelo Augusto

9min
pages 114-119

O Super-8 é liberdade: uma revisão do cinema do gesto pequeno Yann Beauvais

17min
pages 120-127

The Last of England e os home movies: ensaio sobre um filme-ensaio Luiz Andreghetto

12min
pages 108-113

A trilha sonora de um filme imaginário: Uma análise do filme Blue Fabiana Quintana Dias

13min
pages 100-107

Os ensaios em Super-8 de Derek Jarman Cecília Mello

10min
pages 94-99

Imaging october, Dr. Dee e outros assuntos Uma entrevista com Derek Jarman

34min
pages 66-81

Glitterbug: corpos e espaços como fragmentos da memória Alexandre Figueirôa

7min
pages 84-87

Nostalgia e vanguarda nos vídeos musicais de Derek Jarman Angela Prysthon

12min
pages 88-93

Apresentação

4min
pages 9-13

In the Shadow of the Sun

0
pages 33-34

Will You Dance With Me?

0
pages 35-36

Aria

1min
pages 43-44
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.